Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)
ISSN 1413-6295
Conferência
Dor de existir: o objeto perdido para sempre*
Pain of existing: the forever lost object
Carlos Lannes**
Objeto é talvez uma das palavras mais usadas em psicanálise assim como sujeito é uma palavra que remete a várias significações. Green cita, em um de seus trabalhos, o fato curioso de que o Dicionário da Academia Francesa Littré dá o mesmo significado, quando define a palavra sujet e quando define a palavra object: "corpos naturais são o sujeito da física, corpos naturais são o objeto da física". No dicionário francês-português, sujet tem como sinônimos "causa" e "objeto", assunto. Na verdade, ambos os termos guardam uma relação de complementariedade: não há objeto sem sujeito e não há sujeito sem objeto. Desde Freud, nossas teorias psicanalíticas não conseguem evitar se confrontar com essa verdade.
Minha proposta é examinar o conceito de objeto nas teorias de Lacan e Winnicott, destacar as conjunções possíveis e, certamente, as disjunções existentes. Inicialmente, a proposta é fazer uma breve passagem por este conceito em alguns pontos da obra freudiana, pois, como é sabido, foi a partir do legado de Freud que tudo começou.
Freud, de certa maneira, quebrou, rompeu a velha relação entre sujeito e objeto. Ao invés de opor um ao outro, como colocado pela tradição filosófica, ele juntou, relacionou o objeto com a pulsão, e esta, evidentemente, não pode assumir uma função subjetiva. Na teoria freudiana, nada mais impessoal, menos capaz de uma vontade própria do que a pulsão. Está enraizada no corpo e é associada com as características da espécie como tal, embora certamente distinta da noção de instinto (nome pelo qual foi inicialmente traduzida, trazendo consequências para seu entendimento). Freud propõe a noção de "recalque orgânico", partindo do fato da posição ereta assumida pelo ser humano, que poderia explicar o desaparecimento do instinto. Com o desenvolvimento da teoria das relações objetais o conceito freudiano de ego não podia mais dar conta, ou seja, complementar teoricamente as novas formulações do objeto que emergiam. Tentativas de explicar essas novas formulações levaram à elaboração de conceitos como o do self e mesmo o do eu. Assim, a subjetividade do sujeito, desaparecida na obra de Freud, reaparece na teoria psicanalítica. Reaparece explicitamente na teoria de Lacan que, dentro do movimento estruturalista, insiste em seu caráter impessoal e relaciona seus efeitos com os do conjunto de combinações não representáveis que ele vai denominar, a partir de Lévi-Strauss, de "ordem simbólica".
Winnicott também se afasta do conceito freudiano de ego, optando pelo conceito de self, que de certa maneira se aproxima da noção acadêmica de sujeito, mas não guarda relação com a função de sujeito vista do ponto de vista estruturalista. O próprio Winnicott não conseguiu definir o conceito de self, deixando a chance, a meu ver, de comprovarmos como o significante realmente nos comanda.
Depois de tais considerações, torna-se necessário traçar uma breve trajetória referente ao uso da noção de objeto na obra de Freud. Sirvo-me, a seguir, amplamente do pensamento de André Green.
O objeto é parte de um conjunto em relação ao qual ele é simultaneamente interno e externo. É interno à medida que é um elemento constitutivo deste conjunto (montagem) sendo, portanto, constitutivo do aparelho pulsional. A fonte, a pressão, o alvo e o objeto da pulsão compõem esse aparelho. A fonte e a pressão têm uma origem física e, assim, não são deslocáveis. A substituição de uma fonte por outra não elimina o problema da pressão na fonte original. Resumindo:
O objeto é parte do aparelho pulsional: o objeto incluído.
O objeto é externo à pulsão: o objeto excluído, inicialmente objeto da necessidade torna-se, por apoiar-se na necessidade, o objeto do desejo.
O objeto é o componente da pulsão mais facilmente substituível.
O objeto ausente pode ser substituído por outro objeto externo ou por um objeto parcial, a partir do próprio objeto externo (o seio) como algo do próprio corpo (dedo).
O objeto pode ser incorporado, pode ser introjetado como processo psíquico, pode ser objeto de identificação e pode ser internalizado.
O objeto é inicialmente confundido com aquilo que o apresenta como objeto, ou seja, com aquilo que objeta, podendo resultar num caos se não houver objeto.
A distinção entre objeto e não-objeto é conquistada pela integração da perda do objeto; sua consequência é a criação de um objeto interno, distinto do objeto externo.
Corolário disto é a produção do objeto fantasiado. Seu oposto é o objeto real. O primeiro, regido pelo principio do prazer, o segundo, pelo principio da realidade.
A escolha objetal depende de um critério múltiplo. Os modelos são o objeto narcísico, baseado no narcisismo do não-objeto, entendido como o eu em formação, e o objeto anaclítico, baseado no objeto objetal.
O jogo das diferenças que caracterizam o objeto pode ser situado em vários eixos, mas dois deles têm um papel dominante: a separação em objeto bom e objeto mau e a separação de acordo com a diferença de sexos: objeto castrado versus objeto fálico.
O objeto é ligado, atado, tanto ao desejo quanto à identificação. Identificação é o primeiro modo de relação com o objeto, levando a uma segunda identificação com o objeto do desejo. O objeto pode ser um produto da construtividade ou da destrutividade das pulsões. Pode ser construtivo ou destrutivo para o não-objeto (ego ou self).
O objeto erótico (o objeto investido pelas qualidades construtivas de Eros, na teoria final de Freud) evolui para a sublimação, enquanto o objeto da destrutividade evolui, não para o caos objetal, mas para o nada objetal (ponto zero da excitação), porque o objeto é sempre uma fonte de excitação, não importa se externo ou interno, prazeroso ou não prazeroso.
Eis aí, então, um resumo (resumo necessariamente compacto) da concepção da evolução em Freud da noção de objeto.
Os herdeiros do legado freudiano fizeram alguns adendos nas definições antes apresentadas. Muitos obtiveram resultados frutíferos. Poucos acabaram afetando a harmonia da obra por inteiro. Além disso, surgiram disparidades entre os fatos encontrados na prática, em relação à teoria correspondente a esses fatos, levando à hipervalorização de um ou outro aspecto parcial da teoria. Com Reich, os problemas da análise de caráter levaram-no a enfatizar a relação com o objeto externo. Com Abraham, o verdadeiro pioneiro da teoria das relações objetais, o debate genético levou à especificação de subfases do desenvolvimento, indo da diferenciação do objeto parcial pré-ambivalente até o objeto genital total da pós-ambivalência. Como consequência, produziu-se uma psicanálise "genética" com redução das dimensões estruturais do pensamento analítico, trazendo um empobrecimento dos complexos mecanismos temporais da teoria freudiana. O tempo psicanalítico tornou-se um tempo psicobiológico, uma mera sucessão, uma evolução normativa, buscando atingir a relação genital como ideal de cura.
Feitos esses comentários, é importante ressaltar que o esquema de desenvolvimento libidinal de Freud contribuiu para isso. A teoria psicanalítica começou a ficar menos psicanalítica e mais psicológica. O foco mudou do desenvolvimento da libido para o desenvolvimento do ego, cujo relacionamento com a realidade tornou-se equivalente, idealmente, a tal relação genital pós- -ambivalente. Com Hartmann, chegamos então à total autonomia do Ego.
É preciso dizer que a totalidade das proposições de Freud, de fato, se presta a múltiplas interpretações, tornando-se susceptível de dar margem a formas divergentes de concepção do desenvolvimento. Não é possível encerrar a tarefa de enumerar os adendos feitos à teoria freudiana sem mencionar Ferenczi, que mudou o sentido da transferência, compreendendo-a como um processo de introjeção, sobretudo enfatizando, mais para o final de sua vida, o significado do analista como objeto: desde aí, passou a se dar ênfase ao papel da contratransferência. Balint, herdeiro espiritual de Ferenczi, enfatizou o amor objetal primário, negando autonomia ao narcisismo primário.
Chegamos, então, às noções de Melanie Klein, as quais percorreremos rapidamente. Vale lembrar que Klein fez análise com Ferenczi e Abraham. Em sua segunda análise, certamente já desenvolvia sua teoria de relações objetais, mas com uma diferença. Seu foco era o objeto interno, objeto fantasiado, parcial ou total. Deixou completamente de lado o papel do objeto externo, preferindo enfatizar o papel dos fatores constitucionais, inatos, e privilegiar o enfoque sobre os impulsos destrutivos, dirigidos aos objetos por mecanismos projetivos. Não importa, aqui, se o objeto é interno ou externo, já que na sua teoria só a orientação centrifuga da projeção é que conta. A direção centrípeta nada mais é que uma consequência do retorno sobre si mesmo, da projeção destrutiva (identificação projetiva e introjetiva).
O fato é que a teoria kleiniana ganhou adeptos, criou enorme divisão na Sociedade Britânica, como todos sabemos, e assegurou uma hegemonia teórica que influenciou a formação de grande parte dos analistas, principalmente, na América do Sul, sobretudo na Argentina.
Infelizmente, segundo Maud Mannoni, a teoria kleiniana foi empobrecida por aqueles alunos que não souberam mais realizar uma obra inventiva. Seu ensino (particularmente na Inglaterra e na América do Sul) terminou por degenerar numa ritualização. Tudo o que um paciente dizia era reduzido, pela análise, a um campo fantasístico restritivo. Suas observações teóricas foram reduzidas a uma simples questão de técnica: as dimensões do jogo e da fantasia foram perdidas de vista. Todas as representações simbólicas foram coisificadas, porque o analista sempre tinha, como que numa algibeira, uma interpretação estereotipada para cada situação. Não havia mais lugar para o imprevisto, para a surpresa, vivências que, para Winnicott e Lacan, se constituem em momentos cruciais de cada análise: momentos de surpresa. Maud Mannoni diz que "é quando a procura escapa que surge a descoberta".
Além de Freud, Winnicott e, mais recentemente, Lacan têm sido os autores mais discutidos e mais estudados em nosso meio. Há redutos kleinianos, grupos de Kohut e Bion, mas esses dois predominam no interesse dos psicanalistas. O CPRJ não faz exceção. Depois de Freud, houve época em que Winnicott era o autor mais estudado em nossa instituição. Decorre daí um desejo de verificar o quanto seria possível estabelecer uma aproximação desses dois autores.
A contribuição de Winnicott para a prática psicanalítica ainda não produziu todas as suas consequências. Um dos motivos é o recrudescimento, a renovação da teoria freudiana a partir de Lacan, com seus efeitos de fascínio e de totalização, tendo resultado numa maior definição do campo especificamente psicanalítico. Outro motivo, arrisco dizer, é inerente à própria obra de Winnicott, já que este tinha horror a sistematização. Grande parte de seus trabalhos tinha como que um endereço certo, precisando ser lida levando em consideração o contexto dentro do qual foi escrita. Faço referência, explicitamente, ao fanatismo kleiniano, sem diminuir a importância da pressão exercida por Balint sobre ele, para "liderar" o chamado "middle group". Seu estilo pode confundir alguns, pela simplicidade, resultando no que se define como uma "obra aberta", daquelas que solicitam ao leitor uma leitura, uma "escuta" interpretativa, uma penetração nos textos para tentar extrair todas as suas implicações. As diferenças entre Winnicott e Lacan são evidentes. Vamos, primeiramente, dirigir um olhar para as duas pessoas, os dois seres.
As diferenças entre Winnicott e Lacan são evidentes. Vamos, primeiramente, dirigir um olhar para as duas pessoas, os dois seres.
Lacan veio da psiquiatria francesa – discípulo de Henri Claude e de Gatian de Clérambault –, um meio no qual não havia qualquer simpatia pela psicanálise. Há quem afirme que seu interesse pelo inconsciente surge a partir de sua aproximação dos surrealistas. O fato é que Lacan se interessou tanto por Freud que decidiu estudar alemão para lê-lo no original. Achou que as traduções para o francês eram muito deficientes, além do fato de que nem toda a obra havia sido traduzida. Apontou para o desvirtuamento da obra de Freud, o abandono do rigor ético e lógico do mestre de Viena. Criticou tanto a medicalização quanto a psicologização sofrida pela psicanálise, nesse desvirtuamento. Lacan, no seu retorno ao sentido de Freud, lançou mão da lógica, da linguística, do estruturalismo, da matemática, da filosofia, da física, da topologia, da cibernética, etc., produzindo uma teoria extremamente formal, beneficiária de elementos subtraídos de todas essas ciências e de difícil entendimento. Isso não foi casual, mas sim, proposital. A ideia de Lacan era fugir da compreensão.
O fato é que Lacan foi capaz de definir o campo propriamente psicanalítico. Hoje é impossível confundir nosso campo com o campo médico ou psicológico. Um aspecto importante na história de Lacan foi sua expulsão da IPA, excomunhão, como ele preferia designar. Coincidiu com uma publicação de Althusser: em uma das primeiras páginas de Ler o Capital, lê-se que "é ao esforço teórico, solitário durante longos anos – intransigente e lúcido de J. Lacan –, que devemos hoje este resultado que fez uma reviravolta na leitura de Freud". Essa afirmação, junto com a oferta da E.N.S. para seus seminários, resultou numa grande afluência da esquerda aos seminários de Lacan (Lacano-esquerdismo) que, assim, aconteciam repletos de jovens filósofos.
Já Winnicott tem uma origem psicanalítica bastante diferente. É oriundo da pediatria, com formação psicanalítica na Sociedade Britânica. Durante sua formação, Winnicott vivenciou grandes crises internas desta sociedade, permanecendo teoricamente original e fiel a suas próprias ideias. Tais ideias estiveram sempre apoiadas em propostas derivadas da sua experiência clínica, tanto psicanalítica quanto pediátrica. Constituiu-se, então, uma visão binocular, no entender de Bercherie. Como bom inglês, sua grande base foi o empirismo que, de certo modo, gera um horror no intelectual parisiense. Sua linguagem é extremamente simples, o que parece, como já foi dito, gerou confusão em alguns. Nunca pretendeu um ensino e muito menos uma teoria, o que não impede que se possa depreender de sua obra uma profunda intervenção na teoria e prática psicanalíticas. Nunca pretendeu uma teoria totalizante. Sempre falou para pequenos grupos, exceto quando de suas palestras na BBC. Tinha horror à repercussão que seus trabalhos tiveram no mundo psicanalítico. Horror este, expresso e elaborado no artigo intitulado Comunicar ou não comunicar: um estudo de certos opostos. Difícil imaginar alguém mais oposto a Lacan, no modo de ser.
Vamos, então, para a questão que nos ocupa hoje.
Tudo parece ter começado com a publicação no International Journal, em 1953, de um trabalho de Winnicott (1951), com o titulo de Objetos e fenômenos transicionais. Lacan o traduziu (ou promoveu sua tradução) para o francês e proferiu seu quarto seminário, pouco depois, quando ainda era membro da IPA. Refiro-me ao seminário As relações de objeto.
A concepção lacaniana do objeto integra os progressos teóricos introduzidos por M. Klein, particularmente o Édipo precoce, ou seja, a incidência do Falo na relação ao objeto pré-genital. Uma das fantasias mais precoces, descobertas na analise kleiniana, inclui o pênis paterno entre os conteúdos do corpo materno, juntamente com os outros objetos parciais que a criança descobre em sua primeira relação com o Outro (seio, fezes, etc.). Baseado neste achado kleiniano, Lacan rompe com uma concepção evolucionista dos estágios libidinais e promove uma análise estrutural destes estágios, incluindo na fase pré-genital os efeitos da significação fálica.
Ao levar em conta a incidência da significação fálica sobre o objeto prégenital, Lacan formulou, de forma lógica e precisa, a noção freudiana de objeto perdido. Esta noção enigmática da psicanálise ganha um novo sentido na teorização de Lacan, porque define a falta do objeto como uma operação articulada em três níveis sincrônicos (real, simbólico e imaginário), nos quais três fatores entram sempre em jogo: o sujeito, o objeto, mas também o Outro. Este último, como agente da separação. Além disso, Lacan acrescenta dois objetos parciais, a partir de sua experiência com psicóticos: o olhar e a voz.
Correlativamente à articulação da problemática do objeto em três níveis, Lacan nos propõe uma nova versão do Complexo de Édipo. O Édipo lacaniano é constituído em três tempos não cronológicos, mas lógicos e que pode ser resumido num esquema derivado daquele que ele propõe no Seminário A relação de objeto. A propósito disto, chamo atenção para um comentário de J. A. Miller que nos adverte para o fato de que, no capítulo II deste seminário, que trata do objeto do desejo, Lacan introduz o objeto transicional de Winnicott, comentando-o diversas vezes; não apenas ali, mas ao longo de todo seminário. Esta deve ter sido a primeira vez que o pensamento de Winnicott foi abordado por Lacan. Ele assinala, então, que objeto transicional é, precisamente, um traço de objeto que, assim, circula no campo de desejo: um objeto que não se reduz à imagem total, que não é a imagem total, mas parte dela, uma estilização da parte da imagem que, em seu próprio estatuto, não é puramente encontrável, mas circula. Esse objeto transicional, circulante, tem uma função eminente com respeito à angústia. É sobre o fundo da angústia, da falta, que surge o objeto transicional. Mais adiante, respondendo a Françoise Dolto, que dizia que a imagem do corpo seria esse objeto, Lacan afirma que "a imagem do corpo não é um objeto". Lacan encontra-se aí do lado de Winnicott e em oposição a Dolto. Não que ele se manifestasse claramente dessa forma, pois faziam parte da mesma Associação até aquele momento. Porém Lacan se coloca do lado da elaboração de Winnicott, pois o que na imagem aparece diz respeito ao objeto. Lacan está aí se colocando, portanto, contrário à imagem do corpo tratada como totalidade; todo o seu esforço é no sentido de demonstrar que o objeto do desejo é algo distinto da imagem total.
Em seu quarto seminário, Lacan propõe que se parta da "noção de falta de objeto". Esta noção encontra-se baseada no artigo de Freud, de 1925, intitulado A negativa. Do referido artigo, destaco a seguinte passagem: "Assim, o objetivo principal e mais imediato do teste da realidade não é encontrar um objeto como percepção real, correspondendo àquilo que é representado (na mente), mas reencontrar tal objeto – para se convencer de que ele está ainda lá.... Uma pré-condição essencial para a instituição do teste da realidade é claramente que objetos tenham sido perdidos, objetos que tenham anteriormente propiciado satisfação real".
Lacan interpreta este texto dizendo que se o objeto nunca foi deliberadamente encontrado; falando estritamente, isto se dá porque ele talvez seja de natureza essencialmente fantasística, não correspondendo a nenhuma experiência de satisfação. Nunca houve este objeto. Ele é constituído como perdido, uma vez que nunca pôde ser encontrado em nenhum lugar, fora da fantasia ou da vida onírica. Em suas palavras, "Freud não afirma que o objeto é, por sua natureza, perdido num sentido absoluto. Um objeto é encontrado no início e não ativamente buscado pela criança, porque a criança não é capaz de buscar um objeto a não ser após este encontro". Lacan afirma que não há nenhum encontro deliberado com um objeto, apenas um re-encontro com um objeto. Usando o texto freudiano como ponto de partida, ele aponta que o objeto pode ser visto como sempre, desde sempre, já perdido. O seio não é, durante a primeira experiência de satisfação, constituído como um objeto, muito menos como um objeto separado do corpo da criança. Só é constituído como tal após várias tentativas da criança de repetir aquela primeira experiência de satisfação, quando a mãe está ausente. É a ausência do seio, em outras palavras, o não conseguir satisfação, que leva à constituição de um objeto como tal, isto é, separado e fora do controle da criança. Uma vez constituído, ou seja, simbolizado de alguma forma, a criança jamais poderá (re)encontrar o seio como vivido da primeira vez, como algo não separado de seus lábios, língua ou boca, ou seja, separado de si mesma. Parte de si mesma é perdida (para sempre, desde sempre) e o seio real nunca será igual ao perdido. Algo, entretanto, sobra, fica como resto desta experiência de constituição do objeto, algo que foge, que escapa à simbolização.
Este resto é o que Lacan vai chamar de objeto a, resto que "lembra" alguma coisa, algo talvez perdido, mas que, quem sabe um dia, pode ser achado. O objeto a é, então, primeiramente definido como um resto não simbolizado da unidade hipotética mãe-criança perdida. Perdida por incidência da Lei, ordem simbólica, a partir da metáfora paterna. A criança se agarra a esse resto em suas fantasias, para conseguir um senso de unidade, de totalidade, como objeto de jouissance, como aquela parte da mãe que leva consigo após a separação, como causa de sua existência.
Impossível não ver aqui aquilo que Winnicott percebeu genialmente. Gostaria de destacar o uso de termo genialmente, aqui empregado. Winnicott conceituou o que estava lá para todos verem, mas que ninguém tinha ainda observado, com tal acuidade. No Brasil, por exemplo, é curioso dizer que quando a criança está brincando, fazendo algo que não vemos, algo "transgressivo", dizemos que ela está fazendo "arte". Imagino que o próprio Winnicott não percebeu de imediato a importância de seu achado. Só mais tarde, após a grande repercussão de seu trabalho sobre objetos e fenômenos transicionais, é que ele decidiu retomar o tema e produzir seu último livro Playing and reality. Não receio afirmar que, para Winnicott, também o objeto não existe. Enquanto a teoria vigente em sua época falava do ego e do objeto, desde sempre ele afirmava a não existência de ambos: sem o eu não existe objeto e vice-versa. É dele o conceito de "momento de ilusão", ilusão dupla que inclui a ilusão do observador que pensa que há troca entre mãe e criança. Para ele não há troca. A criança mama em si mesma e a mãe é mamada por uma parte de seu corpo. Não há eu e objeto. Tudo acontece no corpo da criança. A ênfase é na mãe-ambiente, mãe- -envoltório voltada para o bebê e que está ocupada em produzi-lo como tal.
É a mesma unidade mãe-criança hipotética à que Lacan se refere. Cabe a esta mãe "ambiente" e não à mãe objeto, a "apresentação de objetos"; nenhum deles pedidos, nem perdidos pela criança, objetos apresentados de maneira muito especial, de modo que a criança possa vivê-las como criações suas. Criar é inventar algo que não existe – o bebê só mama no seio que ele criou. Dar o seio, apresentá-lo à criança, é, para além do atendimento de uma necessidade física, uma dádiva de amor. Um bebê pode ser alimentado sem amor, mas um handling sem amor e impessoal não terá sucesso na produção de uma nova e autônoma criança humana. Interessante lembrar a afirmação de Winnicott: "o bebê, isso não existe". Cabe à função materna transformar essa unidade biológica, orgânica, que nasceu num bebê.
Lacan fala do objeto a como causa de desejo. Já que é um resto, um resíduo não simbolizado, permanece como falta, movendo permanentemente a cadeia simbólica na tentativa de apreendê-lo. Desejo, para Lacan, é co-extensivo à noção de falta. Não tem objeto. Busca um objeto, tornando-se demanda, mas sua característica é o deslocamento permanente, busca permanente. Tarefa para toda a existência. Este deslocamento permanente vai ser descrito por Winnicott de maneira bem mais acessível, quando ele fala do processo de ilusão e desilusão contínuo, indo para os diversos campos da cultura, num deslocamento contínuo e que podemos aproximar da noção de metonímia, no pensamento de Lacan.
O seio se oferece ao choro inarticulado como possibilidade de articulação. Após o encontro com o seio, o bebê pode "pedir" a alguém e de alguém; desse modo, ele é introduzido na essência do mundo humano, ou seja, um mundo com sentido compartilhado por intermédio de pontos de referência em comum.
Neste estágio, comumente chamado de simbiótico (Winnicott recusava este termo), quando o bebê tenta encontrar sua completude (perdida) nas ofertas e no corpo da mãe, Winnicott introduz a ideia de que entre os objetos que a vinculam ao bebê há um especial, o seu olhar. Esse objeto é muito importante para Winnicott, pois funciona como um espelho para o bebê, já que ele vê a si mesmo na face da mãe; é também importante para Lacan, porque dispara a pulsão escópica que absorve mais pelos olhos do que pela boca ou dedos. O bebê está no rosto da mãe, refletido nos seus olhos (pupila). Quando fala da separação da unidade mãe-criança, Winnicott alude a um espaço, que ele enfatiza como potencial, entendendo-o como um espaço nunca produzido como espaço. É exatamente este espaço potencial, fruto da separação e do vazio (para ele potencial), que vai funcionar como causa em Winnicott. Para que este espaço nunca aconteça, permaneça sempre potencial, não podendo haver vazio, não podendo haver descontinuidade, não podendo haver falta, todo um mundo de fantasia, cuja parte visível pode ser um objeto ou um som repetido, ou parte de uma música ou mesmo uma palavra, é necessariamente produzido. Produzido e se desenvolvendo, no que Winnicott vai chamar de espaço intermediário, onde se localizará toda nossa experiência cultural (artes, religião, ciência). Este espaço intermediário, sempre potencial, sempre causando o movimento de nossa atividade psíquica, elaborativa da falta inicial, é o lugar do play, das possíveis transgressões criativas; para ele, o lugar onde é possível viver de modo pleno. Corresponde à superposição de duas áreas do play inicial da mãe e da criança. (Em Lacan, superposição de duas áreas de falta). Esse espaço, nem interior nem exterior, Lacan vai chamar de extimidade.
Ressalto, aqui, que para Winnicott não é tanto o objeto que conta, objeto aqui como algo concreto, criado-achado pela criança, mas o conjunto de fenômenos que tem início com a constatação da separação, dos quais se destacam as fantasias com o padrão pessoal, singular, que as marcam. É uma "possessão", algo de que a criança faz "uso-fruto". Winnicott faz alusão à incidência da Lei, tal como é definida por Lacan, quando diz que há uma ab-rogação da onipotência e, portanto, um sacrifício, uma renúncia ao estado anterior. Sua descrição deste objeto é extremamente apurada e deixa entrever a elaboração que, iniciando aqui, será também tarefa para toda a existência. O objeto objetivo é inalcançável. A origem e a possibilidade deste objeto e destes fenômenos é o que ele chama de momento de ilusão, correspondendo exatamente a essa unidade hipotética mãe/criança.
As teses elaboradas por Winnicott e por Lacan estão muito mais próximas do que se pode pensar a princípio. Falam da mesma coisa (causa).
A ênfase em Winnicott é na presença, na existência, de uma possessão literalmente criada-achada, feito pela criança, esse objeto que pode não existir e que é a parte visível de todo um processo que aí se inicia para durar toda a existência. Esse objeto é testemunha desse processo ou de processos necessários, para se fazer a ponte (valor de mito) entre dois mundos heterogêneos, processos que visam à homogeneização desses mundos, realidade interna e realidade externa, mantendo o espaço entre eles permanentemente potencial. É o lugar onde se origina o sintoma com sua dimensão fantasística. A ênfase é no processo ou processos. Diz Winnicott: "(...) testemunhamos tanto o primeiro uso de um símbolo como sua primeira experiência do play".
Para Winnicott, o objeto transicional corresponde a uma falha da mãe diante do apelo da criança e sua função é impedir a emergência da angústia. Pode-se dizer, escreve Winnicott, "que existe um acordo entre a mãe e o bebê sobre o objeto transicional, que nos impede de colocar a questão: essa coisa você a concebeu ou foi lhe apresentada de fora?" O que é importante é que não se espera nenhuma decisão sobre esse ponto. A questão mesma não tem que ser formulada.
Lacan define o objeto transicional como "o ganho obtido pelo sujeito em relação à dependência do Outro, na relação do sujeito ao Outro da demanda". Este objeto constitui uma vitória sobre a angústia. Enquanto o objeto transicional se apresenta como aquilo que supre a falta a ser do sujeito, o objeto "a" é o índice desta falta. O objeto transicional encobre totalmente esta falta.
Objeto causa – expressão contraditória postulada por Lacan, e espaço potencial em Winnicott – para mim, embora conceitos diferentes, são alusões ao mesmo processo: são resultados de uma separação, ou melhor, da constatação de uma separação. Falta, causa de desejo e espaço, permanentemente potencial, nunca podendo se produzir como espaço. Seriam causa, produção de fantasias, busca permanente que encontra (ilusão) e perde (desilusão) objetos ao longo da vida (metonímia). Nas palavras de Lacan, em Écrits, "um símbolo vem ao lugar da falta constituída pelo "manque a sa place", que é necessário para o início da dimensão de deslocamento, a partir do qual o "play" (jogo) do símbolo, em sua inteireza, deriva".
Nunca é demais lembrar que o desejo é sem objeto: existe e circula no espaço entre necessidade e demanda, onde constitui um objeto. Resulta da superposição de duas faltas. Da mesma forma, espaço potencial é sem objeto. Nele, diz Adam Phillips, "o desejo se cristaliza", resulta da superposição de duas áreas de jogo. O objeto é constituído, feito, para impedir o vazio, a descontinuidade.
Concluindo, à medida que consideremos esta inexistência mesma do objeto, seria o caso de se alterar o título de nossa mesa-redonda de hoje, de "perdido para sempre", para "perdido desde sempre". Ou então, "pedido" desde sempre.
*Nota do Editor. Esta conferência fez parte da mesa-redonda realizada no CPRJ em 14/04, com o título Objeto Perdido para Sempre, em que também participaram Adelina Freitas, cuja conferência está aqui publicada sob a forma de artigo temático, e Marcos Comaru, cuja conferência se encontra publicada em outra revista, também sob a forma de artigo
**Psicanalista, membro efetivo/CPRJ