Temas em Psicologia
ISSN 1413-389X
ARTIGOS
Alterações afetivas em pacientes deprimidos submetidos à Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua
Affective changes in depressed patients treated with Transcranial Direct Current Stimulation
Juliana Teixeira FiquerI; Paulo Sérgio BoggioII; Maria Teresa Araujo SilvaIII; Clarice GorensteinIV; Felipe FregniV; Sérgio Paulo RigonattiVI; Emma OttaVII
IUniversidade de São Paulo
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo
IIIUniversidade de São Paulo
IVUniversidade de São Paulo
VHarvard Medical School
VIHCFMUSP
VIIUniversidade de São Paulo
RESUMO
O presente estudo avaliou o efeito da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC), de córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, no tratamento de pacientes deprimidos, por meio de auto-relatos de afetos positivos, de afetos negativos e de satisfação com a vida. Participaram do estudo 31 pacientes com depressão maior, distribuídos em dois grupos: Grupo Ativo (n=21), submetido a dez sessões de ETCC anódica de 2mA no córtex pré-frontal, e Grupo Controle (n=10), submetido a dez sessões de ETCC placebo. Ambos os grupos responderam uma Escala Breve de Afetividade e avaliaram a satisfação com a vida em uma Escala de Faces Esquemáticas antes e após o tratamento. Pacientes do Grupo Ativo apresentaram aumento de afetos positivos, diminuição de afetos negativos e aumento na satisfação com a vida. Os resultados apontam para a presença de alterações afetivas bidimensionais na depressão e para o potencial terapêutico da ETCC no reajustamento de afetos positivos e negativos.
Palavras-chave: Afetos positivos, Afetos negativos, Depressão maior, Estimulação cerebral, Córtex pré-frontal.
ABSTRACT
The present study evaluated, through self-reports of positive affects, of negative affects and of life satisfaction, the therapeutic effects of anodal Transcranial Direct Current Stimulation (TDCS) on depressed patients. Thirty one patients with major depression participated on this study. They were distributed in two groups: Active Group (n=21) treated with ten sessions of anodal 2mA TDCS applied in the left dorsolateral prefrontal cortex and the Control Group (n=10) treated with ten sessions of TDCS placebo. Both groups answered a Brief Affect Scale and evaluated their life satisfaction through a Scale of Schematic Faces before and after the treatment. Patients of the Active Group presented an increase of positive affects, a reduction of negative affects and an increase of their life satisfaction. These findings point to the presence of bidimensional affective alterations in depression and to the therapeutic potential of the TDCS in the readjustment of positive and negative affects.
Keywords: Positive affect, Negative affect, Major depression, Brain stimulation, Prefrontal cortex.
A depressão caracteriza-se, em linhas gerais, pela presença e persistência de humor deprimido ou perda de prazer em quase todas as atividades da vida diária, por um período de no mínimo duas semanas (DSM-IV; American Psychiatric Association, 1994). O episódio depressivo está associado a aumento de afetos negativos e declínio de afetos positivos. Em linhas gerais, afeto negativo representa o quanto uma pessoa sente estados de ânimo negativo, tais como: medo, tristeza, raiva, culpa e aversão. Afeto positivo, por outro lado, compreende o quanto uma pessoa experiencia estados de ânimo positivo, tais como: alegria, entusiasmo, interesse e autoconfiança (Watson et al., 1995).
Estudos na área de Neurociências têm demonstrado que quadros de depressão estão associados a um padrão assimétrico de ativação cerebral, com redução da ativação do córtex pré-frontal esquerdo em comparação com a ativação do córtex pré-frontal direito (Killgore, Gruber & Yurgelun-Todd, 2007; Davidson & Irwin, 1999). Pesquisas com eletroencefalograma (EEG) indicam que pessoas com ativação relativamente elevada do córtex pré-frontal esquerdo estão mais predispostas a apresentar afetos positivos, enquanto indivíduos com maior ativação do córtex pré-frontal direito tendem a apresentar mais afetos negativos (Akiyoshi, Hieda, Aoki & Nagayama, 2003; Debenera et al., 2000; Henriques & Davidson, 1991). Por exemplo, Flor-Henry, Lind & Koles (2004) encontraram hipoativação anterior esquerda em pacientes deprimidos, enquanto em quadros de mania identificaram hiperativação de regiões do hemisfério esquerdo (Flor-Henry, Koles, Howarth & Burton, 1979; Blumberg et al., 2000).
Evidências relacionadas à lateralização de sistemas neurobiológicos responsáveis pelo processamento afetivo e regulação do humor também podem ser observadas em estudos realizados com pacientes neurológicos. Sackeim et al. (1982) estudaram pacientes que apresentavam episódios de riso ou choro incontroláveis, não relacionados com desencadeadores externos. Observaram que os pacientes com riso patológico tinham lesões no hemisfério direito, enquanto aqueles com choro patológico apresentavam lesões no hemisfério esquerdo. Esses pesquisadores descobriram também que pacientes que tinham hiperexcitação do hemisfério esquerdo, em decorrência de um foco epiléptico, apresentavam episódios de riso incontrolável, inclusive freqüentemente durante o ataque epiléptico (epilepsia gelástica). Nos poucos casos de epilepsia dacrística, caracterizados por choro, o foco epiléptico estava localizado no hemisfério direito. Em concordância com estes achados, Watson et al. (1995) encontraram aumento de sintomas depressivos após lesão anterior esquerda do córtex pré-frontal e concluíram que esta região participa de um circuito subjacente ao afeto positivo, que, quando lesionada, resulta em déficits na capacidade para vivenciar afeto positivo, uma das características da depressão.
Estão disponíveis vários recursos para o tratamento da depressão, que englobam terapias psicológicas, fármacos e técnicas de estimulação cerebral. Entre estas últimas, destacam-se a ECT (Eletroconvulsoterapia), a EMT (Estimulação Magnética Transcraniana) e, mais recentemente, a ETCC (Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua) (Fregni et al., 2006a; Herrmann & Ebmeier, 2006). A ETCC, de baixa intensidade, é uma técnica experimental, baseada nas evidências de assimetrias na ativação hemisférica cerebral em quadros de transtornos depressivos. A vantagem da ETCC em relação a outros métodos de estimulação cerebral é que se trata de uma técnica com importante efeito neuromodulatório, além de ser simples, de baixo custo, não-invasiva e indolor. A ETCC transmite ao cérebro corrente elétrica de baixa intensidade através de dois eletrodos (cátodo e ânodo) posicionados sobre o couro cabeludo do paciente (Boggio et al., 2007a; Nitsche & Paulus, 2000).
Apesar de estudos iniciais sobre a ETCC datarem de 1960, pesquisas sistemáticas sobre seu uso como método terapêutico antidepressivo são recentes. Pode-se falar em redescoberta da ETCC e sua aplicação em seres humanos a partir de 2000 (Boggio, 2006). Observações feitas em centros de pesquisa no exterior têm mostrado que esse método é seguro para ser usado em seres humanos, desde que respeitados os parâmetros referentes à intensidade da corrente aplicada, à duração da sessão de estimulação, ao tamanho dos eletrodos, à densidade da corrente e à carga total aplicada (Fregni, Boggio, Nitsche, Rigonatti, & Pascual-Leone, 2006a; Antal, Varga, Kincses, Nitsche & Paulus, 2004; Nitsche, Liebetanz & Schlitterlau, 2004; Paulus, 2003; Nitsche, Liebetanz, Tergau & Paulus, 2002).
Os efeitos obtidos pela ETCC dependem da polaridade usada. Enquanto a estimulação catódica resulta em diminuição de excitabilidade cortical, em função de hiperpolarização do neurônio, a estimulação anódica tem efeito inverso (Boggio, 2006; Ardolino, Bossi, Barbieri & Priori, 2005). Segundo Ardolino et al. (2005), as alterações na função da membrana neuronal promovidas pela ETCC podem ter como base alterações em proteínas transmembranas e mudanças na concentração de hidrogênio com base na eletrólise induzida pela exposição constante ao campo elétrico.
Investigações recentes demonstram que a ETCC anódica aplicada no córtex pré-frontal dorso lateral esquerdo (CPFDLE), em particular, é promissora no tratamento de pacientes depressivos (Rigonatti et al., 2008; Boggio et al., 2007b; Nitsche et al., 2007; Fregni et al., 2006a). Nesses estudos, o efeito antidepressivo da ETCC tem sido avaliado com base na redução de sintomas que pacientes apresentam em escalas que priorizam aspectos somáticos (Escala de Depressão de Hamilton; Hamilton, 1960) ou cognitivos da depressão (Inventário de Depressão de Beck; Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961).
Nosso objetivo no presente estudo é investigar o efeito da ETCC anódica especificamente na esfera afetiva de pacientes deprimidos. Para isso, avaliamos relatos de afetos positivos, de afetos negativos e de satisfação com a vida de pacientes deprimidos submetidos a tratamento com ETCC de CPFDLE. Se a ETCC atua no balanceamento da assimetria inter-hemisférica entre lobo pré-frontal esquerdo e direito, espera-se que pacientes submetidos à ETCC apresentem, após o tratamento, aumento de afetos positivos, declínio de afetos negativos e relatos de maior satisfação com a vida, em comparação com pacientes de um grupo controle (ETCC placebo).
Método
Sujeitos
Participaram do presente estudo 31 pacientes (17 mulheres e 14 homens) com diagnóstico de depressão maior unipolar, com média de idade de 47,7 anos (DP = 9,2), recrutados para uma pesquisa no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP). O diagnóstico psiquiátrico foi obtido a partir da entrevista semi-estruturada SCID (Structured Clinical Interview for DSM-IV Axis I Disorders; First, Spitzer, Gibbon &Williams, 1996), com psiquiatra sênior (SPR). Para exclusão de possíveis efeitos terapêuticos resultantes de medicações, foram selecionados apenas pacientes que não estavam tomando medicação antidepressiva por um período mínimo de dois meses antes das avaliações. Foram excluídos da pesquisa pacientes que apresentavam comorbidade com transtornos psiquiátricos (DSM-IV); histórico recente de abuso de substâncias; doenças neurológicas ou escores iniciais de depressão inferiores a 10 - no Inventário de Depressão de Beck - e 7 - na Escala de Depressão de Hamilton.
O presente estudo foi realizado de acordo com as recomendações estabelecidas na Declaração de Helsinki (1964). Antes da inclusão no estudo, todos os pacientes preencheram termo de consentimento livre-esclarecido, aprovado previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IPq-HCFMUSP e registrado no Comitê Nacional de Ética [SISNEP (Sistema Nacional de Ética em Pesquisa) 0900.0.015.000-04].
Instrumentos
Para avaliação de afetos positivos e negativos, foi utilizada a versão traduzida e adaptada para o português da Escala Breve de Afetividade Positiva e Negativa (EBA) de Mrozeck e Kolarz (1998) (Fiquer et al., 2008). A EBA é composta por uma lista de cinco afetos positivos (alegria, estar de bem com a vida, felicidade, satisfação e sensação de estar cheio de vida) e cinco afetos negativos (tristeza, nervosismo, incomodo, sensação de que tudo é uma obrigação e inutilidade) avaliados em relação à freqüência com que foram sentidos nos últimos 30 dias (para avaliação pré-tratamento) e nos últimos sete dias (para avaliação pós-tratamento), considerando-se uma escala de cinco pontos (1 = nunca a 5 = todo tempo). Trata-se de uma escala breve, que tem mostrado consistência interna para avaliação de afetos positivos e negativos em amostras de pacientes deprimidos e em populações não-clínicas (Fiquer et al., 2008). Calculou-se o escore total de afetos positivos (variando de 5 a 25) e negativos (variando de 5 a 25) e a partir deles o Índice de Equilíbrio de Afeto (IEA) de Ryff (1989), que consiste em subtrair do total de afetos positivos o total de afetos negativos (variando de 20 a -20 pontos). O IEA revela o predomínio de uma dimensão afetiva sobre a outra. Enquanto o IEA de valor negativo remete à prevalência da freqüência de afetos negativos sobre a freqüência de afetos positivos, o IEA de valor positivo revela prevalência inversa.
Para avaliação da satisfação com a vida, utilizamos a Escala de Faces Esquemáticas de Andrews e Withey (1976), adaptada por Myers (2000). Esta escala é constituída por sete faces, que variam de muito alegres a muito tristes. O respondente deve assinalar com um "x" abaixo da face que considera melhor representar sua satisfação com a vida no momento. Para fins de análise, é atribuído um valor para cada uma das faces (numa escala de 1 a 7), sendo o maior valor correspondente à face mais sorridente/satisfeita.
Para quantificação inicial da presença e gravidade da depressão, foi utilizado o Inventário de Depressão de Beck (BDI), de 21 itens (Beck et al., 1961) e a Escala de Depressão de Hamilton (HAM-D), de 17 itens (Hamilton, 1960). No BDI, escores variam de 0 a 63 pontos. Em amostras de pacientes com doenças afetivas, escores no BDI inferiores a 10 indicam ausência de depressão ou depressão mínima; escores entre 10 e 18 indicam depressão leve a moderada; entre 19 e 29, depressão moderada a grave; e superiores a 29, depressão grave (Beck, Steer & Garbin, 1988). Na HAM-D escores variam de 0 a 50 pontos. Na prática, considera-se que escores inferiores a 7 indicam ausência ou depressão mínima; entre 7 e 17, depressão leve; entre 18 e 24, depressão moderada; e superiores a 25, depressão severa (Endicott, Cohen, Nee, Fleiss & Sarantakos, 1981).
Procedimento
Após entrevista clínica com psiquiatra, pacientes diagnosticados com depressão maior unipolar responderam o BDI e a HAM-D, para avaliação da gravidade da depressão. Em seguida, completaram a EBA, a Escala de Faces Esquemáticas, além de um questionário com informações sócio-demográficas, durante entrevista clínica com um psicólogo previamente treinado. Posteriormente, os pacientes foram randomicamente selecionados para receber ETCC anódica no CPFDLE (n=21) ou ETCC placebo (n=10) (randomização de sujeitos por grupo 2:1), durante um período de 10 dias (uma sessão/dia). No dia posterior ao término das 10 sessões de ETCC, os dois grupos novamente completaram a EBA e a Escala de Faces Esquemáticas durante segunda entrevista psicológica. O psicólogo não tinha conhecimento da distribuição dos pacientes nos grupos de pesquisa.
Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua
O equipamento de ETCC utilizado compreende quatro componentes principais: eletrodos, amperímetro, potenciômetro e um jogo de baterias para a geração de corrente elétrica contínua com intensidade máxima de corrente de 2mA. A corrente elétrica foi aplicada através de dois eletrodos de borracha condutora (cátodo e anôdo, com 35 cm2 de tamanho) envoltos por esponjas embebidas em soro fisiológico. A corrente elétrica foi gerada por um estimulador de corrente constante específico (modelo CX-6650, Rolf Schneider Electronics, Gleichen, Alemanha). Os pacientes permaneceram sentados durante as sessões de estimulação com os eletrodos colocados sobre o couro cabeludo e fixados com o auxílio de uma cinta elástica. Ambos os grupos tiveram o eletrodo anodo alocado na região do CPFDLE (área F3) e o cátodo alocado na região supraorbital direita. A posição dos eletrodos foi determinada com base no Sistema Internacional para EEG 10-20.
O grupo experimental foi submetido a um total de 10 sessões de ETCC de 2 mA, cada uma com duração de 20 minutos por dia (de segunda-feira a sexta-feira, durante duas semanas consecutivas). Os parâmetros de estimulação foram baseados em estudos recentes que demonstram que os efeitos da ETCC são cumulativos e que a estimulação de 2 mA é segura e mais eficiente que a estimulação de 1 mA (Fregni et al., 2006a; Iyer et al., 2005). A aplicação da corrente até atingir 2mA deu-se de forma gradual (rampa de subida e descida de 100µA/segundo). No grupo placebo, todos os procedimentos adotados para o grupo experimental (em relação à duração e número de sessões e ao posicionamento dos eletrodos nos pacientes) foram mantidos. Assim como no grupo experimental, foi realizada rampa de subida até atingir 2mA, entretanto, após 30 segundos o aparelho foi desligado. O aparelho utilizado possui ajuste para placebo, o que faz com que, mesmo após o aparelho ser desligado, o amperímetro (que marca a intensidade de corrente contínua) continue sinalizando que o equipamento está ligado. Dessa forma, os pacientes do grupo placebo têm sensações semelhantes às do grupo experimental, porém não são estimulados. Tal método tem se mostrado eficaz em estudos duplo-cego (Boggio et al., 2007a).
Análise estatística
Dados demográficos e clínicos dos dois grupos na linha de base foram comparados por meio de testes t para amostras independentes. Comparou-se os escores de afetos positivos, de afetos negativos e de satisfação com a vida dos dois grupos nos diferentes momentos (pré-tratamento; pós-tratamento), por meio de um modelo misto de Análise de Variância (Mixed Model ANOVA), uma extensão do modelo de análise de variância de medidas repetidas (ANOVAr), que permite comparação simultânea de dois fatores: o fator inter-sujeito (grupo) e o intra-sujeito (momento) sobre as variáveis dependentes (Gueorguieva & Krystal, 2004). Efeitos de interação entre os dois fatores sobre as variáveis dependentes foram investigados com o uso de ANOVAr subseqüentes, conduzidas separadamente para cada grupo e para cada uma das variáveis. A ANOVAr também foi utilizada para avaliação de possíveis diferenças no IEA entre os grupos nos diferentes momentos. A análise dos dados foi feita com auxílio do Programa Estatístico SPSS (versão 13.0 for Windows). Em todas as análises foi adotado o nível de significância 0,05.
Resultados
O tratamento de ETCC foi bem tolerado pelos pacientes, não sendo relatados efeitos adversos após a finalização do tratamento. A Tabela 1 mostra que os grupos não diferiram em relação às características demográficas e clínicas na linha de base. Em média, os pacientes recrutados para a pesquisa apresentaram escores de depressão moderada (HAM-D) ou moderada a grave (BDI).
A ANOVAr revelou efeito significativo de interação entre tempo e grupo para os escores de afetos positivos (F1,29 = 5,061, p = 0,032), afetos negativos (F1,29 = 5,595, p = 0,025), e satisfação com a vida (F1,29 = 3,960, p = 0,050). Análises subseqüentes revelaram que o grupo ETCC Ativa apresentou aumento de afetos positivos (F1,20 = 11,475, p = 0,003), declínio de afetos negativos (F1,20 = 43,070, p = 0,000) e aumento na satisfação com a vida (F1,20 = 16,892, p = 0,001) do pré para o pós-tratamento. Pacientes do grupo ETCC Placebo não apresentaram mudanças significativas (Figura 1.a-c).
Para avaliação do predomínio de uma dimensão afetiva sobre a outra, foi calculado o IEA antes e após o tratamento. Um efeito de interação entre tempo e grupo para os escores de IEA foi encontrado (F1,29 = 16,228, p = 0,012). No grupo ETCC Ativa, houve aumento do IEA do pré para o pós-tratamento (F1,20 = 27,227, p = 0,000), enquanto que no grupo ETCC Placebo não ocorreu mudança. Conforme ilustra a Figura 1.d, enquanto ambos os grupos apresentaram predomínio da freqüência de afetos negativos sobre a freqüência de afetos positivos no pré-tratamento, no pós-tratamento o grupo ETCC Ativa passou a apresentar uma relação inversa, na qual a freqüência de afetos positivos passou a predominar sobre a freqüência dos negativos.
Discussão
No presente estudo, investigamos o efeito da ETCC anódica de CPFDLE sobre os relatos de afetos positivos, de afetos negativos e de satifação com a vida de pacientes deprimidos. Hipotetizamos que pacientes submetidos à ETCC apresentariam alterações afetivas bidimensionais (diminuição da dimensão negativa e aumento da dimensão positiva), e relatos de maior satisfação com a vida em comparação com pacientes do grupo placebo. Em concordância com a hipótese inicial, observamos que pacientes deprimidos, após 10 sessões subseqüentes de ETCC, relataram significativamente mais afetos positivos, menos afetos negativos e maior satisfação com a vida. Enquanto na linha de base, pacientes do grupo ativo e placebo apresentaram predomínio na freqüência de afetos negativos sobre os positivos (IEA negativo), no pós-tratamento, pacientes do grupo ativo apresentaram uma inversão: a dimensão positiva passou a preponderar sobre a negativa.
Existem evidências de que a ETCC muda a excitabilidade cortical a curto prazo (através de modificações no potencial de repouso da membrana neuronal) e altera a transmissão sináptica a longo prazo (Nitsche et al., 2003; Liebetanz, Nitsche, Tergau & Paulus, 2002). A ETCC anódica, especificamente, relaciona-se com aumento na excitabilidade cortical (Boggio, 2006; Ardolino et al., 2005). Existem também estudos que relacionaram hipoativação cortical frontal esquerda ao humor deprimido (Flor-Henry et al., 2004; Akiyoshi et al., 2003; Henriques & Davidson, 1991). Parece razoável supor, portanto, que as mudanças afetivas apresentadas pelos pacientes deprimidos do presente estudo sejam resultantes de alterações neuronais induzidas pela ETCC anódica no CPFDLE. Nesse sentido, nossos resultados destacam o papel da ETCC na regulação de afetos e, de uma forma mais ampla, enfatizam a conexão entre sistemas neuronais e regulação emocional.
O resultado de que a ETCC anódica de CPFDLE pode auxiliar na regulação afetiva corrobora com os achados prévios sobre o potencial da ETCC na redução de sintomas de pacientes depressivos em medidas como o BDI e a HAM-D (Rigonatti et al., 2008; Boggio et al., 2007b; Nitsche et al., 2007; Fregni et al., 2006a). Estes resultados, associados à ausência de registros sobre efeitos colaterais significativos provocados pela ETCC (Boggio et al., 2007a; Fregni, Boggio, Nitsche, Rigonatti & Pascual-Leone, 2006b) são evidências favoráveis ao prosseguimento de pesquisas voltadas ao uso desta técnica em contextos clínicos.
A análise das dimensões afetivas dos pacientes na linha de base mostra um predomínio de afetos negativos sobre os positivos na depressão. Esse tipo de relação afetiva assimétrica está em concordância com as formulações do modelo teórico sobre ansiedade e depressão de Clarck e Watson (1991), denominado Modelo Tripartido. Segundo este modelo: 1) elevado afeto negativo é característica comum tanto para transtornos depressivos como para transtornos ansiosos; 2) hiperexcitação fisiológica é específica da ansiedade; e 3) baixo afeto positivo é característica específica da depressão (Gençöz, 2002). O efeito terapêutico antidepressivo, nesta perspectiva, deve compreender redução de afetos negativos e, principalmente, aumento de afetos positivos. Identificamos esse padrão de efeito bidimensional em pacientes de nosso estudo após o tratamento ativo com ETCC.
Funções comportamentais e psicológicas governadas pelos lobos frontais podem auxiliar na compreensão da relação entre baixo afeto positivo, elevado afeto negativo e quadro depressivo. A região cortical pré-frontal esquerda está relacionada com habilidades relacionadas a afetos positivos, tais como: capacidade de sustentação de comportamentos focados num objetivo; capacidade de resposta a estímulos emocionais positivos; e capacidade de converter eventos agradáveis em estados emocionais positivos (Kring & Bachorowski, 1999). Esta mesma região também está envolvida na inibição da amígdala, componente do sistema límbico que atua na produção de emoções negativas e na resposta de fuga/esquiva (Davidson, 1998). Desta forma, mediante a significativa hipoativação da região pré-frontal cortical esquerda presente na depressão, são esperados tanto déficits em mecanismos de produção e acentuação de afetos positivos, como problemas na minimização de afetos negativos.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Por se tratar de uma investigação exploratória inicial, utilizamos uma pequena amostra de pacientes. Pesquisas futuras devem avaliar a possibilidade de generalização de nossos resultados e hipóteses em amostras clínicas maiores. Além disso, consideramos importante que um maior número de avaliações posteriores ao tratamento, e não apenas imediatamente após o término das sessões de ETCC, sejam conduzidas para verificação da estabilidade e durabilidade dos efeitos observados.
Concluindo, nossos resultados apresentam dados favoráveis ao potencial da ETCC como técnica de regulação de afetos em pacientes com depressão maior unipolar e justificam, ao nosso ver, a realização de pesquisas adicionais nesta área.
Referências
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Enviado em Janeiro de 2008
Revisado em Outubro de 2008
Aceite final em Janeiro de 2009
Publicado em Outubro de 2009
Nota dos autores:
Juliana Teixeira Fiquer, Maria Teresa Araujo Silva e Emma Otta - Departamento de Psicologia Experimental, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. Paulo Sérgio Boggio - Núcleo de Neurociências do Comportamento, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Clarice Gorenstein - Departamento de Farmacologia, Instituto de Ciências Biomédicas da USP; Lim-23, Instituto de Psiquiatria, HCFMUSP; Núcleo de Neurociências do Comportamento, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. Felipe Fregni - Center for Noninvasive Brain Stimulation, Beth Israel Deaconess Medical Center, Harvard Medical School. Sérgio Paulo Rigonatti - Serviço de Tratamentos Biológicos, Instituto de Psiquiatria, HCFMUSP.