Boletim de Psicologia
ISSN 0006-5943
ARTIGOS ORIGINAIS
Elaboração e validação do ISB - inventário para avaliação da síndrome de burnout
Production and validation of ISB - inventory for assessing the burnout syndrome
Ana Maria Teresa Benevides Pereira*
Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PR - Brasil
RESUMO
Até o momento não há instrumento que estime a síndrome de burnout validado pelo SATEPSI, órgão oficial do Conselho Federal de Psicologia que autoriza o uso de instrumentos de avaliação psicológica no Brasil. A elaboração do ISB teve como objetivo preencher esta lacuna. Foram preparadas 95 afirmações avaliadas por oito juízes quanto à sua clareza e pertinência, para posterior aplicação em 604 trabalhadores brasileiros. As análises fatoriais reduziram esta primeira versão a 36 itens. O ISB ficou constituído por duas escalas de componentes antecedentes: Condições Organizacionais Positivas (8 itens; α=0,84) e Negativas (8 itens; α=0,78), mais as referentes à síndrome propriamente dita: Exaustão Emocional (5 itens; α=0,86), Desumanização (4 itens; α=0,74) Distanciamento Emocional (5 itens; α =0,80) e Realização Profissional (6 itens; α=0,92), demonstrando qualidades psicométricas aceitáveis. Análises de validação convergente, fatorial confirmatória, de estabilidade no tempo (teste-reteste), além da ampliação da amostra a outras regiões do país estão sendo realizadas.
Palavras-chave: Avaliação psicológica; síndrome de burnout; ISB; escala; validade.
ABSTRACT
Until the present moment there is not a validated instrument that appraises the Burnout Syndrome by SATEPSI, an official organization of the Psychology Federal Council that authorizes the use of psychological assessment instruments in Brazil. ISB was created to fill this gap. 95 statements were evaluated by eight judges for their clarity and relevance to be later administered to 604 Brazilian workers. The factor analysis reduced this first version to 36 items. The ISB was composed of two scales of antecedent components: Positive Organizational Conditions (8 items, α=.84) and Negative (8 items, α=.78), plus those related to the syndrome itself: Emotional Exhaustion (5 items, α=.86), Dehumanization (4 items, α=.74), Emotional Withdraw (5 items, α=.80) and Professional Accomplish (6 items, α=.92), demonstrating acceptable psychometric qualities. Analyses of convergent validity, confirmatory factor, time stability (test-retest), in addition to expanding the sample to other regions of the country are being held.
Key words: Psychological assessment; burnout; ISB; scale; validity.
INTRODUÇÃO
O termo burnout, em Psicologia, começou a ser utilizado para expressar a carência de energia e desânimo em relação ao trabalho por parte de alguns profissionais, em especial os da área da Saúde e Educação, concomitantemente a atitudes frias, desumanas, impessoais com que estes passavam a tratar as pessoas. Considerado como uma síndrome, o burnout veio a ser investigado inicialmente nos Estados Unidos, nos anos 70 do século passado, e ganhando relevância em vários outros países ao redor do mundo (Freudenberguer, 1974; Maslach & Jackson, 1981; Schaufeli & Enzmann, 1998). No Brasil os primeiros estudos começam apenas 20 anos depois (Benevides-Pereira, 2002).
Para Maslach & Jackson (1981; 1986) esta síndrome se dá como uma forma de resposta, mesmo que inadequada, à cronificação do estresse oriundo do ambiente ocupacional e é composta por três dimensões básicas: exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal no trabalho. A exaustão emocional alude à sensação de não dispor mais de energia, seja física ou mental, para desenvolver suas atividades laborais. Esta é a dimensão diretamente ligada ao estresse e compreende sintomas semelhantes. A despersonalização, segundo estas autoras, incide como uma defesa, em que o trabalhador passa a tratar os usuários de seus serviços (alunos, pacientes, clientes...) de modo cínico, irônico, como objetos impessoais, evitando assim contatos afetivos mais próximos. Atribuída a profissionais idealistas, com altas expectativas, observa-se que a realização pessoal no trabalho decresce, dando lugar ao sentimento de ineficiência. Em publicação de 1996, Maslach, Jackson e Leiter, 1996 salientam que todo e qualquer profissional, independente da área de atuação, pode vir a sofrer de burnout.
Verificou-se que mais relevante do que o tipo de ocupação é a forma como o trabalho está organizado, isto é, fatores disfuncionais como clima laboral negativo, sobrecarga de trabalho, excesso de burocracia, normas institucionais contraditórias, ambiguidade ou conflito de funções, percepção de iniquidade, assédio moral, entre outros (Maslach & Leiter, 1999; Moreno-Jiménez, et al. 2010; Schaufeli & Bakker, 2004).
O MBI - Maslach Burnout Inventory, elaborado inicialmente em 1981 (Maslach & Jackson, 1981), veio a disseminar e a sustentar boa parte dos estudos sobre a síndrome. Na primeira variante o MBI possuía quatro dimensões, distribuídas em 25 itens e era respondido por uma escala Likert de freqüência e também de intensidade. Após novas pesquisas, o número de itens passou a 22, foram retiradas as respostas de intensidade e o instrumento passou a conter três dimensões. Este veio a ser publicado em duas versões, o HSS - Human Services Survey para profissionais da área da saúde e ES - Educators Survey para os da área de educação, já que tais profissionais eram tidos como mais vulneráveis para o desenvolvimento da síndrome (Maslach & Jackson, 1986). O MBI tem sido o inventário mais utilizado mundialmente em pesquisas para a avaliação do burnout, confundindo-se com a definição da síndrome, em que se difundiu a tridimensionalidade composta por: exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal no trabalho. O que foi saudado inicialmente como um avanço pela operacionalização do constructo, posteriormente foi lamentado por alguns. Por haver sido formulado inteiramente sobre o resultado da fatorização de seus itens, influenciando a maioria das pesquisas que o sucederam, acarretou o empobrecimento de teoria que viesse melhor fundamentar a síndrome e, até mesmo, acabou por engessá-la e não permitir novos avanços (Moreno-Jiménez, 2007).
Dez anos depois da publicação do MBI, em nova revisão, foi divulgada uma terceira versão, a GS - General Survey (Maslach, Jackson & Leiter, 1996), indicada para todo e qualquer profissional. Observou-se que qualquer ocupação poderia predispor ao burnout, dependendo das condições com que este processo ocorria, pois se notou a relevância aos fatores organizacionais que predispõem à síndrome. Nessa versão também há uma alteração da denominação de duas escalas, passando a designar como cinismo, o que anteriormente era despersonalização, e como eficiência a anterior realização pessoal. No entanto, se o termo despersonalização era considerado por alguns como inadequado pela conotação psicopatológica, cinismo tampouco pode ser considerado melhor. "Cinismo" por ser apenas uma das atitudes que a pessoa em burnout pode vir a apresentar, em geral como uma reação para se distanciar das pessoas, também não abarca toda a complexidade da dimensão (Moreno-Jiménez, 2007). Desta forma o vocábulo desumanização tem sido empregado em substituição à despersonalização e/ou cinismo (Benevides-Pereira, 2010).
Por outro lado, tem-se verificado diferenças consideráveis em função da cultura. Observam-se valores mais reduzidos em desumanização no MBI em sociedades cujas atitudes de distanciamento e indiferença são vistas de forma pejorativa em trabalhadores, em especial os da área assistencial ou social (Schaufeli & Enzmann, 1998), o que pode estar introduzindo um viés nas respostas em função da desejabilidade social.
Além do MBI, vários outros instrumentos surgiram para a estimativa desta síndrome, como o BM - Burnout Measure (Pines & Aronson, 1988); EPB - Efectos Psíquicos del Burnout (García-Izquierdo & Velandrino, 1992); CBB - Cuestionário Breve de Burnout, (Moreno-Jiménez, Bustos, Matallana y Miralles, 1997; Moreno-Jiménez, 2007), CBI - Copenhagen Burnout Inventory (Kristensen, Borritz, Villadsen & Christensen, 2005) entre outros, que permitem avaliar qualquer categoria profissional. Também foram elaborados instrumentos mais específicos, indicados para uma determinada área ou ocupação, como o SBS-HP - Staff Burnout Scale for Health Professionals, (Jones, 1980); CDPE - Cuestionario de Desgaste Profesional de Enfermería (Moreno-Jiménez, Garrosa-Hernández & Gutierrez, 2000); CESQT - Cuestionario para la Evaluación del Sindrome de Quemarse por el Trabajo, sendo a versão PS para profissionais da saúde e a PD para cuidadores de pessoas com deficiências (Gil-Monte, 2005); CBP-R - Cuestinario Burnout del Profesorado Revisado (Moreno-Jiménez, Garrosa-Hernández, Gálvez, González, Benevides-Pereira, 2002); IBP - Inventário de Burnout para Psicólogos (Benevides-Pereira & Moreno-Jiménez, 2000; Moreno-Jiménez, Garrosa, Benevides-Pereira & Galvez, 2003) entre vários outros. No entanto, estes têm demonstrado algum tipo de dificuldade por divergências teóricas, culturais, abrangência ou até mesmo, por dificuldades referentes a direitos autorais. De forma geral, estes questionários de autor- relato ou autopreenchimento são constituídos por itens em forma de afirmações para serem respondidos por uma escala Likert.
No Brasil, a síndrome de burnout está contemplada entre as Doenças do Trabalho, Anexo II na descrição dos Agentes Patogênicos causadores de Doenças Profissionais do Decreto 3048/99 da Previdência Social (Brasil, 1999). Todavia, considerando a Resolução 02/2003 do Conselho Federal de Psicologia, (CFP, 2003), ainda não está disponível nenhum instrumento de avaliação psicológica que seja voltado especificamente ao burnout e que tenha sido autorizado pelo SATEPSI, órgão responsável pela análise e recomendação de instrumentos para uso em território nacional (CFP, 2003).
Com o objetivo de se obter uma escala que possa avaliar a síndrome de burnout em nosso meio, independente da área de atuação ocupacional, foi desenvolvido o ISB - Inventário da Síndrome de Burnout.
MÉTODO
Este instrumento começou a ser elaborado em 2006. Após a construção dos itens, estes foram submetidos a juízes para a análise de sua adequação e clareza. Posteriormente, esta primeira versão foi aplicada a alguns grupos profissionais. Para tal, as instituições e trabalhadores, após os esclarecimentos necessários quanto à participação e sigilo dos dados, aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Assim sendo, foi respeitada a Declaração de Heisinki, (1975 e revisada em 1983), bem como as Resoluções do Conselho Nacional de Saúde do Brasil, n.196, de 10/10/96 e n.251, de 07/08/97 (Brasil, 1996; Brasil, 1997).
As respostas da primeira versão foram incluídas em um banco de dados do programa Excel. Posteriormente, com o pacote SPSS versão 17 (SPSS, 2008) foram realizadas analises: fatorial, de confiabilidade e de correlação entre os dados.
Considerando-se as premissas teóricas, 95 itens foram elaborados, contemplando tanto fatores que pudessem desencadear a síndrome, assim como afirmações frequentes entre os que apresentam burnout. Foram convidados 15 (quinze) psicólogos que possuíssem conhecimento consistente, tanto sobre avaliação psicológica como dos processos de estresse e burnout, para que atuassem como juízes e realizassem uma análise heurística do instrumento. Oito dos quinze profissionais concordaram em colaborar.
Como a síndrome de burnout sobrevem a partir do estresse ocupacional, foram elaborados 47 itens (Parte I) que avaliam elementos que podem desencadear, retardar ou mesmo dar suporte para que o processo de estresse/burnout não prospere. Para a síndrome propriamente dita (Parte II), foram preparados 48 itens distribuídos entre os fatores EE - Exaustão Emocional (15 itens), RP - Realização Profissional (18 itens) e DE - Desumanização (15 itens).
Empregando-se um formulário onde foi solicitado que os juízes se manifestassem em relação à: elaboração da afirmação; compreensão do que se pretendia expressar e relevância do item no processo. Também foi requerido o julgamento se a afirmação era pertinente ou não em relação à escala, que se aspirava aferir, se deveria haver modificação ou se haveria a proposição de um novo item.
Após a análise da contribuição dos juízes, foram realizadas as modificações sugeridas: alguns itens tiveram pequenas alterações na redação para que se tornassem mais claros e um foi eliminado. Em seguida estes foram misturados entre si, para que não houvesse tendenciosidade nas respostas, respeitando-se apenas a separação de cada uma das partes (fatores antecedentes - Parte I e síndrome de burnout - Parte II) para que o instrumento fosse testado.
Esta primeira versão foi aplicada a uma multiamostra composta por 604 participantes de diversas profissões (enfermeiros e auxiliares de enfermagem, operadores de telemarketing, supervisores e dirigentes de empresas, funcionários administrativos), das regiões de Curitiba, Aracajú e uma cidade do interior do Paraná. A idade média da amostra foi de 24,93 anos (DP=8,19), sendo a mínima de 16 e a máxima de 64 anos, tendo 207 integrantes do sexo masculino e 394 do feminino, enquanto que três profissionais não forneceram esta informação.
Primeiramente foram realizadas análises fatoriais para cada uma das partes separadamente. Os itens com saturações abaixo de 0,30 foram eliminados, assim como os que apresentaram saturações em duas ou mais escalas. Deste modo houve uma redução dos itens iniciais visando uma maior precisão e fidedignidade do instrumento. Também objetivando um inventário mais enxuto, analisou-se e optou-se pelos oito primeiros resultados das cargas fatoriais da Parte I. Os resultados da nova configuração, subdividido nas duas partes que o compõem, estão descritos a seguir.
RESULTADOS
Análise Psicométrica do ISB: Parte I - Fatores antecedentes
Como explanado, os fatores organizacionais são de suma importância no estudo do burnout, pois tanto podem oferecer recursos para que a pessoa tenha condições de manter/promover seu bem-estar ou, ao contrário, podem se constituir em um elemento desencadeador da síndrome (Bakker, Demerouti, Boer & Schaufeli, 2003). Para a análise fatorial exploratória foi utilizado o método Oblimin com Kaiser, que revelou boa adequação da amostra (KMO=0,914), sendo que o teste de esfericidade de Bartlett (χ2=2579,973, df=120, p=0,000) indicou que a matriz era apropriada para a extração dos valores.
Dos 46 itens iniciais que avaliavam os recursos e/ou dificuldades no ambiente de trabalho, utilizando o critério de exclusão como explanado, permaneceram 16 subdivididos em dois fatores, com uma variância total explicada de 43,293%, sendo de 33,426% para Condições Organizacionais Positivas (COP) e de 9,867% para Condições Organizacionais Negativas (CON). Como exemplo de COP - Condições Organizacionais Positivas pode ser citado: Sinto que efetivamente faço parte de uma equipe de trabalho ou Meu ambiente de trabalho é agradável. Para CON - Condições Organizacionais Negativas: A burocracia toma grande parte do meu tempo no trabalho ou Não há como parar para refletir em meu trabalho pois não há tempo para tal.
Para a análise foi utilizado o método de extração dos componentes principais com rotação Oblimin com Kaiser. Na Figura 1 observa-se o gráfico de sedimentação.
A análise fatorial COP (Fator 1) apresentou saturações entre 0,793 e 0,576 e CON (Fator 2) entre 0,672 e 0,346. A distribuição dos itens e seus valores estão descritos na Tabela 1.
Para a avaliação do índice de confiabilidade foi empregado o alfa de Cronbach. A Tabela 2 traz as médias, desvios padrão, variância e correlação entre estas escalas, bem como os alfas de Cronbach.
As Condições Organizacionais Positivas (COP) apresentaram médias mais elevadas que as Negativas (CON), enquanto que desvio padrão e variância de menor valor. Os alfas foram de 0,843 e de 0,780, respectivamente, índices considerados adequados Como era de se esperar, COP e CON se correlacionaram negativa e significativamente entre si (r=-0,541,, p=0,000).
Resultado da Análise Psicométrica do ISB: Parte II - Síndrome de Burnout
Também na Parte II o resultado do método Kaiser-Meyer-Olkin revelou boa adequação da amostra (KMO=0,917), sendo que o teste de esfericidade de Bartlett (χ2=5046,462, df=171, p=0,000) indicou que a matriz era apropriada para a extração dos valores. O gráfico de sedimentação (Figura 2), bem como a análise fatorial indicou quatro fatores.
Para análise foi utilizado o método de extração dos componentes principais com rotação Oblimin com Kaiser. Analisando-se os itens que compuseram cada um dos fatores, observa-se que o primeiro compõe a escala de exaustão emocional (EE), o segundo a de realização profissional (RP), sendo que a desumanização se subdividiu em duas escalas (Fatores 3 e 4) aqui denominadas: desumanização (DEs) e distanciamento emocional (DEm). O resultado da análise fatorial com suas respectivas cargas pode ser observado na Tabela 3. A variância total explicada foi de 62,644%, sendo de 36,408% para EE, de 12,475% para RP, 7,919% para DEm e 5,843% para DEs.
Os índices de confiabilidade avaliados pelo alfa de Cronbach, assim como médias, desvios padrão e variâncias de cada escala da Parte II do ISB estão descritos na Tabela 4.
Realização profissional no trabalho apresentou a maior média (14,86) entre as escalas que avaliam o burnout pelo ISB, entretanto também o maior desvio padrão (6,12) e variância (37,423). Exaustão emocional obteve média de 6,41 (DP=4,59 e σ2=21,099), Desumanização foi de 5,35 (DP=3,70 e σ2=13,657) e Distanciamento emocional de 4,84 (DP=4,01 e σ2=16,065).
DISCUSSÃO
O Inventário da Síndrome de Burnout, inicialmente constituído por 95 itens foi submetido à apreciação de oito juízes quanto à sua adequação e clareza. Após análises fatoriais realizadas separadamente para cada uma das partes, os fatores antecedentes, denominados de Condições Organizacionais, passaram de 46 para 16 itens subdivididos em Positivos e Negativos, com 8 itens cada um. A avaliação da síndrome propriamente dita, Parte II, passou de 49 para 19 itens, subdivididos em Exaustão emocional (N=5), Realização profissional (N=5), Desumanização (N=4) e Distanciamento emocional (N=5).
Os resultados mostraram adequada qualidade psicométrica de todos os seus fatores, tanto os antecedentes (Parte I), como os que avaliam a síndrome de burnout (Parte II). No que tange à avaliação do burnout, este instrumento evidenciou quatro escalas. O que poderia ser atribuído como pertencente à dimensão de despersonalização/cinismo, segundo o que dispõe o MBI, neste inventário houve uma subdivisão em duas escalas, às que se atribuiu a denominação de: desumanização e distanciamento emocional.
A dimensão de despersonalização (desumanização; cinismo) possui importância fundamental para a definição de burnout. Enquanto exaustão emocional, apesar de mostrar-se como a escala mais forte na grande maioria dos estudos (Maslach, Schaufeli, Leiter, 2001; Taris, Pascale, Le Blanc, Schaufeli & Schreurs, 2005), ratifica o estresse presente na síndrome (Benevides-Pereira, 2012). É justamente a desumanização que evidencia a diferenciação entre estes dois processos, denotando um componente singular na síndrome, o defensivo (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001). Todavia, desumanização sistematicamente foi apontada como uma escala com inconsistências, visto que em sua formulação original agrega atitudes diversas como frieza nas relações interpessoais, distanciamento emocional, hostilidade, ironia (Gil-Monte & Peiró, 1997; Moreno-Jiménez, 2007; Schaufeli & Enzmann, 1998). Salanova et al. (2005, p.902) apontam que "Este problema foi resolvido no caso do MBI-GS por considerar despersonalização como um caso especial de "distanciamento mental".
Por outro lado, pesquisas com o MBI em culturas diversas das anglo-saxônicas têm apontado configurações diferentes da encontrada pelas autoras do inventário. Moreno-Jiménez (2007) aponta que, em especial depois de várias pesquisas e a publicação de Maslach, Leiter & Schaufeli (2001), fica claro que exaustão emocional, despersonalização/cinismo e realização pessoal/eficiência seriam as dimensões "centrais" do processo, podendo dar lugar a outras. Como exemplo de novas configurações Gil-Monte (1997; 2005) assinala a presença da culpa naqueles que sofrem de burnout. Segundo este autor se poderia distinguir dois perfis de burnout: no Perfil 1, apesar das dificuldades, o trabalhador ainda conseguiria se manter no posto laboral; no Perfil 2, em que aparece o fator culpa, o profissional estaria incapacitado para o trabalho (Gil-Monte, 2007).
Salanova et al. (2005), empregando a escala de despersonalização do MBI de 1986 e o de cinismo de 1996, em duas amostras distintas (professores e funcionários administrativos), observaram pelos resultados tratar-se de escalas distintas, pois, enquanto para um grupo as relações interpessoais eram tidas como imprescindíveis (ex.: professor-aluno), para o outro, era irrelevante, evidenciando a diferença das duas escalas e dos resultados dependendo da ocupação desempenhada pelo trabalhador.
Alguns autores têm indicado que o cerne do burnout se encontra nas dimensões de exaustão emocional e de despersonalização no nosso caso, desumanização e distanciamento emocional. Salientam que RP aparece de forma distinta das demais em vários estudos, bem como, por ser constituída por afirmações positivas, realização pessoal poderia ser um artefato estatístico (Bakker, Demeruti, Boer & Schaufeli, 2003; Maslach, Schaufeli & Leiter: 2001; Schaufeli & Bakker, 2004; Schaufeli, Salanova, González-Romá & Bakker, 2002). Em estudo sobre o impacto de recursos e demandas para o desenvolvimento de burnout verificaram que a interação entre elevadas demandas e reduzidos reecursos eleva os níveis de burnout, no entanto a dimensão de realização profissional não acompanha as demais escalas (Bakker, Demerouti & Ewema, 2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instrumento, tal qual elaborado, apresentou qualidades psicométricas adequadas, mostrando-se como uma opção viável para a avaliação da síndrome. No sentido de consolidar os estudos, outras análises relativas à sua consistência estão em curso, tais como a validação convergente, Modelagem de Equações Estruturais, análise fatorial confirmatória, assim como verificação de sua estabilidade temporal (teste-reteste). A amostra também vem sendo ampliada, buscando contemplar ocupações diversas, bem como outras regiões do país. Tal como elaborado, este instrumento permite ser aplicado como um todo ou apenas uma de suas partes, a critério do avaliador e de suas necessidades.
Apesar de o Brasil possuir uma legislação avançada, em que o burnout é contemplado entre as doenças trabalhistas, ainda não dispõe de nenhum instrumento de avaliação psicológica que esteja validado pelo SATEPSI, de forma a aferir esta síndrome em nosso meio. Considerando a escassez mencionada e a importância de um inventário elaborado levando em conta as especificidades nacionais, o ISB poderá se constituir em um instrumento importante para que se possa estimar o burnout em âmbito nacional.
Por outro lado, como em sua constituição também foram considerados elementos frequentemente desencadeadores da síndrome, este inventário permite observar o processo de modo mais abrangente, bem como possibilita critérios para intervenção no sentido de lidar com o processo como um todo (Gil-Monte, 2007).
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Recebido em 13/10/14
Revisto em 1/7/15
Aceito em 5/07/15
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