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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.27 no.1 São Paulo jun. 2007
HISTÓRIA DA PSICOLOGIA
Resgatando a memória dos pioneiros em psicologia: Roldão Lopes de Barros - Cadeira nº 25 (* 30/01/1884 - † 30/08/1951)
Recalling the memory of the pioneers in psychology
Hebe C. Boa-Viagem A. Costa1
Universidade de São Paulo
Faculdade de Direito de Guarulhos
RESUMO
Esta biografia visa a trazer à luz os principais fatos do ilustre mestre e também buscar retratá-lo na sua maneira de ser, na coerência de suas ações com seus conhecimentos, na influência que exerceu na formação de seus alunos. É igualmente um esforço para que sua atuação não caia no esquecimento. Sua história confunde-se com a da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que viria a ser a espinha dorsal da USP. Os dados obtidos, entretanto, foram poucos. Daí a biografia ser, de certo modo, pobre em relação a atuação marcante do Prof. Roldão Lopes de Barros.
Palavras-chave: Universidade de São Paulo; Filosofia e história da educação; Roldão Lopes de Barros.
ABSTRACT
This biography is intended to bring light to the principal accomplishments of the illustrious master, and at the same time tries to show him in his way of living, coherent in coping with his knowledge, and the influence which he exerted in the formation of his pupils. This is also an effort to preserve his work from being forgotten. The history of his work is closely connected with that of the previous Faculty of Philosophy, Sciences and Literature, which was to become the backbone of the USP (University of São Paulo). The data collected, however, were few. Which makes this biography somewhat poor, when compared to the brilliant career of Professor Roldão Lopes de Barros.
Keywords: University of São Paulo; Philosophy and history of education; Roldão Lopes de Barros.
1. Biografia
O emérito Professor Roldão Lopes de Barros, filho de José Lopes de Barros e de D. Gertrudes Ferreira de Souza Barros, nasceu em São Paulo. Na sua vida escolar, destacou-se por sua inteligência privilegiada e pelo seu gosto aos estudos. Professores admiravam-se do seu brilho e, quando estudante no Colégio Coração de Jesus, pensaram encaminhá-lo ao sacerdócio. Entretanto, por problemas familiares advindos do falecimento de seu pai, o jovem Roldão interrompeu seus estudos formais naquela época. Todavia, seu gosto por adquirir novos saberes, levou-o ao autodidatismo. Aprendeu diversos idiomas e era um dedicado leitor.
Iniciou sua vida profissional como funcionário da São Paulo Railway (Santos – Jundiaí). Graças a sua bagagem intelectual dedicou-se, simultaneamente, ao jornalismo, exercendo essa atividade na Tribuna de Santos e no Correio Paulistano (SP).
Mesmo trabalhando em Santos, cursou a Escola Secundária da Capital onde pôde pôr à mostra sua capacidade intelectual. Mais uma vez ele chamava atenção de seus mestres. Seu desempenho brilhante durante o curso valeu-lhe a nomeação para a Cadeira de Pedagogia na Escola Normal da Praça. Era o começo de uma nova profissão.
Casou-se nessa ocasião. Em 1919, ingressou na Faculdade de Direito onde, carinhosamente, os colegas chamavam-no de Biblioteca Ambulante, por sempre estar portando os mais variados livros. Embora tivesse feito o curso, como sempre, com brilho, quando formado, advogou por pouco tempo. O magistério despertava-lhe mais interesse.
Graças aos seus conhecimentos lingüísticos passou a corresponder-se com renomados especialistas em educação, europeus e norte-americanos. As idéias renovadoras que surgiam desse intercâmbio aproximou-o de intelectuais brasileiros que desejavam fazer profundas e necessárias mudanças na educação então vigente. Eram eles: Fernando de Azevedo (Patrono da Cad. nº 3), Antonio Sampaio Dória (Patrono da Cad. nº 18), Manuel Bergström Lourenço Filho (Patrono da Cad. nº 2), Noemy da Silveira Rudolfer (ex-ocupante da Cad. nº 2), Oscar Freire de Carvalho (Patrono da Cad. nº 7), Renato Jardim e tantos outros.
A convite do então Presidente do Estado de São Paulo, Washington Luis Pereira de Souza, organizou a Escola Normal Padre Anchieta . Sob sua orientação, ao adotar métodos e técnicas modernas de ensino, a Escola ganhou um grau de excelência que lhe permitiu ser considerada como de alto padrão.
Sempre interessado em participar de eventos educacionais filiou-se à Sociedade de Educação que advogava, junto ao Governo Federal. Numa das reuniões da associação, o Professor Roldão lançou proposta de lembrar-se aos poderes públicos a possibilidade e as vantagens do arrendamento das terras pertencentes ao Estado, revertendo os lucros em benefício da instrução. Essa sociedade, entretanto, teve curta duração. Assim mesmo, publicou revista especializada em educação que teve como editor Monteiro Lobato.
Em 1931, por Decreto Estadual, a antiga Escola Normal da Praça passou a denominar-se Instituto Pedagógico e tinha por objetivo o aperfeiçoamento dos professores e a divulgação de cultura geral. Visava, também, a dar preparação técnica para inspetores, delegados e diretores de ensino. O corpo docente da antiga escola compôs o do Instituto.
O grupo de intelectuais, acima citados, críticos ferrenhos da educação vigente continuou sua luta para modificar a situação calamitosa em que se encontrava a educação. Em 1932 veio à luz o célebre Manifesto dirigido Ao Povo e Ao Governo, elaborado por Fernando de Azevedo, intitulado A Reestruturação Educacional no Brasil. Esse documento constava de duas partes: a primeira, apresentava as bases, do ponto de vista filosófico e doutrinário, que deveriam orientar essa reestruturação; em seguida, o próprio Manifesto assinado por 26 renomados educadores, entre eles, Roldão Lopes de Barros.
Em 1933 o Instituto Pedagógico foi transformado em Instituto de Educação que, no ano seguinte, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, foi incorporado na Universidade de São Paulo. Nessa ocasião, os estudos de Administração Escolar, Legislação Escolar e Educação Comparada foram iniciados nessa instituição sob a orientação de Roldão Lopes de Barros conjugados com a Estatística Educacional conduzidos por Milton da Silva Rodrigues (Patrono da Cadeira nº 6 desta Academia). O biografado foi também o primeiro Titular da Cadeira de História e Filosofia da Educação cargo que ocupou até sua aposentadoria. Foi, também, Diretor substituto da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
Seguindo José Querino Ribeiro, o ilustre Professor foi também considerado fundador dos estudos de Administração Escolar em São Paulo. Além da docência universitária nesta matéria, também proferia conferências e cursos abreviados para fins de treinamento, como o promovido por Almeida Junior, então Diretor do Ensino do Estado de São Paulo, que contou com a participação de dirigentes de escola procedentes de vários Estados do País.
Sua atividade no campo educacional não se restringiu apenas à recém-criada Faculdade e foi muito intensa. Lecionou no Liceu Franco Brasileiro, foi fundador, diretor e professor do Colégio Rio Branco. Este estabelecimento, como outros que dirigiu, tornou-se famoso pela qualidade de ensino. Também fundou o Colégio Pedro de Toledo. Outras escolas foram beneficiadas com sua força intelectual: os Colégios Santo Agostinho, Santa Inês e Dês Oiseaux e, muitas vezes, atuou neles graciosamente.
Ao dirigir e organizar o Orfanato Ana Rosa, mais uma vez pôs em prática suas idéias adquiridas no contato com as produções intelectuais dos defensores de uma escola nova. Instalou, nesse Instituto de Menores, um regime de portões abertos onde a criança não se sentia aprisionada. Sempre se preocupou em dar completa assistência aos alunos pobres e procurou-lhes dar oportunidade de aprenderem uma profissão. Para tanto criou oficinas de encadernação, douração, sapataria, marcenaria e também montou uma gráfica com seus próprios recursos. A Banda de Música do Colégio, que chegou a ser uma das melhores de São Paulo, também foi criada por ele. Cuidou da formação religiosa dos menores órfãos com o mesmo zelo que dispensara a seus nove filhos.
Nunca esteve ausente nos movimentos políticos. Na revolta de 1924, foi companheiro de Aureliano Lopes e fez parte da Polícia Municipal que tinha por objetivo defender a ordem. Na Revolução de 1932, colaborou na parte administrativa, no Correio Militar e no M.M.D.C.
Uma vez aposentado, dedicava-se à leitura e meditação do Evangelho e vida de Cristo. Sua religiosidade esteve presente até os últimos momentos de sua vida quando pediu aos filhos que, com ele, rezassem o Pai-Nosso e comentou que esta era a mais bela oração do mundo.
Faleceu no dia 30 de agosto de 1951 e foi sepultado no Cemitério de Vila Mariana, falando, no ato, em nome da Congregação da Faculdade, o Prof. José Querino Ribeiro seu antigo assistente.
2 - Sua atuação na Psicologia
Embora autodidata, revelou-se profundo conhecedor dos movimentos no campo educacional e, em especial, da Psicologia. Prof. Roldão lecionou essa disciplina em muitos colégios e teve oportunidade de divulgar as idéias de William James, Claparede, Pieron, Dewey e tantos outros. Conhecedor de vários idiomas, teve possibilidade de não só ler o que havia de mais moderno nessa área como também manteve correspondência com alguns desses autores. É difícil saber sua contribuição nesse setor pois não foram encontrados documentos escritos sobre o assunto. É estranho, pois escreveu para jornais e participou de associações que mantinham revistas especializadas. É um campo que merece uma pesquisa mais apurada.
Entretanto, toda sua maneira de ser revelava ter incorporado aquela Psicologia definida, com muita propriedade, por Yolanda C. Forghieri (C. nº 1): como a ciência que nos deve ensinar, a nos conhecermos e a sermos, o máximo possível, realizados e felizes, assim como a propiciar o mesmo aos nossos semelhantes.
Enquanto docente dessa Faculdade, ministrou aulas, durante vários anos, na então Seção de Pedagogia, formando uma plêiade de pedagogos, muitos dos quais são hoje personalidades ilustres. É importante esclarecer que um grupo desses profissionais, seus alunos, dirigiu-se, posteriormente, ao campo da Psicologia, compondo os quadros desta Academia, inclusive ocupando nela postos de relevância. Citam-se: Arrigo Leonardo Angelini, Presidente atual; Mathilde Neder, ex-Presidente; Aidyl M. de Queiroz Pérez-Ramos, Secretária Geral; Ivone Espínola, representante da Comissão de Contas; Elsa Lima Gonçalves Antunha, Segunda Secretária, entre outros.
Era o que esse mestre, durante suas aulas, passava para seus alunos e eu, sendo um deles, sou testemunha disso. Modesto, discreto, culto, sem qualquer alarde, passava para nós o conceito de que a educação devia ser feita pela educação, sem qualquer outro interesse. Sua capacidade de doação bem revelava sua filosofia de vida.
- Decorridos cerca de 60 anos dos meus tempos de estudante guardo a imagem do velho mestre com admiração. Entretanto fico surpresa com a memória curta de muitas pessoas a respeito desses personagens valiosos que lutaram para que a educação brasileira se reestruturasse e se tornasse melhor. Apenas dão nomes a ruas, escolas e, temporariamente, a alguns Centros Acadêmicos. Seus nomes são trocados por outros, embora brilhantes, que certamente, também serão homenageados por pouco tempo. Daí a escassez de registros desses luminares que, gradativamente, estão sendo esquecidos.
Felizmente outras entidades reconhecem os méritos das personalidades ilustres, como referência para a posteridade. Prof. Roldão foi um deles. A então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras o homenageou com o Título de Professor Emérito e o Centro Universitário de Estudos Pedagógicos (até 1980), ambos da USP, como também a Escola Estadual de Vila Mariana, passaram a identificar-se pelo nome desse importante educador. Além do mais, a Academia Paulista de Educação e este sodalício distinguiram-no com o título de Patrono de uma de suas Cadeiras. Uma rua da Cidade de São Paulo também a designou com seu nome.
3 - Homenagens
• A Congregação da Faculdade realizou Sessão Solene em memória do saudoso professor. Orador: Milton da Silva Rodrigues – Setembro, 1951;
• Secretaria Geral da USP – Roldão Lopes de Barros – Professor Emérito – post mortem – Junho, 1952;
• Academia Paulista de Psicologia – Patrono da cadeira 25;
• Academia Paulista de Educação – Patrono da cadeira 32;
• Escola Estadual Professor Roldão Lopes de Barros - Rua Colônia da Gloria, 580 – Vila Mariana, São Paulo;
• Centro Universitário de Estudos Pedagógicos Roldão Lopes de Barros (CUEP-RBL (1954- 1980);
• Rua Roldão L.de Barros – Interlagos, São Paulo, SP
Referencias bibliográficas:
• Acervo da Academia Paulista de Psicologia (1980) – Biografia do Professor Roldão Lopes de Barros;
• Beisiegel, C. R. (2003) – Origens das orientações da pesquisa educacional na Faculdade de Educação da USP, Educação e Pesquisa. São Paulo, vol. 29, nº 2. Julho/Dezembro;
• Evangelista, O. (2001) – Formar o Mestre na Universidade: a Experiência Paulista - 1930 – Educação e Pesquisa, São Paulo,vol. 27,nº2, Jul/Dez;
• Forghieri, Y. C. (2005) – Discurso de posse – Cadeira nº 1 da Academia Paulista de Psicologia – Boletim da Academia Paulista de Psicologia – Ano XXV, nº 3/05 – Setembro/Dezembro;
• USP – Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras – Boletim de Informação nº11 – Agosto de 1951 – (Arquivos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP);
• Reitoria da Universidade de São Paulo (1950). Guia da Universidade de São Paulo. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda. [ Links ]
Referências eletrônicas
• Andrade, E. Novo Milênio: Histórias e Lendas de Santos - A Imprensa Santista: A Tribuna (online) Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/Santos/h0318g.htm. Acessado em 10 de fevereiro de 2007; [ Links ]
• Bortoleto, A. C. – Embates no campo educacional: A Sociedade de Educação de São Paulo (1922 -1931) – Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/24/to24103485.317. Acessado em 10 de fevereiro de 2007;
• Cuep – Centro Universitário de Estudos Pedagógicos (on line) Disponível em: http://www.hitedbr.fae.unicamp.br/art8_22e.Pdf. Acessado em 05 de janeiro de 2007;
Enviado em: 15/01/2007
Aceito em: 28/02/2007
1 Pedagoga e Socióloga pela USP. Advogada pela FDG. Endereço para correspondência: Rua Frei Melchior, 283 - CEP 02041-060 São Paulo (SP) – Tel. 6973-4896 – E-mail: hebejose@uol.com.br