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Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Reflexões psicanalíticas Winnicottianas sobre o sentido do silêncio no setting

 

Winnicottian psychoanalytical ponderings on the meaning of silence in the setting

 

 

Camilla Gonçalves da Costa*; Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro*; Ana Lúcia Volpato*; Jorge Luis Ferreira Abrão*

Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências e Letras de Assis - SP - Brasil

 

 


RESUMO

Buscamos neste trabalho analisar o sentido do silêncio no setting analítico, embasados pela psicanálise tal como proposta por Winnicott e a partir de fragmentos da vivência clínica de uma das autoras1. Para tanto levantamos o sentido do silêncio no setting para alguns psicanalistas e, posteriormente, nos referirmos especialmente aos conceitos relacionados à Teoria do Amadurecimento Emocional de Winnicott, tais como o holding, handling e apresentação de objetos, e o da hesitação e transicionalidade. Valemo-nos, ainda, dos conceitos de transferência e contratransferência para refletir sobre a dupla terapêutica no setting analítico. Nossas considerações finais apontam para a necessidade de se tomar o silêncio como uma comunicação importante em determinadas circunstâncias do trabalho terapêutico, além de sugerir que o setting, neste estudo de caso, solicitou a postura esperançosa e não invasiva da terapeuta a fim de possibilitar o surgimento do espaço transicional, por meio do qual pôde ser retomado o processo de amadurecimento do paciente.

Palavras-chave: Psicanálise; Winnicott; silêncio no setting.


ABSTRACT

We tried to analyze in this paper the meaning of silence into the analytical setting, based in Winnicott’s proposal of psychoanalysis and from clinical experience fragments of one the authors. Therefore, we surveyed the meaning of silence in the setting for some psychoanalysts and, afterwards, we made reference mainly to the concepts related to Winnicott’s Theory of the Emotional Maturity, such as holding, handling, the presentation of objects, and those concerning hesitation and transitionality. We further availed ourselves of the concepts of transference and count transference to ponder on the therapeutic dyad into the analytical setting. Our final considerations point to the need to consider silence as an important communication in certain circumstances of the therapeutic work, as well as suggesting that the setting, in this case study, requested hopeful non-invasive approach of the therapist, to allow the appearance of transitional space through which the emotional maturity can be resumed in this patient.

Key words: Psychoanalysis, Winnicott; silence in the setting.


 

 

INTRODUÇÃO

Nosso interesse pelo tema do silêncio no setting analítico ocorreu a partir de certa inquietação perante o atendimento psicoterápico de uma menina, devido à "comunicação silenciosa" desta no setting analítico. Esta criança apresentava como queixa o mutismo seletivo que é caracterizado, segundo Marcelli & Cohen (2010), pela ausência de linguagem em criança que anteriormente falava e que não apresentava desordens de um quadro de afasia.

O mutismo seletivo é restrito a alguma situação específica ou perante a alguma pessoa, em geral fora do núcleo familiar. Divide-se entre mutismo total adquirido, que aparece geralmente após um choque afetivo, e mutismo eletivo duradouro "no qual o lugar do mutismo é variável, intrafamiliar ou, ao contrário, escolar, extrafamiliar" (Marcelli & Cohen, 2010, p.136). Em situação escolar um fato interessante é que a criança conserva a atividade de escrita, além de progredir em sua escolaridade.

Em um primeiro momento, pensamos no silêncio desta paciente como resistência, tal como definido em Laplanche e Pontalis (2001). Resistência seria tudo o que, nos atos e palavras do analisando em tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso ao seu inconsciente. Pensávamos no silêncio de nossa pequena paciente como uma não comunicação, como manifestação impeditiva ao seu inconsciente.

O silêncio, desta maneira, nos remetia tanto ao sintoma apresentado, quanto a uma resistência em estar em atendimento ludoterápico. O próprio brincar, com a utilização dos brinquedos disponíveis na sala, não nos parecia uma comunicação real, pelo fato de ser repetitivo e interrompido amiúde.

Lombard (2005) afirma que "o silêncio durante a sessão de análise ... nunca deixou de criar problemas para os teóricos da clínica psicanalítica" (p. 1729), já que existem várias interpretações possíveis para o mesmo. Santos, Santos e Oliveira (2008) afirmam que a psicanálise, por um longo tempo, considerou o silêncio como uma forma de resistência. Essa proposição se faz, quando pensamos na livre-associação enquanto regra essencial para a ocorrência da análise.

Freud pedia para que seus pacientes falassem tudo o que viesse a sua mente, sem submeter as associações à censura. Para a psicanálise freudiana, portanto, a linguagem verbal se faz enquanto método sem o qual a análise seria impossibilitada. Assim sendo o silêncio do paciente no setting violaria esta regra e este estaria resistindo ao processo de análise. Santos, Santos e Oliveira (2008) e Lombard (2005) concordam que Freud considera o silêncio como resistência.

Referências ao silêncio enquanto resistência para Freud (1914/2010) são observadas, entre outras, na obra Recordar, Repetir e Elaborar, quando este autor fala de um paciente que "guarda silêncio e afirma que nada lhe ocorre. Isto não é outra coisa, naturalmente, ... que se evidencia como resistência contra qualquer recordação" (p. 201).

Balint (1993) é um psicanalista que oferece grande contribuição para a temática do silêncio. Para tanto, é necessário falarmos sobre sua concepção das áreas constitutivas do ego: área do Complexo de Édipo, da Falha Básica e da Criação.

A área do Complexo de Édipo é caracterizada por uma relação triangular, sujeito e dois objetos, na qual existe o conflito. Nessa área está a linguagem adulta. A área da Falha Básica é marcada por uma relação bipessoal, sujeito e objeto, na qual não existe conflito e nem a linguagem adulta. Ou seja, é uma área que está num nível pré-edípico e pré-verbal. Na área de Criação, por sua vez, o objeto externo é inexistente, assim como a linguagem verbal, sendo a área mais regredida do indivíduo. Para Balint (1993), o silêncio pode ter raízes nessas duas últimas áreas descritas, a área da Falha Básica e a área de Criação.

Para Balint (1993) o paciente silencioso, na área do Complexo de Édipo, pode ser, em concordância com Freud, resistente. No entanto, o paciente mais regredido, nas áreas da Falha Básica e de Criação, não possui recursos para desenvolver a linguagem verbal. Da mesma forma, a linguagem oral não é o meio adequado do analista se colocar frente ao silêncio do paciente nas áreas em questão.

Em muitas ocasiões, julgamos, para nossa tristeza e desespero, que as palavras deixam de ser meios confiáveis de comunicação, quando o trabalho analítico atinge áreas além do nível edípico ... Neste nível, as explicações, os argumentos, as versões melhoradas ou corrigidas, quando tentadas, provam não ter valia; ao analista só resta aceitar o amargo fato de que suas palavras, nessas áreas, em vez de esclarecer a situação, são com frequência mal-entendidas, mal-interpretadas, tendendo a aumentar a confusão de línguas entre seu paciente e ele próprio (Balint, 1993, pp 160-161).

Dessa forma, Balint deixa claro que o silêncio do paciente deve ser acompanhado pelo silêncio do terapeuta, o qual deve ter paciência e esperar até que o sujeito saia por si só desse nível regredido. Depois dessa espera, que pode durar minutos ou até sessões, o psicoterapeuta poderá utilizar a linguagem verbal para minimizar a confusão gerada pela regressão.

 

DA HESITAÇÃO AO GESTO ESPONTÂNEO NO SETTING

Encontramos em Winnicott (1941/2000), a partir de sua apresentação do Jogo da Espátula, a possibilidade da resistência ser conceituada como hesitação, de tal forma que o sentido do silêncio possa ser significado como uma possibilidade real da emergência do gesto espontâneo no paciente. Apropriamo-nos deste conceito para efetuar a principal reflexão sobre o tema do silêncio no setting, objeto deste estudo e, desta forma, discorreremos um pouco mais sobre conceitos winnicottianos.

Winnicott trabalhou no Paddington Green Children’s Hospital e no Queen’s Hospital for Children por volta de quatro décadas, nas quais atendeu cerca de 60.000 bebês, crianças, mães, pais e avós (Khan, 2000). Ao longo deste período, observou certo padrão de comportamento infantil com um objeto, a espátula, nas consultas que realizava com os bebês e seus responsáveis, em geral com as mães. Descreve este padrão de comportamento no Jogo da Espátula em seu trabalho "Observação de Bebês numa Situação Padronizada", em 1941, e o demonstra a partir do que chama de "estágios".

Devido à sua importância para a reflexão deste artigo, reproduzimos abaixo o "Jogo da Espátula" tal como apresentado por Avellar (2004, p. 75):

Estágio 1- O período de hesitação. O bebê é atraído pela espátula, estende a mão para a espátula e, em seguida, percebe que a situação merece ser considerada. Instaura-se um dilema, o momento é de expectativa e imobilidade. Nenhuma intervenção deve ocorrer nesse momento. Estágio 2 - O bebê põe a espátula na boca e mastiga-a com as gengivas. Ao invés de expectativa e imobilidade, surge autoconfiança acompanhada de livre movimentação corporal, relacionada à manipulação da espátula. O bebê está de posse da espátula e parece sentir que ela está sob o seu domínio, à disposição dos seus propósitos de auto-expressão. Estágio 3- O bebê deixa cair a espátula como que por engano. Se ela lhe é devolvida, diverte-se, livrando-se dela agressivamente. Em seguida, vai para o chão e diverte-se com outros objetos.

Podemos observar que é por meio da hesitação que o bebê sente o ambiente, se familiariza com ele, para que então, depois de estabelecida a confiança e recebida a "autorização" dos responsáveis por aquele ambiente e objeto, possa explorá-lo a partir de um gesto espontâneo, que origina uma maneira de se colocar naquele momento. Na situação analítica, analogamente, podemos considerar que o brincar do paciente seja o gesto espontâneo possibilitado pelo estabelecimento de um setting de confiança que não seja invasivo, antecipando a "colocação da espátula na boca" do bebê-paciente.

Colocamo-nos, portanto, em acordo com Khan (2000), para o qual o conceito do período de hesitação acrescenta algo novo ao conceito clássico de resistência. Para este autor é frequente encontrarmos em escritos psicanalíticos interpretações da resistência de um paciente, quando este se encontra em hesitação, ou seja, em busca de "intimidade" na situação analítica que o permitiria fazer a sua primeira contribuição verbal ou gestual.

Ainda segundo Khan (2000), o que Winnicott chama de "uma espécie de intimidade" é o que ele descreve como o relacionamento em que a mãe e o bebê "vivem juntos uma experiência" (p. 20). Consideramos a vivência de uma experiência no setting pela dupla terapeuta-paciente, como análoga à experiência da dupla mãe-bebê. Desta maneira, embora não seja a "mãe" de seu paciente, a função do analista, nesta fase, é propiciar um ambiente de tranquilidade para seu paciente poder contribuir com um gesto criativo. Gesto este que pode ser estimulado pelo terapeuta, mas nunca precipitado por ele. Abram (2000, p. 133) também contribui para esta reflexão ao afirmar que:

O analista que é capaz de esperar e de permitir que o paciente caminhe no seu próprio ritmo, pode ser comparado à mãe que seja capaz de permitir que seu bebê processe as coisas no seu tempo todo particular e vivencie uma "experiência total.

O papel do analista está, portanto, intimamente relacionado com aquelas tarefas primordiais da mãe em relação ao seu bebê recém-nascido, quais sejam, o holding, o handling e a apresentação de objetos. Tais funções também são essenciais para que o analista possa atender às necessidades do paciente e intervir de modo a respeitá-las e, desta maneira, não se portar de modo invasivo no setting.

O holding deve proteger o bebê da agressão fisiológica, levando em conta sua sensibilidade cutânea, auditiva, visual, sensibilidade à queda, sua onipotência e, ao mesmo tempo, toda sua fragilidade ao nascer. Deve, segundo Winnicott, ser uma forma de amar, "possivelmente a única forma em que uma mãe pode demonstrar ao lactente seu amor" (Winnicott, 1960/1983c, p. 48).

Na relação analítica, a função holding ocorre na forma do cuidado em relação ao paciente, que não necessariamente precisa ocorrer na forma física.

Ver-se-á que o analista está sustentando o paciente e isto muitas vezes toma a forma de transmitir em palavras, no momento apropriado, algo que revele que o analista se dá conta e compreende a profunda ansiedade que o paciente está experimentando. Ocasionalmente o holding pode tomar uma forma física, mas acho que é somente porque houve uma demora na compreensão do analista do que ele deve usar para verbalizar o que está ocorrendo (Winnicott, 1963/1983f, p.216).

O handling envolve o processo de manipulação do bebê pela mãe, ou seu substituto, durante os cuidados diários. Momento este em que o cuidador deve ter a capacidade de identificar o que o bebê necessita, possibilitando, então, por meio da manipulação física, que ambos formem uma unidade psicossomática. A mãe, por meio do handling, possibilita a junção das partes do bebê, para que ele possa se integrar e ir em busca da formação de um corpo que lhe seja próprio, no qual possa se reconhecer nele (Avellar, 2004).

Simultaneamente ao holding e ao handling, ocorre a apresentação de objetos, posto que esses três eventos são indissociáveis. Gradativamente, a mãe ou seu substituto, nos cuidados iniciais ao bebê, apresenta a este os objetos do mundo e possibilita a ele a percepção, também gradativa, de que não está sozinho e de que o mundo não se resume a ele.

Antes dessa percepção objetiva, o bebê apercebia subjetivamente os objetos, ou seja, ele ainda não se reconhecia enquanto eu diferenciado do objeto, e acreditava que era ele que os criava. O ambiente lhe oferecia, então, uma experiência de onipotência, a ilusão de ter criado o objeto que estava lá para ser encontrado. Gradualmente, o bebê vai deixando essa onipotência e passa a perceber a existência de objetos que não são ele. Assim, deixa de apercebê-los e passa a percebê-los. É para conter a angústia desta percepção e permitir que esse processo de se relacionar objetivamente com o mundo ocorra, que surge a transicionalidade.

Para Winnicott (1967/1971) a mãe que consegue funcionar como uma espécie de agente adaptativo ao bebê, possibilitando a experiência da onipotência, oferece o alicerce apropriado para que este, posteriormente, entre em acordo com o princípio de realidade. Portanto, "há um paradoxo aqui, na medida em que, nessa fase inicial, o bebê cria o objeto, mas o objeto já está lá, e o bebê não pode, portanto, tê-lo criado. Deve-se aceitar o paradoxo. Não resolvê-lo" (p.13).

Se o terapeuta consegue estar na relação terapêutica por meio de um manejo de setting que leve em conta o fato dele, semelhantemente às tarefas exercidas pela mãe ao apresentar o mundo para seu bebê, exercer as funções de holding, handling e apresentação de objetos, os encontros analíticos podem fluir baseados em uma intimidade e confiabilidade. Estas garantiriam ao analisando percorrer o caminho em busca de seu gesto espontâneo e de sua integração.

Assim, o manejo de setting também nos indica a importância do espaço transicional para Winnicott. O espaço transicional ou potencial é a "área intermediária da experiência, está entre a realidade subjetiva e a realidade compartilhada" (Ribeiro, 2007, p.45). É o espaço que promove, primeiramente, a separação da fusão mãe-bebê, e que é ao mesmo tempo, espaço de união dos dois.

Ele é potencial, porque nele podem ser incluídas as experiências do indivíduo, a atividade lúdica, a psicoterapia, a religião e a experiência cultural. É uma área intermediária, que é produto das experiências da pessoa individual em qualquer momento da vida, pois são experiências que ocupam um tempo e um espaço, que vinculam o ser no passado, presente e futuro (Avellar, 2004, p.61).

Assim, a vivência da transicionalidade ocorre com o amadurecimento emocional do bebê à medida que ele inicia sua relação objetal. Também está presente nos estabelecimentos de contatos com o mundo durante toda sua vida. Embora Winnicott nunca tenha usado a palavra transicionalidade, Safra (2005) utiliza este termo para referir-se aos fenômenos compreendidos entre a experiência de ilusão e o uso de objetos culturais.

O bebê, inicialmente, vive em dependência absoluta (Dias, 2003), período no qual ele e a mãe se confundem, ao seu olhar. Acredita criar os objetos que necessita e assim vive primeiramente nesta onipotência. Aos poucos, vai percebendo a ausência da mãe e lida com isso por meio de fenômenos transicionais, que o ajudam a se relacionar com o externo, com o mundo. Gradativamente vai passando para o período denominado por Winnicott de dependência relativa.

A mãe precisa auxiliar o bebê para que ele passe por este processo alucinando que criou os objetos e, depois, ela necessita suportar que a agressividade venha, quando o bebê está se separando dela. Desse modo, a mãe deve responder a esse anseio do filho, de agora se expandir para outras relações objetais, colocando-se menos disponível e até menos adaptada, alternando-se em momentos de maior e menor proximidade e adaptação. No entanto, segundo Barone & Coelho (2007, p. 91), ao enfatizar a importância da presença da mãe, Winnicott não deixa de apontar para a importância da ausência materna "que não deve ser entendida como afastamento, mas como a possibilidade de a mãe estar em contato com o bebê sem ser invasiva".

Desta maneira possibilita que o filho entre em contato com frustrações e, aos poucos, consiga tolerá-las. Assim, a agressividade da criança, ligada à força vital e à criatividade, terá acolhimento externo (Mizrahi & Garcia, 2007). A maneira como essa mãe consegue ir ao encontro ou não dos gestos espontâneos do filho, está relacionada à vivência que essa teve com sua própria mãe desde sua concepção. Deixemos claro aqui, que para Winnicott, a mãe não é necessariamente a mãe biológica, mas o cuidador, a pessoa que de algum modo possibilita à criança um ambiente suficientemente bom, para viver a mutualidade2 e se constituir enquanto ser humano (Abram, 2000).

Sendo assim, se a mãe percorreu um processo de amadurecimento emocional no qual suas vivências possibilitaram um existir junto a um ambiente externo facilitador, é esperado que ela se torne uma mãe suficientemente boa e, assim, consiga ser uma mãe sensível às necessidades do bebê. A partir daí é que esse filho se constituirá enquanto um ser em busca de integração. É, portanto, na relação primeira que o bebê estabelece na vida, em geral com a mãe, que ele começa a se comunicar com o mundo.

Em sua teoria do amadurecimento emocional, Winnicott (1941/2000) considerou que uma mãe suficientemente boa é aquela que se identifica com o recém-nascido, se adapta às necessidades do bebê e permite que ele experimente a onipotência. O tempo e constância do comportamento de cuidado, somados aos sentimentos maternos dirigidos ao rebento, propiciarão o nascimento da subjetividade e da personalização. Os reflexos deste cuidado permearão toda a vida posterior da criança (Winnicott, 1941/2000).

Winnicott acredita que a comunicação acontece inicialmente de outro modo que não a comunicação verbal (Winnicott, 1963/1983d). A comunicação ocorre primeiramente na vida do bebê por meio da mutualidade existente na relação mãe-bebê, como já apontamos, e é a linguagem que permeia os batimentos cardíacos, a respiração do bebê. É com essa intimidade que a mãe decifra, ou imagina estar decifrando, as necessidades do bebê.

Essa comunicação entre mãe e filho é chamada de comunicação silenciosa. A mutualidade, vital para a constituição psíquica do bebê, garante a continuidade de ser no mundo. Se a mãe oferece o handling e, concomitantemente, o holding e apresentação dos objetos, o bebê se sente seguro e estabelece a confiança no ambiente que o circunda. Assim, realiza de modo tranquilo a passagem da dependência absoluta à dependência relativa, percorrendo um caminho rumo à independência, a qual é muito almejada, mas não chega a ser alcançada, em função da grande influência que o meio apresenta ao longo de toda a vida do indivíduo. De acordo com Winnicott (1963/1983e, p. 80), "a independência nunca é absoluta. O indivíduo normal não se torna isolado, mas se torna relacionado ao ambiente de um modo que se pode dizer serem o individuo e o ambiente interdependentes".

Para que esse percurso ocorra, a mãe tem que possibilitar ao filho estar só na sua presença, sentindo-a como confiável. Desta maneira há emergência de gestos espontâneos na medida em que o mundo é explorado pelo bebê inicialmente, como mencionado, por meio da transicionalidade.

Existe também outra questão essencial para pensarmos a clínica, que é a necessidade de reconhecermos um aspecto de normalidade no paciente, conforme nos aponta Winnicott (1963/1983d, p.174):

O eu central que não se comunica, para sempre imune ao princípio da realidade e para sempre silencioso. Aí a comunicação é não-verbal; é como música das esferas, absolutamente pessoal. Pertence ao estar vivo. E normalmente, é daí que se origina a comunicação.

Entendemos que o núcleo do self não possa se compartilhar, possibilitando assim que nos comuniquemos explicitamente com o externo, de forma agradável e por meio do uso de técnicas interessantes, inclusive a da linguagem. A preservação do "isolamento pessoal é parte da procura de uma identidade e para o estabelecimento de uma técnica pessoal de comunicação que não leva à violação do self central" (Winnicott, 1963/1983d, p.172). Para Winnicott há, portanto, dois opostos na comunicação: a não comunicação simples e a não comunicação que é ativa ou reativa. A não comunicação simples seria a que é como repousar. Ao possibilitar a procura de uma identidade própria no estar isolado, ‘reaparece’ naturalmente e passa à comunicação, preservando o self central.

O self central, ou o núcleo do self, também é denominado como o self verdadeiro. O self, de acordo com Aiello-Vaisberg (2004, p. 49) é "um potencial criativo e uma organização dinâmica presente em todo ser humano, que se expressa basicamente por meio do gesto espontâneo e que possibilita que cada indivíduo seja a pessoa singular que é". Segundo esta autora, o self é, então, "a própria pessoa, inseparável de sua auto-percepção e articulação simbólica, mas nunca mera estruturação endopsíquica" (p. 49).

A não comunicação ativa ou reativa pode ser patológica ou não. A patologia se refere à necessidade do bebê se defender de um ambiente que falha em prover suas necessidades no processo maturacional. Winnicott (1963/1983d) descreve que nesta psicopatologia a falha ambiental, ocorrida em algum aspecto ou grau, leva a criança a desenvolver um Split.

Através de uma metade do split o lactente se relaciona com o objeto como este se apresenta e para este propósito desenvolve o que chamei de falso-self ou self submisso. Com a outra metade do split o lactente se relaciona com o objeto subjetivo, ou com fenômenos simples baseados em experiências corporais, sendo estes dificilmente influenciados pelo mundo percebido objetivamente (Winnicott, 1963/1983d, p. 167).

Falamos aqui de patologias graves, tal como o autismo. No entanto a não comunicação reativa também é facilmente encontrada no caso de doenças mais leves, "em que há alguma patologia e alguma normalidade, pode-se esperar uma não comunicação ativa (reclusão clínica) por causa do fato da comunicação se ligar tão facilmente com algum grau de relações objetais falsas ou submissas" (Winnicott, 1963/1983d, p. 167). Ou seja, é premente que a comunicação seja silenciosa ou secreta com objetos subjetivos, a fim de que se tenha a sensação de ser real, diferentemente da sensação de irrealidade que a comunicação falso-self representa. Há, neste caso, espaço para pensarmos que a comunicação significativa seja silenciosa. Na análise destes pacientes, Winnicott acrescenta que o período de silêncio pode ser a contribuição mais positiva que este possa fazer, deixando o terapeuta envolvido num jogo de espera. E é exatamente este comportamento que se deve ter: esperar pelo gesto espontâneo que virá com o período de silêncio sendo respeitado.

Ao discorrermos sobre a comunicação e sobre conceitos de hesitação, espaço transicional e de amadurecimento emocional, propostos por Winnicott, tais como as três primordiais funções maternas e a dependência absoluta, a relativa e a busca da independência, temos como certo que deixamos de lado conceitos igualmente importantes tais como, a integração, a personalização, a dissociação, entre outros. Tal o fizemos pelo fato de nosso interesse principal neste artigo repousar sobre a análise psicanalítica do silêncio a partir do que postula Winnicott sobre hesitação, destacando ainda a importância do espaço transicional que pode emergir no encontro da dupla terapêutica.

Pretendemos, portanto, refletir sobre o silêncio no setting analítico e suas repercussões na relação terapeuta-paciente, a partir da vivência clínica, que uma de nós experienciou logo que começou a trabalhar com psicanálise de crianças. O modo como essa ausência de comunicação verbal pode influenciar a psicoterapia será ainda trabalhada por meio dos conceitos psicanalíticos da transferência e contratratransferência.

Transferência designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada (Laplanche & Pontalis, 2001). Já a contratransferência, de acordo com esses autores, é um conjunto de reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste.

 

A HESITAÇÃO NO SETTING

Optamos por não relatar muitos aspectos do diagnóstico desta criança em análise e sim por apresentar um fragmento narrado pela terapeuta, de uma única sessão, tanto para não expormos a paciente, como devido ao fato de nosso objetivo ser a reflexão sobre a experiência clínica a partir da vivência da terapeuta. Portanto o relato da narrativa psicanalítica, a seguir, é de uma das autoras deste trabalho, que autorizou e participou da análise de sua própria narrativa.

Destacamos que o sintoma da criança era mutismo seletivo e que esta vivenciara experiências reais de prolongados afastamentos maternos desde seu nascimento, narrados pela mãe na entrevista de anamnese. Tratava-se de uma criança com oito anos, do sexo feminino, que havia sofrido com a morte de seu pai já há quatro anos e que, desde então, somente se comunicava em família e especialmente com sua mãe. A paciente não regrediu em outros aspectos de seu amadurecimento e não deixou de progredir em sua escolaridade. Tais fatos nos levaram a concluir que, muito provavelmente, tratava-se de uma criança com mutismo seletivo do tipo eletivo duradouro, tal como descrito por Marcelli & Cohen (2010).

O relato da narrativa da terapeuta é apresentado a seguir, destacado em itálico.

Quando a paciente entrou na sala e sentou, a terapeuta avisou que havia levado o jogo da memória da Mônica como ela havia "pedido". Foi comunicado ainda que se quisesse brincar com esse ou continuar a montar o outro que estava no armário, era só pegar a chave e abri-lo.

Ela permaneceu quieta, olhou ao redor e para a terapeuta, que esperou uns 10 minutos em silêncio. Depois a terapeuta se aproximou da mesa e colocou as mãos em cima desta. E percebeu que a paciente a imitou, se posicionando da mesma forma. A terapeuta continuou em silêncio, depois falou que ali era o "espaço" dela, que se quisesse ficar quietinha ficariam, se quisesse brincar com a casinha (porque ela a havia olhado enquanto explorava o ambiente como um todo), brincar com algo do armário, com o jogo de memória, usar a lousa, que qualquer que fosse o que quisesse fazer, estaria ali com ela, para fazerem juntas.

A paciente continuou quieta, olhando, às vezes, para a terapeuta... A mão estava no seu colo. A terapeuta notou que mexeu a cadeira com o pé algumas vezes e que fez uns sons com a garganta, depois voltou a ficar quieta. Olhava já fixamente para o jogo da memória, mas a terapeuta esperou para ver, se faria alguma coisa, pois segundo suas considerações "se eu agisse nesse momento, me sentiria fazendo por ela, o que seria, imagino, agir como sua mãe costumava fazer".

Aos poucos, pareceu demonstrar que queria brincar com o jogo da memória: colocou suas mãozinhas em cima da mesa, depois foi relando "sem querer" o dedo na caixa, aí foi abrindo-a e fechando-a com um dedo. Depois de passados mais uns 10 minutos, ela foi puxando-a para mais perto de si, aos poucos. Então ela parou e não fez mais nada. Aterapeuta esperou um minuto, olhando-a, e perguntou se era aquele que ela queria. A paciente fez com a cabeça que sim, então a terapeuta falou que poderia abrir.

Depois de abrir a caixa, ambas foram colocando as pecinhas na mesa, iniciando o jogo. A terapeuta relatou que "foi bem legal, ela dava risinhos quando eu, ou ela, acertávamos". Após o termino da rodada, ela separou as peças em pilhas, uma em cima da outra e a terapeuta fez o mesmo. Ficou olhando. A terapeuta perguntou se ela queria contar. Respondeu que sim com a cabeça, então contaram e ela ganhou. Fez então uma "carinha" de quem havia gostado. Guardou então suas pecinhas na caixa e a terapeuta guardou as dela.

Ficou olhando para a chave uns 7 minutos ao final da sessão e a terapeuta esperou, aguardando que ela tomasse alguma decisão. Ela esperava, segundo considerações da terapeuta, que esta abrisse o armário por ela, mas nada lhe foi dito ou feito. A terapeuta avisou-a que o tempo da sessão havia acabado e ela ficou olhando para o relógio. Foi-lhe explicado que o horário da sessão se encerrava, quando o ponteiro estivesse no número 10, que aí seria 18h50min. Também lhe foi perguntado se havia enxergado no relógio o 10 e ela fez que sim. A terapeuta questionou-a se na próxima sessão gostaria que trouxesse o jogo da memória de novo, a paciente fez que sim com a cabeça e deixaram a sala.

(Grifos nossos)

 

ANÁLISE DA NARRATIVA/SESSÃO

Pensamos o sintoma desta criança simbolicamente, como advindo de uma detenção emocional na dependência absoluta, tal como se experienciar períodos de ausência da mãe não tenha sido possível para ela. Ao pensar na simbiose que estabeleceu com a mãe neste período, inferimos que, para a paciente, é como se a mãe desaparecesse nestes momentos de ausência e, assim, como se a própria criança não estivesse ali ou que lhe fosse tirado um pedaço do corpo, por estar em processo de personalização.

De acordo com Abram (2000, p.138)

O toque é parte do holding proposto por Winnicott - a forma como a mãe toca o bebê nos cuidados maternos do dia-a-dia. O toque que é suficientemente bom inaugura uma "psique que habita o soma"; Winnicott refere-se a isto como "personalização", o que significa que o bebê passa a sentir, como uma conseqüência do toque amoroso, que seu corpo constitui-se nele mesmo (o bebê) e/ou que seu sentimento de self centra-se no interior de seu próprio corpo.

A onipotência necessária para a sobrevivência e personalização da criança na dependência absoluta foi, possivelmente, dificultada pelas ausências maternas. Essa dificuldade pode estar presente para a mãe também, que provavelmente não conseguiu vivenciar gradativamente a experiência da separação.

Para Winnicott (1958/1983a, p 34), a maturidade e a capacidade de ficar só "significam que o indivíduo teve oportunidade através de maternidade suficientemente boa de construir uma crença num ambiente benigno. Essa crença se constrói através da repetição de gratificações instintivas satisfatórias".

Provavelmente esta criança não construiu a crença em um ambiente benigno, pois o modo como ela consegue lidar com a realidade à sua volta é por meio do mutismo seletivo, não conversando com ninguém fora do núcleo familiar. Este mutismo foi observado ao longo de várias sessões terapêuticas. Quando está em uma situação social, que precisa se comunicar, espera que alguém da família o faça por ela, remetendo à dependência absoluta. Com isso, se isola nessa relação. Remete ao que Winnicott considera como não comunicação ativa, aquela própria do split estabelecido para preservar o self verdadeiro, ainda em formação.

Ao considerarmos a importância do processo psicoterápico desta criança, a possibilidade dela explorar o mundo e ir em busca do estabelecimento de um espaço compartilhado com este, deve passar, no contato terapêutico, pela constituição de um espaço transicional. Espaço este no qual poderia vir a descobrir a si e aos outros/mundo por intermédio do olhar atento da terapeuta que lhe apresenta objetos, oferece holding e handling, não se ausenta abruptamente, tal como uma mãe suficientemente boa o faz.

Podemos observar, nos destaques em negrito na narrativa desta sessão, que a terapeuta apresenta objetos/brinquedos de forma gradativa, sem ser invasiva ou determinante na condução do brincar. Ao final da sessão também estabelece e enfatiza a continuidade do atendimento ao perguntar sobre o brinquedo a ser trazido na próxima sessão. Ainda respeita o silêncio e também silencia, quando sente que verbalizar pode ser invasivo para a criança.

Para Silva (1996, p. 215),

O analista deve facilitar estes momentos de silêncio do paciente, reproduzindo assim, a mãe que facilitou a seu filho encontrar o contato satisfatório consigo mesmo, diferentemente da criança que tem que se refugiar dentro de si mesma, para escapar de uma mãe intrusiva. Essa situação de aniquilamento do núcleo do self pela intrusão - uma falha do holding do meio ambiente facilitador - é geradora de catástrofe. Os pacientes com esses sofrimentos, ao ficarem em silêncio, podem estar tentando estabelecer um contato com o self verdadeiro.

Embora não tenha sido nosso intuito neste trabalho descrever a elaboração do conceito de self para Winnicott e sua divisão em verdadeiro e falso, é pertinente que enfatizemos que, segundo Abram (2000), a função defensiva do viver baseado no falso-self é desenvolvida para proteger e ocultar o verdadeiro self. Esta criança, possivelmente, com sua manifestação do silêncio no setting demonstra sua busca pelo self verdadeiro e não seu ocultamento. Sua comunicação é ativa e esperançosa, portanto, no silêncio que apresenta.

Assim como no Jogo da Espátula, essa paciente se comportou de forma hesitante nas sessões analíticas. Olhava para o terapeuta e ao redor da sala e para os brinquedos, e não conseguia brincar. Comunicava-se, com muito custo, por meio do ‘sim’ e do ‘não’ com a cabeça. Podemos inferir que estava em busca de seu self verdadeiro para, daí, poder agir espontaneamente. O terapeuta tentou deixá-la à vontade para existir no setting do modo como conseguia/podia e apresentou-lhe o ambiente como seguro e constante, ao longo de várias outras sessões que seguiram a esta que foi narrada. Deixou claro que ali era seu espaço, para usá-lo do modo que quisesse.

Ao apresentar objetos, o jogo da memória é um destes, e autorizar que a criança os manipulasse à vontade, comportou-se como a mãe do Jogo da Espátula que permite que o bebê manipule a espátula para depois jogá-la fora agressivamente e, daí, explorar o restante do ambiente espontaneamente. Observamos esta situação na sessão relatada, quando a paciente toca timidamente a caixa do Jogo da Memória e a terapeuta espera ainda mais um minuto e pergunta se é aquele que ela quer e a autoriza a abrir e jogar. Elas, então, jogam juntas e se divertem com isto. O tocar a caixa é o primeiro gesto espontâneo, possibilitando o brincar para a dupla analítica. Observamos assim, neste pequeno espaço de tempo, o brincar na transicionalidade, no setting.

Foi necessário que ela se sentisse acolhida em suas necessidades próprias e naquele ambiente para que pudesse se expressar criativamente. A cada sessão a terapeuta relata que tentou manter o setting, por meio do holding, handling e apresentação cuidadosa de objetos, de modo a demonstrar confiabilidade, para que esta criança pudesse estar ali sem utilização de defesas que paralisam a espontaneidade.

O analista deve dispor de toda a paciência, tolerância e confiabilidade da mãe devotada ao bebê. Deve reconhecer que os desejos do paciente são necessidades. Deve deixar de lado quaisquer outros interesses a fim de estar disponível e ser pontual e objetivo. E deve parecer querer dar, o que na verdade precisa ser dado, apenas em razão das necessidades do paciente (Winnicott, 1941/2000, p.287).

No entanto, devemos ainda considerar a pessoa do terapeuta no setting. A experiência analítica, sua própria terapia em busca de autoconhecimento e o adequado domínio teórico do que se propõe realizar como profissional podem ser determinantes para o reconhecimento das reais necessidades de seu paciente. Enfatizamos, no entanto, que o domínio teórico seja sem submissão ao objeto-teoria, de tal forma que a intersubjetividade seja levada em conta. Winnicott (1960/1983b), ao discorrer sobre a terapia de analistas, enfatiza que a análise do próprio terapeuta tem a finalidade de "aumentar a estabilidade de caráter e a maturidade da personalidade do profissional, sendo esta a base de seu trabalho e de nossa habilidade de manter um relacionamento profissional" (p. 147).

Observamos ao longo de nossa trajetória na clínica psicanalítica de crianças que o silêncio pode provocar reações contratransferenciais que, se não manejadas adequadamente, levam ao fracasso terapêutico. Avellar (2004, p. 68), afirma a necessidade "de que o analista se reconheça em sua própria história para que possa reconhecer no gesto de seu paciente um gesto humano, um gesto criativo que o recoloca em sua própria história e em sua história com outros".

Diante desse fato, constatamos ainda a importância da sobrevivência do terapeuta no setting analítico. A sobrevivência do terapeuta para Winnicott (1941/2000) guarda semelhanças com a sobrevivência materna na apresentação de objetos ao bebê. Não se trata aqui, evidentemente, deste se tornar mãe de seu paciente, mas sim de sobreviver à retaliação deste. Além de sobreviver, o terapeuta deve estar, no setting, disponível para esperar o surgimento do gesto espontâneo do paciente, sendo sensível às suas necessidades, e esta atitude é o melhor que se pode ser, mesmo que para tanto também tenha que silenciar.

Neste fragmento de caso clínico observamos que os grifos que fizemos no relato da sessão, demonstram a sobrevivência da terapeuta e o fato desta ter se "comportado bem", mantendo o setting confiável, reafirmando o contrato e apresentando objetos com calma e tranquilidade. Não foi invasiva, respeitando a hesitação inicial da paciente.

Podemos ainda identificar na fala "foi bem legal" dita pela terapeuta em sua narrativa, o quanto essa relação já se mostrava significativa para ambas, evidenciando que o espaço potencial já estava acomodado na sessão. Com isso, o gesto espontâneo pôde surgir, possibilitando comunicação entre a dupla terapêutica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que a ausência de comunicação verbal, diferentemente da definição desta como resistência, também pode ser determinante para o estabelecimento de uma relação terapêutica significativa e potencialmente transformadora para a dupla analítica.

O sentido do silêncio, neste fragmento de caso clínico, indica a possibilidade deste significar uma comunicação ativa, de ordem patológica não grave. Neste caso, as manifestações não verbais da paciente no setting, juntamente com a postura esperançosa e não invasiva da terapeuta, possibilitaram o surgimento do espaço transicional, por meio do qual pode ser retomado o processo de amadurecimento desta paciente.

Balint (1993) contribui, salvaguardadas as diferenças teóricas com Winnicott, que não são objeto deste artigo, de forma semelhante ao propor que o terapeuta acompanhe o silêncio do paciente e espere até que este saia por si só do nível regredido no qual está e o silêncio denuncia. Obviamente, não temos neste relato elementos suficientes que nos levem para a conclusão de que este caminho do amadurecimento se efetivou, apenas observamos a hesitação do paciente e sua iniciativa/gesto espontâneo surgir a partir da espera da terapeuta e percebemos a comunicação existente no setting.

Para além da resistência, o silêncio pode também vir a significar o desenvolvimento de sua capacidade de ficar só. Para Winnicott (1958/1983a), a manifestação desta capacidade é um indicativo de amadurecimento emocional. Neste caso, podemos observar clinicamente, uma fase de silêncio, ou até mesmo uma sessão silenciosa, como uma conquista desta capacidade e um sinal de amadurecimento. Para ele a base da capacidade de ficar só "é a experiência de estar só na presença de alguém" (p. 37). Esta pequena paciente denota estar em busca desta capacidade, após sua terapeuta ter lhe ofertado um manejo de setting que possibilitou sua retomada do processo de amadurecimento pessoal.

 

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Recebido em 13/12/12
Revisto em 19/06/13
Aceito em 22/06/13

 

 

* Endereço para correspondência: Praça Altino Arantes, 27, Centro. Olímpia - SP. CEP: 14.4000-000. E-mails: camillag.costa@yahoo.com.br; diana@assis.unesp.br; anavolpato_psic@yahoo.com.br; jorge@assis.unesp.br.
1 Camilla Gonçalves da Costa
2 De acordo com Avellar (2004, p.55), Winnicott considera que "o processo de integração é estruturado na dimensão temporal. Os primeiros momentos da vida da criança são pautados em seus ritmos: o ritmo respiratório, o ritmo cardíaco, o acordar e dormir. A mãe entra em sintonia com o ritmo do bebê. Para que possa cuidar dele, o ritmo da mãe conjuga-se ao do bebê, constituindo uma experiência de mutualidade".