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Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Resolução de problemas em homicidas e tentadores de suicídio

 

Problem solving in homicides and suicide attempts

 

 

Márcia Keller Coronel*; Blanca Susana Guevara Werlang

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - RS - Brasil

 

 


RESUMO

Este artigo objetiva avaliar a flexibilidade para resolução de problemas em tentadores de suicídio e em sujeitos que cometeram homicídio qualificado, verificando se há diferença, quando comparados à população geral. Amostra composta por 32 tentadores de suicídio (G1), 30 homicidas (G2) pareados a 62 indivíduos da população geral (G3). Instrumentos utilizados foram o Teste Stroop de Cores e Palavras, os subtestes Cubos, Códigos e Vocabulário do WAIS-III e a Mini-international Neuropsychiatric Interview. Verificou-se que o G1 apresentou escores mais baixos em relação ao G2 e ao G3 (p<0,001). Já o G2, apresentou escores inferiores aos do G3 (p<0,001). Concluiu-se que G1 apresentou menos flexibilidade na resolução de problemas, que G2 e G3. E G2 apresentou maior rigidez na resolução de problemas que G3.

Palavras-Chave: Resolução de problemas, Homicidas, Suicídio.


ABSTRACT

The aim of the study was to evaluate the flexibility to solve problems in subjects who have attempted suicide and others who had committed murder in order to verify differences when compared to the general population. Sample consisted of 32 subjects who had attempted suicide (G1), 30 murderers (G2) matched to 62 individuals from the general population (G3). Instruments used were the Stroop Color and Word Test, the subtests, Codes and Vocabulary WAIS-III and the Mini International Neuropsychiatric Interview. It was found that the G1 had lower scores compared to G2 and G3 (p <0.001). On the other hand, G2 showed lower scores than G3 (p< 0.001). It was concluded that G1 had less flexibility in solving problems than G2 and G3. Also, G2 showed greater rigidity in problem solving than G3.

Keywords: Problem solving, Murderers, Suicide.


 

 

INTRODUÇÃO

Os índices de violência têm aumentado de modo significativo nas últimas décadas, o que levou a um incremento no número de mortes por causas externas em todas as sociedades, tornando-se tema de discussões em saúde pública (Ministério da Saúde, 2006; Botega, 2007). A auto-agressão, inserida nestes contextos, é a causa de mais da metade das mortes por violência, estimando-se que ao longo do ano 2003, nada menos do que 900.000 pessoas, no mundo, cometeram suicídio (WHO, 2009). Este evento está entre as três principais causas de óbitos em jovens (15 a 34 anos) e entre as dez principais causas de morte no mundo, para todas as idades (Botega, Rapeli e Freitas, 2004, WHO, 2009). Quanto às tentativas de suicídio, indica-se que os coeficientes sejam pelo menos de dez a vinte vezes maiores que o número de suicídios (Botega e Rapeli, 2002, Werlang e Botega, 2004). Bem como, verifica-se que 15 a 25% das pessoas que tentam o suicídio, tentarão se matar novamente no ano seguinte, e 10% das pessoas, que tentam o suicídio, conseguem efetivamente matar-se nos próximos dez anos.

No Brasil, as taxas de suicídio não são tão alarmantes como as que aparecem em outros países, que apresentam coeficientes, no sexo masculino, que superam 30 casos em 100.000 habitantes. Entre os países sul-americanos, o Brasil apresenta uma das menores taxas de suicídio. Deixando-se à margem o real problema da subnotificação, o suicídio respondeu por 0,8% de todos os óbitos da população brasileira em 2004 (Ministério da Saúde, 2006).

Em contrapartida outro importante integrante do mapa das violências são os homicídios, que no ano de 2003 computaram mais de 51 mil mortes, totalizando quase 140 por dia. As taxas são, invariavelmente, mais elevadas no grupo dos homens. Sendo que no Brasil, em 2003, a taxa foi de 52,8/100 mil habitantes homens em relação a 4,3/100 mil mulheres. Outra característica marcante no padrão epidemiológico brasileiro dos homicídios é o aumento dos coeficientes em uma população cada vez mais jovem. Nas faixas etárias, dos 15 aos 29 anos, as taxas são extraordinariamente mais altas do que as verificadas na população como um todo, indicando uma ocorrência de 7,7 mortes por 100.000 habitantes, na faixa dos 20 aos 24 anos. Na região Sul, do Brasil, destaca-se por situar as capitais com as mais baixas taxas, diferenciando-se apenas da cidade de Natal, que se localiza na região Nordeste (Souza e Lima, 2007).

Considerando estes aspectos, o comportamento homicida é de grande interesse para a saúde pública pelos altos índices anuais de ocorrência deste fenômeno, representando uma das principais causas de morte, anos potenciais perdidos e um indício do grau de violência mortal que atinge integralmente a sociedade. Considerando o intervalo entre os anos de 1993 e 2002, no âmbito nacional, o homicídio teve um aumento de 62,3%, nas capitais foi de 5,3%, sendo que na faixa-etária dos 15 aos 24 anos, houve um aumento de 88,6%, neste período. O Rio Grande do Sul encontrava-se em 2002, na 16ª posição no ranking das unidades federativas do Brasil (Waiselfisz, 2004).

A etiologia da violência fatal, seja auto ou hetero-infligida, perpassa por fatores biológicos, sociais, psicológicos e, muitas vezes, revela-se o resultado da ação recíproca e completa destes fatores, constituindo-se num fenômeno multidimensional (WHO, 2009). Os avanços tecnológicos têm permitido o conhecimento das estruturas cerebrais envolvidas na mediação da agressão e violência. Estudos apontam a participação de lesões morfológicas e déficits funcionais de certos centros cerebrais na gênese do comportamento violento (Giancola e Zeichner, 1994; Filley, Nell, Antoinette e Morgan, 2001). Nesse sentido, pesquisas têm apontado os déficits na resolução de problemas como um importante fator de risco para estes comportamentos.

Sternberg (2000) descreve o ciclo da resolução de problemas em sete passos: 1. identificação do problema; 2. Definição do problema; 3. formulação da estratégia; 4. organização da informação; 5. alocação de recursos; 6. monitorização; 7. avaliação. A resolução de problemas encontra-se permeada por fatores intervenientes na forma de configurações mentais. Os problemas são divididos em duas classes: os bem definidos (como os matemáticos) e os mal definidos (maioria dos problemas diários). Os problemas mal definidos impõem maior dificuldade para a sua solução, pois é menos óbvia a estratégia necessária para resolvê-los ou atenuá-los.

A capacidade de resolução de problemas é diretamente ligada ao lobo frontal, que é didaticamente dividido em três áreas: motora, pré-motora e pré-frontal. O córtex frontal poderia ser considerado uma interface entre cognição e sentimentos, estando associado a funções como memória e atenção. Suas funções são, na maioria, chamadas de funções executivas, cujas atividades estão ligadas ao controle das ações através da antecipação. Esse controle está ligado à motivação e à capacidade de prever as ações futuras, memória prospectiva (Godefroy, 2003; Goethals, Audenaert, Van de Wiele e Dierckx, 2003; Masterman e Cummings, 2003).

Portanto, a partir de uma situação problema, o cérebro busca memórias dispersas que possam auxiliá-lo para a decisão a ser tomada, procurando um comportamento de resposta com resultado positivo. Associada a tais memórias está a ativação de estruturas subcorticais chamadas de sistemas cerebrais de punição e recompensa (SCPR). Tal mecanismo se ativa em qualquer tomada de decisão, já que ele instiga a resolver o problema de modo a gerar maior quantidade de prazer imediato possível. Regiões pré-frontais corticais específicas modulam a atividade do pólo subcortical, servindo como filtro, liberando apenas os comportamentos adequados ao contexto do indivíduo num momento específico. Sendo todo este mecanismo direcionado pelas emoções, que faz com que determinada decisão seja considerada como positiva ou negativa (Palmini, 2004).

A flexibilidade mental está relacionada diretamente às funções executivas do lobo frontal, envolvendo a capacidade de adequar as respostas às contingências, inibindo um tipo de resposta não-adaptada e buscando outro com valência positiva. Quando esse movimento não ocorre, isso se deve provavelmente a uma perseveração do pensamento, causando uma aderência a tarefa, o que levaria a uma deficiência na resolução de problemas (Oliveira-Souza, Ignácio, Cunha, Oliveira e Moll, 2001; Gil, 2002).

Estudiosos investigaram as relações e a influência desse déficit em tentadores de suicídio e suicidas e compreenderam haver diversas variáveis que se inter-relacionam, entre elas: a rigidez cognitiva (Neuringer, 1964, Patsiokas, Clum e Luscomb, 1979), o pensamento dicotômico e a dificuldade de solucionar problemas de forma efetiva (Levenson e Neuringer, 1971). Ou ainda, que não possuiriam habilidades diversas para enfrentamento de situações estressantes (Grover et al., 2009). Outro ponto associado, aos tentadores de suicídio, seria a presença de transtorno depressivo, fator que o deixaria desprovido emocional e cognitivamente de estratégias de enfrentamento de uma situação problema (Cha, Najmi, Park, Finn e Nock, 2010; Roškar, Zorko, Bucik e Marušic, 2007).

Audenaert et al. (2002) realizaram estudo utilizando o Procedimento de Ativação Neuropsicológica e o Teste de Fluência Verbal, no qual 20 pacientes com tentativa de suicídio foram comparados a outros 20 sujeitos da população geral, concluindo haver uma redução do funcionamento pré-frontal, em que a habilidade para mobilizar estratégias comportamentais efetivas em situações em que há estímulos competindo está também reduzida. Esse déficit pode servir como uma razão biológica para a inabilidade de solucionar problemas da vida diária. Isto poderia, cognitivamente e emocionalmente, resultar da desesperança e de uma falsa convicção de que o sujeito não pode fazer nada para mudar o futuro, sentindo-se indefeso. Assim, devido a uma falta de opções, a tentativa de suicídio é realizada.

Keller e Werlang (2005) realizaram um estudo sobre flexibilidade na resolução de problemas em tentadores de suicídio, avaliando também se a desesperança estava relacionada à flexibilidade mental. A amostra foi composta por tentadores de suicídio pareados a sujeitos sem história de tentativa de suicídio anterior. Utilizaram dentre os instrumentos de avaliação o teste Wisconsin de Classificação de Cartas, o Teste Stroop de Cores e Palavras, concluindo que tentadores de suicídio apresentam menos flexibilidade na resolução de problemas, com maiores níveis de desesperança, e que está relacionada à deficiência na resolução de problemas, quando comparados à população geral.

Nos homicidas esta característica foi avaliada em vários estudos (Laakso et al., 2002; Del Pino e Werlang, 2008) através da avaliação neurológica e neuropsicológica de indivíduos com processo legal por homicídio. Jozef, Silva, Greenhalgh, Leite, e Ferreira (2000) realizaram estudo sobre disfunção cerebral e transtorno de personalidade anti-social em homicidas. Apontaram correlação entre disfunção frontal e comportamento homicida, principalmente nos indivíduos que tinham tendência a cometer homicídios instrumentais. Del Pino e Werlang (2008) avaliaram a flexibilidade mental em indivíduos que cumpriam pena por homicídio qualificado, utilizando instrumentos de avaliação neuropsicológica para compará-los a sujeitos da população geral. Concluíram que os homicidas apresentavam maior rigidez cognitiva.

Considerando que o aumento da violência traz conseqüências como a deterioração da qualidade de vida e das condições de saúde pública, bem como conhecer um fenômeno auxilia em técnicas de prevenção mais eficazes, busca-se através deste estudo avaliar a flexibilidade na resolução de problemas em indivíduos que realizaram tentativa de suicídio, bem como, em sujeitos que cumprem pena por homicídio qualificado. Verificar também se há diferença entre a flexibilidade na resolução de problemas em indivíduos que tentaram suicídio comparados aos que cumprem pena por homicídio qualificado. E por fim, se propôs a verificação de diferenças entre a flexibilidade em resolver problemas em indivíduos que tentaram suicídio, em sujeitos que cumprem pena por homicídio qualificado e naqueles sem história de suicídio ou homicídio.

 

MÉTODO

Delineamento

O estudo foi quantitativo de tipo transversal, tendo, em um primeiro momento, um enfoque descritivo e, posteriormente, uma comparação entre variáveis.

Sujeitos

A amostra constituiu-se por conveniência ou não-aleatória, por 124 indivíduos, com idade entre 18 e 40 anos. Divididos em três grupos, o primeiro composto por 32 sujeitos com tentativa de suicídio (G1), o segundo por 30 sujeitos que cumprem pena em regime fechado (art. 121§2° do CPB) por homicídio qualificado (G2) e o terceiro composto por 62 sujeitos da população geral sem história de tentativa de suicídio e nem de homicídio (G3). As características quanto a sexo, idade, escolaridade e classe social, do G1 e G2 deram origem à formação do G3.

Os critérios de exclusão da amostra foram a apresentação de transtorno ou sintomas psicóticos, retardo mental, desordens neurológicas, realização de eletroconvulsoterapia nos últimos meses, a utilização de psicotrópico com propriedade anticolinérgica ou benzodiazepínica, ou qualquer medicamento que alterasse a cognição na hora da coleta de dados. Como critérios de inclusão utilizaram- se, para o G1, a tentativa de suicídio recente, a permanência por no mínimo 24 horas internado em unidade de emergência de hospital geral da região metropolitana de Porto Alegre, escolaridade de, no mínimo, cinco anos e a não-apresentação de nenhum dos critérios de exclusão. Para G2, o cumprimento de pena por homicídio qualificado em instituição penal de segurança média em regime fechado e 5 anos de escolaridade, no mínimo. Para o G3, os critérios incluíam a não-apresentação de história de tentativa de suicídio, nem histórico de antecedentes criminais e cinco anos de escolaridade no mínimo, além de não ser permitido aos indivíduos participantes possuir algum dos critérios de exclusão acima descritos.

Instrumentos

A fim de caracterizar a amostra, foi preenchida uma Ficha de Dados Sociodemográficos. Esta ficha inclui itens para registrar informações sobre sexo, idade, escolaridade, composição do núcleo familiar, dados sócio-econômicos, entre outros. Para avaliar a presença de quadros psicopatológicos utilizou-se a Mini-International Neuropsychiatric Interview (MINI), na versão brasileira 5.0.0, traduzida por P. Amorim (Sheehan, Janavs, Baker, Sheehans, e Knapp, 2000).

Como medida de avaliação da inteligência geral utilizou-se a escala Wechsler de Inteligência para Adultos (Wechsler, 2004), na versão adaptada e padronizada para o Brasil por Elizabeth Nascimento. Para a pesquisa atual foram administrados: o subteste de execução cubos, que visa avaliar a capacidade de análise e síntese, conceitualização visoespacial, coordenação visomotora espacial e estratégias de solução de problemas; o subteste de execução código, que avalia a coordenação visomotora, a atenção e a memória; e por fim, vocabulário, um subteste verbal que objetiva investigar conhecimentos semânticos, inteligência geral, estimulação do ambiente e antecedentes educacionais. A opção por esses subtestes deveu-se ao fato de representarem-se como recurso confiável para triagem intelectual. Vocabulário é considerado a melhor medida singular de inteligência geral; cubos, como tendo alta correlação com QI de execução e a melhor medida de g de toda a escala; e código, valorizado como teste de velocidade, permitindo avaliar a manutenção da atenção e da memória, além de exigir rapidez, motivação e persistência (Lezak, 1995; Cunha, 2000; Wechsler, 2004).

Para avaliar a flexibilidade na resolução de problemas foi usado o teste Stroop de Cores e Palavras (Stroop, 1935). Foi utilizada a versão de Charles J. Golden (1978), que consiste em três cartões com 100 itens cada. O primeiro cartão chamado a 'palavra' mede a velocidade de leitura de palavras: o sujeito é obrigado a ler linhas, contendo três diferentes palavras de cor (preto, verde e azul) impressas em tinta preta e apresentados em ordem aleatória. No segundo cartão, o cartão de cor, o sujeito tem para citar as cores de blocos que são impressos nas cores preto, verde e azul. Esta condição verifica medidas da velocidade da nomeação das cores. Na terceiro cartão, o cartão da cor da palavra, a pessoa é obrigada a nomear as cores em que a palavra está impressa e não a palavra-cor escrita, por exemplo, a palavra cor verde pode ser apresentado em tinta azul, sendo a cor da palavra um efeito distrator. Em todos os três cartões, a tarefa é está marcada para 45 segundos e o número de respostas corretas é contado, para cada um individualmente. Depois é calculada a média dos três escores. Todos os estímulos são apresentados em uma ordem aleatória e o sujeito é obrigado a nomeá-los o mais rapidamente possível. A menor pontuação no cartão de palavra-cor, na presença de escores normais nos cartões de palavra e no de cor, reflete o efeito da interferência (Golden, 1978; Lezak, 1995; Spreen e Strauss, 1998).

Procedimento para Coleta e Análise dos Dados

Este estudo foi desenvolvido em um hospital geral e em uma penitenciária de segurança média da região metropolitana de Porto Alegre, após autorização da direção das mesmas. No G1 houve a liberação pela equipe médica responsável pelo atendimento de pacientes com tentativa de suicídio. Os tentadores de suicídio foram abordados no momento da baixa hospitalar no setor de emergência, e os homicidas, durante o cumprimento de sua pena, quando então, foram esclarecidos os principais objetivos do estudo. Após a concordância em participar da pesquisa, os sujeitos do G1 e G2 assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Foram realizados dois encontros, de aproximadamente 50 minutos cada, para a administração dos instrumentos, num intervalo de tempo entre 7 e 21 dias após o contato, nas dependências das referidas instituições ou em local previamente estabelecido pelos pesquisadores e em concordância com os sujeitos. Os sujeitos do G3, da população geral, foram contatados individualmente, por conveniência, de acordo com as características necessárias para o pareamento. Após a concordância na participação da pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido a aplicação dos instrumentos também foi realizada em dois encontros, de aproximadamente 50 minutos cada, em local também previamente estabelecido e em concordância com o sujeito.

Os dados coletados foram processados e analisados estatisticamente através de técnicas descritivas (média, distribuição de freqüências). Para amostras independentes foram utilizados o teste de Kruskal-Wallis e o teste t. O nível de significância estatística adotado foi de 5%. O projeto deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

 

RESULTADOS

Os tentadores de suicídio (32) que compuseram o G1 eram 15 (46,9%) sujeitos do sexo masculino e 17 (53,1%) do sexo feminino, com idade média de 28,25 anos (DP=5,82). Quanto ao grau de escolaridade, 13 (40,63%) tinham apenas o ensino fundamental incompleto; 3 (9,4%), fundamental completo; 4 (12,5%), ensino médio incompleto; 8 (25%), médio completo; 3 (9,4%), superior incompleto; e 1 (3,1%), superior completo. Em relação à classe social, 20 (62,5%) eram de classe baixa, 10 (31,3%) eram de classe média e 2(6,3%) eram de classe alta. Para definição da classe econômica dos participantes utilizou-se o critério de Classificação Econômica Brasil, publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, disponível em www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB. pdf), em 2008.

Como método empregado na tentativa de suicídio atual observou-se que 14 sujeitos (43,8%) utilizaram-se só da ingestão de medicamento; 4 (12,5%), de enforcamento; 3 (9,4%) ferimento a faca; 3 (9,4%), ingestão de medicamento associado a uso de álcool; 2 (6,3%), ingestão de medicamento associado a corte nos pulsos; 2 (6,3%), corte nos pulsos; 2 (6,3%), jogaram-se de locais altos; 1 (3,1%), ateou-se fogo; e 1 (3,1%) ingeriu veneno de rato. Destes, 17 (53,13%) já haviam realizado tentativas de suicídio anteriores. Desses, 8 (47,06%) apresentavam só uma tentativa prévia de suicídio; 3 (17,65%), duas tentativas anteriores; 2 (11,76%), três tentativas anteriores; 3 (17,65%), cinco tentativas anteriores; e 1 (5,88%) seis tentativas anteriores. Como método utilizado nas tentativas anteriores, a ingestão de medicamento foi citada por 12 sujeitos (70,58%), enforcamento por cinco (29,41%); arma branca, por quatro (23,53%); corte nos pulsos por três (17,65%); veneno de rato, por três (17,65%); arma de fogo, por um (5,88%); soda cáustica, por um (5,88%); e saltar de local alto, por um (5,88%). Além disso, 12 referiram conhecer pessoas que realizaram suicídio exitoso (37,5%) e, destes, dois (16,67%) indicaram o suicida como seu familiar em primeiro grau.

Dos homicidas que compuseram o G2, todos eram do sexo masculino, com idade média de 28,77 anos (DP= 5,95), com idade média na ocasião do crime de 23,37 anos. Em relação à classe social, 24 (80%) eram de classe social baixa e 6 (20%) eram de classe média. Quanto ao grau de escolaridade, 24 (80%) haviam cursado o Ensino Fundamental Incompleto, 2 (6,7%) o Fundamental Completo, 3 (10%) Ensino Médio Incompleto, 1 (3,3%) Ensino Médio Completo. Ainda, dos 30 sujeitos que cometeram homicídio qualificado, 20 (66,7%) eram primários e 10 (33,3%) já haviam cumprido pena ou estavam cumprindo outras penas (furto, assalto a mão armada, latrocínio, lesões corporais, estupro) concomitantes com o homicídio qualificado atual. Destes últimos, 2 sujeitos já tinham cumprido pena por tentativa de homicídio, 1 pela autoria de dois homicídios e outro sujeito cumpria pena por dois homicídios qualificados na época do estudo. Como métodos empregados para o homicídio atual, 25 sujeitos (83,3%) utilizaram para matar a arma de fogo, 2 (6,7%) a agressão física (socos e pontapés), 2 (6,7%) objeto pérfuro-cortante (faca e espeto) e 1 (3,3%) incêndio (ateou fogo à residência da vítima).

As características quanto a sexo, idade, escolaridade e classe social, do G1 e G2 deram origem à formação do G3, portanto, as características descritas nos grupos anteriormente, sobre estes aspectos são idênticas, no G3.

Através da MINI, pôde-se verificar no G1 que, dos 32 tentadores de suicídio, 9 (28,13%) não atenderam aos critérios para diagnóstico de transtorno psicopatológico. Dos 23 sujeitos que atenderam aos critérios, 19 (59,38%) apresentaram apenas um diagnóstico, enquanto os 4 (12,5%) restantes tinham diagnóstico com co-morbidades. Entre os 19 sujeitos que satisfizeram critérios só para um diagnóstico, 17 apresentavam episódio depressivo maior atual; um episódio maníaco atual; e um abuso de substância (cocaína). Os 4 sujeitos que atenderam aos critérios para mais de um diagnóstico tiveram como diagnóstico principal episódio depressivo maior atual com as co-morbidades dependência de substância, episódio maníaco passado e bulimia nervosa. Cabe ainda salientar que os 32 sujeitos (100%) do G1 apresentaram risco de suicídio alto.

Nos 30 homicidas que compuseram o G2, 16 (53,3%) não preencheram critérios para diagnóstico psicopatológico. Dos 14 (46,7%) sujeitos que preencheram critérios, 6 (20%) apresentaram só um diagnóstico, enquanto os 8 (26,7%) restantes tinham diagnóstico com co-morbidades. Dentre os 14 sujeitos que preencheram critérios só para um diagnóstico, 3 (21,4%) apresentavam Transtorno de Personalidade Anti-social, 2 (14,3%) Transtorno de Ansiedade Generalizada e 1(7,1%) Episódio Depressivo Maior Recorrente. Os 8 (26,7%) sujeitos que preencheram critérios para mais de um diagnóstico, tiveram como diagnóstico principal Episódio Depressivo Maior 4 (50%), Transtorno de Personalidade Anti-social 3 (37,5%) e Transtorno de Ansiedade Generalizada 1 (12,5%), como co-morbidades: Abuso de Substância, Episódio Hipomaníaco Passado, Ataques pobres em sintomas de pânico, Transtorno de Personalidade Anti-social e Risco Suicídio Baixo.

No G3, 4 sujeitos (6,4%) atenderam aos critérios para diagnóstico, três apresentando Transtorno distímico como único diagnóstico, e um Transtorno de Pânico a Vida Inteira. Um sujeito preencheu critérios para diagnóstico principal de Dependência Álcool com comorbidade de Transtorno de Ansiedade Generalizada.

Pelo cálculo das médias dos escores ponderados em cada um dos subtestes do WAIS-III (Cubos, Vocabulário e Código), foi possível identificar que G1 apresentou em Cubos 11,47, em Vocabulário 13,75 e em Código 9,63. Já, G2 apresentou em Cubos 9,80, em Vocabulário 10,40 e em Código 9,07. O G3, em Cubos apresentou 11,82 em Vocabulário 14,08, e em Código 11,54. Esses dados indicam que os sujeitos da amostra apresentam desempenho intelectual dentro do esperado para sua idade.

Quanto à flexibilidade na resolução de problemas, avaliada pelo Teste Stroop de Cores e Palavras, verificou-se que os tentadores de suicídio (G1) apresentaram escores mais baixos com diferença significativa em relação aos homicidas (G2) e à população geral (G3). Já os homicidas (G2), apresentaram escores inferiores aos da população geral (G3) com diferença estatisticamente significativa (p<0,001), conforme Tabela 1.

Tabela 1. Médias e Desvio-Padrão do Teste Stroop de Cores e Palavras: comparação entre os grupos pelo teste de Tukey

 

 

* p seguido de letras distintas diferem significativamente entre os grupos.

Assim a interpretação da Tabela 1 é: A: Grupo G3 (Controle) é mais flexível que G1 (Tentadores de Suicídio) e que G2 (Homicidas); B: G2 (Homicidas) menos flexíveis que G3 (Controle), mas mais rígidos que G1 (Tentadores de Suicídio); C: G1 (Tentadores de Suicídio) mais rígidos que G3 (controle) e que G2 (Homicidas).

 

DISCUSSÃO

A violência, seja ela auto ou hetero-infligida, causa grande impacto, tanto na sociedade como um todo, como na saúde em particular, causando preocupações, instigando a opinião pública, autoridades e demais profissionais da saúde (Souza e Lima, 2007; Waiselfisz, 2004). Com isso, estudiosos buscaram traçar perfis de ambos os grupos de sujeitos. Considerando o perfil dos tentadores de suicídio (Krug, Dahlberg, Zwi e Lozano, 2003; Botega et al., 2004) verifica-se que os integrantes do G1 da presente investigação, em sua maioria, são também mulheres (53,1%), com idade abaixo dos 30 anos (28,25), de classe social baixa (62,5%), utilizando como principal método a ingestão de medicamento (59,5%). Como fatores de risco, as tentativas prévias são um dos mais predisponentes para o suicídio (WHO, 2009; Krug et al., 2003; Botega et al., 2004, Botega e Werlang, 2004). Deste modo, verificar que 17 sujeitos do G1 (53,13%) já haviam feito pelo menos uma tentativa anterior, chegando até o assustador número de seis tentativas prévias em um dos sujeitos, causa certo assombro.

Considerando que todo o grupo de tentadores apresentava, ainda, um alto grau de risco suicida, reforça o que foi colocado por Botega e Werlang (2004), de que as manifestações de desejar morrer e, principalmente, a própria tentativa são um sinal de alarme, que expressa um sofrimento intenso pessoal, exigindo precauções e cuidados por parte tanto do profissional especializado que acompanha o caso como dos familiares ou pessoas próximas do sujeito em questão.

Quanto ao perfil dos homicidas (Quinsey, 1995; Krug et al., 2003), foi possível verificar que o G2 também se constituiu por sujeitos com baixos recursos financeiros com escassa educação formal, com atividade ocupacional oriundos de classes operárias e utilizando como principal método de assassinato a arma de fogo. Na ocasião do crime, a idade média era de 23,37 anos o que vem a confirmar o colocado por Souza e Lima (2007), de que a tendência no Brasil é de crimes na população mais jovem com maior prevalência entre 20 e 24 anos. Outro fator de risco seria o comportamento criminoso passado associado à periculosidade (Sreenivasan et al., 1997). Assim é importante destacar que 33,3% dos indivíduos do G2 eram jovens e já haviam sido condenados por outros crimes, sendo que alguns destes reincidiram em homicídios consumados ou tentados.

Quanto à presença de transtornos psiquiátricos, no G1, 23 sujeitos preencheram critérios para transtornos psicopatológicos, sobre este aspecto, a literatura atual associa os transtornos psiquiátricos prévios como um incremento ao risco suicida (Krug et al., 2003; Botega et al., 2004; Botega e Werlang, 2004), ainda mais quando em sua maioria são transtornos afetivos de Episódios Depressivos. Mas não devemos esquecer que parte da amostra não apresentou transtorno psiquiátrico, nem tampouco tinha realizado tentativas anteriores, e que isso corrobora a afirmação feita por Shneidman (1975), que a associação direta do comportamento suicida com doenças psiquiátricas servia de argumento para localizar os suicidas como doentes mentais. O autor estudou bilhetes suicidas e verificou que uma infelicidade extrema nem sempre caracteriza um transtorno psiquiátrico. "No entanto, ainda que uma história de tentativa de suicídio defina um importante grupo de risco, de 90 a 93% das pessoas que tentam não morrerão um dia por suicídio" (Botega e Werlang, 2004, (p.134)).

Já no G2, uma parcela razoável de sujeitos preencheu critérios para diagnóstico psicopatológico (46,7%), podendo tal fator contribuir para o risco de comportamento homicida, já que apresentavam quadros depressivos ou ansiosos em sua maioria, além de transtorno de personalidade anti-social, como apontado na literatura (Jozef e Silva, 2002). Que aliado à disponibilidade de uma arma de fogo em uma situação de estresse, pode gerar comportamentos violentos com conseqüências fatais para si ou ao outro.

Considerando os aspectos mencionados, apontados pela literatura, como fatores predisponentes para o comportamento suicida ou homicida, é plausível crer que se trata de uma complementaridade dinâmica, que influencia e determina estes comportamentos. E um destes fatores seria a presença de um déficit na flexibilidade para resolução de problemas (Williams et al., 1996; Sreenivasan et al., 1997, Sternberg, 2000; Palmini, 2004).

No que se refere especificamente à capacidade de resolução de problemas, pode-se verificar em ambos os grupos uma maior rigidez, como colocado por Keller e Werlang (2005) e Del Pino e Werlang (2008), como uma característica desta população. Ainda percebeu-se que há, tanto nos tentadores de suicídio quanto nos homicidas, uma diminuição da habilidade em mobilizar estratégias comportamentais, quando expostos a estímulos competidores, dado visto nesta amostra através do desempenho inferior dos tentadores no Teste Stroop. Os tentadores apresentaram média de 32,19 acertos enquanto a população geral apresentou 39,45, bem como os homicidas apresentaram 35,31 acertos, ambos os grupos (G1 e G2) tiveram diferenças estatisticamente significativas em relação ao grupo controle (G3), com p < 0,001. Compreende-se com estes dados que, após estabelecida uma estratégia para resolver o problema, esta se mantém como um princípio perseverativo, o qual limita suas percepções para outros modos de resolução mais eficientes e, mesmo com a indicação de erro, permanecem no mesmo padrão de respostas inadequadas (Williams et al., 1996; Sternberg, 2000; Palmini, 2004).

A memória seria outro fator interveniente nestes tipos de comportamentos violentos, como colocam Williams et al. (1996) e Palmini (2004), pois interferem diretamente na tomada de decisão para solucionar um problema de modo eficiente. Aspecto que pode ser avaliado no subteste Cubos do WAIS-III em que suicidas apresentaram escores baixos (9,63), bem como em homicidas (9,80), quando comparados com a população geral (11,82), podendo servir como indicativo da presença de algum prejuízo na memória, já que este subteste avalia, entre outros aspectos, a memória psicomotora, que requer condições tanto para novas aprendizagens como para atividades continuadas (Cunha, 2000). Uma dificuldade quanto à memória causaria um prejuízo em resgatar experiências anteriores, fazendo-os vivenciar cada problema como se fosse a primeira vez a ser resolvido, incrementando ansiedades e exigindo um maior empreendimento na solução daquele problema específico. Quando relacionada ao comportamento homicida, em específico, poderia estar ligada ainda, segundo Pennington e Ozonoff (1996) à representação de quão bons ou ruins foram os resultados de sua ação. O que dificilmente é acessado ou faz parte de suas deliberações adotadas.

O que parece peculiar nesta amostra é que o grupo de tentadores apresentou pior desempenho que os homicidas e a população geral, enquanto o grupo de homicidas apresentou pior desempenho apenas, quando comparado com a população geral, quanto à flexibilidade na resolução de problemas. O que faria os suicidas mais rígidos do que os homicidas? Talvez a maior presença de quadros depressivos, que levam à desesperança, causando maior rigidez e menor perspectiva quanto ao futuro. E também, talvez isso os diferencie neste grande grupo de comportamentos violentos, que faz com que um volte a violência contra si mesmo, enquanto o outro a projeta para fora. A autodestruição, como tentativa de acabar com o sofrimento causado pelo externo (nos tentadores de suicídio), é diferente da destruição do elemento causador do problema externo, nos homicidas (Cha et al. 2010; Del Pino e Werlang, 2008; Roškar et al., 2007; Keller e Werlang, 2005).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando os aspectos aqui levantados, pode-se concluir que os comportamentos violentos expressos na tentativa de suicídio e na execução de um homicídio, a intencionalidade de matar/ morrer podem estar estado associados com a falta de flexibilidade cognitiva na escolha de soluções mais adequadas aos problemas específicos, que em dado momento envolveram um alvo humano (eu- -outro). Sendo assim, conclui-se que os indivíduos tentadores de suicídio apresentam níveis inferiores de flexibilidade na resolução de problemas, quando comparados a homicidas e à população geral, já os sujeitos que cumprem pena por homicídio qualificado, aqui investigados, apresentam níveis inferiores de flexibilidade, resultando em uma rigidez cognitiva na resolução dos problemas. Sem dúvida, tornam-se necessários novos estudos com uma amostra maior, com o objetivo de ampliar os resultados aqui alcançados.

 

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Recebido em 27/09/10
Revisto em 21/06/11
Aceito em 30/06/11

 

 

* Endereço para correspondência: Av. Ipiranga, 6681; Prédio 11, 9º andar. Faculdade de Psicologia – PUCRS. Porto Alegre – RS,. CEP: 90619-900. Fone/fax: (51) 3320-3633; E-mail: bwerlang@pucrs.br.