Boletim - Academia Paulista de Psicologia
ISSN 1415-711X
TEORIAS, PESQUISA E ESTUDOS DE CASO
Psicologia social e a infância perdida em "Cidade de Deus"
Social psychology and the lost infancy in "City of God"
Psicología Social y la infancia perdida en "Ciudad de Dios"
Idonézia Collodel Benetti1
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
RESUMO
O presente trabalho, de natureza teórica, pretende aliar às teorias da Psicologia Social a algumas discussões presentes no filme Cidade de Deus. A infância perdida, retratada na obra cinematográfica, é capturada de maneira a apresentar a situação de violência experienciada nos grandes centros urbanos do Brasil. É a arte retratando a vida, no contexto da favela Cidade de Deus – um lugar que apresenta marginalização, invisibilidade, omissão, desamparo, crianças e adolescentes sem defesa. Esse quadro serve de base para ilustrar algumas questões inerentes aos estudos em Psicologia Social, as quais se pautam pela atenção, respeito e cidadania aos excluídos e invisíveis, advogando em favor de uma infância de brinquedos, cuidados, proteção, e oportunidades promotoras do desenvolvimento humano. Para estabelecer a análise proposta, o filme e seus fotogramas configuram-se como ponto de partida na seguinte trajetória: (a) assistir ao filme separando/retirando e numerando 30 fotogramas; (b) rever o filme e anotar as problemáticas recorrentes relacionadas à Psicologia Social;(c) construir uma planilha dos principais problemas mostrados pelo filme; (d) catalogar/categorizar as imagens de acordo com o levantamento das problemáticas mais salientes encontradas no filme; (e) registrar observações consideradas relevantes, para a compreensão do significado das cenas selecionadas com significado derivado das teorias relativas à Psicologia Social. Assim, a teoria e obra cinematográfica estão imbricadas neste trabalho e estabelecem pontos de contato entre as duas versões: conteúdos acadêmicos e a filmografia.
Palavras-chave: Psicologia social, infância, violência.
ABSTRACT
Theoretical in nature, this paper aims at relating the theories of Social Psychology to some discussions that emerge from the context of the film City of God. The lost of infancy is captured in a way that the audience has the Brazilian present situation of violence closer – mainly the ones experienced in the big urban centers in that country. In this case, it is the Art showing life inside the context of City of God, a place that presents marginalization, invisibility, denial of the public services, omission, abandonment and children and adolescents without defense. This frame of suffering will serve as the basis to illustrate and attach some questions related to the Social Psychology, which is anchored on the pillars of attention, respect and citizenship to the excluded and invisibles, advocating in favor of opportunities for the human valorization to promote human development. Academic theory and cinematography are intertwined pointing out and establishing contact between the two versions – one from the field of cinema and other born in the Academia.
Keywords: Social Psychology, infancy, violence.
RESUMEN
El presente trabajo de tipo teórico, tiene como objetivo combinar las teorías de la Psicología Social con algunos debates presentes a partir de la película Ciudad de Dios. La infancia perdida, reflejada en la obra cinematográfica, es captura con la finalidad de exponer la situación de violencia que se vive en los grandes centros urbanos de Brasil. Es el arte representando la vida en el contexto de la favela (Comunidad) Ciudad de Dios - un lugar que presenta la marginalización, invisibilidad, omisión, desamparo que viven los niños y adolescentes vulnerables. Este marco sirve para ilustrar algunos aspectos básicos inherentes a los estudios de la psicología social, las cuales son pautadas por la atención, el respeto y la ciudadanía a los excluidos e invisibilizados, en defensa de una infancia digna, de juguetes, atención, protección y oportunidades que promuevan el desarrollo humano. Para establecer el análisis propuesto, la película y sus fotogramas se configuran como punto de partida de la siguiente manera: (a) ver la película separando/eliminando y numerando 30 fotogramas, (b) ver la película nuevamente, registrando las problemáticas más frecuentes relacionadas con el campo de la Psicología Social, (c) crear una hoja de cálculo de los principales problemas que se muestran en la película, (d ) categorizar/clasificar las imágenes según el levantamiento de las problemáticas más destacadas encontradas en la película, (e) registrar las observaciones consideradas como relevantes para la comprensión del significado de las escenas seleccionadas con significación derivada de las teorías de la psicología social. Por lo tanto, la teoría y la obra cinematográfica se entrelazan en este trabajo, estableciendo puntos de encuentro entre las dos versiones: contenido académico y filmografía.
Palabras claves: Psicología Social, infancia, violencia.
Considerações Iniciais
Partindo do pressuposto de que não basta olhar apenas, mas que também devemos aprender a ciência do enxergar para além das aparências, esse exercício de entendimento das coisas do mundo, então, tem de ser tão profundo, a ponto de não deixar passar despercebido sequer um grão de areia debaixo do tapete. Afinal, as questões sociais clamam por um olhar mais apurado e atento do observador para os problemas emergentes de uma sociedade, que necessita de práticas sociais urgentes.
Vale destacar que, enquanto recurso didático, os filmes podem ser grandes aliados do professor na construção de conceitos e na ilustração de aspectos teóricos importantes. Daí a relevância do uso de filmes para ilustrar os conteúdos acadêmicos. Nessa linha de pensamento, esse trabalho pretende servir de pretexto para um pouco de aprofundamento e ilustração de algumas discussões que envolvem o filme Cidade de Deus, principalmente no tocante à marginalização e ao submundo vivido pelas crianças que aparecem na tela. A ausência da inocência, tão bem capturada pelo cineasta, denuncia as condições precárias de crianças e adolescentes sem defesa, expostas à violência, à omissão de atendimento, à negação de serviço público e, consequentemente, ao desamparo.
Esse é o quadro que servirá de base para ilustrar e atrelar algumas questões inerentes aos estudos em Psicologia Social ancorando e estabelecendo pontos de contato entre duas versões – uma proveniente da academia e outra da filmografia. Assim, esse trabalho buscará: a) resumir a obra da filmografia, b) abordar pontos teóricos da Psicologia Social, c) inserir-se na literatura para respaldar os assuntos acadêmicos, aqui arrolados, e d) relacionar a obra da filmografia com teorias da Psicologia Social.
Cidade de Deus: Pinceladas sobre o Filme
Esse trabalho dirigido por Fernando Meirelles, lançado com título original de "Cidade de Deus" (Lumière/Miramax Films, 2002), foi candidato a uma indicação ao Oscar em 2003. Trabalho brasileiro, classificado como drama, é considerado como uma obra híbrida, retratando a história de um conjunto habitacional, que empresta seu nome ao filme. Vale a pena esclarecer aqui o que se considera um filme híbrido: é àquele que mescla ficção e realidade (Renó, 2006). A realidade, nesse caso, advém do cenário real – ambientado na comunidade de Cidade de Deus – com vários atores moradores da mesma comunidade, interpretando personagens que eles conhecem bem, pois os vivem no seu dia-a-dia.
Então, é nessa modalidade cinematográfica que toda a trama – um longametragem de 135 minutos, filmado na própria Cidade de Deus – é narrada sob a ótica de Zé Buscapé (Alexandre Rodrigues), um jovem negro, pobre e extremamente sensível – que cresce em um universo de muita violência. É digno de registro que a seleção de atores, para dar vida a essa obra, foi feita a partir de entrevista com dois mil candidatos dos morros cariocas, por meio de testes de vídeo com 400 deles e de ensaios e oficinas do "Nós do Morro".
É assim que Alexandre Rodrigues – o Buscapé – habitante da Cidade de Deus, na ficção e na realidade – protagoniza as cenas dessa favela carioca conhecida por ser um dos locais mais violentos da cidade. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, Buscapé acaba sendo salvo de seu destino por causa de seu talento como fotógrafo, o qual lhe permite seguir carreira na profissão. É através de seu olhar atrás da câmera que Buscapé analisa o dia-adia da favela onde vive e onde a violência aparenta ser infinita.
Pode-se considerar essa obra como um filme para esboçar o quadro de uma sociedade (Vanoye & Gallot-Lèté, 2005, p. 53) e alertar para a infantilização do crime, onde, cada vez mais crianças mais jovens assumem a liderança de grupos criminosos (Chesnais, 1999; Dowdney, 2003). É interessante notar, também, que o filme aponta não só para as lideranças, mas para a consequência da criminalidade em grupo, mostrando que crianças e adolescentes, cada vez mais, se protegem mutuamente, na tentativa de preservar o grupo, onde casos como o do personagem Buscapé são raros: ele não entra para o crime e torna-se fotógrafo, apesar de crescer na favela.
É a arte imitando a vida, reverberando um realismo trágico e mostrando que as cenas de cinema podem existir, também, fora do escuro da sala e longe dos chavões encontrados nos contos de fada, onde é comum a frase e foram felizes para sempre. Afinal, o milagre de um grande romance, como de um grande filme, é revelar a universalidade da condição humana, ao mergulhar na singularidade de destinos individuais localizados no tempo e no espaço (Morin, 2004, p. 44). Portanto, um filme com meninos e meninas reais, verdadeiramente existentes na favela Cidade de Deus, [...] aqueles dos anos 70 e 80, bem como os jovens de nossos dias. [...] De fato, seria ingênuo afirmar que o cineasta tratou de outra realidade e não dessa (Fisher, 2008 p. 203).
A mescla acontece quando a realidade – que apresenta o lugar geográfico, a presença realista dos atores, a coleta das informações dos noticiários e das pesquisas de então – se entrelaça à fantasia do romance de Lins (1997) que, por sua vez, também se baseia na realidade da favela Cidade de Deus. Nesse sentido, tanto no filme quanto no livro, realidade e ficção andam de mãos dadas.
Em termos mais abrangentes, essa obra cinematográfica traz à luz uma série de problemas sociais tais como: desigualdade, violência, exclusão social e empobrecimento de comunidades populares – estigmatizadas e fragmentadas em seus conteúdos sociais, favorecendo a arquitetura da violência (Lefebvre, 1991, p. 145), em um espaço territorial controlado e dominado por grupos armados, segregados de outros espaços da sociedade, onde o mercado ilegal do narcotráfico faz parte do cotidiano de seus habitantes. Resumindo, essa obra de Fernando Meireles, que mescla ficção e realidade, é um esforço do autor para expor e denunciar as problemáticas sociais através de um olhar documental, da linguagem visual e da montagem do filme. Dando ênfase a esse esforço, ele procura não atores para fazer parte do elenco, com a preocupação em mostrar, além do cenário real, pessoas reais, dialogando o mais próximo possível da realidade.
Chão Teórico: Trilhando os Caminhos da Psicologia Social
Ao ambicionarmos saber sobre o que a Psicologia Social se (pre)ocupa, estudos na área elucidam os desejos a seu respeito, indicando que seu objeto de estudo está focado em conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais e tentar recuperá-lo na interseção de sua história com a história de sua sociedade. Nesse sentido, estudar as relações do homem com o meio e do homem com outros homens, se tornou indispensável na psicologia. Saber como se constitui o sujeito em seu contexto social é um dado imprescindível nas investigações nessa área.
Sendo assim, entende-se por Psicologia Social a área do saber psicológico que estuda o homem e suas relações. Com esse pano de fundo, o psicólogo social deverá pesquisar como o homem reage quando entra em contraste com as situações cotidianas do meio em que vive exercendo uma psicologia capaz de ler a realidade (Lane, 2006). Então, para conhecer o homem é preciso situá-lo no seu momento histórico e, do ponto de vista da Psicologia Social, o homem é um ser socio-histórico, multideterminado – com suporte biológico específico, capaz de trabalhar, buscar e criar seus instrumentos de trabalho, interagir socialmente, etc. (Bock, 2001).
E, enquanto ser que está mergulhado na história e na sociedade, sendo produto e produtor do seu meio, foi e é também capaz de construir comunicação, através da linguagem. Assim, estudar o social tem sua importância também nas investigações acerca da linguagem, pois a mesma adquire características do local onde se desenvolve e, enquanto instrumento de expressão do pensamento, da cultura, da subjetividade, ela traz consigo uma enorme significação social, enquanto veículo de aproximação entre os homens (Leontiev, 1984).
Porém, vale ressaltar que a linguagem não se limita apenas a sua forma de representatividade verbal. Pode-se observar a linguagem nas expressões faciais, nas roupas, costumes, modismos, na influência do meio físico e moral, enfim, a linguagem expressa as características do grupo social onde obteve sua gênese. E, assim, enquanto veículo de comunicação e produção de subjetividade, ela traduz, também, a violência.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera Violência o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (OMS, 2002, p. 5). Com efeitos devastadores na vida dos habitantes, esse é sem dúvida o retrato da severidade e da magnitude da violência sobre as crianças encontradas na Cidade de Deus, em uma a negação clara à violação dos direitos humanos: fome, desemprego, pobreza, exclusão social, abandono, privação, habitação precária, ausência de escolas, de saneamento básico, exposição a doenças infectocontagiosas, descaso social, tráfico de drogas, crime organizado, marginalidade, agressões físicas e psicológicas, etc. – violência produzida pelo meio.
É em cenários como esse, retratado na obra cinematográfica de Fernando Meireles, que a psicologia social poderá desempenhar papéis de vital importância, lançando um olhar diferenciado daquele que privilegia somente o uso da psicometria (mensuração) e da justiça (aplicação de leis, normas e punições), uma vez que essas duas instâncias, isoladamente, não podem contemplar eficazmente a dimensão desse fenômeno. Assim, a Psicologia Social aplicada às comunidades (pre) ocupa-se em trabalhar dentro de princípios éticos, buscando resgatar o conceito de cidadania e articular os direitos humanos na promoção da qualidade de vida; uma prática que visa, também, estimular [...] os grupos populares para que eles assumam progressivamente seu papel de sujeitos de sua história, conscientes das determinantes sócio-políticas de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados (Campos, 1999, p.11).
Essas soluções, pleiteadas junto ao poder público e buscadas preferencialmente em ações interdisciplinares coletivas, que agreguem contribuições de diferentes áreas do conhecimento, integradas a instituições como abrigos, hospitais, escolas, serviços oferecidos pela rede de saúde, etc., podem atender, minimizar e até prevenir demandas complexas, ao se desenvolver um trabalho que vise ao bem-estar social e mais qualidade de vida das comunidades em situação de risco, integrando a criança e o adolescente em seu meio.
Visto que o ser humano se desenvolve em um meio social, participando e construindo a realidade, os indivíduos são produtos e, ao mesmo tempo, produtores da sociedade em que vivem, sendo quase impossível escapar aos efeitos do contexto em que estão inseridos. Assim, cabe ao psicólogo social, além de partícipe dessa construção, com a dupla responsabilidade de construtor e construído, apurar o olhar investigativo para a dinâmica desse processo e para a dialética dessa construção, lançando mão de ferramentas científicas – métodos e técnicas – para analisar as influências sociais envolvidas na formação, nas relações e no comportamento dos indivíduos.
Resumindo, a Psicologia Social, no seu solo de atuação, deve fazer o exercício constante da reflexão, da crítica e da prática para sentir e pensar o mundo e a realidade, ao construir o cotidiano de sua práxis psicológica. O psicólogo deve buscar a desalienação das pessoas e grupos, que as ajude [as pessoas] a chegar a um saber crítico, sobre si próprias e sobre sua realidade (Martin-Baró, 1996, p. 68).
A Infância e as cores da realidade em Cidade de Deus
Crianças sempre existiram independentemente das concepções que se tinham delas (Müller, 2006, p. 554). Entretanto, a literatura deixa claro que o significado dado à infância não é universal; é construído social e historicamente (Ariès, 1989) e muda cronologicamente, uma vez que acompanha o desenvolvimento e as modificações da sociedade e da composição familiar, passando pela institucionalização educacional, assumindo diversos significados, de acordo com os diferentes contextos. É a partir do século XVIII que o discurso sobre a criança começa a mudar e elas passaram a ser percebidas como sujeitos possuidores de natureza infantil, ingênua, pura, sensível, desprotegida, inocentes, frágeis, imaturas, maleáveis, naturalmente boas, seres que constituem promessa de um futuro melhor para a humanidade (Bujes, 2005, p.188).
Na percepção atual, dentro do contexto ocidental, a criança não é mais considerada um adulto em miniatura (Ariès, 1989). Tal concepção gera outros sentidos, tais como a noção de infância não compatível com falta de inocência, agressão e violência, demandando cuidados especiais. Indo mais além, a infância aparece sinalizada como sendo caracterizada pelo desenvolvimento de fatores múltiplos que culminam na construção da identidade, constituição da cidadania, formação cognitiva e crítica, os quais se mantêm interligados a fatores sociais e biológicos (Sarmento, 2008).
Assim, a visão do que é ser criança e a principal idéia de infância podem ser traduzidas de acordo com os significados trazidos pelos dicionários, que definem a criança como "um ser humano com pouca idade, menino ou menina; pessoa ingênua, infantil" (Ferreira, 1999). E a geração da infância está, por consequência, num processo contínuo de mudança, não apenas pela entrada e saída dos seus atores concretos, mas por efeito conjugado das ações internas e externas dos fatores que a constroem e das dimensões de que se compõe (Sarmento, 2008, p. 166).
Como visto até aqui, a infância não pode ser compreendida apenas como um período dentro do processo de maturação biológica, como um momento particular do ciclo vital, mas também como um significado socialmente construído. E, nessa direção, essa compreensão determina a criança com o gozo das condições para viver de determinada forma seu tempo de criança... (Boarini & Borges, 1998, p. 3) e, dentro dessas condições, estão encapsuladas as brincadeiras e os brinquedos.
O jogo, no sentido da brincadeira, é próprio da infância e do universo da criança e é promotor de atividades intelectuais, sendo o brincar fundamental no desenvolvimento dessa (Piaget, 1969). As brincadeiras servem como instrumento para que a criança possa se projetar nas atividades adultas, ensaiando papeis e valores (pai, mãe, irmãos, professores, etc.) e é através do brinquedo que ela antecipa seu desenvolvimento (Wertsch,1985). Além disso, a brincadeira é considerada como um fenômeno universal, sendo benéfica à saúde, uma vez que facilita o crescimento e o desenvolvimento humano, servindo de elo entre, por um lado, a relação do indivíduo com a realidade interior, e por outro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa ou compartilhada (Winnicott, 1979, p.58).
Nesse sentido, as crianças são vistas como o oposto dos adultos: infantilidade, imaturidade, inexperiência, brincadeiras e nisso se expressa um ideal de pureza e o mito de uma infância feliz. Nessa fase, as brincadeiras devem fazer parte do cotidiano da criança, uma vez que o brincar, e o jogar, ajuda no desenvolvimento físico, intelectual e reforça os vínculos afetivos do ser humano com o próximo. Nesse prisma, a infância tem sido desenhada como a fase do ciclo de vida do indivíduo marcada por brincadeiras, alegrias e segurança.
Porém, na contramão da alegria, que deveria marcar a infância de todas as crianças, estão os percalços e a dura realidade que transformam o dia a dia de muitos meninos e meninas que enfrentam um cotidiano de adversidades, impróprio para sua faixa etária. É assim que o mito da infância feliz, idealizada nos sonhos, se torna uma caricatura perversa do próprio mundo adulto, já que os pequenos convivem no mesmo espaço do cotidiano da violência, da carência de políticas públicas, do abandono, da pauperização das crianças e suas famílias (Caligaris, 1994, p. 4-6). Para muitas crianças a precarização da sua condição social impõe que, desde cedo, elas sejam o que Áriès (1986) denominou de adultos em miniatura. Elas se veem forçadas ao amadurecimento precoce, pela realidade que as insere no mundo adulto e pela participação das atividades cotidianas, com a finalidade de ajudar a prover o sustento da família.
Percebe-se, então, um distanciamento da infância da classe média e da infância das crianças pertencentes a famílias de baixa renda. Na classe mais privilegiada, há o prolongamento do tempo destinado à infância, protegida das preocupações. Nesse período, a criança é preservada do trabalho e tem mais reconhecimento social, quanto à atenção à infância. Porém, visto que as extremas desigualdades sociais produzem diferentes infâncias, como já previamente mencionado, há crianças que vivem a infância com pleno reconhecimento de seus direitos, e crianças que esbarram nesses direitos, mas não os têm garantidos.
Em meio a tantos conceitos, discussões e contribuições que gravitam em torno desse tema, importa ressaltar a Lei nº 8.069/1990, que rege o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), enquanto norma jurídica, que também se posiciona e documenta sobre o que é a infância, tanto na determinação para a faixa etária, que compreende esse período (até os doze anos incompletos), como nas questões relacionadas à vulnerabilidade, educação, segurança, medidas de proteção (tanto familiar quanto estatal), dignidade, políticas sociais adequadas, etc.
Dessa maneira, tendo em vista condições históricas e socioculturais determinadas, seria um equívoco partir do mesmo referencial para analisar o conceito de infância, já que o mesmo é o resultado de transformações sociais, variando de acordo com a sociedade, que confere sua própria noção de infância de acordo com as variáveis de classe, gênero, etnia, etc. (Prout, 2005). Na verdade, em mesmos espaços têm-se diferentes infâncias, resultado de realidades que estão em confronto (Demartini, 2001, p. 4) e, nesse sentido, a história da infância no Brasil parece ter sido construída concomitantemente à estratificação social, que determina às crianças o seu lugar na sociedade, em muitos casos, marcado pela desigualdade, exclusão e dominação (Postman, 2005).
Na Cidade de Deus a atividade é baseada na conjugação binária vida vs. morte, a maioria relacionada à morte, com a agravante de que os homens impiedosos que coordenam aquele lugar são ainda garotos – alguns nem chegaram à adolescência. Em outros lugares, as crianças dessa idade brincam com armas de brinquedo; os garotos da Cidade Deus disparam tiros reais com armas reais (Damasceno, Berta, & Araújo, 2007).
Vemos, então, dentro de uma perspectiva de realidade apresentada no filme, que muito há, ainda, que se investir e se mobilizar para garantir, aos infantes e adolescentes de locais como a Cidade de Deus, o direito à cidadania, uma vez que esse pano de fundo é um espaço de exclusão social. As cenas descrevem a favela como um lócus de perversão e transgressão onde a mensagem é: mesmo que você viva no inferno, a vida não é uma mera questão de chance, mas uma questão de escolha.
A omissão do poder público em relação aos seus cidadãos, à desigualdade das relações, aos direitos à educação, afeto e proteção, negados e/ou violados, acabam por gerar, como no caso de Cidade de Deus, um cotidiano onde frutifica o aumento do narcotráfico e, consequentemente, da violência. Nessa tessitura social, faz parte da urdidura a prática de crimes como homicídio e tortura, entre outros, já que crianças e adolescentes, para ascenderem dentro do mundo do narcotráfico e conquistarem prestígio no grupo, devem desenvolver uma história de violência.
Em contrapartida, a favela se constitui em um paraíso para os traficantes de drogas e para os perversos "soldados" – dezenas de crianças moradoras da localidade. Essa realidade é retratada em uma das cenas mais chocantes, que mostra uma criança forçada – praticamente empurrada – para matar, somente para provar sua lealdade à gang a que pertence.
Isto demonstra que espaços sociais como a Cidade de Deus são, na verdade, uma coletividade resultante de uma sociedade, onde as pessoas são consideradas como expurgo, que é o resultado necessário do processo de construção da ordem e do progresso econômico. É uma territorialidade que comporta um tecido social que urdiu suas próprias leis e códigos de conduta, e pelo crescente consumo de cocaína, onde o Estado Oficial, muitas vezes com seu aparato falido e desatualizado, não tem controle sobre essas áreas (Moreira, 2000).
A desigualdade e a exclusão social são impressionantes. Assim, cada vez mais os efeitos corrosivos das drogas – consumo e tráfico, com seu mercado lucrativo – e da violência têm livre trânsito nesse espaço social, servindo como combustível para fomentar e aquecer a mistura explosiva que compõe a realidade dessa comunidade (Hann & Maxwell, 1998). Esse lócus social pode ser interpretado, ironicamente, como um lugar que é de Deus, porém parece ser abandonado por Ele e pela justiça. De acordo com o filme e a realidade, lá se encontra um submundo de drogas, marginalidade, impunidade, desemprego, pobreza, crime organizado, abandono, delinquência juvenil, etc. Geograficamente e fisicamente, é um local situado nas proximidades do centro nervoso, cultural e intelectual da cidade maravilhosa. Socialmente, entretanto, é infinitamente distante – quase um país independente, uma zona selvagem, caracterizada por uma sociedade civil em colapso, um local de expurgo, onde a classe política despeja seu lixo – um resíduo social.
Nesse cenário, uma vida vale pouco, ou quase nada; não somente as gangs, mas também a polícia pode matar sem impunidade na Cidade de Deus. Consequentemente, as fronteiras entre o legal e o ilegal são instáveis e o sistema judiciário, frente a isso, se deslegitima – a situação de estar no abandono, de estar isento do domínio da lei e da responsabilidade ética, faz com que seus habitantes vivenciem, na pele, o famoso provérbio popular "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come".
Apesar dos esforços e das ações governamentais, em suas diferentes instâncias, para melhorar a situação da infância no Brasil, basta ter olhos para ver que um número apreciável de crianças brasileiras nasce em situação de exclusão social. Muitas delas não ultrapassam o primeiro ano de vida e, caso resistam, estarão provavelmente à margem da sociedade ou numa longínqua retaguarda, vítimas da fome e da falta de cuidados de saúde, com pouca ou nenhuma possibilidade de educação, morando na favela, na rua ou em condições extremamente precárias, sofrendo humilhações e agressões e completamente desprovidas de bens materiais (UNICEF, 2008).
Assim, as cores da realidade, em locais como a Cidade de Deus, tendem a oscilar entre as cores mais carregadas dentre as que podem ser colocadas na palheta, para pintar, sem palidez, as ações de crueldade, violência, brutalidade, ferocidade, destruição e emoções/sentimentos de medo, insegurança, perdas, tristeza, angústia, confusão, raiva, presentes no cotidiano de comunidades como a apresentada no livro de Lins (1997), criado na favela Cidade de Deus, que originou o filme do mesmo nome, dirigido por Fernando Meireles; um filme que dialoga com o contexto sócio-político-econômico em que foi realizado. Podemos, assim, mapear tímida e parcialmente as problemáticas sociais apresentadas nessas obras, conforme ilustrado na figura 1.
Em suma, como pode ser retratada a intensidade estarrecedora dessa paisagem? Como deve ser pintada a infância na tela do artífice das cores? Como selecionar os matizes que deverão ser usados para desenvolver uma expressão estética baseada nos ingredientes anteriormente descritos? Certamente as cores dessa realidade, nas mãos do artista comprometido e socialmente engajado, testemunharão e denunciarão o conteúdo da verdade, presente em um mundo dominado pelo abandono, negligência, privação de cuidados, manifestando, através da composição das cores e da arte, um protesto à ordem vigente.
Procedimento de Análise
A análise fílmica fundamentou-se na apreciação do conteúdo de Cidade de Deus, aproveitando as oportunidades e contribuições oferecidas pela Sétima Arte para a compreensão de determinadas problemáticas apresentadas na película cinematográfica, que estão relacionadas ao âmbito de estudo da Psicologia Social, como ponto de partida para discussão. Assim, uma análise externa do filme – contexto social, cultural, político e econômico – foi realizada na tentativa de aliar alguns dos conteúdos estudados pela Psicologia Social ao que está posto em evidência na obra realizada para o cinema – conduta, comportamento, maneira de ser no mundo, de tratar as coisas e os outros.
Com essa intenção, o filme e seus fotogramas – imagens impressas quimicamente no meio cinematográfico, que permitem extrair/recortar, para fins de análise, pequenos quadros de cenas em movimento (Passarelli, 2004) – configuraram-se como ponto de partida para a análise ora proposta, demandando a seguinte trajetória: (a) assistir ao filme separando/retirando e numerando 30 fotogramas, os mais impactantes, do ponto de vista da autora da análise; (b) rever o filme e anotar as problemáticas recorrentes relacionadas ao campo da Psicologia Social; (c) construir uma planilha dos principais problemas mostrados pelo filme, representados na figura 1; (d) catalogar/categorizar as imagens de acordo com o levantamento das problemáticas mais salientes encontradas no filme; (e) registrar observações consideradas relevantes, para a compreensão do significado das cenas selecionadas, bem como seu significado dentro das teorias relativas à Psicologia Social.
Assim, cada um dos fotogramas foi analisado à luz da Psicologia Social, uma ciência preocupada em estudar como e por que as pessoas pensam, sentem e fazem; como esses indivíduos se comportam, na presença de outros, observando em que condições esses comportamentos e sentimentos acontecem, acreditando que as pessoas agem dependendo do contexto/situação e momento histórico em que elas estão inseridas. Assim, para essa área da psicologia, sentimentos, pensamentos, intenções, e objetivos são construídos e fatores psicológicos, em contrapartida, influenciam a interação com os outros no entorno.
Estabelecendo pontos de contato entre a Psicologia Social e a Filmografia
É importante realçar que, dada a extensão da planilha gerada quando do triângulo de análise entre os fotogramas, as anotações/considerações relativas ao campo da Psicologia Social e os problemas apresentados na obra cinematográfica, somente a discussão/ reflexão serão apresentadas nessa sessão. Assim, a abordagem dos pontos de contato entre a teoria e a filmografia não apresentarão a planilha completa, por razões obvias de escassez de espaço.
Então, na tessitura das reflexões, pode-se dizer que, esse espaço social, esquecido pelo poder público, ignorado pela comunidade ao seu entorno, excluído da cidadania, vive sem vislumbrar nenhuma luz no fim do túnel, sem ouvir uma palavra de esperança e acolhimento, sem pontos de conexão identitária com a cultura dominante. Nele, a criança e o adolescente se encontram em uma situação imperceptível, excluídos e invisíveis, enquanto se aglomeram nas favelas e perambulam pelas esquinas. Vulnerabilidade e extremo desconforto marcam os habitantes de Cidade de Deus – nome que evoca a imagem do Cristo Redentor do Corcovado como o ícone da cidade do Rio de Janeiro – os quais têm que conviver constantemente com seus medos e inseguranças. Uma vez deprivados, depossuídos de um espaço geográfico que lhes ofereça dignidade e cidadania, o que lhes resta é ocupar desordenada e irregularmente a territorialidade da favela, lugar social considerado, por muitos, como um câncer a ser extirpado, uma vez que desvaloriza as propriedades dos moradores financeiramente privilegiados, que estão no entorno.
Assim, Museu da miséria, Cartão postal controverso, Paisagem urbana da exclusão e Rio sem Cristo, são algumas metáforas usadas para descrever o lócus das favelas encravadas nos morros da chamada Cidade Maravilhosa (Rio de Janeiro). São também dizeres relacionados ao contexto da desigualdade social brasileira, visível nas favelas. Assim, além das dificuldades próprias da infância e adolescência, os que se encontram nessa fase da vida se vêem impotentes perante uma sociedade que os anula e aniquila enquanto sujeitos, tornando-os invisíveis (Moreira, 2000).
Causas dessa invisibilidade estariam ora na dinâmica social, nas grandes aglomerações humanas, ora nos mecanismos psicológicos, etc. (Silver, 1995). Esse não é um problema isolado – apenas mais uma das facetas da nossa cultura, possível reforçadora da exclusão social e é exatamente esse contexto que salta aos olhos nas cenas do filme Cidade de Deus.
Fica assim, em parte, justificada criação de determinados agrupamentos e espaços territoriais pelos excluídos. É que ao mesmo tempo em que a exclusão social é promotora de segregação, ela acaba promovendo, empurrando e produzindo os menos favorecidos e marginalizados para a construção de um território e, também, de grupos onde possam desenvolver o senso de pertencer, o vínculo social, a identidade, a partir das vivências em conjunto, na mesma territorialidade. E a imagem do Cristo Redentor, de braços abertos, testemunha, do alto do Corcovado, o constante nascer de novos grupos de traficantes de drogas e a manutenção da violência.
Partindo do princípio que a psicologia social procura analisar as relações entre indivíduos (interações), as relações entre categorias ou grupos sociais (relações intergrupais) e as relações entre o simbólico e a cognição (representações sociais), podemos dizer que essa área do conhecimento apresenta como objeto de estudo os indivíduos em contexto, ou seja, a manifestação individual do comportamento, em contextos concretos. Temos então, no cenário da favela, um prato cheio para possíveis intervenções.
Na Cidade de Deus, como em qualquer lugar daquela natureza nesse país, há necessidade de planejamento de políticas de Saúde de Grupo e Ambientais e de transformações psicossociais; há urgência em que se analisem os conflitos psicossociais gritantes existentes, denunciados no filme; é fundamental que se faça pesquisa das condições de interação social nos grupos; é imprescindível que se estudem as condições de lazer, esporte e moradia em sua dimensão psicossocial em lugares como a Cidade de Deus. Tudo isso pode ser da alçada da Psicologia Social, uma vez que ela também se atém a aprofundar o conhecimento da natureza social do fenômeno psíquico, já que acredita que cada indivíduo aprende a ser um homem nas relações com os outros homens, quando se apropria da realidade criada pelas gerações anteriores; apropriação essa que se dá pelo manuseio dos instrumentos e aprendizado da cultura humana.
Essa abordagem em psicologia prioriza o homem como ser social, como um ser de relações sociais, que está em permanente movimento e sempre se transformando, apesar de aparentemente se manter igual. Isso porque, no seu mundo interno, se alimenta dos conteúdos que vêm do mundo externo e a relação dele com esse mundo externo não cessa – está sempre como que fazendo a digestão desses alimentos e, portanto, sempre em movimento, em processo de transformação.
Pobreza, invisibilidade, racismo, drogas e exclusão social se transformam em um grande coquetel. Com ele a sociedade engessa as pessoas, por meio de seus mecanismos de exclusão, com rigidez dentro de estruturas cristalizadas, criando sistemas que fogem ao padrão convencional. Assim, toda e qualquer tentativa de escapar aos estereótipos estratificados é identificada como vício, pecado ou crime e rotulada de imoral, um atentado à ética e aos bons costumes, e os padrões vigentes tendem a ser tratados como normalidade, inclusive por certos profissionais da Psicologia (Bivar e outros, 2005).
É assim, então, que se torna quase impraticável ter a inocência e a infância preservadas. Esses ingredientes, bem como o preparo para a cidadania – direito à igualdade, enfim, aos direitos civis, políticos e sociais – que deveriam ser garantidos pelos direitos humanos, se constituem em luxo para poucos; e o que se consagra como luxo de poucos, é o lixo de muitos (Earls & Carlson, 1999).
Fica claro, através do exposto, que há necessidade de esforço conjunto, que incluam as políticas públicas em geral – com realizações de ações nos três níveis de atenção: primário, secundário e terciário – e a criação de mecanismos de participação de toda a coletividade. Além disso, é preciso enfatizar que há necessidade de respeitar a singularidade própria de cada comunidade, suas demandas individuais e coletivas para garantir a efetividade das ações. Vale salientar, entretanto, que tudo isso não é uma tarefa fácil, uma vez que envolve a construção de diálogos, confiança, políticas para estimular a participação, a organização, e a mobilização da sociedade.
Considerações Finais
Eles, os que perderam a infância de brinquedos, proteção, cuidados, respeito, estão nas favelas, praças, parques, calçadas, construções abandonadas, semáforos, e recebem, ostensivamente, o desdém de muitos transeuntes que por eles passam. São invisíveis perante a sociedade que, devido à convivência diária com o problema, passou a encará-los de forma habitual e a incorporá-los a sua rotina (Leite, 2001).
Esse é um aspecto que deve merecer especial atenção: a existência de pessoas que já nascem excluídas e que, provavelmente, não poderão superar a situação de exclusão e as consequências acarretadas por ela. Embora a Constituição afirme Igualdade de direitos e assegure a todos a mesma Liberdade e as mesmas oportunidades quanto ao acesso aos direitos fundamentais, a consciência do valor da vida e dos direitos de cidadania parece uma utopia para essas comunidades.
Existe necessidade de muitas coisas que vão além do não enfrentamento da questão, como por exemplo, um plano estratégico e articulado de ações, etc. O que tem acontecido é a realização de ações isoladas, programas e/ou projetos alternativos, atuações fragmentadas, imediatistas e sem continuidade, priorizando somente a situação emergente – aquela que requer maior atenção no momento.
Para valorizar cada jovem, é preciso planejar e aplicar políticas públicas que deem oportunidades para que eles ponham em prática sua potencialidade criativa e expressiva. Mas, isso ainda não basta. É necessário que se criem, também, as condições para que o fazer desses jovens seja identificado e reconhecido.
É importante que em espaços sociais, como Cidade de Deus, sejam valorizadas as práticas coletivas e as experiências já vividas. A atitude de assumir a posição de sujeitos de pensamento/ação, e socializar as expectativas, é uma iniciativa de construção de diálogos e discursos que possam permear as relações sociais que, se mediadas pelo reconhecimento dos direitos e representação dos interesses coletivos, tendem a transformar o espaço crítico existente, o discurso e a realidade, em um espaço social saudável.
Assim, partilhar se torna a palavra de ordem dentro da coletividade: partilha de poder, conhecimento, experiência e expectativas. Dessa maneira, é possível tecerem-se malha onde a textura tenha uma consistência entrelaçada e tecida fio a fio nas fibras da dignidade, da autonomia e do respeito, dando sentido ao sujeito coletivo e individual.
Na verdade, há que se priorizarem os espaços onde eles possam transitar mostrando o que eles sabem fazer; espaços e oportunidades para sua afirmação pessoal; chances para alcançar reconhecimento e valorização, escapando à manta da invisibilidade social discriminatória – tudo para recuperar a infância perdida que, dentro de um contexto de precariedade social, para muitos não existe mais. Sonhos se desfazem quando as crianças e adolescentes se tornam vítimas de injustiça.
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Recebido: 24/06/2013
Corrigido: 16/07/2013
Enviado a Parecerista: 31/07/2013
Aceito: 23/09/2013.
1 Mestre em Letras – Português/Inglês pela UFSC – Psicóloga e mestranda em Psicologia pela UFSC. Contato: Centro de Filosofia e Ciências Humanas – Campus Universitário – Trindade, CEP: 88040-500, Florianópolis, SC – Brasil. Tel: (48) 3466 0192 – (48) 99084646. E-mail: idonezia@hotmail.com