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Boletim de Psicologia

 ISSN 0006-5943

     

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Representação simbólica da obesidade infantil a partir da avaliação de mães1

 

Symbolic representation of childhood obesity from mothers' assessment

 

 

Paulo Francisco de astro*

Universidade Guarulhos e Universidade de Taubaté - SP - Brasil

 

 


RESUMO

A obesidade infantil é um preocupante problema de saúde. Nesse cenário, a mãe e sua representação da obesidade do filho podem ser um importante fator para reflexões dos dinamismos psicológicos observados na criança e no ambiente no qual convive. O objetivo do presente estudo foi avaliar a representação simbólica da obesidade infantil, a partir das informações levantadas por um grupo de mães. Participaram da investigação 24 mães de crianças com obesidade, independente do nível de escolaridade e socioeconômico, submetidas à aplicação do Desenho-Estória com Tema - D-E/T. Em linhas gerais, os dados revelaram predomínio de atitude de aceitação, associado a uma visão positiva da figura da criança com obesidade, para tanto, utilizam predominantemente mecanismos de defesa como idealização, racionalização e negação.

Palavras-chave: Avaliação psicológica; obesidade infantil; desenho.


ABSTRACT

Childhood obesity is a disturbing health problem, in which mothers and their view of the child's obesity can be a key factor in determining the psychological dynamics observed in the child and his/her environment. This study aimed to assess the symbolic representation of childhood obesity drawn from data obtained from a group of mothers. Participated in the study twenty four mothers of obese children, regardless of their school background and social and economic level, being subjected to the Thematic Drawing-and-Story Procedure. In general terms, data showed prevalence of an attitude of acceptance coupled with a favorable view of the obese child, in which prevailed defense mechanisms such as idealization, rationalization and denial.

Key words: Psychological assessment; childhood obesity; drawing.


 

 

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1980, observou-se a configuração da obesidade epidêmica como um dos quadros patológicos de maior incidência no cuidado em Pediatria (Radominski, 2011). Estima-se que o número de casos de obesidade infantil seja crescente, devendo estar entre uma das principais preocupações em todas as áreas de saúde. Uma vez que a obesidade pode ser compreendida como um quadro clínico com múltipla etiologia, as pesquisas e as ações diagnósticas e de tratamento devem ser observadas sob uma ótica interdisciplinar, para que se proponham ações efetivas de acolhimento e atenção à saúde dessas crianças.

A obesidade em crianças é um dos principais desafios na atenção à saúde infantil. Estudos verificam que cerca de 5% das crianças brasileiras com até 14 anos podem estar com sobrepeso ou até mesmo em estado de obesidade em diferentes graus, sendo maior prevalência em meninas e nas regiões onde há maior concentração econômica (Lacerda & Alvarez, 2006; Miyake, 2008). A obesidade é um dos fatores que podem contribuir para o desenvolvimento de outros quadros clínicos como diabetes e hipertensão. Além disso, a obesidade pode prejudicar a convivência com outras crianças em virtude da aparência ou das questões ligadas à autoestima (Lacerda & Alvarez, 2006; Miyake, 2008). Segundo Spada (2007a), a prevenção e controle da obesidade devem acontecer ainda na infância, de forma a identificar as crianças que podem vir a ser obesas, tomando as medidas necessárias para contê-la, favorecendo o prognóstico.

 

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA OBESIDADE

O apetite busca o prazer e a satisfação libidinal, implicando componentes psicológicos, e não obedece primordialmente a reservas calóricas e muito menos as toma como referência. Sendo assim, o apetite é submetido a um múltiplo controle de ordem psicológica, mas que é gerado por várias partes do cérebro que agem a partir dos estímulos sensoriais, como olfato e gustação, além de processos metabólicos e fatores emocionais. A Psicanálise já havia apresentado a diferença entre pulsão, instinto animal e o humano, apontando que para o ser humano os objetos de gratificação podem ser variáveis e, nesse sentido, o indivíduo nem sempre ingere comida com a função de alimento. Por exemplo, quando a criança busca o seio da mãe, não procura apenas a satisfação alimentar, mas sim a significativa troca de experiências, sejam elas frustradas ou amorosas. As trocas estabelecidas primitivamente entre a mãe e o bebê, por meio da amamentação, contribuem para a constituição da base psicológica que proporcionará a vivência de aceitação e rejeição da criança (Kahtalian, 2010).

As questões psicológicas associadas a aspectos nutricionais têm ocupado um lugar cada vez mais importante para o público em geral e para os profissionais da saúde, em especial aos psicólogos, visto que problemas alimentares, além dos componentes nutricionais, estão impregnados de elementos ligados ao campo emocional. Esses aspectos emocionais podem determinar tanto a manutenção, quanto o desencadear de vários quadros clínicos associados à alimentação, entre eles a obesidade. A alimentação se coloca como pano de fundo dos conflitos psíquicos, tanto pessoais como das relações, seja por rejeição a ela, ou por excesso (Loreto, 2004; Spada, 2005).

Nesse contexto, os indivíduos com obesidade costumam associar ao alimento as sensações confundidas por eles, como: solidão, prazer, carícia e fome. A sensação de fome sentida não é apenas de alimento, pois se assim fosse, ao comer, estaria satisfeito e pararia. Tenta satisfazer diversas necessidades e, assim, perde cada vez mais o contato com o seu "eu" interior, perdendo também, a noção do que pretende satisfazer (Spada, 2007a).

Comer excessivamente pode ser uma tentativa de enfrentar vivências de estresse, ansiedade ou depressão, evitando entrar em contato com possíveis fraquezas. Deve-se considerar que o peso elevado é um recurso defensivo, que é aderido à personalidade da pessoa com obesidade. Sem tratamento, a obesidade pode marcar de forma negativa a vida do indivíduo, além de sufocar o direito de viver, reprimindo emoções e sentimentos, que são simbolicamente tragados pela sobrecarga do peso excessivo, tornando a existência cada vez mais angustiante e depressiva (Loreto, 2004; Spada, 2007a).

Quando se considera a obesidade à luz das questões sociais e relacionais, tem-se que crianças com obesidade estão sujeitas à vivência de estresse psicológico, pois, de certa forma, não correspondem ao ideal de beleza, usualmente consequência da imposição de um corpo magro. Além disso, frequentemente enfrentam complicações ortopédicas, respiratórias, dermatológicas, imunológicas e distúrbios hormonais. Na maioria dos casos, indivíduos com obesidade costumam não admitir como verdadeiras e reais as virtudes que possuem e mantêm sentimentos de autodepreciação, inferioridade e culpa, dentre outros. Emocionalmente, ainda podem indicar medo de errar e dificuldade em estabelecer relações de toda ordem, associados à ansiedade e comportamento de isolamento, intensificado por alguns fatores psicossociais como discriminação e aceitação diminuída pelos pares (Miyake, 2008).

A influência da mãe diante da obesidade infantil

A princípio, o universo da criança está centrado na nutrição e nas fortes emoções de gratificação e desprazer, associadas a essa função. Os primeiros tipos de relacionamento entre mãe e filho estão intimamente relacionados com a alimentação e, em torno disso, organizam-se desde o nascimento, assim como também são expressos e modelados os conflitos desta relação (Spada, 2007a).

A questão da alimentação envolvendo mãe e filho traz à tona diversos aspectos que vários teóricos da Psicanálise já abordaram, relacionados com separação, simbiose, identificação, primeiro objeto de amor, entre outros. Estima-se que 35% dos bebês e crianças pequenas apresentam dificuldades na alimentação, compreendidas como ingestão insuficiente ou excessiva de alimentos, restrições em relação às preferências alimentares, comportamentos peculiares durante as refeições, até hábitos alimentares bizarros que podem ser fruto das relações primitivas com a figura materna (Gusmão, 2002).

Assim, do ponto de vista psicodinâmico, pode-se depreender que a relação mãe-bebê é teoricamente decisiva para o modo de organização do funcionamento psíquico do indivíduo. A maneira de interação da mãe com o filho é um reflexo do tipo de vínculo que se estabeleceu entre os dois e pode ser observado em diversas situações, inclusive na hora da alimentação. Além disso, a falta de atenção da mãe com seu filho tende a favorecer prejuízos no desenvolvimento da criança, tendo em vista a restrição de trocas de experiências prazerosas (Gomes, Moraes & Motta, 2011).

As primeiras vivências vão servir, ao psiquismo infantil, como exemplo para respostas futuras; mais tarde são ampliadas pelas diversas interações familiares, sociais e do desenvolvimento infantil. A relação mãe-filho moldará experiências fantasiosas neste período de incorporação oral, que se reproduzirão na fase adulta. O alimento alcança, dessa forma, a simbolização da maneira como o indivíduo encara a vida e como lida com emoções (Anaruma, 1995).

O alimento é um condutor de afeto e se transforma em problema, quando há tentativa de substituir esses afetos, na busca de resolver rejeições e confrontos (Kaufman, 1993). O ato de comer se torna recompensa substitutiva de tendências emocionais frustradas, que não estão relacionadas com o processo de nutrição (Spada, 2007b). Quando o comportamento de se alimentar se torna exclusivo do desejo, do apetite, não sendo mais regulado pela fome, o alimento está operando inconscientemente a "função-mãe" ou reproduzindo uma relação mãe-filho de forma patológica (Mundim, 1996).

Desta forma, o papel materno é essencial para a instalação e preservação de dificuldades de ordem nutricional das crianças, sendo que este papel, desde cedo, é modelo para diversas atividades em geral. A mãe e a criança têm participação e responsabilidade nesse processo, sendo que a díade mãe-filho é única e singular em sua história e dinâmica (Nascimento, Mäder, Falcone & Nóbrega, 2007).

Algumas mães apresentam dificuldade em diferenciar as manifestações emocionais e as reais necessidades que a criança tem em termos de alimentação, o que pode caminhar entre a negligência até a superalimentação. Quando percebe a tensão do filho, a mãe pode utilizar o alimento incorretamente, como forma de mantê-lo satisfeito ou quieto. Em consequência, a criança tende a desenvolver dificuldades em discriminar a fome de outras necessidades, como tensão emocional ou preocupações psicológicas (Spada, 2007b). Como resultado desta dificuldade no relacionamento, a criança encontrará problemas para interpretar as emoções das outras pessoas e para expressar e distinguir suas próprias emoções.

A mãe tranquila e equilibrada permite ao filho que vivencie suas experiências individualmente e o seu sofrimento com elas, desenvolvendo assim, seus próprios parâmetros e referenciais, oferecendo amparo, sempre que necessário. Entretanto, mães que têm necessidade de controlar excessivamente a alimentação dos filhos, são aquelas que, posteriormente podem causar sentimentos de desamparo, perturbando o desenvolvimento da personalidade da criança, prejudicando também a autonomia e a autoestima para estabelecer os relacionamentos pessoais, tendendo a não desaparecer com o tempo, além de causar o risco de obesidade e alcoolismo, dentre outros vícios orais (Pizzinatto, 1991).

A obesidade infantil geralmente se situa em torno de um ambiente familiar alterado, onde se percebem características de superproteção, rigidez e falta de solução de conflitos. Famílias que apresentam maior proximidade emocional expressam com mais facilidade seus sentimentos, passam mais tempo juntos, as crianças percebem melhor os cuidados da mãe, tendo uma prática de alimentação mais saudável e mais segura. As famílias de membros com obesidade possuem algumas características, tais como: a falta de diálogo, que gera insegurança e dúvida, pouco contato com o mundo externo, papéis familiares pouco definidos, difícil expressão dos sentimentos, filhos pouco envolvidos nos problemas dos pais, dependência de álcool e drogas, mães obesas e pais distantes (Spada, 2007a).

A partir de investigação qualitativa com um grupo de quatro mães de crianças com obesidade, por meio de grupos terapêuticos, Oliveira e Martins (2012) observaram que o alimento se constitui como simbolismo da relação mãe-criança, na tentativa da mãe responder às demandas subjetivas do filho. Por meio do contato entre eles, observaram que a obesidade se manifestou como um sintoma do prejuízo da relação estabelecida, representada como um retorno do desejo materno inconsciente, que se configura no corpo do filho, interpretadas, pela psicanálise, como uma forma de reinvestir as representações simbólicas inconscientes oriundas da vivência da díade mãe-filho, mantendo-se a dependência primitiva.

Nesse sentido, Gomes, Moraes e Motta (2011) observaram que as mães de crianças com obesidade tendem a manter a situação de dependência estabelecida nos primeiros contatos com a criança, desenvolvendo um vínculo muito próximo entre elas. Tal conduta dificulta o desenvolvimento da autonomia e independência, o que supre as fantasias de contato sem limites desenvolvidos pelas mães. Concluíram seu estudo a partir do levantamento e identificação das atividades lúdicas realizadas por sete crianças com obesidade e a função materna nas brincadeiras infantis.

A partir de investigações sobre a percepção materna relativa ao sobrepeso e à obesidade em crianças, observou-se que, embora a maior parte das mães reconheça que o quadro de obesidade possa ser prejudicial à saúde, demonstraram dificuldade em avaliar adequadamente essa condição em seus filhos, cometendo erros na identificação de tal característica nas crianças (Boa Sorte et al., 2007; Giacomossi, Zaniella & Höfelmann, 2011; Lara-García, Flores-Peña, Alatorre-Esquivel, Sosa-Briones & Cerda-Flores, 2011; Silva, Andrade, Ferreira, Andrade & Madeira, 2011). Do ponto de vista psicológico, a falta dessa adequada percepção (indicada nos estudos) pode estar associada a movimentos defensivos das mães, principalmente os de negação do quadro do filho. Possivelmente essa conduta defensiva possa estar associada aos tipos de vínculos que essas mães estabeleceram com seus filhos, desde os contatos primordiais até o momento em que o estudo foi realizado.

Diante do exposto, o objetivo do presente artigo é analisar a representação simbólica da obesidade infantil, a partir da percepção de mães de crianças com obesidade, por meio dos dados do Desenho-estória com Tema.

 

MÉTODO

Participantes

Foram estudadas 24 mães de crianças com obesidade, que frequentavam um grupo de apoio ao atendimento a crianças com o referido quadro. Considerou-se como critério de inclusão o fato de seus filhos apresentarem estado de obesidade, de acordo com a classificação do IMC igual ou superior a 30 (Conde & Monteiro, 2006; Quadros, Silva, Gordia & Simões Neto, 2012), e o aceite em contribuir para a pesquisa. As participantes tinham idade entre 29 e 48 anos (média de 38,4 anos), sendo 62,5% (n=15) mães de meninas e 27,5% (n=9) de meninos. Em relação à escolaridade, tem-se 54,2% (n=13) com Ensino Médio e 48,8% (n=11) com Ensino Superior. A maior parte das mulheres eram professoras (n=7) ou dedicavam-se às tarefas do lar (n=7), totalizando 29,2% da amostra, além de profissionais das áreas administrativa (25%, n=6), saúde (8,3%, n=2) e manutenção e serviços gerais (8,3%, n=2). No tocante à situação socioeconômica, todas foram consideradas como pertencentes à classe média.

Instrumento

Para avaliação da representação simbólica da obesidade infantil, a partir da significação das mães, optou-se pela utilização de um procedimento clínico de investigação psicológica por meio de metodologia gráfica e temática considerada uma extensão do Desenho-estória (D-E), apresentado por Walter Trinca em 1972 (Trinca 1987, 2013a, 2013b). O D-E foi desenvolvido com o objetivo de explorar a dinâmica inconsciente da personalidade, em setores que os outros instrumentos utilizados na época deixavam lacunas. Foi esta proposta de identificação de personalidade que, ao se inserir no processo diagnóstico compreensivo, possibilitou abordagem clínica que renovou os propósitos do diagnóstico psicológico, trazendo uma visão humanística ao processo. O D-E consiste em uma técnica de investigação da personalidade que emprega desenhos livres associados a narrativas, denominadas aqui de histórias. O examinando realiza desenhos livres e conta histórias associados aos mesmos, também de uma forma livre; a seguir, responde a perguntas do examinador sobre pontos que não ficaram claros nas narrativas e, por fim, articula um título para sua produção. Apesar dos desenhos livres eliciarem as histórias, os resultados compõem uma unidade (Trinca, 1987, 2013a, 2013b; Trinca & Tardivo, 2000).

Neste estudo foi utilizado o procedimento de Desenho-Estória com Tema D-E/T que, segundo Trinca e Tardivo (2000), exige que o examinador indique o tema a ser representado antes do início da produção gráfica. A história livre sobre o desenho e o inquérito é mantida. Insere-se um tema à produção gráfica e à narrativa, com o propósito de investigação focada em algum aspecto que se tenha interesse em identificar. No caso desta pesquisa, o tema escolhido foi o desenho de "uma mãe e seu filho com obesidade". Assim, requisitou-se às mães que realizassem um desenho de duas pessoas (não necessariamente si própria e seu filho), representando a mesma condição em que se encontram, a saber, mãe de uma criança com obesidade. A seguir, a mãe contou uma história referente ao desenho, o pesquisador fez alguns questionamentos sobre a produção gráfica e a história, finalizando com a solicitação de um título à produção.

A aplicação do D-E/T em pesquisas sobre variados assuntos e em situações específicas mostra-se especialmente produtiva. Ao inserir um tema explícito na instrução da produção gráfica é possível compreender o significado que o participante do estudo atribui ao assunto proposto. Dessa maneira, a representação simbólica de qualquer conteúdo pode ser identificada, desde que devidamente incluída nas instruções iniciais do desenho (Aiello-Vaisberg & Ambrosio, 2013; Tardivo, 2008; Trinca & Tardivo, 2000). Assim, no presente estudo, considera-se que a instrução "Desenhe uma mãe e seu filho com obesidade" garanta a avaliação das representações simbólicas da obesidade infantil, por meio da representação das mães.

Procedimento

O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, devidamente registrado na Plataforma Brasil sob CAAE 15641913.6.0000.5506.

Durante as atividades do grupo de apoio com as mães, o objetivo da pesquisa, o procedimento a ser adotado e as questões éticas foram expostas e, nesse momento, foi realizado o convite para participação no estudo. Diante do aceite em colaborar com a pesquisa, foram agendados dia e horário para a coleta de dados da pesquisa. A coleta de dados foi individual, realizada na Clínica de Psicologia da Universidade pelo próprio pesquisador. Nesse encontro, após leitura, ciência e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Informado, foram levantados dados sociais e demográficos da participante e aplicação do Procedimento Desenho-Estória com Tema pelo autor, de forma individual.

O D-E/T foi analisado de acordo com a literatura sobre o procedimento (Tardivo, 2008; Trinca, 1987; Trinca & Tardivo, 2000) e foram considerados os itens de interpretação propostos por Tardivo (1997), a saber: atitudes básicas, figuras significativas, sentimentos expressos, tendências e desejos, impulsos, ansiedades e mecanismos de defesa. Os dados foram organizados de forma quantitativa, de acordo com a incidência em cada categoria de análise.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise do material obtido do D-E/T, por meio das narrativas geradas pela produção gráfica realizada pelas mães, permitiu a avaliação das representações simbólicas da obesidade infantil de forma contextualizada e produtiva. Não foram analisados, no presente estudo, aspectos gráficos dos desenhos, que tiveram como propósito estimular as narrativas. A seguir é apresentada a exposição dos dados na forma de tabelas para melhor visualização das informações e a associação dos dados com outros estudos sobre o tema.

A Tabela 1 expõe os dados relativos às atitudes básicas frente à obesidade infantil, identificadas a partir da análise das narrativas das mães, que compuseram o presente estudo. Observa-se que a maior parte das mães (62,5%, n=15) indicou atitude de aceitação diante do tema da obesidade, investigado pela instrução do desenho-estória. Este resultado leva a pensar que essas mães aceitam a atual condição clínica de seus filhos em uma ação de acolhimento das crianças, independente da obesidade. Em contraposição, um grupo de mães (29,1%, n=7) apresentou atitudes de oposição nas narrativas do procedimento, indicando conduta de rejeição da obesidade vivida pelos filhos.

 

 

A atitude de aceitação verificada na maior parte das narrativas das mães, que compuseram este estudo, pode ser identificada em outras investigações sobre o tema, inferindo-se tal relação a partir dos dados de pesquisas em que foi observado que um grupo de mães de crianças com obesidade não conseguiu perceber que condutas de maior passividade e permissividade contribuem para o desenvolvimento do quadro em seus filhos (Moraes & Dias, 2013; Salim & Bicalho, 2004; Silva, 2013). Diante da obesidade tendem a comportamentos de maior diálogo e de consolo para que as crianças não se sintam desconfortáveis, principalmente nos momentos de alimentação (Wilhelm, Lima & Schirmer, 2007). Além disso, identificou-se forte representação simbólica da alimentação, por meio da tentativa da mãe em responder prontamente a todas as demandas afetivas dos filhos, principalmente por intermédio do excesso de alimentos (Oliveira & Martins, 2012).

Em contrapartida, os dados sobre atitudes de oposição da presente pesquisa podem ser encontrados em outros trabalhos em que as mães buscam impor hábitos de alimentação saudável, com vistas à diminuição de peso de seus filhos. Para isso, usam uma série de recursos para que as crianças desenvolvam atitude mais adequada diante da alimentação, apesar de assinalarem dificuldades em controlar as crianças e gerenciar a questão da obesidade, identificadas por insatisfação e comportamentos negativos e de resistência por parte das crianças (Flores-Peña et al., 2014; Lorenzato, 2012; Moraes & Dias, 2013; Silva, 2013; Venturini, 2000). Em casos específicos, foram identificadas atitudes de chantagem, forte imposição ou até mesmo agressividade das mães para que as crianças tenham comportamentos alimentares saudáveis (Wilhelm, Lima & Schirmer, 2007).

Os dados associados às figuras significativas (Tabela 2), presentes nas narrativas apresentadas pelas mães, indicam que a maior parte das representações das figuras de crianças (79,2%, n=19) possui valência positiva. Assim, ficou sinalizado relacionamento de aproximação e cooperação estabelecida entre as mães e seus filhos, uma vez que as próprias mães foram as narradoras das histórias e, nesse caso, a figura fraterna se referia à criança que estava representada no desenho.

 

 

Os dados referentes aos sentimentos expressos identificados nas histórias elaboradas, apresentados na Tabela 3, revelam que metade das mães mostrou sentimentos derivados do instinto de vida relativos a afetos de ordem construtiva e de acolhimento, enquanto a outra metade revelou sentimentos derivados do conflito. O conjunto desses dados pode ser interpretado como sinal de vivência de emoções ambivalentes, principalmente relacionadas à culpa e temores diante da obesidade das crianças.

 

 

As informações sobre os sentimentos derivados do instinto de vida identificados na presente investigação, podem ser corroborados por informações de outros estudos tais como, mães de crianças com obesidade enfatizam afetos positivos na relação com seus filhos, remetendo esse contato desde o início do estabelecimento do vínculo, principalmente no que tange à importância do ato de amamentação (Venturini, 2000) e do desmame. Constituem contatos únicos que se estabelecem na díade mãe-filho e, por causa disso, valorizados e simbolizados pelas genitoras (Oliveira & Martins, 2012). Outro dado, que pode ser associado aos achados desta pesquisa, relata a atitude de maior cuidado, por meio da tentativa de compreender e acolher seus filhos com obesidade, para que haja possibilidade de resolução da situação em que vivem (Wilhelm, Lima & Schirmer, 2007).

Em contrapartida, as vivências associadas ao conflito, identificadas pelas mães que compuseram este estudo, podem se relacionar com dados de investigações que demonstraram que mães de crianças com obesidade experimentam sentimentos associados à culpa pela condição física e psíquica de seus filhos. Assumem a reponsabilidade pelo fato das crianças estarem nas condições de peso em que se encontram e experimentam sentimentos de arrependimento e autopunição (Machado, Pellanda, Vigueras, & Ruschel, 2005; Moraes & Dias, 2013; Salim & Bicalho, 2004; Silva et al., 2011) que são agravados pela falta de clareza da situação, o que gera incapacidade de agir para que ocorram mudanças na vida das crianças (Lindsay et al., 2012).

Nesse contexto, Flores-Peña et al. (2014) esclarecem que mães com conduta de maior reforço a comportamentos adequados e menos comportamentos de controle conseguem desenvolver adequadas atitudes de alimentação nos filhos. Por sua vez, os autores relaram que crianças com maior grau de obesidade possuem mães com ações de maior tentativa de controle e menor contato positivo.

A partir dos dados apresentados na Tabela 4, é possível verificar que quase a totalidade das mães participantes do estudo (95,8%, n=23) apresentou impulsos amorosos em suas associações, relacionados à vivência do instinto de vida. Esse indicador, por sua vez, identifica o investimento de catexia positiva, por meio de afetos de aproximação direcionados às crianças.

 

 

A Tabela 5 informa que a maioria das participantes mostrou tendências construtivas na elaboração de suas histórias (62,5%, n=15), que podem ser analisadas como um posicionamento que visa a relações mais próximas com as crianças, por meio de atitudes de auxílio, apoio e acolhimento por parte das mães, que buscam ações de cuidado, que visam o desenvolvimento de seus filhos. Além disso, 25% (n=6) das mães apresentaram necessidade de suprir faltas básicas, revelando ações ligadas à proteção, acolhimento e abrigo direcionadas às crianças com obesidade.

 

 

A tendência construtiva observada neste estudo pode ser associada a dados expostos em outras investigações sobre o tema, onde se observa que a conduta de aproximação e de cooperação indicada por mães de crianças com obesidade pode ser verificada em pesquisas, em que é assinalada a importância do cuidado materno na atenção às crianças com obesidade, embora algumas dessas mães não se apropriem desse papel, contribuindo para que o quadro de obesidade se instale (Lorenzato, 2012; Silva, 2013; Venturini, 2000). Associado a isso, tem-se a possibilidade de utilização do alimento como recurso simbólico de trocas afetivas produtivas, aproximação e valoração da figura da mãe, na relação que estabelece com seu filho, por meio de um desejo inconsciente de permanência que se localiza no corpo da criança (Machado et al., 2005; Oliveira & Martins, 2012). Esse processo tende a se associar à dependência que se estabelece na relação mãe-filho com obesidade, no qual o filho tende a desenvolver conduta de passividade diante da figura materna e de suas representações (Gomes, Moraes & Motta, 2011).

A ansiedade do tipo depressiva foi identificada, conforme se observa na Tabela 6, na maior parte das narrativas das mães (91,7%, n=22). Isso traduz, de acordo com a teoria kleiniana, um tipo de vivência direcionada ao objeto, nesse caso atenção e cuidado aos filhos.

 

 

A Tabela 7 apresenta os mecanismos de defesa que puderam ser identificados nas histórias construídas pelas participantes e, dependendo do discurso, mais de um processo de defesa foi identificado em uma única narrativa. Observa-se a utilização de oito diferentes processos defensivos na articulação do discurso das mães, sendo que os mais incidentes foram idealização (50%, n=12), que indica que a representação da obesidade é impregnada de ideias positivas e, de certa forma, distanciada da realidade em que a criança vive; racionalização (45,8%, n=11), que revela a utilização de justificativas de ordem lógica e racional para compreender a realidade vivenciada pela criança; negação ou anulação (41,6%, n=10), que traduz uma tendência a desconsiderar a obesidade do filho por meio de uma conduta na qual a realidade da obesidade não existe; e isolamento (37,5%, n=9), que pode ser interpretado como uma conduta displicente da mãe ao desconsiderar a obesidade da criança, apesar da percepção da mesma.

 

 

A utilização do mecanismo de idealização, observado neste estudo, pode ser associada ao trabalho de Silva (2013), que expõe que a imagem de que crianças eutróficas tendem a ser mal alimentadas, além das observações do estudo de Boa-Sorte et al. (2007), que identificaram a conduta de algumas mães de relacionar sobrepeso à saúde, por meio de uma concepção cultural de que crianças devem estar acima do peso para indicarem que são bem cuidadas pelos pais.

O segundo mecanismo de defesa de maior incidência nos dados da presente pesquisa foi a racionalização, sendo que outras pesquisas também identificaram tal mecanismo nos processos de elaboração das mães, quanto à obesidade de seus filhos. Esses estudos indicaram que, embora as mães usualmente não consigam observar o excesso de peso ou a obesidade em seus filhos, usam uma série de justificativas de ordem racional para que a situação possa ser explicada, buscando reduzir sua responsabilidade no cuidado e na atenção às crianças. Nesse sentido, buscam explicações de ordem genética, de comportamento e de saúde, sem o real conhecimento desses temas (Silva et al., 2011; Silva, 2013, Venturini, 2000).

Os dados sobre as defesas observadas nas histórias das mães deste trabalho também indicaram incidência de mecanismos de negação. A negação do quadro de obesidade das crianças pode ser observada nos dados de pesquisas realizadas por Boa-Sorte et al. (2007), Costa, Silva, Simões e Alves (2011) e Lindsay et al. (2012) ao identificarem que a maior parte dos pais tende a subestimar o peso dos filhos, o que dificulta a percepção mais realista da condição em que vivem, considerando que os mesmos não apresentam sobrepeso ou obesidade. Reforçam informações levantadas por Salim e Bicalho (2004) ao afirmarem que a maior parte das mães possui dificuldade em enfrentar os problemas advindos da obesidade de seus filhos, utilizando recursos defensivos na busca de organização desses sentimentos.

A partir da análise das narrativas deste estudo, observou-se ainda a utilização do mecanismo de defesa de isolamento. Tal fato pode ser associado a dados de outras pesquisas que versam sobre o assunto em que foi verificado que, apesar dos familiares de crianças com obesidade indicarem que há prejuízo nos aspectos sociais e psicológicos dos filhos, muitos pais interpretam que o peso atual de seus filhos não interfere em suas dificuldades pessoais, remetendo ao futuro possíveis consequências negativas (Venturini, 2000). Além disso, muitas mães possuem tendência a minimizar os prejuízos que o aumento de peso pode causar às crianças, diminuindo os problemas associados a quadros de obesidade (Camargo, Barros Filho, Antonio & Giglio, 2013). Os autores citados também referem que as mães relatam grande tendência das crianças, ao crescerem, diminuírem a condição de obesidade, uma vez que o peso será distribuído pelo corpo com o crescimento físico (Boa-Sorte et al., 2007).

Em síntese, considerando-se os dados sobre as defesas utilizadas nas narrativas, pode-se inferir que os processos defensivos utilizados pelas mães podem dificultar a percepção adequada das reais condições físicas de seus filhos, interferindo negativamente no cuidado a essas crianças. Vários estudos, que se dedicaram à reflexão da percepção de mães sobre a obesidade de crianças, identificaram que os conteúdos psicológicos dessas mães podem interferir na real avaliação do sobrepeso ou da obesidade de seus filhos (Boa-Sorte et al., 2007; Camargo et al., 2013; Flores-Peña, Camal-Rios & Cerda-Flores, 2011; Giacomossi, Zanella & Höfelmann, 2011; Lara-García et al., 2011; Oliveira & Martins, 2012; Pakpour, Yekaninejad & Chen, 2011; Silva et al., 2011).

Além dos elementos destacados nos itens analisados pelo desenho-estória com tema, observou-se que 58,3% (n=14) das narrativas foram construídas em formato de autorrelato ou utilizaram alguma autorreferência na articulação das histórias. Esse achado é sugestivo de que parte das participantes não estabeleceu distância entre as produções gráfica e verbal e suas vivências pessoais, denotando emergência da circunstância vivida a partir da obesidade de seus filhos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É consenso que o cuidado ao indivíduo com obesidade deve considerar ações multiprofissionais, preferencialmente de caráter interdisciplinar. Nesse cenário, a compreensão dos dinamismos psicológicos envolvidos na obesidade infantil pode contribuir de forma efetiva no atendimento a esse grupo, sendo que o papel da mãe é de suma importância para que as ações de saúde possam ser efetivas.

Diante dos dados identificados, observou-se que a representação simbólica da obesidade infantil, identificada a partir das narrativas das mães do presente estudo, centra-se na aceitação da condição apresentada pelas crianças, a qual auxilia no cuidado das mesmas, valorizando-as e atribuindo aos filhos um significado positivo, o que, de certa forma, é esperado diante da atitude materna. Assim, a condição de obesidade infantil não interferiu na constituição da relação materna nesses casos.

Em se tratando dos sentimentos experimentados pelas mães, observam-se em alguns momentos sentimentos de aproximação e construção de afetos positivos e de cuidado, a despeito da condição clínica de seus filhos e em outros, a vivência de conflitos diante do quadro. Infere-se, diante disso, a existência de certa ambivalência dessas mães decorrente da realidade que a obesidade dos filhos gera.

A despeito dessa dinâmica, há investimento de impulsos amorosos que, associados a tendências construtivas indicadas nas narrativas, visam o acolhimento e o apoio no processo de desenvolvimento das crianças. É possível justificar essas características pelo uso de processos defensivos que podem interferir na real avaliação das crianças.

Assim, o Procedimento de Desenho-estória com Tema possibilitou a avaliação das representações simbólicas das mães de crianças com obesidade, de forma a compreender esse significado para as mesmas e garantiu a análise dos dados do grupo de participantes do estudo. Diante disso, há possibilidade de contribuir para a atenção à saúde de crianças com obesidade, a partir da compreensão da dinâmica psíquica das mães, compartilhando com os profissionais a tarefa do cuidado psíquico necessário nesses casos. Pela pertinência do tema, sugere-se a organização de mais pesquisas com foco na investigação de características psicológicas das mães de crianças com obesidade e sua influência no relacionamento com os filhos.

 

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Recebido em 28/05/15
Revisto em 06/02/16
Aceito em 10/02/16

 

 

* Endereço para correspondência: Universidade Guarulhos - Clínica de Psicologia. Rua Doutor Nilo Peçanha, 47, Centro. Guarulhos - SP. CEP: 07011-040. E-mail: castro.pf@uol.com.br
1 Apoio: PESQDOC/UnG - Programa de Incentivo à Pesquisa Docente da Universidade Guarulhos.

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