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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

 ISSN 1413-6295

     

 

Editorial

 

Periódico científico, mais especificamente, uma revista de psicanálise, importa fazer circular através dela reflexões, pesquisas, relatos, de forma a propiciar ao saber psicanalítico a possibilidade de ser amplamente compartilhado, questionado e provocado para que esteja em permanente diálogo com os desafios suscitados pela experiência clínica e pelos novos tempos. Neste sentido, uma vez acolhidos artigos que nos chegaram de diversas regiões do país, mobilizamos um número considerável de consultores para elaboração de pareceres, distribuindo adequadamente entre estes os artigos de modo a tornar possível uma troca estimulante entre autores e consultores: estes, assim, se constituíram nos primeiros pares, ainda que anônimos entre si. Esta não é uma tarefa fácil, já que exercida com responsabilidade e critério. Um dos critérios aplicados foi o de solicitar, às vezes, um terceiro e até mesmo, em certo momento, um quarto parecer. Isto porque, a nosso ver, não se trata de publicar para dar visibilidade, fundamentalmente, ou para ocupar território, mas sim para estimular troca de ideias, de conhecimento, de experiências. Assim, não surpreende que em resposta a essa 'troca' tenhamos recebido inúmeras manifestações de agradecimento da parte dos autores, com relação às críticas recebidas.

Segunda tarefa, especificamente desenvolvida neste ano de 2012: organizar dois números distintos de forma a manter a revista do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro adequada ao esquema produtivo sugerido por órgãos de fomento à produção editorial e à pesquisa científica, como a CAPES/ANPEPP. Esta também está longe de ser uma tarefa fácil, tendo em vista não constituirmos uma organização acadêmica, não recebermos remuneração de nenhuma espécie; trabalhamos de forma voluntária, motivados pelo desejo de estimular e viabilizar as 'trocas' acima referidas.

Fato é que o 'produtivismo', um dos males gerados em organizações universitárias nos últimos anos, não é compatível com a reflexão psicanalítica e, certamente, nem mesmo com acadêmica em geral. Em artigo publicado pela revista Psicologia USP, em 2011, Silvio Paulo Botomé adverte para a possibilidade de o saber acadêmico – atravessado pelo produtivismo característico da universidade brasileira contemporânea – tornar-se autoritário, posto que infenso ao novo, à diferença e à criatividade. E completamos, à reflexão. Pois, na medida em que o que importa é produzir, apresentar trabalhos em Congressos e publicar em revistas, o saber não se abre ao diálogo ou à controvérsia de forma amistosa, e tampouco está interessado, efetiva e especificamente, em se colocar diante da questão do sofrimento psíquico que tanto interroga e comove.

O sofrimento e a dor da alma provocam os que se envolvem com a prática clínica em primeiro plano, aqueles que iniciam a formação como psicoterapeutas mais pelo viés da experiência do que do conhecimento. Neste sentido, o que de imediato se coloca para estes é o compartilhamento de uma atmosfera afetiva: sentir com os que sofrem importa tanto quanto – muitas vezes, mais – o saber a respeito do que está na origem do sofrimento, dos fatores constituintes e/ou intrínsecos a este. A intimidade e as particularidades que irrompem na experiência psicanalítica, na prática clínica assim considerada, resultam em linhas de força por vezes imprevisíveis, à medida que geradas num campo transferencial/contratransferencial; este, por seu turno, demanda uma elaboração mental ao psicanalista, requisitando-lhe uma capacidade de distanciar-se de tudo o que já se sabe. Da mesma forma, é importante que um psicanalista/autor experimente certo distanciamento da própria experiência clínica e que possa dispor de um tempo prolongado para a produção de um texto: só assim, mesclando distanciamento e proximidade, saber e experiência podem harmonizar-se, podem dialogar entre si.

Portanto, este é o nosso objetivo central na realização desse trabalho editorial: construção de diálogos, de trocas de experiências e de saberes, no tempo e no espaço tornados possíveis e irrevogavelmente ocupados por pessoas que indagam sobre suas vivências, sentimentos e desejos, e que se interrogam sobre as vivências, sentimentos e desejos do outro, obviamente, não se dispondo a produzir como máquinas, fazendo meramente marketing deste ou daquele autor, desta ou daquela linha de pensamento.

 

Comissão Editorial