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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

 ISSN 1415-711X

     

 

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

 

Resgatando a memória dos patronos: Cândido Mota Filho (* 16/09/1897 - † 04/02/1977)

 

Redeeming the memory of the patrons: Cândido Mota Filho (* 16/09/1897 - † 04/02/1977)

 

 

Hebe C. Boa-Viagem A. Costa1

Universidade de São Paulo
Faculdade de Direito de Guarulhos Brasil

 

 


RESUMO

Cândido Mota Filho destacou-se por seus múltiplos interesses - advogado, jornalista, político e professor. Durante toda sua vida foi capaz de atuar com igual brilho nesse leque de vocações. Conseguiu, mercê de seus variados saberes, enfocar temas com originalidade e lucidez. Seus conhecimentos de Psicologia despontam no exercício de suas atividades jurídicas, na sua preocupação em melhor atender o menor carente e também como biógrafo e memorialista.

Palavras-chave: Biografia; Psicologia aplicada; Cândido Mota Filho.


ABSTRACT

Cândido Mota Filho excelled due to his multiple interests - lawyer, journalist, politician and professor. During all his life he was able to act brilliantly in his range of vocations. He managed, thanks to his varied knowledge, to emphasize on different subjects with originality and lucidity. His knowledge of Psychology arise within his juridical activities, in his preoccupation in ameliorating the attendance to the uncared child and also as a biographer and memorialist.

Keywords: Biography; Applied psychology; Cândido Mota Filho.


 

 

Quando nos deparamos com uma lista enorme de atividades, muitas delas em campos diversos, tendemos a pensar que estão sendo exercidas por diferentes pessoas. Entretanto nos surpreendemos quando tomamos conhecimento de que apenas uma pessoa está desempenhando várias atividades, com igual brilho. Foi o que sentimos quando passamos a pesquisar para escrever a biografia de Cândido Mota Filho, Patrono da cadeira 24 da Academia Paulista de Psicologia. No dizer de Rachel de Queiroz ...fez de tudo e tudo fez bem, quer no plano intelectual, quer no político, quer no social.

Sua versatilidade convidou-me a uma série de reflexões. O potencial das pessoas geralmente é pouco aproveitado. Quer por falta de interesse, quer por se restringirem a um só campo elas acabam não conhecendo o seu potencial, apenas o arranham. Outras, ainda, embora atuem em diversas áreas, o fazem de modo rudimentar, sem a preocupação de inovar, esporadicamente e com resultados desiguais. Especializar-se num determinado ramo do saber é desejável e prazeroso, pois, via de regra, consegue-se atingir um conhecimento de alto nível. Entretanto ter resultados brilhantes em tantas áreas e durante todo tempo é algo inusitado.

Cândido Mota Filho, desde a mais tenra idade, desfrutou de um ambiente intelectualizado e com sua inteligência brilhante foi capaz de aprender muito com o avô, professor de latim, português e história (preparou muitos jovens que, mais tarde, destacaram-se na vida nacional) e com o pai, advogado, professor de Direito Penal e também de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de São Paulo, Deputado, Senador e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura (SP). Era um ambiente estimulante para um jovem e Cândido soube aproveitá-lo.

Frequentou boas escolas tais como a Modelo Caetano de Campos (que se modernizara com a presença de Miss Browne, educadora americana), Grupo Escolar do Arouche, Ginásio Nogueira Gama em São Paulo e o Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro. Retornando a São Paulo, ingressou na Faculdade de Direito, colando grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, em 1919, aos 22 anos.

Mesmo enquanto aluno brilhante, achou tempo para dedicar-se ao jornalismo, iniciando essa atividade no Correio Paulistano como encarregado da coluna judiciária e da página literária. Depois de formado, alargou ainda mais seu campo de atuação. Nos salões desse jornal, na década de vinte, intelectuais reuniam-se e discutiam questões estéticas e problemas da atualidade brasileira de então. Cândido, muitos anos depois, dizia: Nos apavorávamos quando líamos Coelho Neto, com sua linguagem rica e faustosa, Rui Barbosa, com seus discursos barrocos, e, mesmo Graça Aranha. Aquilo era o passado, não pertencia a um mundo que sobreveio da guerra. Então começamos a procurar escritores nacionais que sentissem a nossa angústia. Eu me dediquei a ler Tavares Bastos e cheguei a escrever um livro: Alberto Torres e o tema da nossa geração.

Desses encontros brotava algo novo que se materializou na Semana da Arte Moderna de 1922. Não foi uma semana fácil. O jovem Cândido, no segundo dia, iria falar sobre "A teoria da cor na pintura impressionista". Começou e não acabou: vaias. Isso, entretanto não o desanimou e continuou firme no seu desejo de dar um cunho nacionalista às produções brasileiras.

Na década de trinta, ele impunha armas para defender São Paulo na Revolução Constitucionalista.

Sempre foi coerente em todas as suas atuações. Para se ter ideia da sua extensão, vamos enumerá-las, grosso modo, assim:

 

No Jornalismo:

• São Paulo Jornal crônicas diárias com o pseudônimo de Paulo Queiroga; foi diretor desse jornal de 1929 a 1930 (por ocasião do movimento revolucionário que depôs o presidente Washington Luis);

• Folha da Manhã – redator chefe;

• Diários Associados – critico literário;

• Revistas Klaxon e Política – Juntamente com outros escritores, dirigiu-as;

• Semana de Arte Moderna – Com Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, René Thiollier e Oswald de Andrade fez, por intermédio dos jornais, o estudo crítico do Modernismo;

• Movimento Verde-Amarelo – promoveu, juntamente com Cassiano Ricardo e Menotti Del Picchia, esse movimento tendo em vista imprimir novos rumos à literatura brasileira, torná-la mais ligada aos problemas nacionais.

 

Na Política:

• Partido Republicano - fez parte de Diretórios;

• Ação Nacional do P.R.P. – Fundada por Cândido Motta Filho, Alcântara Machado, Abelardo Cesar e Alarico Caiuby com programa inspirado nos pensamentos de Alberto Torres – (depois de 1930);

• Oficial de Gabinete do Secretário da Agricultura no Governo Altino Arantes;

• Participação na Revolução Constitucionalista;

• Deputado Estadual pelo Partido Constitucionalista - em 1934 integrou, com Alcântara Machado, o Escritório Técnico da bancada paulista destinado a coordenar os dados para a elaboração da Constituição Federal;

• Ministro do Trabalho – Governo de Gaspar Dutra;

• Ministro da Educação e Cultura - Governo Café Filho.

 

No magistério:

• Professor de Historia – Curso Pré-jurídico da Faculdade de Direito de São Paulo;

• Professor de Antropologia Filosófica – na Universidade fundada por Antonio Picarolo;

• Livre-docente de Direito Penal – Faculdade de Direito de São Paulo;

• Professor Catedrático de Direito Constitucional – Faculdade de Direito de São Paulo;

 

No Jurídico:

• Juiz de Paz em Santa Cecília (bairro paulistano) – eleito logo após sua formatura;

• Advogado – do Patronato Agrícola do Estado e da Prefeitura Municipal de São Paulo;

• Diretor do Serviço de Proteção aos Menores;

• Ministro do Supremo Tribunal de Justiça – vice-presidente;

• Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

 

Associações:

• Instituto dos Advogados do Brasil – atual OAB - Membro;

• Instituto Histórico e Geográfico – Membro;

• União Brasileira de Escritores - Membro;

• Conselho Técnico de Economia, Sociologia, Política e Finanças da Federação do Comércio de São Paulo - Membro;

• Pen Clube do Brasil e de São Paulo - Membro;

• Instituto Superior de Estudos Brasileiros – foi por ele criado enquanto Ministro da Educação;

• Academia Brasiliense de Letras – Membro ;

• Academia Paulista de Letras - Membro;

• Academia Brasileira de Letras – Membro - Cadeira nº. 5 – eleito em 1960;

• Sociedade Paulista de Psicanálise – Diretor (1928);

• Sociedade Brasileira de Psicologia – Presidente (1936);

• Associação Nacional de Escritores – Presidente;

• Academia de Belas Artes - Membro;

• Sociedade Brasileira de Filosofia – Presidente.

 

Homenagens:

• Doutor Honoris Causa da Universidade de Porto Alegre;

• Presidente de Honra do Instituto Cultural Brasil – Alemanha;

• Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo;

• Patrono da Cadeira nº. 24 da Academia Paulista de Psicologia;

• Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro pela publicação da biografia de Eduardo Prado (1968);

• Troféu Juca Pato - Intelectual do ano de 1973 – pela publicação do livro de memórias – Contagem Regressiva – em solenidade promovida pela União Brasileira de Escritores (UBE), sob o patrocínio da Folha de São Paulo;

• O Supremo Tribunal Federal comemorou o centenário de nascimento, na sessão de 26 de abril de 2000, quando falaram o Ministro Moreira Alves, em nome do Tribunal, o Dr. Geraldo Brindeiro, Procurador-Geral da República e o Dr. Célio Silva, representando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

• Cidade paulista que leva seu nome – Cândido Mota;

• Rua Cândido Mota Filho – cidade de São Paulo.

 

Obras:

• Introdução ao estudo do pensamento nacional, ensaio (1926);

• Bernardino de Campos, biografia (1931);

• Alberto Torres e o tema da nossa geração, crítica (1933);

• Introdução ao estudo da política moderna, política (1934);

• A função de punir, Direito (1936);

• Rui Barbosa, esse desconhecido, ensaio (1937);

• O caminho das três agonias, crítica (1938);

• A defesa da infância contra o crime, Direito (1938);

• Da premeditação, Direito (1939);

• Do estado de necessidade, Direito 1940);

• O Poder Executivo e as ditaduras constitucionais, política (1942);

• O conteúdo político das constituições, política (1951);

• Notas de um constante leitor, crítica (1958);

• Ensaio sobre a timidez, Psicologia (1967);

• A vida de Eduardo Prado, biografia (1967);

• Contagem regressiva, memórias (1972);

• Dias lidos e vividos, memórias - obra póstuma (1977).

 

Considerações finais

Escrever a biografia de um especialista nesse mister não é tarefa fácil e corre-se o risco de não conseguir desenvolvê-la tão bem quanto o biografado merece. Embora tenha sido uma ousadia, foi prazeroso fazê-la.

Os sucessores das Cadeiras de Cândido Mota Filho na Academia Paulista de Letras e na Academia Brasileira de Letras, respectivamente Miguel Reale e Rachel de Queiroz, nos seus discursos de posse, ressaltaram a fidelidade que ele manteve em todo esse leque de vocações e a excelência nos seus desempenhos. Ressaltemos, entretanto, o campo que fez dele o Patrono da Cadeira n. 24 da Academia Paulista de Psicologia.

Na década de vinte do século passado, Cândido Mota Filho interessou-se por um tema ainda muito polêmico: a Psicanálise. Foi, na ocasião, Sócio Fundador da Sociedade Paulista de Psicanálise e, em 1928, Diretor.

Leitor assíduo das obras de Spengler e Wundt, de Frazer, Freud e Bérgson, viu a possibilidade, como juiz, de imprimir uma abordagem sociopsicológica no entendimento do crime e da pena em geral e não se cingiu à letra da lei, mas antes como magistrado sensível às mutações sociais e as precariedades do homem comum, preocupado por ter que declarar a certeza do Direito, num mundo de incertezas.

Quando Diretor do Serviço Social de Menores, promoveu a reorganização da entidade e incluiu a criação do Instituto de Psicologia que se encarregaria de "implantar normas de processamento científico no atendimento do menor carente".

Na década de Trinta, publicou o livro A defesa da infância contra o crime e, em 1936, foi Presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia.

Nas biografias e nas memórias, percebe-se o quanto a Psicologia esteve presente nas suas obras. As histórias de vida ganham coloridos especiais quer explicando Rui Barbosa, quer descrevendo a personalidade fascinante de Eduardo Prado. O Caminho das três agonias, segundo Rachel de Queiroz, é um estudo interpretativo de três tão diversas entidades entre si: o duro e fascinante homem de Estado que foi Feijó; o suposto maldito e na realidade o menino pateticamente genial, Álvares de Azevedo; e os mistérios do temperamento e vida da indecifrada esfinge do Cosme Velho – aquele que é o Deus desta Casa – Machado.

Para encerrar, nada melhor do que o texto de autor desconhecido fornecido por este sodalício:

E é esse jurista atento e lúcido observador dos problemas sociais, literato fino e perspicaz na análise da vida e obra de grandes personalidades da literatura nacional e mundial, falecido em 1977, que a recém-fundada Academia Paulista de Psicologia tem a honra e o privilégio de incluir na sua galeria de Patronos.

 

Referências Bibliográficas

• Alberto, E. (1972) A Semana da Arte Moderna em três tempos – (Segundo Tempo - Depoimento de Cândido Mota Filho) – Revista Cultura - MEC – Brasília, jan/ mar, p. 46-47.

• Gama, M. L. (1998) O jovem modernista - SESCSP – Revista Problemas Brasileiros, n. 326, mar/abr.

• Reale, M. (1977) Discurso proferido por ocasião da posse da Cadeira n. 2 da Academia Paulista de Letras – Revista dos Tribunais S.A, São Paulo.

Referências eletrônicas

• Academia Brasileira de Letras - Cândido Mota Filho – Biografia – Bibliografia -Textos Escolhidos / http://www.academia.org.br/ -05/02/2010.

• Netsaber – Biografias - Cândido Mota Filho - http://www.netsaber.com.br/biografias/verbiografia4126.html - 19/12/2009.

• Queiroz, R. - Discurso proferido por ocasião da posse da Cadeira n. 5 da Academia Brasileira de Letras – Rede de Escritoras Brasileiras – REBRA, http://www.rebra.org/ - 25/01/2010.

• Ministro do Supremo Tribunal Federal – Cândido Mota Filho - http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=225 - 15/02/2010.

 

 

Recebido em: 13/01/2010
Aceito em: 17/02/2010

 

 

1 Licenciada em Pedagogia e Ciências Sociais pela USP e em Direito pela Faculdade de Guarulhos. Contato: Rua Augusto Tortorello Araujo, 207, ap. 42 – São Paulo – SP – Brasil - CEP 02040-010. Tel.: (11) 2283-2935. E-mail: hebejose@uol.com.br