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Cadernos de psicanálise (Rio de Janeiro)

 ISSN 1413-6295

     

 

ARTIGOS

 

As contribuições winnicottianas para a clínica com adolescentes: o caso Patrick e a retomada do processo de amadurecimento na adolescência

 

The winnicottian contributions to the clinic with adolescents: Patrick's case and the resumption of the maturational processes in adolescence

 

 

Luciana Pontes Bichuetti*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP - Brasil
Universidade de Uberaba - UNIUBE - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é mostrar algumas concepções winnicottianas relativas à clínica com adolescentes. Sabe-se que atualmente tem crescido a demanda por atendimento psicológico de adolescentes para tratamento de diversos distúrbios psíquicos ou dificuldades relacionadas a violência, excessivo consumo de álcool e drogas, e suicídio. Uma pergunta ressalta desse cenário: Será possível usar os aspectos favoráveis do setting psicanalítico para ajudar os adolescentes nessa complexa e difícil fase de transição entre a infância e a fase adulta? A partir do tratamento de Patrick serão abordados alguns aspectos do processo de amadurecimento e do processo psicanalítico na fase da adolescência.

Palavras-chave: Winnicott, Caso Patrick, Adolescência, Processo de amadurecimento.


ABSTRACT

The purpose of this article is to show some Winnicottian conceptions related to the clinic with adolescents. It is known that the demand for psychological treatment of adolescents for the treatment of various psychiatric disorders or difficulties related to violence, excessive consumption of alcohol and drugs, and suicide has increased. One question stands out from this scenario: Is it possible to use the favorable aspects of the psychoanalytic setting to help adolescents in this complex and difficult transition phase between childhood and adulthood? From the Patrick case it will be possible to see how the psychoanalytic process carried out by Winnicott made possible the remission of symptoms and the resumption of maturation.

Keywords: Winnicott, The case of Patrick, Adolescence, Process of maturation.


 

 

Introdução

Atualmente as rápidas transformações ocasionadas pelo movimento de globalização, pelo avanço industrial e tecnológico, pelo aumento da violência, entre outros, ocasionaram transformações significativas no modo de vida em sociedade, influenciando a cultura e os valores sociais. Somando-se a isso, a entrada da mulher no mercado de trabalho, e o divórcio, introduziram mudanças nas configurações familiares e no modo de vida dos indivíduos. Novos modos de ser e estar no mundo foram surgindo de forma tão rápida nos últimos anos que jovens com pouca diferença de idade podem ter comportamentos muito distintos uns dos outros. Isso tem levado a dificuldades de relacionamento, não só no seio das famílias, mas também nos meios sociais e virtuais. O conflito de gerações, que sempre esteve presente no mundo em constante transformação, se acentuou nas últimas décadas.

Todas essas mudanças têm gerado inúmeras dificuldades que estão se agravando a cada dia e levando a um aumento preocupante de psicopatologias, que se iniciam cada vez mais cedo, acometendo crianças e adolescentes no mundo todo. Nesse cenário temos presenciado um acelerado aumento na procura por atendimento psicológico, neurológico e psiquiátrico para crianças e adolescentes nos serviços de saúde da rede pública, privada ou mesmo nos serviços-escola ligados às universidades. Concomitantemente a isso, podemos encontrar um gradual crescimento das propostas de trabalhos que mostram o papel que o psicanalista pode ter na comunidade, com vistas a promover saúde e prevenir doenças. Dentre essas propostas, encontramos a utilização de consultas terapêuticas, pautadas nas contribuições winnicottianas, como uma forma de atendimento que tem sido cada vez mais aceita e utilizada. No âmbito do trabalho com adolescentes Winnicott trouxe importantes contribuições. Ao longo de sua obra podemos perceber que, além das modificações introduzidas na técnica psicanalítica, ele procurou adequar essas técnicas às necessidades dos adolescentes. Reconheceu as dificuldades inerentes ao trabalho com adolescentes, salientando a importância do conhecimento, por parte do analista, não só da teoria do amadurecimento como um todo, mas também a importância de se conhecer o adolescente, as características e as tarefas do amadurecimento inerentes a essa fase, que vão se refletir em seu comportamento. Enfatizou ainda a importância do preparo do profissional e da conscientização da responsabilidade de seu papel, pois o atendimento de pré-adolescentes e adolescentes exige certa habilidade do analista, por possuir especificidades que precisam ser compreendidas para adequada condução do tratamento.

Levisky (1998, p. 294) corrobora essas ideias ao afirmar que "para trabalhar com essa faixa etária é necessário ter conhecimento das características do desenvolvimento biopsicossocial que a envolve, bem como das teorias e técnicas psicanalíticas específicas a ela". Além disso, não basta gostar de adolescentes, é necessário ter afinidade pela causa do adolescente real, pelo seu universo psíquico, ter disponibilidade para usar linguagens e falar de coisas que nem sempre são consideradas interessantes pelos adultos. Para o autor é importante que o profissional tenha a personalidade razoavelmente integrada para que consiga "conter as intensas identificações projetivas, estados mentais caóticos, autísticos, fusões, adesões, carregados de catexias amorosas e destrutivas, indiferenciadas ou não" (loc. cit.).

O objetivo deste artigo é o de refletir sobre as possibilidades de um tratamento psicanalítico, na perspectiva winnicottiana, contribuir para o processo de amadurecimento na adolescência. Winnicott acompanhou o caso de Patrick por quatro anos, tendo o tratamento se iniciado alguns meses após seu décimo primeiro aniversário e se estendido até os seus quinze anos. Através de relato minucioso do autor será possível acompanhar como se originaram os distúrbios e como se deu a retomada do amadurecimento de Patrick. O tratamento foi feito por meio de consultas marcadas a pedido de Patrick, ou seja, ele solicitava uma nova consulta quando sentia necessidade. Além das consultas com Patrick, Winnicott também fez um acompanhamento do tratamento com a mãe, no intuito de propiciar uma continuidade em seu lar, dos cuidados iniciados por ele durante as consultas, e isso foi essencial para a melhora clínica de Patrick. Trata-se de um caso em que Winnicott se utilizou também do jogo do rabisco (squiggle game) e do manejo, pois a mãe precisou assumir a responsabilidade de oferecer um "hospital para tratamento mental" dentro de seu próprio lar para a recuperação do filho.

Para um melhor entendimento das ideias apresentadas aqui, inicialmente serão feitas algumas considerações gerais sobre as consultas terapêuticas e o jogo do rabisco, que eram procedimentos frequentemente utilizados por Winnicott no tratamento de crianças e adolescentes. Essa forma de atendimento era utilizada para atender aqueles pacientes que, de alguma forma, encontravam-se impossibilitados de se submeter a um tratamento psicanalítico tradicional, seja por dificuldades financeiras, de locomoção até seu consultório em Londres, ou então porque era necessário um atendimento mais emergencial ou focal.

 

As consultas terapêuticas e o jogo do rabisco (squiggle game)

Na maior parte dos relatos winnicottianos sobre o tratamento de adolescentes pode-se observar a utilização de consultas terapêuticas, do jogo do rabisco (squiggle game), acompanhamento com os pais e técnicas de manejo. No entanto, Winnicott procurou deixar claro na introdução do livro Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil (1994), que tanto as consultas terapêuticas como o jogo do rabisco não podiam ser tomados como técnicas, pois em primeiro lugar, não existem casos iguais, e em segundo lugar, esses procedimentos possibilitam um intercâmbio mais livre entre o terapeuta e o paciente do que o que existe em um tratamento psicanalítico tradicional.

Ao longo de suas experiências na área da pediatria e psiquiatria, Winnicott foi observando um aspecto da psicanálise aplicada que passou a lhe interessar cada vez mais no decorrer dos anos, que é a exploração da primeira entrevista, ou das primeiras e poucas entrevistas. Ele foi constatando que alguns pacientes precisavam de um atendimento mais pontual para prosseguir em seu processo de amadurecimento ou que não desejavam (ou não podiam sustentar) uma análise longa. Além disso, esse procedimento de aplicação da psicanálise no que ele denominava "termos econômicos" vinha ao encontro de sua preocupação relativa às pressões sociais de uma grande demanda, presentes nas clínicas, possibilitando-lhe atender um número maior de crianças.

Mesmo ciente das dificuldades e limitações desse tipo de tratamento, esses procedimentos começaram a fazer parte de sua prática clínica. Entretanto, em momento algum Winnicott os utilizou com o intuito de substituir um tratamento psicanalítico tradicional, e sempre afirmou a importância das longas análises, reiterando inclusive, que uma pré-condição para a realização desse tipo de trabalho é um treinamento do analista feito pela psicanálise.

Apesar de ser um tratamento menos longo, em momento algum Winnicott deixou explícito que se tratasse de um trabalho mais fácil ou menos árduo do que a análise tradicional, enumerando diversas dificuldades que impossibilitariam esse tipo de trabalho. Uma delas seria o fato de que, se as consultas terapêuticas forem bem-sucedidas, a criança pode esperar prosseguir em uma terapia intensiva, onde sua necessidade de dependência pode ser atendida. Outra dificuldade surge quando a provisão ambiental da criança não é suficientemente boa. Nesse caso, a criança sai modificada das consultas terapêuticas e retorna para uma situação familiar e social anormal ou doente. Portanto, Winnicott salienta que antes de se iniciar esse tipo de tratamento deve-se verificar se existe "um ambiente familiar desejável médio", ou seja, um ambiente que possa oferecer as condições necessárias para o amadurecimento. E essa avaliação das potencialidades do ambiente imediato da criança ou adolescente nem sempre é uma tarefa fácil. Mas para que as consultas terapêuticas tenham resultado satisfatório é essencial que o terapeuta possa contar com apoio ambiental (familiar ou institucional).

Winnicott ressalta também outro aspecto que pode comprometer esse tipo de trabalho que é a ausência, na criança ou adolescente, de uma capacidade para confiar. A capacidade para confiar precisa estar presente porque:

[...] o paciente traz para a situação uma certa (sic) medida de crença ou de capacidade de acreditar em uma pessoa compreensiva ou que o ajude. Traz também uma certa (sic) medida de desconfiança. O terapeuta aproveita-se do que o paciente traz e age até o limite da oportunidade que isto concede (WINNICOTT, 1965a/1994, p. 245).

Winnicott também se preocupava com a capacitação do terapeuta para realizar esse tipo de trabalho. Para ele um analista doente, mesmo que tenha se tornado menos doente após o treinamento psicanalítico não seria conveniente para realizar esses tratamentos. Sua preocupação em relação a isso o levou a enumerar algumas qualidades essenciais para a seleção (ou auto-silicato) dos candidatos que desejassem trabalhar com consultas terapêuticas. Ele as descreveu da seguinte forma:

[...] deve ser evidente a capacidade de identificar-se com o paciente sem perder a identidade pessoal; o terapeuta deve ser capaz de conter os conflitos dos pacientes, ou seja, contê-los e esperar pela sua resolução no paciente, em vez de procurar ansiosamente a cura; deve haver uma ausência da tendência a retaliar sob provocação. Além disso, qualquer sistema de pensamento que proporciona uma solução fácil é por si mesmo uma contraindicação, já que o paciente não quer outra coisa além da resolução de conflitos internos, junto com a manipulação de obstruções externas de natureza prática que podem ser operantes ou mantenedores da doença do paciente. É desnecessário dizer que o terapeuta deve ter confiança profissional como algo que acontece com facilidade; é possível, para uma pessoa séria, manter uma atitude profissional mesmo quando experimenta tensões pessoais muito fortes na vida privada e no processo de crescimento pessoal que, esperamos, nunca cessa (WINNICOTT, 1984, p. 10).

Durante as consultas terapêuticas, Winnicott costumava se utilizar de outro procedimento que denominou de jogo dos rabiscos ou squiggle game, o qual foi descrito por ele como:

um meio de se conseguir entrar em contato com a criança. O que acontece no jogo e em toda a entrevista depende da utilização feita da experiência da criança, incluindo o material que se apresenta. Para se utilizar a experiência mútua, deve-se ter em conta a teoria do desenvolvimento emocional da criança e o relacionamento desta com os fatores ambientais (WINNICOTT, 1984, p. 11).

Torna-se preciso destacar que em relação ao jogo dos rabiscos Winnicott tinha a mesma preocupação demonstrada em relação às consultas terapêuticas, ou seja, que tentassem formular uma técnica a ser imitada e chegasse, por exemplo, ao ponto de uma padronização como a do TAT (Teste de Apercepção Temática).

 

A adolescência na teoria winnicottiana

Para Winnicott (1964/1994, p. 249) "a palavra 'puberdade' descreve um estágio do processo físico de amadurecimento" e "a adolescência é o estágio de tornar-se adulto através do crescimento emocional". Em relação ao processo físico de amadurecimento, Winnicott está se referindo a todas as nuances dos aspectos biológicos do processo de maturação sexual, com suas respectivas consequências, tanto em níveis hormonais como em níveis caracterológicos. Desse modo, o adolescente precisa lidar com as mudanças relativas ao crescimento corporal, às alterações hormonais, à integração da instintualidade.

Nessa fase reaparecem "os mesmos problemas que estiveram presentes nos primeiros estágios", quando houve uma fase similar de grande crescimento emocional e físico (WINNICOTT, 1968c/1999, p. 153). Isso significa que na adolescência ocorre uma retomada do processo maturacional dos estágios iniciais e que o adolescente terá uma segunda chance para completar as tarefas de integração, personalização, realização e constituição do si-mesmo. Além disso, outras tarefas importantes se somam a essas: a identificação com o grupo sem perder a identidade pessoal, a integração da instintualidade e a definição da identidade sexual.

Diante desse desafio de vivenciar todas essas transformações, o surgimento de distúrbios psíquicos nessa fase pode ser muito comum, e muitos padecimentos e manifestações consideradas patológicas podem fazer parte da turbulência peculiar às transformações normais desse período. Em relação a isso Dias (2015) ressalta que diante da possibilidade de abandonar a segurança do reduto familiar e lançar-se em um mundo mais amplo cheio de incertezas, o adolescente é acometido de angústias que atualizam as angústias dos estágios primitivos. Ele não sabe muito de si mesmo, não se apropriou ainda do seu novo corpo púbere e se encontra dotado de uma nova potência para desafiar, destruir, matar, se prostituir, engravidar, entorpecer-se com drogas e até mesmo suicidar-se.

Nesse contexto, Winnicott (1967/1999, p. 7) ressaltou que seria uma crueldade não oferecer ajuda aos adolescentes, pois alguns deles podem se encontrar em grande sofrimento diante dessas tarefas maturacionais que são complexas e de difícil solução. O tédio é muito comum nessa fase e, em alguns casos, devido ao agravamento desse tédio, o adolescente pode entrar em depressão. Em virtude disso, justifica-se a preocupação em relação ao risco de suicídio nessa fase, pois:

Se o adolescente quiser transpor esse estágio do desenvolvimento por processo natural, então se deve esperar um fenômeno a que se poderia dar o nome de depressões adolescentes. A sociedade precisa incluir isso como característica permanente e tolerá-la, enfrentá-la, mas não a curar. Coloca-se então uma pergunta: a nossa sociedade terá saúde para fazer isso? (WINNICOTT, 1961a/2002, p. 173).

Segundo Dias (2015), o adolescente é acometido por um marasmo depressivo (doldrums) descrito por Winnicott como um estado em que ele se sente inútil, desvalido e muitas vezes não consegue enxergar perspectivas de saída para as situações aflitivas em que se encontra. Somando-se a isso, ele tem necessidade premente de se sentir real, mas essa necessidade pode estar relacionada a possíveis episódios de despersonalização, pois ocorre uma revolução psicossomática no adolescente e ele nada pode fazer em relação a isso: precisa aguardar que algo se complete em alguma medida.

Para que o adolescente consiga passar de modo satisfatório por essa fase de turbulência, Winnicott destacou uma pré-condição que "tem a ver com a mãe, e os dois pais juntos, a família, a família ampla e o ambiente social local, inclusive a escola" (WINNICOTT, 1970/1994, p. 220), pois o papel exercido pelo ambiente é muito significativo nesse estágio. É de importância vital "a existência e o interesse continuados da mãe ou do pai da criança e de organizações familiares mais amplas" (WINNICOTT, 1961/1980, p. 100).

O autor acreditava que a maior parte dos adolescentes pode contar com um ambiente suficientemente bom e chegam à idade adulta mesmo que tenham dado muitas dores de cabeça aos pais (WINNICOTT, 1961a/2002, p. 165). Para ele, esse é um período de transição em que, se tudo correr bem, a passagem do tempo e o crescimento para a maturidade vai resultar no surgimento de um adulto socialmente responsável. Embora não possa ser acelerado, esse processo pode ser interrompido ou distorcido se os pais não souberem como conduzi-lo, se não conseguirem lidar com as inúmeras dificuldades que surgem no relacionamento com os filhos nesse estágio (WINNICOTT, 1968c/1999, p. 153).

De acordo com a teoria winnicottiana, se tudo correu bem nos estágios anteriores, o adolescente chega nesse estágio com saúde psíquica suficiente para enfrentar os desafios e as dificuldades inerentes à integração da vida instintual e aos relacionamentos interpessoais. (WINNICOTT, 1963/1983, p. 87). Entretanto, o autor chamou nossa atenção para o fato de que "é comum a rapazes e moças passarem pelo desenvolvimento púbere sem experienciarem a adolescência e sem chegarem à maturidade emocional que constitui a melhor parte do estado adulto" (WINNICOTT, 1964/1994, p. 249). Isso significa que um indivíduo pode chegar ao estágio da adolescência sem ter conquistado as tarefas do amadurecimento pertinentes aos estágios anteriores, o que dificultará ou impedirá que ele consiga um desenvolvimento satisfatório nas tarefas maturacionais pertinentes à adolescência. Quando isso ocorre, o indivíduo segue em sua idade cronológica, mas não poderá desfrutar da riqueza de personalidade característica da conquista do amadurecimento pertinente a cada etapa da vida. Por isso Winnicott diz que ele não poderá desfrutar da melhor parte do estado adulto.

 

Adolescência e patologia

Winnicott afirmou que não se pode pensar em cura para esse fenômeno da adolescência porque a adolescência saudável está relacionada com algumas características que aparecem em vários tipos de doenças. Segundo ele:

[...] em um grupo de adolescentes, as várias tendências estão sujeitas a ser representadas pelos membros mais doentes do grupo. Por exemplo, um membro de um grupo toma uma overdose de uma certa (sic) droga, um outro fica deitado na cama com depressão, um outro está à solta com um canivete. Em cada caso, o agregado de seres isolados agrupa-se por detrás do indivíduo doente, cujo sintoma extremo foi imposto à sociedade. Além disso, para a maioria dos indivíduos que estão envolvidos não há energia suficiente atrás da tendência existente para fazer o sintoma se manifestar inconvenientemente e produzir a reação social (WINNICOTT, 1961/1980, p. 105).

Diante disso, a única cura possível para a adolescência seria aguardar "a passagem do tempo, a passagem de três a seis anos ao final dos quais o adolescente torna-se um adulto, isto é, torna-se capaz de identificar-se com figuras parentais e com a sociedade sem a adoção de falsas soluções" (1964/1994, p. 249). Isto porque os adolescentes odeiam soluções falsas, e essa característica pode dificultar o relacionamento com eles, podendo até mesmo torná-los difíceis de manejar. Na árdua tarefa de descobrir o próprio eu, de chegar à sua subjetividade, o adolescente pode desenvolver uma moralidade feroz em que só aceita aquilo que é reconhecido como verdadeiro para ele. Por isso pode apresentar dificuldades em aceitar conciliações, meios-termos ou concessões mútuas. Muitos deles tentam começar do zero como se não pudessem aproveitar nada da nossa cultura ou dos outros. Alguns tentam buscar uma forma de identificação "que não os decepcione em sua luta, a luta pela identidade, a luta por se sentirem verdadeiros, a luta para não se encaixarem num papel determinado pelos adultos [...] Sentem-se verdadeiros só na medida em que recusam as falsas soluções [...]" (WINNICOTT, 1961a/2002, p. 171).

Nessa época as relações com a família são geralmente conturbadas, pois os pais dos adolescentes sentem-se perplexos diante da mistura de desafio e dependência que os caracteriza, pois, num momento eles podem ser extremamente desafiadores e em outro mostrar padrões de dependência infantil ou agir como bebês. Winnicott disse que "os pais encontram-se pagando em dinheiro para tornar seus filhos capazes de desafiar eles próprios" (1961/1980, p. 104). E precisam enfrentar esse desafio como parte das funções da vida adulta, ou seja, sem aguentar tudo passivamente, mas também sem o desejo de eliminar o que é essencialmente sadio.

Para o autor, quando um púbere ou um adolescente age de modo desajeitado ou confuso, isso não é sinal de doença, pois nessa fase eles encontram-se imersos em um estado de confusão e dúvida. E experimentam esse período em companhia de outros no mesmo estado; por isso, separar o que é saudável do que é doentio nessa fase é tarefa extremamente difícil (WINNICOTT, 1967/1999, p. 7). Alguns adolescentes podem se encontrar em grande sofrimento, sendo comum que alguns:

sejam suicidas aos quatorze anos, e é deles a tarefa de tolerar a interação de muitos fenômenos disparatados - sua própria imaturidade, suas próprias mudanças relativas à puberdade, suas próprias ideias do que é vida e seus próprios ideais e aspirações; acrescente-se a isso sua desilusão pessoal a respeito do mundo dos adultos, que lhes parece essencialmente um mundo de compromissos, de falsos valores [...] (WINNICOTT, 1967/1999, p. 7).

Mas apesar de toda a dificuldade e complexidade das tarefas do amadurecimento nesse estágio, se tudo correr bem, na medida em que vão saindo desse estágio os adolescentes começam a se sentir reais, vão adquirindo um senso de self e um senso de ser que é sinal de saúde. As fases finais da adolescência caracterizam-se por um período de importantes aquisições: o adolescente é capaz de uma identificação com a paternidade ou a maternidade; com grupos maiores; com a sociedade responsável, sem se sentir ameaçado de extinção pessoal ou de perda da identidade pessoal.

 

O Caso Patrick

O primeiro contato de Winnicott (1965/1994) com esse caso se deu através de um telefonema da mãe de Patrick. Durante longa conversa telefônica ela lhe falou de sua relutância em procurá-lo, pois não gostava de psiquiatras. Mas um amigo havia lhe garantido que ele "não era tão perigoso quanto os outros". Gostaria de destacar nessa fala da mãe a questão das múltiplas transferências presentes no trabalho com crianças e adolescentes. Por estarem ainda muito ligados aos pais, seja por uma dependência financeira, emocional ou ambas, estes acabam por estar envolvidos de alguma forma no tratamento dos filhos.

No telefonema se evidenciou uma transferência negativa da mãe, que ela não faz questão nenhuma de esconder, deixando claro seu sentimento de aversão em relação à procura de ajuda psiquiátrica para o filho. Mas pelo restante do relato, podemos supor que Winnicott lidou bem com os aspectos contratransferenciais, pois conseguiu conduzir uma conversa em que a mãe revelou-lhe ali mesmo, pelo telefone, uma parte das dificuldades que estava enfrentando com Patrick.

A mãe contou-lhe que Patrick no dia do seu décimo primeiro aniversário estava velejando com seu pai no mar próximo ao cottage quando aconteceu o acidente e o pai morreu afogado. Revelou-lhe que ela e o filho mais velho estavam ainda muito abalados pela tragédia, mas que o efeito sobre Patrick parecia ter sido retardado, pois somente na ocasião ele estava apresentando alguns sinais de distúrbios que precisavam ser investigados. Ela contou ainda que o marido foi um profissional liberal bem-sucedido e tinha boas perspectivas. Eles moravam com os dois filhos em Londres, onde tinham muitos amigos. O filho mais velho estava na universidade e Patrick era interno de uma escola preparatória.

A primeira consulta com Patrick ocorreu dois meses após o telefonema da mãe; Patrick compareceu à primeira consulta acompanhado pela mãe. Essa primeira consulta durou duas horas e Winnicott relatou que entre ambos estabeleceu-se um relacionamento que possibilitou um bom trabalho. Ele apenas não conseguiu tomar notas durante a parte mais tensa da conversa, fazendo isso ao término da consulta.

Em relação à presença psicossomática de Patrick, Winnicott (1965/1994, p. 261) observou que se tratava de "um menino de compleição leve, com uma cabeça grande, e achou que ele era inteligente, alerta e simpático". No início da consulta eles se sentaram em uma mesa redonda e baixa onde havia lápis e papel e o psicanalista o convidou para jogar o jogo do rabisco (squiggle game). Patrick começou dizendo que não estava indo muito bem na escola, mas que "gostava de esforços intelectuais" e iniciaram o jogo, fazendo desenhos em 14 rabiscos (1965/1994, p. 262).

O primeiro rabisco de Winnicott foi transformado por Patrick em um elefante. O segundo foi feito por Patrick e transformado por ele mesmo em uma abstração de "Henry Moore" (renomado escultor inglês, cujas esculturas de abstrações da forma humana, frequentemente reclinadas, foram feitas em bronze e podiam ser vistas em muitos espaços públicos de várias cidades do mundo). Através desse desenho Winnicott percebeu que ele deveria ter algum contato com arte moderna; que tinha senso de humor e tolerância à loucura, à mutilação, e ao macabro; e que parecia escapar das tensões emocionais através de um intelectualismo compulsivo.

O terceiro rabisco foi feito por Patrick e transformado por Winnicott em duas figuras. Patrick a denominou de "mãe segurando um bebê". O psicanalista não tinha como saber ainda que aqui Patrick, nesse momento, estava indicando sua principal necessidade terapêutica.

Winnicott fez o quarto rabisco e Patrick o transformou em uma produção artística dizendo que se tratava de uma árvore existente em F. O psicanalista não sabia que a tragédia tinha sido em F., mas percebeu que este desenho estava ligado a um impulso para lidar com o problema da morte do pai. Então pediu a Patrick para desenhar a ilha de férias, mostrando F.

O sexto rabisco foi feito por Patrick, e transformado por ele mesmo em "uma mãe repreendendo uma criança". Nesse momento, Winnicott percebeu um desejo de ser punido pela mãe.

Patrick transformou o sétimo rabisco de Winnicott em Droopy (um personagem de desenho animado da época). E Winnicott transformou o oitavo rabisco dele em uma figura cômica de menina. Patrick transformou o nono rabisco de Winnicott na escultura de uma cascavel. Nesse momento, o psicanalista percebeu a importância desse desenho, a partir do qual ele buscava se apropriar da "loucura e incontinência" do rabisco e "transformá-lo em uma obra de arte", como uma tentativa de conquistar o controle de um impulso.

O décimo rabisco de Patrick foi transformado por ele mesmo em uma figura esquisita de mão e ele disse que poderia ter sido feita por Picasso. Nesse momento, eles iniciaram uma discussão sobre o pintor e Winnicott pôde perceber certa precocidade, e que ele estava reproduzindo partes de discussões que tinha com a mãe.

O décimo primeiro rabisco foi feito por Winnicott e transformado por Patrick em uma pessoa escorregando em comida de cachorro. Winnicott não conseguiu descobrir de onde surgiu essa ideia, mas Patrick começou a falar e o desenho foi colocado de lado. Patrick relatou o seguinte sonho que teve com a zeladora no primeiro período da escola:

a zeladora lhe dissera para levantar-se e ir para o saguão onde os vagabundos eram alimentados. A Zeladora então gritou: Estão todos aqui? Havia 15, mas estava faltando um, e ninguém sabia quem era que faltava. Era esquisito, porque não havia nenhuma pessoa extra. E então havia uma igreja sem altar, e uma sombra onde este havia se erguido (WINNICOTT, 1965/1994, p. 265).

Winnicott supôs que a ideia de estar faltando uma pessoa estava relacionada com a morte do pai, mas ainda não tinham lhe contado detalhes de sua morte nem do resgate de Patrick.

O décimo segundo rabisco foi feito por Patrick, era um desenho de um bebê pulando para cima e para baixo sobre o colchão. Ele disse que o bebê tinha cerca de 18 meses de idade. Winnicott aproveitou a ocasião para perguntar-lhe se havia conhecido bebês e ele respondeu que tinha conhecido três, mas Winnicott percebeu que ele estava se referindo à sua própria infância. Mas um mês depois, na quarta entrevista, o significado desse sonho iria se tornar claro.

Patrick fez o décimo terceiro rabisco se transformar no desenho de uma igreja com uma sombra no lugar do altar. Nesse momento, Winnicott (1965/1994, p. 272) perguntou-lhe como seria um sonho bom e ele respondeu prontamente; "felicidade, ser cuidado. Sei que é isto o que quero". Patrick continuou falando que desde a morte do pai sabia o que era depressão. Falou que amava o pai, que ele era muito bom, embora não o visse muito.

Na visão de Patrick, os pais viviam sob tensão e de vez em quando discutiam sobre pequenas coisas. Ele acreditava que nesses momentos a solução era a sua presença que conseguia reunir os pais. Achava que o pai não era muito feliz, pois trabalhava muito e ao chegar cansado em casa se deparava com falhas da mãe. A partir desses comentários, Winnicott percebeu algum grau de insight em Patrick.

Nesse momento, Patrick lembrou os detalhes do episódio de falecimento do pai. Contou que ele podia ter-se suicidado ou que a culpa poderia ser sua, mas não tinha como saber ao certo, porque ficaram muito tempo na água, e quando isso acontece "a pessoa começa a lutar por si mesma" (WINNICOTT, 1965/1994, p. 270). Ele estava com um colete salva-vidas, mas o pai não, e os dois quase se afogaram. Algum tempo depois de o pai ter afundado, quando começava a anoitecer, ele foi resgatado. Levou algum tempo para ele descobrir que o pai tinha morrido, porque no início disseram-lhe que o pai estava no hospital.

Na opinião de Patrick, se o pai tivesse sobrevivido, a mãe teria cometido suicídio, pois a tensão entre eles era muito grande e não poderiam continuar juntos sem que um deles morresse. Winnicott percebeu certo alívio e grande sentimento de culpa em Patrick enquanto falava sobre isso. Ele sabia que esse poderia não ser um retrato real da relação entre os pais, mas era assim que Patrick a via, e como já vimos nos casos anteriores, para Winnicott o que é verdade para o paciente, é a verdade que ele procura.

No décimo quarto rabisco, Patrick retratou sua casa, marcando vários locais onde apareciam "figuras masculinas persecutórias", dizendo que o local mais perigoso era o vaso sanitário, e por isso, se ele quisesse evitar alucinações persecutórias, só poderia urinar em um único local do mesmo. Falou ainda de grandes temores infantis, fazendo uma descrição de seus medos associados a alucinações visuais e auditivas e insistindo na ideia de que se estava doente, isto precedia à tragédia. Winnicott concordou com essa suposição de Patrick, pois havia percebido um sistema fóbico pertinente a uma idade emocional anterior aos 11 anos de idade.

Conforme vimos acima, os rabiscos propiciaram o início de uma conversação espontânea que surgia diante das imagens, a partir da qual Winnicott foi conduzindo uma investigação dos elementos inconscientes, subjacentes aos desenhos e às falas de Patrick. Aos poucos, a conversa espontânea foi se tornando uma comunicação profunda e complexa. Em relação a esse tipo de comunicação Winnicott afirmou que ela costuma aludir "às tendências emocionais específicas que têm forma atual e raízes que remontam ao passado ou se entranham profundamente na estrutura da personalidade do paciente e de sua realidade interior pessoal" (1968/1994, p. 230).

Outro aspecto importante na utilização do jogo do rabisco se refere à capacidade do analista de aguardar, tanto no que diz respeito às elucidações dos desenhos, quanto no que diz respeito às interpretações, como o que ocorreu com o décimo segundo desenho (bebê pulando no berço), que só pôde ser elucidado por Winnicott um mês após a consulta em que foi feito. Ele percebeu que se tratava de uma importante comunicação inconsciente (por isso parecia não fazer sentido para Patrick); suspeitando que se referia a uma qualidade de defesa maníaca, não fez nenhuma interpretação no momento, pois:

embora ocorram oportunidades para comentários interpretativos, estes podem ser mantidos em um mínimo, ou em verdade, deliberadamente excluídos. [...] Na seleção dos terapeutas, tal como na escolha dos psicoterapeutas em geral, aqueles que se mostram ávidos por saltar sobre o material por via da interpretação devem ser considerados temporariamente inadequados para a prática psicoterapêutica, e isto se mostra particularmente verdadeiro quanto à adequabilidade de conduzir consultas terapêuticas (WINNICOTT, 1968/1994, p. 230-231).

Ao final desta primeira consulta, Winnicott constatou que as características fóbicas de Patrick estavam relacionadas a alucinações, e pareciam pertencer a uma idade emocional de quatro, e não de onze anos. As alucinações estavam relacionadas a fantasmas de um homem que retornava para se vingar e antecediam a tragédia. A ideia da tragédia como alucinação também aparecia, mas como se tratava de um fato real, suscitava pânico em Patrick, pois fazia parecer que estava em um pesadelo, embora estivesse desperto.

Winnicott destacou a lembrança e a descrição do afogamento como o aspecto mais importante desta consulta, apesar de ter sido feita de maneira desligada, ou seja, havia ainda certo distanciamento afetivo significando uma dificuldade no contato com essas emoções. E como efeito principal dessa consulta, ele destacou a conquista da confiança de Patrick, pois a partir daí ele pôde contar com sua cooperação inconsciente que foi essencial para a elucidação de seus problemas que remontavam a uma época anterior à tragédia da morte do pai.

Essa conquista da confiabilidade de Patrick seria importante no caso de surgir a necessidade de uma regressão a algum grau de dependência de alguém. Mas nesse momento do tratamento Winnicott ainda não sabia se a mãe poderia atender a essa necessidade de cuidado do filho, pois à primeira vista lhe parecia ser a pior pessoa para isso.

Winnicott percebeu também que Patrick estava começando a sentir-se culpado pela morte do pai e que, apesar de não estar triste, sentia-se ameaçado pela chegada de sentimentos que estavam represados há muito tempo. Ele tinha medo de adoecer, havendo uma base para isto na enfermidade oculta, que provavelmente se iniciou nos seus primeiros anos de vida.

Winnicott ainda descobriria mais tarde que as moléstias indefinidas que Patrick apresentou no primeiro período da escola, e para as quais buscou o cuidado da Zeladora, tiveram seus sintomas produzidos pela sua necessidade de obter cuidado especial e não saber obtê-lo de outro modo. Essas moléstias ocorreram no outono, quando parecia estar bem, feliz e não afetado pela morte do pai.

Duas semanas após a primeira consulta Winnicott recebeu um chamado de emergência da mãe de Patrick, pois ele havia fugido da escola e voltado para casa de trem com vários livros de latim. Sua explicação era de que tinha retornado para estudar latim, já que não tinha conseguido aprender na escola. Patrick tinha feito grande esforço para aprender durante o percurso do trem e, chegando à casa, foi direto para a cama com os livros.

Winnicott o recebeu para a segunda consulta, e aqui nesse caso, assim como em outros, iremos notar essa postura winnicottiana de marcar a consulta de acordo com o pedido (necessidade) do adolescente. No decorrer da consulta, Patrick conseguiu deixar de racionalizar que foi o medo do fracasso em latim que o fez retornar da escola, admitindo que embora não tivesse consciência disso até se encontrar com Winnicott novamente, foi o resultado da primeira consulta que o fez voltar ali. O psicanalista aconselhou-o a passar o fim de semana em casa, e ao combinar isto com a escola, os funcionários lhe disseram que consideravam a mãe de Patrick perturbada demais para tomar conta dele. Mesmo assim, Winnicott insistiu para que ele ficasse em casa.

Quatro dias depois, Patrick retornou para a terceira consulta, pois no domingo não quis voltar à escola, trancando-se no banheiro de onde não queria sair de modo algum. Foi necessário que a família o persuadisse a entrar no carro do irmão para uma consulta de emergência com Winnicott, que precisou seduzi-lo para entrar no consultório.

De acordo com Winnicott essa foi uma consulta em que Patrick falou muito a respeito de si mesmo, de sua família, e ao fim da qual ele determinou que Patrick não retornaria à escola e deveria ficar com sua mãe no cottage. Winnicott passaria para ela e para a escola instruções do que deveria ser feito. Patrick inicialmente tentou protestar, mas Winnicott considerou importante dizer-lhe oficialmente que ele estava enfermo. A partir desse momento, em que Patrick aceitou o fato de estar doente, iniciou-se um lento processo de regressão à dependência e recuperação.

A partir do exposto até aqui, já podemos notar alguns aspectos importantes da clínica com adolescentes, no que se refere à importância da escuta, de deixar que eles possam se expressar livremente, sem possibilidade alguma de julgamento ou necessidade de se tentar achar alguma conexão ou ordem em suas falas. É possível perceber que Winnicott ficava totalmente atento, ouvia sem julgar ou tentar interferir na direção de suas falas. Mostrava-se disponível e devotado em compreender seus pacientes adolescentes e eles pareciam sentir isso, pois a adesão ao tratamento era notória na grande maioria dos casos.

O psicanalista assumia uma postura de cuidado, e a partir desta, orientava, determinava, aconselhava, explicava, enfim, agia de acordo com a necessidade que se apresentava no momento, ampliando o setting para além do consultório, e utilizando-se de técnicas de manejo relacionadas a cada caso em particular.

Três dias depois, Winnicott recebeu Patrick para a quarta consulta, à qual ele compareceu sozinho e chegou dizendo que estava ali porque havia entendido o décimo segundo desenho. Ao conversar com sua mãe, descobriu que quando tinha um ano e meio ela precisou fazer uma cirurgia, ficando afastada dele por seis semanas.

Durante essa ausência, ele foi cuidado por amigos dos pais que, na época, a mãe julgava adequados para isso. O pai o visitava todos os dias e lhe parecia que Patrick estava muito excitado, feliz, sempre rindo e pulando para cima e para baixo. Quando a mãe retornou do hospital e ele a viu, toda a animação sumiu quando foi para seu colo. Adormeceu imediatamente e assim permaneceu por 24 horas no colo da mãe. Ao final deste relato, Winnicott percebeu que esse foi o primeiro cuidado psiquiátrico que a mãe precisou dispensar a Patrick, e que estava repetindo essa experiência pela segunda vez.

No final da consulta, Winnicott percebeu que Patrick parecia imensamente aliviado. Posteriormente, a mãe confirmou suas impressões ao lhe relatar que houve uma melhora clínica acentuada depois dessa consulta. Ele começou a ser capaz de criticar a mãe - sem medo de perder seu amor - e de conseguir identificar seus sentimentos de euforia e depressão.

Nesse momento do tratamento, Patrick começou a apresentar indícios de uma regressão e apresentar características pertinentes aos quatro anos de idade. Tornou-se extremamente apegado à mãe, andava de mãos dadas com ela e Winnicott não poderia dizer quanto tempo isso iria durar. A mãe lhe oferecia os cuidados de que necessitava em casa, e quando ele pediu para ver Winnicott, uma nova consulta foi marcada.

Na véspera dessa quinta consulta, Patrick teve um sonho com o qual ficou assustado o dia todo. Winnicott suspeitou que de alguma forma ele pressentiu que estava sujeito a ter esse sonho, pois havia pedido essa entrevista vários dias antes de sonhá-lo. No sonho havia uma igreja, um altar e três caixas onde colocavam cadáveres. De uma das caixas surgiu um fantasma feminino, uma menina de rosto sério, que parecia ter morrido afogada. Apresentou alguns sinais de vida e sentou-se. Existia também uma mulher e uma escola nessa ilha, e eles haviam chegado nela com um amigo da escola. Disseram-lhe para subir ao altar e ele sabia da existência de pessoas mortas nas caixas.

Em seguida, ocorreram mais dois episódios envolvendo água: um deles referia-se a um jogo de críquete, meio cinzento, onde a escola desmoronou e 300 meninos se afogaram. A mãe e a mulher estavam com dois meninos e a água começou a subir, a engolir as casas que começavam a desmoronar, e o carro do irmão. O amigo da escola parecia ter sumido, mas ele e a mãe conseguiram fugir no carro do irmão que reapareceu. As descrições do sonho possibilitaram a Winnicott perceber certa força de organização do ego de Patrick, que estava lhe possibilitando certo controle sobre o episódio do afogamento do pai, pois ele conseguiu se aproximar da agonia real vivida durante o episódio do afogamento - diferentemente do que ocorreu na primeira consulta, quando fez o relato do acidente sem conseguir acessar esses sentimentos. Além disso, no sonho, Patrick pôde entrar em contato com seus sentimentos de culpa, quando viu o pai afogar-se, e ele próprio quase se afogou, mas ao final foi salvo.

Nessa consulta Patrick demonstrou que confiava em Winnicott como substituto paterno e materno, assim como confiava no trabalho em conjunto dos dois. E esses são dois aspectos importantes do trabalho winnicottiano com os adolescentes, pois ele funcionava como um responsável adulto, no qual o adolescente podia confiar, e com o qual podia contar na resolução de suas dificuldades.

Entretanto, esse seu papel de ego auxiliar não assumia os contornos de pai, educador, amigo, conselheiro, etc.. Trata-se de um papel de alguém que acompanha o adolescente em seu processo de crescer e ingressar na vida adulta, ajudando, orientando, cuidando, pensando junto, ampliando percepções, propiciando insights, enfim, oferecendo um ambiente facilitador ao criar condições para que o adolescente descubra o seu self (si-mesmo) e consiga achar suas próprias soluções de forma criativa (WINNICOTT, 1975, p. 80).

Nove dias depois, Patrick compareceu para a sexta consulta onde ocorreu um contato com a depressão relativa à ausência da mãe no início da sua vida. A partir desse insight, Patrick percebeu que essa ameaça de depressão o acompanhava desde o episódio ocorrido aos dezoito meses.

Alguns dias depois, na sétima consulta, Winnicott ficou sabendo de algumas complicações, pois a escola não acreditou na doença de Patrick e enviou-lhe provas escritas. Ele tentou sair da regressão e da dependência, mas o resultado disso foi catastrófico, pois ao sair do estado retraído ele perdeu a capacidade de relaxar, ficando extremamente ansioso e sentindo-se perseguido. Diante desse quadro, Winnicott marcou uma consulta urgente e lhe proibiu de fazer os testes, dizendo-lhe "ponha-os na privada e puxe a descarga" (1965/1994, p. 277). A escola não reagiu bem a essa determinação, pois não lhe parecia apropriado que um rapaz ficasse afastado da escola, de forma totalmente "desleixada", sendo cuidado por uma mãe que julgavam inadequada para esse fim.

Entretanto, Winnicott sabia que era exatamente disso que ele precisava e foi incisivo em suas determinações. Suas ações permitiram que Patrick retomasse seu estado retraído e regredido, e ele voltou feliz para o cottage com sua mãe. Isso possibilitou que o primeiro aniversário do episódio de afogamento do pai (que também era o décimo segundo aniversário de Patrick) fosse vivenciado de maneira solitária e tranquila por ele e a mãe: eles sentiram-se exaustos e ficaram sentados durante toda a tarde desse dia, ouvindo o barulho do relógio. Depois desse dia, Winnicott observou que Patrick começou a sair do estado de retraimento e regressão em que se encontrava, e progressivamente foi entrando em um movimento em direção à independência.

Algum tempo depois dessa consulta, Winnicott escreveu à escola recomendando o retorno de Patrick aos estudos. Além de falar sobre o colapso que ele teve, ainda forneceu instruções aos professores e funcionários sobre como deveriam lidar com ele.

Na nona consulta, que ocorreu um ano e meio após a morte do pai, Patrick fez um desenho ao qual deu o nome de "pôr-do-sol no rio". Essa foi a última consulta, e de acordo com Winnicott, ela se assemelhou a um evento social, no qual os dois conversaram sobre vários assuntos (não descritos pelo psicanalista).

Winnicott fez um acompanhamento com a mãe de Patrick durante todo o tratamento, realizando quatro entrevistas e vários contatos telefônicos com a mesma. Esse trabalho foi extremamente importante para a melhora clínica de Patrick, pois como já foi citado anteriormente, o trabalho iniciado nas consultas terapêuticas precisa encontrar continuidade no ambiente imediato da criança ou do adolescente. A primeira entrevista com a mãe ocorreu cinco meses após o telefonema inicial, e um mês depois da sexta consulta com Patrick, ocasião em que ele se encontrava no processo de regressão à dependência. Pode-se depreender a importância desse acompanhamento que Winnicott fez com a mãe (a fim de dar-lhe apoio em suas condutas para com o filho) a partir do seguinte fragmento:

Nesta época, Patrick havia regredido a um estado de dependência e imaturidade, aos cuidados dela própria e das pessoas da localidade. Aqui a confiabilidade básica da mãe havia se mostrado. [...] apoiei a mãe em suas próprias ideias, que o que quer que fosse feito a título de instrução neste estágio tinha de ser feito apenas se Patrick realmente o quisesse [...] Expliquei que a missão dela era esperar por movimentos progressivos espontâneos e de maneira alguma esperar algo de Patrick nesse estágio. [...] Tomei grande cuidado, durante essa consulta em apoiar a intuição da mãe, ou o que ela chamava de seus "instintos", especialmente por ela sentir a falta do apoio que costumava receber do marido em seu manejo dos filhos (WINNICOTT, 1965/1994, p. 277).

Durante as entrevistas com a mãe Winnicott descobriu que o primeiro fator etiológico para a enfermidade de Patrick ocorreu logo após seu nascimento. Aos cinco dias de vida ele adoeceu e precisou ser separado da mãe devido a uma internação que durou seis semanas. Posteriormente, quando estava com um ano e meio, sua mãe precisou fazer uma cirurgia, e novamente eles precisaram se separar. Portanto, a morte de seu pai apenas agravou alguns sintomas que já estavam presentes desde a infância.

Em relação ao papel exercido pela mãe de Patrick durante o tratamento, cabe ressaltar que Winnicott sempre enfatizou a importância do trabalho realizado pelos pais. Isso pode ser evidenciado no fragmento abaixo, cuja afirmativa winnicottiana é relativa a um caso em que os pais tiveram papel semelhante ao da mãe de Patrick:

Espero que lhes seja possível perceber [...] nessa parte da descrição, em que os pais realizaram o trabalho, um processo de doença e recuperação que vocês devem ter visto em seus próprios pacientes, aqueles que conseguiram usar uma situação de doença física como uma chance para alcançar um desenvolvimento da personalidade que havia ficado para trás (WINNICOTT, 1953/2000, p. 171, grifo do autor).

O papel da mãe de Patrick foi fundamental, pois ela conseguiu oferecer a continuidade do tratamento realizado no consultório por Winnicott. As moléstias indefinidas que Patrick apresentou na escola, pouco tempo depois da morte do pai, já sinalizavam os distúrbios porvindouros. A transferência materna, inicialmente negativa, foi se modificando e sua colaboração no oferecimento das condições necessárias para a modificação do ambiente, transformando sua própria casa, e o cottage, em uma espécie de hospital para o tratamento do filho, foram fundamentais para a eficácia do tratamento.

Durante quatro anos, Winnicott acompanhou Patrick e sua mãe nas crises e dificuldades, durante a regressão vivenciada no cottage de férias, e na retomada do desenvolvimento que se iniciou logo após o período regressivo. Através da utilização do jogo do rabisco Winnicott pôde compreender melhor o desenvolvimento inicial de Patrick e sua dinâmica familiar. Foi-lhe possível observar que Patrick já estava doente na ocasião da tragédia que envolveu a morte do seu pai, pois o fator etiológico dessa enfermidade foi o afastamento da mãe aos dezoito meses de vida. E possivelmente o padrão para essas enfermidades havia se estabelecido quando Patrick tinha apenas cinco dias de vida e precisou ficar separado da mãe por seis semanas.

Através do tratamento, Patrick pôde regredir a essa época em que os desenvolvimentos emocionais não encontraram um ambiente que os facilitasse (ficando congelados à espera de nova oportunidade), e retomar esses desenvolvimentos. Winnicott revelou que quatro anos depois da morte do pai podia-se considerar que o desenvolvimento de Patrick era natural e sadio.

 

Considerações finais

A adolescência apresenta características que a diferenciam tanto da infância que a precede, quanto do estágio adulto que lhe sucede. A crescente demanda por tratamento psicoterápico nessa fase tem se originado do próprio adolescente, sendo relativa a conflitos ou dificuldades que ele está enfrentando, ou de preocupações da família, da escola ou outro profissional da saúde. Essas demandas geralmente encontram-se relacionadas à retomada das tarefas do amadurecimento que ocorre nessa fase, gerando muitas dificuldades para os adolescentes e as pessoas que estão à sua volta. Além disso, aqueles adolescentes que tiveram dificuldades na conquista dessas tarefas nos estágios iniciais da vida irão se deparar com o desafio de enfrentar essa fase com uma fragilidade psíquica e emocional que pode complicar o enfrentamento dos problemas.

Sendo assim, o surgimento de distúrbios psíquicos nessa fase é muito comum e muitos padecimentos e manifestações consideradas patológicas podem fazer parte da turbulência peculiar às transformações normais desse período. Um aspecto que norteia a clínica winnicottiana com adolescentes refere-se à ênfase dada à retomada do processo de amadurecimento. Para Winnicott, quando ocorrem interrupções ou congelamento das conquistas pertinentes ao processo de amadurecimento, gerando sintomas, dificuldades e distúrbios diversos, essa paralisação não é vista como irreparável. Se o indivíduo tiver a oportunidade de encontrar, no setting psicanalítico, um ambiente suficientemente bom, a retomada de seu amadurecimento é possível.

Como foi possível perceber ao longo do relato deste caso, o processo psicanalítico com adolescentes numa perspectiva winnicottiana tem algumas especificidades, como a utilização da teoria do amadurecimento como bússola, pois o diagnóstico, a condução do caso, a postura do analista, as condições do setting, enfim todas as condições necessárias ao tratamento serão pautadas por essa teoria. Era baseado nessa compreensão que Winnicott fazia um diagnóstico individual e um social, ou seja, estudava a história de vida do adolescente e procurava diagnosticar o distúrbio que ele apresentava, investigando sua etiologia durante o amadurecimento. Isso lhe servia de bússola para a adequação dos tratamentos às necessidades dos pacientes que, conforme pudemos constatar ao longo deste estudo, podem se modificar no decorrer do processo psicanalítico. Além disso, o processo psicanalítico winnicottiano envolve a modificação e ampliação do setting analítico, no que se refere ao número de sessões, acompanhamento com os pais e escola, quando necessário, e a utilização do manejo, que propicia o oferecimento de um ambiente facilitador adequado às necessidades do paciente para que seus processos maturacionais tenham nova chance de concretizar-se.

Isso significa que o oferecimento de um ambiente acolhedor e sustentador através do setting psicanalítico adaptado às necessidades do adolescente, cujo ambiente falhou em prover certas necessidades, pode propiciar uma regressão aos momentos dessas falhas ambientais nos estágios iniciais da dependência. Durante esse período regressivo o oferecimento da provisão ambiental que faltou inicialmente pode propiciar nova oportunidade para que a continuidade do processo de amadurecimento se instaure e o adolescente possa prosseguir em sua vida com novas possibilidades de viver "em primeira pessoa" e sentir que sua vida tem sentido e que ela vale a pena ser vivida!

 

 

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Artigo recebido em: 27/06/2018
Aprovado para publicação em: 06/11/2018

Endereço para correspondência
Luciana Pontes Bichuetti
E-mail: lupbichuetti@gmail.com

 

 

*Doutoranda em Psicologia Clínica/Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora da Universidade de Uberaba (UNIUBE).

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