Boletim de Psicologia
ISSN 0006-5943
ARTIGOS ORIGINAIS
Análise da estrutura fatorial do subteste labirintos do WISC-III
Analysis of the factorial sctructure of the WISC-III mazes subtest
Bruna Salete RubikI,*; Plínio Marco de ToniII,*
IUniversidade Tuiuti do Paraná - PR - Brasil
IIUniversidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO - PR - Brasil
RESUMO
Os labirintos têm sido largamente empregados em pesquisas como instrumento na avaliação neuropsicológica. No entanto, não há estudos de padronização para o subteste Labirintos do WISC-III. Deste modo, o estudo objetivou analisar a estrutura fatorial do subteste e estudar a validade de constructo dos Labirintos do WISC-III para função executiva de planejamento com o uso da análise fatorial exploratória (método de componentes principais; rotação varimax). Fizeram parte da amostra 100 crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos, de ambos os sexos. Foram extraídos dois fatores em decorrência da notável diferença na dificuldade dos itens que compõem cada fator. Por fim, aventou-se a hipótese do constructo psicológico subjacente ao primeiro fator ser a função executiva de planejamento em virtude da ampla utilização dos labirintos na mensuração da capacidade de planejamento por várias décadas.
Palavras-chave: WISC-III; subteste Labirintos; funções executivas; planejamento; análise fatorial.
ABSTRACT
The Maze Test has been widely used in research as an instrument of neuropsychological assessment. However, there are no standardization studies for the Mazes subtest of the WISC-III. Thus, this study aimed to analyze the factorial structure of the subtest and investigate the construct validity of the mazes of the WISC-III for the executive function of planning, using exploratory factor analysis (principal components method, varimax rotation).The sample included 100 children and adolescents between 8 and 16 years, of both sexes. Two factors were extracted due to remarkable differences in the difficulty of the items that composed each factor. Finally, it was proposed as ahypothesis that the psychological construct involved in the first factor could be considered the executive function of planning due to its wide use in the measurement of planning capacity for decades.
Key words: WISC-III; Mazes subtest; executive function; planning; factorial analysis.
INTRODUÇÃO
Dentre os campos de interesse da Neuropsicologia, salienta-se as relações existentes entre as áreas pré-frontais e o funcionamento executivo, tanto em condições normais quanto patológicas. Função executiva é um conceito neuropsicológico formulado recentemente. De acordo com Lezak (1995) um executor é aquele que recebe responsabilidades como as de levantar informações, formular planos, fixar objetivos e manter o controle e a organização mesmo em circunstâncias conflituosas. Também é incumbido de antecipar o maior número de possibilidades e modificar planos e objetivos de acordo com as mesmas.
Para Goldberg (2002), as funções executivas provêm da atividade do córtex pré-frontal, atuando como maestro do funcionamento da atividade humana, coordenando desta maneira as estruturas e sistemas neurais. As funções executivas são consideradas, segundo Malloy-Diniz, Sedo, Fuentes e Leite (2008) como provenientes da atividade de diferentes circuitos neurais. Dos cinco circuitos existentes, três estão relacionados ao córtex pré-frontal e mais envolvidos no desempenho das funções executivas, são eles: o circuito dorsolateral, orbitofrontal e do cíngulo anterior. Cada um dos circuitos neurais está relacionado a fenômenos específicos. O circuito orbitofrontal parece estar envolvido em alguns aspectos do comportamento social como automonitoração, controle inibitório, cumprimento de regras sociais e empatia. Já o circuito do cíngulo é importante para a seleção e controle de respostas, controle executivo da atenção, monitoração de comportamento e motivação. Área de convergência multimodal, a região pré-frontal dorsolateral está interconectada com outras áreas de associação cortical e relacionada a processos cognitivos de solução de problemas, tomada de decisão, sustentação da atenção, foco, julgamento, autorregulação, capacidade de abstração, flexibilidade cognitiva, monitoração da aprendizagem e atenção, memória operacional, categorização, fluência e planejamento.
Planejar significa especificar os objetivos a serem atingidos e decidir antecipadamente as ações mais apropriadas que devem ser executadas para atingir esses objetivos (Malloy-Diniz et al., 2008). Requer a capacidade conceitual e de abstração; pensamento antecipatório; tomada de decisão; autoconsciência e motivação; capacidade de organizar passos em seqüências, gerar alternativas, ponderar e fazer escolhas e sustentar a atenção; a flexibilidade de comportamento; integração de detalhes num todo coerente e manejo de múltiplas fontes de informação, coordenados com o uso de conhecimento adquirido. A capacidade para uma intenção realista, controle dos impulsos e memória intacta são, também, requisitos para um bom planejamento (Andrade et al., 2004; Bosa, 2001). Pois, como verificou Lezak (1995), pacientes que não conseguem formar uma real intenção não planejam.
Na Neuropsicologia diversos instrumentos são utilizados para avaliar as funções executivas. Em geral, para a avaliação do planejamento são utilizados testes de torres, como o da Torre de Londres, Torre de Hanói e Torre de Toronto, os testes "Procura Visual", "Trilhas" e "Combinação de Números", da Bateria de Tarefas de Processamento Cognitivo, bem como para traçados de labirintos, como os Labirintos de Porteus e o subteste Labirintos do WISC, WISC-R, WISC-III (Andrade et al., 2004; Strauss, Sherman e Spreen, 2006; Malloy-Diniz et al., 2008).
De modo geral, os Labirintos em especial são utilizados desde 1915, com o Porteus Maze Test (Porteus, 1965), que juntamente com os testes de Binet foi aplicado nesta época em mais de 1000 escolas americanas e depois em quase todo o mundo em 50 anos. Além disso, o Porteus Maze Test tem sido empregado em inúmeras pesquisas ao longo de décadas como instrumento na avaliação neuropsicológica (Docter e Winder, 1954; Fooks e Thomas, 1957; Gibbens, 1958; Palkes, Stewart e Kahana, 1968; Robert e Erikson, 1968; Schalling e Rosen, 1968; Sutker, Moan e Swanson, 1972; O'Keefe, 1975; Riddle e Roberts, 1977; Moffitt e Henry, 1989; Karnath, Wallesch e Zimmermann, 1991; Grodzinsky e Diamond, 1992; Krikorian, Bartok e Gay, 1994; Mack e Patterson, 1995; Morgan e Lilienfeld, 2000; Levin, Song, Ewing-Cobbs e Roberson, 2001; Ott et al., 2003).
Como principal instrumento utilizado na avaliação neuropsicológica da função executiva planejamento, destaca-se o subteste Labirintos do WISC-III (Malloy- Diniz et al., 2008; Lezak, 1995). O WISC-III (Wechsler, 2002) é a terceira edição da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças, tendo por finalidade avaliar a capacidade intelectual de crianças. É composto por 13 subtestes que medem diferentes capacidades e estão reunidos em um conjunto verbal de seis subtestes (Informação, Semelhanças, Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos) e outro não-verbal ou de execução constituído por sete subtestes (Completar Figuras, Arranjo de Figuras, Código, Cubos, Armar Objetos, Procurar Símbolos e Labirintos). Cruz (2005) indica que os princípios básicos para o uso do WISC-III (Wechsler, 2002) são seguir à risca as instruções de aplicação e correção, respeitando os limites apropriados de idade, os procedimentos e o tempo determinado para cada subteste, cuidando das condições ambientais e estabelecendo rapport.
Simões (2002) descreve a aplicação do WISC-III (Wechsler, 2002) para a avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes, na qual o subteste Labirintos examina a capacidade de antecipação e de planificação da tarefa a ser realizada e requer uma estratégia viso-espacial em memória de trabalho. As crianças mais jovens, que sofrem de dispraxia motora, apresentam dificuldades na realização desta tarefa provenientes de uma incapacidade de planificação da sua execução gestual, como se existisse uma desconexão entre a intenção e a realização do gesto a se efetuar. Assim, o subteste Labirintos do WISC-III pode ser útil no tocante à mensuração da função executiva planejamento. Este instrumento é composto por dez itens, onde o participante precisa traçar uma linha do centro de cada labirinto até sua saída, sem que a linha entre em caminhos bloqueados ou atravesse paredes. Utilizam-se várias medidas nessa avaliação, como o tempo gasto para completar a tarefa, o número de tentativas até se obter sucesso e o número de erros.
O subteste Labirintos não foi validado na versão brasileira do WISC-III, que segundo Nascimento e Figueiredo (2002) não foi investigado, considerando seus baixos índices de correlação com os demais subtestes, baixa carga fatorial com o fator G e, considerado pelas autoras irrelevante para a obtenção dos escores de QIs e de índices fatoriais. Embora, o subteste Labirintos do WISC- III seja considerado um dos principais testes de labirintos aplicados para a avaliação neuropsicológica de planejamento não há estudos de padronização realizados neste sentido.
A testagem neuropsicológica desenvolvida especialmente para adultos, normalmente é inapropriada ao exame infantil devido a fatores como a imaturidade de áreas cerebrais relacionadas à cognição e à própria situação de desenvolvimento desta (Spreen e Strauss, 1998). Além disso, o número de baterias formalizadas para avaliação neuropsicológica infantil disponível no mercado é consideravelmente menor que a testagem utilizada para avaliação de adultos (Antunha, 1994).
Deste modo, estudos de padronização com o subteste Labirintos são fundamentais, sendo a validação um importante parâmetro de medida para explorar o que o teste mede e quão bem ele faz isso (Anastasi e Urbina, 2000; Silva, 2003). Segundo Urbina (2007), esta é a definição clássica da validade e foi corroborada por muitos especialistas em testagem, e "ainda é considerada por muitos como a essência da questão de validade" (p.158).
A validade forma um parâmetro da medida tipicamente discutido no contexto das ciências psicossociais. Considerada a forma mais fundamental de validade dos instrumentos psicológicos, a validade de construto compõe a maneira direta de verificar a hipótese da legitimidade da representação comportamental dos construtos psicológicos e requer a acumulação gradual de várias fontes (Anastasi e Urbina, 2000).
Existem diversos processos utilizados na identificação do constructo. Urbina (2007) cita a correlação com outros testes, a consistência interna, a validação convergente e discriminante, as intervenções experimentais, a modelagem de equação estrutural, bem como a análise fatorial, que é especialmente relevante para os procedimentos de validação de constructo.
A análise fatorial é um dos procedimentos mais comuns utilizados no desenvolvimento e aperfeiçoamento de instrumentos de medida (Floyd e Widaman, 1995) e é utilizada na identificação da estrutura fatorial de diversos testes psicológicos. As Escalas Wechsler entre outros instrumentos têm sido foco de inúmeras pesquisas com análise fatorial (Atkinson et al., 1990; Blaha e Wallbrown, 1996; Garcia, Ruiz e Abad, 2003; Leonberger, Nicks, Larrabee e Goldfader, 1992; LoBello e Gulgoz, 1991; Parker e Atkinson, 1994; Ryan, Paolo e Brungardt, 1990; Tulsky e Price, 2003; Wilde et al., 2003).
De acordo com Artes (1998) o método mais utilizado para a obtenção dos fatores é fundamentado na análise de componentes principais (ACP) em que os fatores são obtidos a partir de uma decomposição da matriz de correlação ou de covariância. Por meio da análise fatorial pode-se obter a validade de constructo, ou seja, verificar se um conjunto de itens realmente mede o constructo teórico o qual representa (Adánez, 1999). A validade de constructo de um teste é determinada pela magnitude das cargas fatoriais das variáveis no fator, sendo aquelas a representação comportamental deste fator que é o traço latente para o qual elas foram inicialmente elaboradas como representação empírica (Pasquali, 2001, 2003).
Por fim, Urbina (2007) salienta que "o grau em que os itens de testes são relevantes e representativos de um constructo pode ser uma fonte adicional de evidências de validade para instrumentos em praticamente qualquer campo" (p.170), no que tange à avaliação neuropsicológica, a autora afirma que "em grande parte, o processo da avaliação neuropsicológica se vale do conhecimento especializado das evidências científicas acumuladas a respeito das relações entre mente e comportamento" (p.170).
OBJETIVOS
A presente pesquisa objetivou analisar a estrutura fatorial do subteste Labirintos do WISC-III (Wechsler, 2002) e analisar a validade do instrumento para a função executiva de planejamento (validade de constructo), utilizando os recursos da análise fatorial exploratória.
MÉTODO
Participantes
Foi selecionada uma amostra por conveniência de 100 participantes entre 8 e 16 anos (média de 11,8 anos; desvio padrão de 1,92 anos), de ambos os sexos (56,6% masculino), com 91,9% de destros, alunos do município de Curitiba-PR. A Tabela 1 reflete a distribuição da amostra por idade.
Instrumento
Para a coleta de dados foi utilizado o subteste Labirintos do WISC-III (Wechsler, 2002). O instrumento é destinado a crianças de 6 a 16 anos e consiste em traçar um caminho para sair de uma série de dez labirintos, com graduação crescente de dificuldade, sem passar pelas partes bloqueadas da figura. Cada item possui um tempo limite para execução que varia de 30 a 150 segundos. Foi adotado o sistema de pontuação descrito em Wechsler (2002), em que onde cada labirinto é pontuado considerando o número de erros cometidos, bem como o limite de tempo. Desta forma, os participantes obtiveram de 0 a 5 pontos por item. Foi considerado também o critério de interrupção, em que a aplicação do subteste é suspensa após 2 fracassos consecutivos. Entretanto, foi desconsiderado o critério de início indicado no manual do instrumento em que crianças de 8 a 16 anos iniciam a aplicação a partir do labirinto 4. Ou seja, foram aplicados todos os itens do subteste, já que o propósito da pesquisa foi justamente investigar a estrutura fatorial do instrumento, considerando todos os itens.
Procedimento
As escolas e os participantes que fizeram parte da amostra foram selecionados por conveniência. O termo de consentimento livre e informado foi assinado pelos responsáveis, conforme a Resolução 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia. O subteste Labirintos do WISC-III (Wechsler, 2002) foi aplicado aos alunos, individualmente, em ambiente escolar, com duração média de 15 minutos.
Análise dos Dados
A análise da estrutura fatorial do subteste Labirintos foi realizada com o uso do software SPSS 11.0 for Windows (SPSS, Inc., 1994). Para tanto, a matriz de correlação dos itens do teste foi avaliada pela análise fatorial exploratória (método de extração por componentes principais), utilizando-se a rotação ortogonal varimax. Por fim, analisou-se as cargas fatoriais associadas aos itens do subteste.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A Tabela 2 apresenta os resultados referentes à estrutura fatorial dos itens estimada pela análise fatorial exploratória. De acordo com Hair, Anderson, Tatham e Black (2005) um dos principais pressupostos para a análise fatorial é a verificação da existência de correlações entre os itens do instrumento, verificada através do teste de esfericidade de Bartlett e o teste de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO). Assim, a hipótese nula de que a matriz de correlação da amostra seja uma matriz identidade é aceita para os itens 1 e 2 dos Labirintos, pois não se verificou nenhum erro durante a execução, não havendo, portanto, correlação entre os itens. Já para os demais itens analisados, a hipótese nula é rejeitada, como demonstram a significância do teste de esfericidade de Bartlett (p<0,001) e os valores da medida de adequabilidade da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin, superiores a 0,5 (KMO=0,775), representativos segundo Malhotra (2001). Estes valores sugerem que o uso da análise fatorial exploratória é apropriado para analisar a matriz de correlação dos itens 3 a 10 dos Labirintos do WISC-III e, com isto, realizar a análise da estrutura fatorial do subteste.
O principal objetivo da análise fatorial exploratória é descobrir quais fatores subjazem às variáveis em análise, simplificando a descrição dos dados (Anastasi e Urbina, 2000; Artes, 1998; Urbina, 2007). A hipótese inicial para a estrutura fatorial dos Labirintos do WISC-III era de que a análise fatorial extraísse um único componente para os itens do subteste, ou seja, que fosse unidimensional. Isto parecia coerente, já que os itens foram agrupados em um subteste pelo fato de medirem o mesmo constructo psicológico. Entretanto, a análise fatorial demonstrou a impossibilidade de se aceitar esta hipótese.
As cargas fatoriais são correlações entre as medidas originais na matriz de correlação e os fatores que foram extraídos (Anastasi e Urbina, 2000). Segundo o modelo fatorial, conhecendo-se as cargas fatoriais das variáveis observáveis, pode-se reproduzir as variâncias destas variáveis, bem como as intercorrelações entre elas (Pasquali, 2003). Foram extraídos dois fatores que explicaram, juntos, 49% da variância dos itens. O primeiro fator responde por 34,9% da variância total dos itens e possui um autovalor (eigenvalue) igual a 2,79. Já o segundo fator responde por 14,1% da variância total dos itens e possui um autovalor igual a 1,12. A abordagem de determinação do número de fatores com base nos autovalores retém para o modelo somente os fatores com autovalores superiores a 1,0. Como salienta Malhotra (2001), o autovalor representa a quantidade da variância associada ao fator. Sendo assim, fatores com autovalor inferiores a 1,0 não são mais representativos que um item isolado porque, devido à padronização, cada item possui uma variância igual a 1,0.
Contudo, a correlação entre os dois fatores extraídos não foi significativa (r=-0,08). Por isso, optou-se por utilizar a rotação varimax para os fatores extraídos na análise. A Tabela 3 apresenta os resultados referentes à estrutura fatorial dos itens estimada pela análise fatorial exploratória após a utilização da rotação varimax.
Como exposto na Tabela 3, após a rotação utilizada nos fatores extraídos, observa-se que os itens 4, 6, 7, 8, 9 e 10 compõem o primeiro fator, sendo que todos os itens incluídos neste mesmo fator apresentaram cargas superiores a 0,35 (média de 0,66; desvio padrão de 0,16; 83% acima de 0,60). Pasquali (2003) considera significativos valores superiores a 0,3. No segundo fator estão incluídos os itens 3 e 5 que obtiveram cargas superiores a 0,43. Para Malhotra (2001), cargas superiores a 0,40 são suficientes para que o item faça parte do componente. Com alfas de Cronbach de 0,09 e 0,75, o primeiro fator apresentou um índice mais significativo de consistência interna do que o segundo fator.
Estes resultados sugerem que os itens 6 a 10 (primeiro fator) sejam bons representantes comportamentais do constructo psicológico medido pelo instrumento. Ademais, o item 4, pertencente ao primeiro fator, quando retirado, faz com que o alfa de Cronbach deste mesmo fator aumente para 0,77. O coeficiente alfa, como propõe Urbina (2007) está intrinsecamente associado à quantidade de variabilidade entre os itens de um teste, logo qualquer falta de uniformidade diminui este coeficiente.
A Figura 1 apresenta a dificuldade dos itens por meio da comparação entre os escores obtidos, considerando acerto a pontuação de 1 a 5, e na qual é mostrada a relevância dos itens 6, 7, 8, 9 e 10.
Observa-se na comparação entre os escores obtidos que a partir do item 6 há uma queda significativa no índice de acertos, apontando um aumento de dificuldade do subteste. Os itens 1 a 5, por sua vez, apresentam um alto índice de acertos, demonstrando um grau de dificuldade extremamente reduzido. Deste modo, a presença de dois fatores se justifica pela diferença marcante na dificuldade dos itens que compõem o primeiro fator em relação à dificuldade dos itens que formam o segundo fator.
Além disso, é interessante atentar ao fato de que grande parte dos itens com um alto índice de acertos apresenta menores cargas fatoriais. Isto se deve, provavelmente, à baixa complexidade gráfica dos primeiros labirintos, em que menos partes da figura estão bloqueadas, formando poucos caminhos sem saída. Deste modo, o número reduzido de partes bloqueadas facilita a execução da tarefa proposta. Entretanto, os labirintos 6 a 10 são visivelmente mais complexos em sua estrutura gráfica. Sugere-se desta maneira que a queda significativa no índice de acertos a partir do item 6 também esteja associada à maior complexidade gráfica deste conjunto de itens do subteste.
Por outro lado, outra hipótese a ser considerada diz respeito à amostra estudada que provavelmente apresenta habilidade superior aos índices de dificuldade dos itens. Uma amostra mais ampla e heterogênea, considerando um estrato de menor habilidade, possivelmente resultaria em um índice de acertos mais elevado nos itens 1 a 5, bem como que não foram avaliadas crianças menores de 8 anos. Ademais, durante a aplicação do instrumento, não foi considerado o critério de início em que a aplicação em crianças de 8 a 16 anos se inicia a partir do labirinto 4. O manual do WISC-III (Wechsler, 2002) determina a aplicação dos labirintos 1 a 3 apenas em crianças de 6 a 7 anos (e crianças mais velhas suspeitas de deficiência intelectual) ou em crianças de 8 a 16 anos que fracassarem na execução do labirinto 4.
Como visto anteriormente, o alfa de Cronbach do primeiro fator, com exclusão do item 4, revelou um nível de consistência interna significativo, o que permite considerar a hipótese de que os itens 6 a 10 sejam bons representantes comportamentais do constructo psicológico envolvido. Por conseguinte, aventa-se a hipótese do constructo psicológico subjacente ao primeiro fator ser a função executiva de planejamento em virtude da ampla utilização dos labirintos na mensuração da capacidade de planejamento por várias décadas. Entre as pesquisas realizadas, destacam-se os estudos de Karnath, Wallesch e Zimmermann (1991) em que uma série de labirintos foi utilizada na mensuração da capacidade de planejamento de pacientes com lesões agudas e crônicas do lobo frontal; de Krikorian, Bartok e Gay (1994) com a Torre de Londres e os labirintos de Porteus; de Mack e Patterson (1995) que avaliou a função executiva de planejamento de pacientes com a doença de Alzheimer; de Levin et al. (2001) com crianças que sofreram traumatismo crânio encefálico; Roberts e Erikson (1968) com os labirintos de Porteus sobre tendências delinqüentes.
Embora não haja estudos de padronização específicos para o subteste Labirintos do WISC-III, inúmeros autores enfatizam a validade neuropsicológica do instrumento, como Sadock e Sadock (2007), Santos (2004) e Lezak (1955) que descrevem o subteste Labirintos do WISC-III como um instrumento empregado largamente na avaliação do constructo planejamento. Em vista disso, foi considerada a hipótese do constructo psicológico envolvido nestes itens ser a função executiva de planejamento, proveniente da atividade do córtex pré-frontal.
CONCLUSÕES
A presente pesquisa teve como objetivo analisar a estrutura fatorial do subteste Labirintos do WISC-III (Wechsler, 2002) e estudar a validade do teste para a função executiva de planejamento, considerando uma amostra formada por crianças e adolescentes da cidade de Curitiba-PR. A análise do parâmetro de unidimensionalidade, estimado pela análise fatorial exploratória, indicou a presença de dois fatores para o subteste Labirintos do WISC-III, o que sugere a presença de mais de um constructo psicológico envolvido no instrumento.
Deste modo, os itens 6 a 10 presentes no primeiro fator extraído mostraram-se relevantes para a avaliação deste traço latente, visto que, além de apresentarem alto índice de consistência interna, uma comparação entre os escores obtidos no subteste revelou uma queda na taxa de acertos a partir do item 6. Conseqüentemente, o gradual aumento no nível de dificuldade para a realização dos itens, bem como as cargas fatoriais obtidas, sugere a validade dos itens pertencentes ao primeiro fator para mensuração do construto psicológico em questão.
Contudo, inferências acerca dos itens do segundo fator como representantes comportamentais de um possível constructo envolvido ficam restritas em virtude de dois aspectos: o alto índice de acertos nos itens 1 a 5, que o compõem, e a eventual habilidade e idade superior da amostra estudada. Além disso, a bidimensionalidade do instrumento fundamenta-se, sobretudo na notável diferença de dificuldade dos itens do primeiro fator em relação aos do segundo fator.
Por fim, pretendeu-se com este estudo contribuir para a análise do subteste Labirintos do WISC-III, e explorar a hipótese de validade do subteste para a função executiva de planejamento, utilizando-se a análise de sua estrutura fatorial. Sugere-se, para estudos futuros, que uma amostra mais ampla e heterogênea seja coletada, considerando um estrato de menor habilidade. A partir destes resultados, compreende-se a premência de pesquisas que possam também auxiliar na definição dos parâmetros de fidedignidade e validade do instrumento. Em vista disso, uma questão importante para futuras pesquisas consiste em investigar a validade dos Labirintos para o funcionamento executivo através de outras técnicas, como a validade de critério e a utilização de grupos de pacientes com comprometimento nas áreas pré-frontais.
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Recebido em 7/04/11
Revisto em 18/06/12
Aceito em 20/06/12
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