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Revista da ABOP

versão impressa ISSN 1414-8889

Rev. ABOP v.2 n.2 Porto Alegre  1998

 

 

Da orientação profissional para a inserção do jovem no trabalho

 

 

Jorge Castellá Sarriera8

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Curso de Pós-Graduação em Psicologia

 

 

Inculcar em garotos os rudimentos de uma vida
que já é proibida, que lhes é de antemão confiscada
 (e que, aliás, já não é mais viável),
 não poderia ser considerado uma brincadeira de mal gosto,
uma afronta suplementar?
(Viviane Forrester, ‘O horror econômico’,
UNESP, 1997, p.76).

 

 

Estamos em um mundo de rápida evolução. O mundo do trabalho tem-se convertido no centro das preocupações e divagações dos cientistas sociais. As políticas neoliberais e o fenômeno da globalização tem modificado o cenário socio-laboral, juntamente com o avanço de novas tecnologias, gerando com isso o chamado desemprego estrutural e reduzindo as perspectivas de um grande contingente de jovens que procuram sua realização e sua afirmação econômica e social.

Se olhar-mos num breve período de tempo, há vinte anos atrás, a evolução das abordagens da orientação vocacional e profissional no nosso meio, teremos a sensação de um processo psicossocial que atropela os ritmos de implantação, desenvolvimento e amadurecimento das referidas abordagens.

Quando iniciei como professor de Orientação e Seleção Profissional (SOP)do Instituto de Psicologia da PUCRS, em 1980, dei continuidade ao enfoque atuarial que vinha sendo utilizado na época. Nos estágios, nas práticas de Orientação, procedia-se à aplicação de uma bateria de testes, onde a medição dos interesses, aptidões e personalidade, junto com a entrevista, oferecessem elementos de orientação e ajuda para quem procurava uma definição profissional. O paradigma atuarial, partia do pressuposto de colocar o homem certo no lugar certo, isto é, compatibilizava características pessoais com características do cargo ou função.

Após dois anos na cadeira de SOP I, introduzi entre meus alunos o estudo da abordagem Clínica em Orientação Vocacional, através dos estudos do argentino Rodolfo Bohoslavsky. A visão psicometricista e estática da realidade que o modelo atuarial incorporava, foi substituída por um enfoque psicodinâmico onde a conflitiva da escolha era trabalhada individualmente ou em grupo, partindo de um diagnóstico inicial e desenvolvendo uma estratégia clínica de análise e esclarecimento da escolha profissional. Esta proposta clínica se expandiu em colégios e centros de orientação de Porto Alegre. As vantagens desta proposta se relacionavam com o momento adolescente da escolha, conseguindo trabalhar aspectos de maturidade pessoal e vocacional..

A partir de 1986, houve outra reformulação substancial no enfoque dado à disciplina, seguindo a trajetória do próprio Bohoslavsky, o qual, no livro ‘Vocacional: teoria, técnica e ideologia, faz uma séria crítica à abordagem clínica, qualificando-a de romântica e ilusória. O autor argumenta, desde a perspectiva do determinismo social, que não é o adolescente que escolhe uma profissão, é a sociedade, que mantendo seus recursos de controle social, escolhe o indivíduo, segundo a classe social à que pertence. Ao final, a serviço de que e de quem esta o Orientador Profissional?. Da reprodução ou da transformação social? A perspectiva social da orientação vocacional foi desenvolvida e trabalhada no Instituto de Psicologia, através de parcerias com escolas públicas e estagiários, levando uma proposta de reflexão e crítica sobre a realidade social e sobre as relações asujeitadas do trabalho. Tratava-se de conscientizar os jovens do contexto político-social no qual estava inserido o trabalho.

Quando em 1988 me propus fazer o doutorado no exterior, apresentei junto a CAPES e CNPq um projeto intitulado: Desenvolvimento de um novo paradigma para a Orientação Profissional. Neste projeto pretendia integrar os aspectos psicométricos, clínicos, sociais e existenciais, presentes num processo de orientação, buscando uma síntese possível de todo esse processo percorrido.

O contato com uma realidade européia diferente onde mais da metade dos jovens que saem das escolas não conseguem emprego, meu ilusório paradigma de orientação profissional, veio abaixo ao abrir os olhos a uma realidade dura e cruel: o desemprego juvenil. De que adiantava sonhar com ser um determinado profissional, quando as chances de desempenhar aquela profissão eram mínimas, quando não de ficar desempregado?. Minha resposta a aquela realidade foi o estudo dos aspectos socio-cognitivos e de saúde relacionados à situação de desemprego e o estudo da história familiar, escolar e vocacional de estes jovens que encontravam dificuldades em se inserir no mercado, já tão escasso, de trabalho.

A descoberta foi preocupante: os jovens que vinham de uma história de fracasso escolar, repetiam a situação de fracasso na procura de emprego e apresentavam elevada passividade existencial (falta de objetivos e metas vitais). O círculo vicioso estava estabelecido. Somente uma ação interventiva focalizada neste grupo de jovens poderia recuperar sua estima e aproveitar suas capacidades não reconhecidas, para sair deste destino.

Ao voltar a Porto Alegre em 1993, após o Doutorado, me propus estudar e conhecer o área de orientação e inserção no trabalho dos jovens portoalegrenses. Frente aos anteriores paradigmas onde os determinismos individuais ou sociais exerciam um papel central na escolha dos conteúdos e das estratégias de orientação, introduzi o Paradigma Ecológico para a compreensão do processo de transição escola-trabalho, baseados nas Teorias da Ecologia Social, Psicologia Ambiental e da Ecologia do Desenvolvimento Humano. O entendimento do ser humano ativo e em constante interação com o ambiente, também ativo, num processo constante de interação e adaptação. O meio ecológico é um conjunto de estruturas físicas, sociais e psicológicas que caracterizam o intercâmbio das pessoas com as quais co-habitam no seu entorno. Este meio ecológico se concebe tipológicamente como um conjunto de estruturas concêntricas. O microssistema caracterizado por um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais que a pessoa em desenvolvimento experimenta em um ambiente determinado. O mesossistema que compreende as inter-relações de dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento participa ativamente. O exossistema referido a um ou mais ambientes que não incluem à pessoa em desenvolvimento, mais nos quais se produzem fatos que a afetam. O macrossistema referido às correspondências em forma e conteúdo, dos sistemas de menos ordem (micro, meso e exo), nos sistemas de crenças ou ideologia.

Estes sistemas se relacionam constantemente através dos seguintes princípios: 1. Interdependência; 2. Congruência pessoa-ambiente; 3 Evolução-sucessão; 4. Processamento de recursos.

Um dos conceitos básicos neste modelo é o de transição ecológica. A passagem de um microssistema para outro (por exemplo da escola para o trabalho) implica num processo de preparação para esta transição. O sujeito deve ter informações, conhecimentos e habilidades para passar para o novo microssistema de forma saudável. As informações se referem aos recursos e apoios com os quais poderá contar na fase de transição. Os conhecimentos relacionados com as características específicas do novo sistema, formas de acesso, funcionamento, relações que se estabelecem, papéis que se exercem e atividades que se desenvolvem. As habilidades serão importantes em termos de otimização dos recursos dos adolescentes quanto a comportamentos assertivos, críticos e sociais que facilitarão o enfrentamento de dificuldades a serem encontradas.

O novo conceito de orientação para o trabalho, supera as concepções românticas e individualistas da escolha profissional, e situa-se numa posição interativa onde tão importantes são as características pessoais quanto as ambientais. As políticas econômicas definem a situação do mercado de trabalho, cada dia mais escasso e rumo ao desemprego juvenil estrutural. As novas tecnologias substituem o ser humano, reduzem a jornada de trabalho, e colocam o trabalho fora núcleo central da existência humana, exigindo repensar os valores e novas formas de ocupação do tempo. Os perfis profissionais mudam constantemente, perdendo seus contornos bem definidos para entrar numa era onde a complexidade dos problemas exige uma atuação interdisciplinar e atualizada. A formação profissional do jovem terá que ser cada dia mais polivalente, de forma que possa adaptar-se com facilidade, às exigências dos novos tipos de trabalho que estão surgindo. Podemos constatar que não adiante encerrar-nos na torre de marfim do colégio, da escola ou do consultório, sem sair à rua, levantar os recursos que existem na nossa comunidade em termos de trabalho, conhecer o mercado de trabalho em geral, verificar as políticas do governo, estar preparado para adequar os projetos pessoais para as exigências sociais.

Trata-se pois de elaborar projetos vitais e profissionais com base nas necessidades e expectativas do sujeito mais também com as características específicas do contexto socio-histórico. Neste sentido temos trabalhado nos últimos cinco anos desenvolvendo uma pesquisa com 563 jovens de 16 a 24 espalhados pela cidade de Porto Alegre, para conhecer melhor suas características biodemográficas, familiares, escolares, vocacionais, itinerários de transição escola-trabalho, atitudes, valores, atribuições e significado do trabalho, assim como o grau de bem-estar psicológico relacionado com a sua ocupação atual (estudantes, trabalhadores ou desempregados). Os resultados desta pesquisa se encontram em vários artigos publicados na revista PSICO da PUCRS e outros periódicos científicos.

Partindo deste diagnóstico, procuramos conhecer quais características pessoais e psicossociais diferenciavam os jovens desempregados dos estudantes e empregados. Com o perfil específico dos jovens desempregados e atendendo a seus déficits mais chamativos, elaboramos um Programa de Inserção para o Trabalho. Este Programa foi desenhado para atender às necessidades destes jovens, com base em três módulos: O primeiro visa resgatar sua estima e confiança, auxiliando ao jovem na elaboração de projeto vital e vocacional, visto que este grupo apresentava quase total ausência de respostas com relação aos projetos vitais. No segundo módulo nos propomos desenvolver habilidades pessoas e sociais que facilitem sua assertividade e a procura de emprego.. O terceiro módulo se propõe incentivar a cidadania destes jovens, através do conhecimento de Direitos e Deveres do Trabalhador, Recursos Institucionais de apoio a formação e à procura de emprego, análise do contexto social e do mercado de trabalho. Esses módulos se integram e se adequam as características específicas e necessidades de cada grupo.

Certamente que com um curso de Orientação para o trabalho nem sempre suprirá as necessidades dos jovens. Os procedimentos seguidos em vários países preocupados com os elevados índices de desemprego, tem sido o acompanhamento período destes jovens durante o processo de transição escola-trabalho. Este acompanhamento visa dar apoio nos momentos de dificuldades e crise ao mesmo tempo que identificar as novas necessidades de treinamento.

Dentre as propostas mais atuais para apoiar aos jovens ou adultos que não conseguem emprego, estão a formação de grupos de auto-ajuda. Esses grupos, baseados nos princípios de funcionamento dos grupos de alcóolicos anônimos, tem como finalidade ter um espaço para colocarem suas dificuldades na qualidade de desempregados e obterem apoio dos colegas na mesma situação.

Não se trata, pois, para a maioria dos jovens de escolher uma profissão. Importa preparar os jovens para sua saudável inserção social e no mercado de trabalho, conscientes das dificuldades cada vez maiores que vão ter que enfrentar, fortalecendo suas capacidades, desenvolvendo habilidades e construindo um conhecimento crítico da realidade e dos seus direitos e deveres como cidadão e trabalhador.

 

 

8 Doutor em Psicologia Social e professor do Curso de Pós-Graduação em Psicologia - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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