Boletim - Academia Paulista de Psicologia
ISSN 1415-711X
História da Psicologia
Doris Lieth Nunes Peçanha: enlaçando saberes e contatos na construção psicológica da "teia da vida"
Doris Lieth Nunes Peçanha: enlacing knowledge and contacts in the psychological construction of the "web of life"
Doris Lieth Nunes Peçanha: enlazando saberes y contactos en la construcción psicológica de la "Tela de la Vida"
Elsa Lima Gonçalves Antunha1
Universidade de São Paulo - USP
RESUMO
Na Sessão Solene da Academia Paulista, ocorrida em 18 de setembro de 2013, a Autora apresenta este trabalho sobre a vida e obra da Profa. Dra. Doris Lieth Nunes Peçanha, saudando-a por ocasião de sua posse na Cadeira nº 19. Expõe sua formação em Psicologia, Letras, Administração, Psicossomática e Psicodinâmica do trabalho, exercício profissional e pos-doutorados, bem como sua contribuição para a saúde de crianças, famílias e organizações, com destaque para a sua colaboração na internacionalização da psicologia. Salienta os múltiplos lugares de atuação da psicóloga, destacando, em todos, sua compreensão clínica-sistêmica. Apresenta sua produção e contribuição à construção da ciência psicológica, à divulgação do conhecimento e inovações. Destaca trechos de um dos livros da pesquisadora, colocando em evidência a saúde, a qualidade de vida e o cuidado. Conclui que sua obra e sua vida, como um todo, liga-se ao "cuidar": do ambiente e do ser humano, enlaçando saberes e contatos que constroem a "teia da vida".
Palavras-chave: pensamento clínico-sistêmico; psicodinâmica do trabalho; cuidado.
ABSTRACT
At the Solemn Session of the Sao Paulo Academy, held on September 18, 2013, the author presents this work on the life and work of Prof. Dr. Doris Lieth Nunes Peçanha, hailing her because of her taking office in the Chair 19. Presents her training in Psychology, Literature, Management, Psychosomatics and Psychotherapy of Work, professional practice and post-doctorates, as well as her contribution to the health of children, families and organizations, highlighting her collaboration on the internationalization of Psychology. Highlights the many sites where the psychologist acted, emphasizing in all of them her clinical-systemic understanding. Presents her production and contribution to the construction of psychological science, the dissemination of knowledge and innovations. Highlights excerpts from one of the books of the researcher, evidencing the health, quality of life and care. Concludes that her work and her life, as a whole, connect to "taking care": of the environment and the human being, enlacing knowledge and contacts that build the "web of life".
Keywords: clinical-systemic thinking; work psychodynamic; care.
RESUMEN
En la Sesión Solemne de la Academia Paulista, celebrada el 18 de septiembre de 2013, la autora presenta este artículo sobre la vida y obra de la profa, Dra. Doris Lieth Nunes Peçanha, felicitándola durante la toma de posesión en la silla 19, de la Academia Paulista. Comentando sobre su formación en Psicología, Letras, Administración Psicosomática y Psicodinámica del Trabajo, la práctica profesional y los Post- doctorados realizados, así como su contribución en el tema de la salud infantil, familias y organizaciones, destaca su colaboración en la internacionalización de la psicología. Resalta los múltiples lugares de actuación como psicólogo, destacándose por su comprensión clínica sistémica. Presenta su producción y su contribución a la construcción de la ciencia psicológica, la difusión del conocimiento y sus innovaciones. Destaca extractos de uno de los libros de la investigadora, resaltando la salud, calidad de vida y el cuidado. Concluye que su trabajo y su vida, en conjunto, se conecta al "cuidar": del medio ambiente y del ser humano, vinculando conocimientos y contactos que construyen la "Tela de la vida".
Palabras-clave: Pensamiento Clínico-sistémico, psicodinámica del trabajo, cultura organizacional.
Saudação
Dra. Neusa Helena Menezes – Digníssima Superintendente de Assuntos Institucionais e de Recursos Humanos; Ilmo. Professor Dr. Arrigo Leonardo Angelini - Digníssimo Presidente da Academia Paulista de Psicologia; Professora Dra. Aidyl Macedo de Queiroz Pérez – Ramos – Digníssima Secretária Geral da Academia Paulista de Psicologia; Professor Waldecy Alberto Miranda – Digníssimo Diretor de Eventos e Tesoureiro da Academia Paulista de Psicologia; Membros desta Entidade; Ilustres Autoridades Presentes; Senhoras e Senhores;
Acolhimento
Foi com imensa alegria que recebi da Presidência desta Academia a honrosa incumbência de saudar, nesta ocasião, a Professora Dra. Dóris Lieth Nunes Peçanha que hoje assinala sua incorporação à Academia Paulista de Psicologia, na qualidade de Titular. Creio que a alegria da Dra. Lieth se iguala à nossa neste momento tão significativo de sua vida profissional quando escala o patamar dos assim chamados "Imortais da Ciência Psicológica".
Grande amiga e cultora deste ramo do saber, destaca-se não só pelos seus dotes pessoais, pela alegria, generosidade e espírito de colaboração, como pela sua estrutura intelectual e moral com que se dedica aos temas que elegeu para o exercício da docência universitária e para suas pesquisas e investigações científicas não só no Brasil, como em significativas instituições do exterior para onde transferiu sua experiência do Brasil e de onde trouxe as experiências adquiridas lá de fora. Dentre estas salientam - se o Canadá e a França. A Dra. Lieth já trabalhava na internacionalização da pesquisa quando essa ainda não constituía um tema importante no cenário científico de nosso país. Dessa maneira, há mais de duas décadas, colaborou na recepção de Peter Sifneos à cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (PoA, RS), por ocasião de Congresso naquela cidade. Sifneos é autor americano, conhecido internacionalmente pelo seu trabalho sobe alextimia, entre outros. Além disso, Dóris Lieth foi uma das pioneiras na realização de doutorado sanduíche no Instituto de Psicologia da USP, estudando na Sorbonne, Paris V.
Formação
De onde vem a Profa. Dra. Dóris Lieth que, com o mesmo afinco, dedicouse à família, tem dois filhos engenheiros, à profissão e à ciência? Trata-se da primeira gaúcha eleita para ocupar uma vaga neste Sodalício. Ela nasceu no Rio Grande do Sul, na cidade de Santana do Livramento, sua descendência é predominantemente italiana, além da contribuição portuguesa e indígena da qual se orgulha. Conhecedora de sua árvore genealógica referente ao ramo de nome Porciúncula, provenientes de Assis, Itália; ela conta que os "da Porciúncula" foram companheiros de São Francisco de Assis, lembrando que seu antecessor, o nosso querido César Ades, fora presenteado com muitas imagens de São Francisco, amigos que eram dos animais. Outra curiosidade é que, fora de seu ambiente familiar, o nome Lieth era usado somente por César e por mim que a apresento a este meio acadêmico.
Desde a infância sua trajetória já parecia estar delineada para expressivo sucesso, obtendo sempre as melhores classificações nos exames prestados. Aos sete anos ingressou diretamente na 2ª série após análise de seu caso pela Secretaria Municipal de Educação, pois, Lieth, desde a idade de seis anos, estava alfabetizada. Fez, simultaneamente, dois cursos em nível médio, na Escola Normal Santa Tereza de Jesus, o Magistério; e, na Escola Estadual Liberato Salzano Vieira da Cunha, o Científico, na sua cidade de Santana do Livramento. Após, obteve o 10. Lugar no Vestibular, em 1973, fez o curso onde produziu seu primeiro livro aproveitando a "liberdade para aprender" concedida por seu professor rogeriano, o Irmão Henrique Justo. Obteve o título de Psicóloga na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1977, além de obter sólida base linguística para o aprimoramento de seus estudos, porque, mais uma vez, de forma concomitante, cursou Letras, obtendo diploma em Licenciatura Plena em Língua e Literaturas Português e Inglês, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Também se destacou no Mestrado e no Doutorado em Psicologia Clínica. O primeiro foi cursado por Lieth na área de Psicologia do Desenvolvimento, nos inícios desse curso na UFRGS, em Porto Alegre, sob a orientação do Prof. Dr. César Augusto Piccinini. Quanto ao segundo, sua Tese de Doutoramento foi premiada por esta Academia e conjuga, de forma original, as teorias psicossomática e sistêmica no estudo de crianças e famílias. Sem que Lieth soubesse, na época em que produzia sua Tese, o físico Fritjof Capra, afirmava que esse era o caminho teórico para a compreensão do ser humano.
Além de título de Doutora, obtido na Universidade de São Paulo, pela orientação conjunta da Acadêmica Aidyl Pérez- Ramos e de Rosine Debray (Sorbonne, Paris V), um dos maiores nomes da Escola de Paris em psicossomática, obteve títulos de Pós Doutorado, no Canadá e na França e outras formações como em Psicossomática pelo Institut de Psychosomatique de Paris (1996), hoje denominado Institut Pierre Marty. Doris Lieth tem formação em Administração de Empresas (em nível doutorado FEA-USP); e em Psicodinâmica do Trabalho (nível doutorado, com o fundador, Christophe Dejours, no Conservatoire National des Arts et Métiers, Paris, França). Estudou com outros pioneiros, como Leon Kreisler, em Psicologia infantil, tem ainda formação em Psicossociologia clínica, de grupos e instituições (Sorbonne, Paris V). Quanto aos Pós-doutorados em Psicologia, cito: Université de Quebec à Trois-Rivières (2003, Canadá), tendo habilitação para dirigir teses e credenciamento no programa de pós-graduação em psicologia dessa instituição; Sorbonne, Université Paris V e Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (INSERM, 2005, França). A professora submeteu projeto em psicossomática no escopo de doenças crônicas, coordenando-o pelo lado brasileiro através do acordo internacional CAPES_COFECUB, obtendo excelente avaliação e continua mantendo intercâmbio com colegas e instituições no exterior há quase 20 anos.
Enlaçando lugares e saberes
A área privilegiada de atuação da Dóris Lieth é a clínica, exercida em diversos lugares: consultório, escolas, comunidades, e instituições (hospitais psiquiátricos, hospital geral, maternidade, setor de pediatria hospitalar, fundações de atendimento à criança, clínicas pediátricas, de asma e oncológicas, bem como empresas), mas, em todos eles, tem o objetivo de promover a qualidade de vida e a saúde das pessoas e organizações. A arteterapia, oficinas literárias, psicoterapia individual e de grupo e técnicas projetivas que aperfeiçoou para a utilização na pesquisa estão entre os seus procedimentos utilizados. Saliento que resultados deste último trabalho estão no prelo através de seu livro que trata de casos clínicos de crianças e famílias sob o enfoque psicossomático e sistêmico (apoio FAPESP).
Em Lieth, o olhar, o cuidar e fazer uma clínica humana e compreensiva penetra, com êxito, outras áreas. Trabalhou na Companhia Riograndense de Laticínios e no SEBRAE (PoA, RS), realizando seleção, inclusive para altos cargos quando ainda era muito jovem, bem como fez acompanhamento dos funcionários, treinamento e desenvolvimento organizacional; e, na área de psicologia escolar e educacional, desenvolveu projeto de desenvolvimento pessoal e grupal com alunos e professores no Colégio La Salle, em Canoas (RS); na Fundação de atendimento a pessoas com necessidades especiais, trabalhou com deficientes auditivos e suas famílias, integrando os primeiros à rede escolar; e, na Casa da Criança da então Fundação de Bem-Estar do Menor, em Porto Alegre (FEBEM, PoA, RS), liderou projeto de desenvolvimento organizacional dessa Escola, trabalhando com todas as equipes (da cozinha à Direção), implantando e coordenando inclusive o plano psicopedagógico da mesma. Mais tarde, fundou outra escola, a Práxis – Centro de atendimento infanto-juvenil, também em Porto Alegre. Trata-se de uma escola inovadora onde Lieth colocou em prática seus conhecimentos psicológicos e educacionais, resultando na conjugação de seus sonhos, ou seja, uma clínica, no sentido de promover a saúde, de reconhecer a subjetividade e as forças sócioculturais, e, ao mesmo tempo, uma escola libertadora, a exemplo de Summerhill School, fundada por Alexander Neill (Inglaterra) e daquela criada por Bruno Bettelheim (EUA). Nesse contexto, Paulo Freire e Madalena Freire também são nomeados como fonte de inspiração para Dóris Lieth. Experiência semelhante de clínica e educação libertadora desenvolveu em outras instituições da FEBEM (semelhante à Fundação Casa do Estado de São Paulo), conseguindo reintegrar à sociedade muitos jovens até então sem perspectivas.
O trabalho psicoterápico da psicóloga Dóris Lieth, registrada incialmente sob o CRP 07/1036, foi divulgado em congressos e revistas, com também foi frequente sua participação na mídia (rádio, televisão, jornal) principalmente em Porto Alegre. Ela obteve grande êxito em atendimentos considerados de difícil tratamento como os casos de crianças psicóticas, depressivas; adolescentes limítrofes e com sérios transtornos de conduta; crianças e adultos com graves somatizações etc.
A professora Dóris, como é chamada por seus alunos, orienta estágios em psicologia clínica desde 1979. Foi professora da primeira turma, tanto do curso de graduação em psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Pelotas, no Rio Grande do Sul (RS, em 1978), como do curso de graduação em psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, São Carlos, SP, em 1995), colaborando na implantação do mesmo. Vem galgando os patamares mais elevados nessa Universidade onde ingressou através de Concurso Público, em primeiro lugar, na área de personalidade, teorias e técnicas psicológicas, dedicando-se, integralmente, ao Ensino, Pesquisa e Extensão universitária. A Professora, nesse Curso de Psicologia, foi responsável pelo primeiro estágio regulamentado que ocorreu fora da Instituição, especificamente, na cidade de São Paulo, na área de tratamento psicológico a usuários de tóxicos (no Denarc, SP). Coordena o Programa de Extensão Saúde Psicossomática (desde 2001) e vários projetos de extensão e pesquisa, entre eles, o de prevenção de distúrbios afetivos e atenção a crianças com doença crônica foi realizado, ininterruptamente, por 10 anos, formando muitos psicólogos na área. O projeto de "Atendimento ao Servidor da UFSCar - contribuições da psicossomática" (1999) foi o primeiro no âmbito da qualidade de vida, realizado naquela Universidade. A professora também é conhecida no campus por ofertar uma disciplina que integra ensino, pesquisa e extensão e objetiva mudança pessoal e social, sendo procurada em cada semestre por mais de 200 alunos que esperam sua vez de serem incluídos entre as 50 vagas disponíveis.
A professora Dóris Lieth vem se dedicando a formação de recursos humanos, principalmente através da docência (mais de 100 orientações). Foi uma das pioneiras na introdução da Psicodinâmica do Trabalho no Brasil, tendo publicado resultados de trabalhos nessa área, juntamente com seus orientados em Congresso, na UFSCar, em 1997; também co-orientou uma das primeiras teses de Doutorado, nessa área, produzida integralmente em nosso país (1999), com a participação de seu laboratório de pesquisa. A Lieth também é procurada por pessoas de diferentes áreas por conta de seu livro "Movimento beat – abordagem literária, sócio-histórica e psicanalítica (Ed. Vozes, 1987) que, mesmo esgotado, continua sendo uma referência no assunto. Em função desse trabalho, visitou o mais importante centro desse grupo, na cidade de São Francisco (EUA) e lá se encontrou com Lawrence Ferllinghetti, o seu principal editor.
A Dra. Doris Lieth atuou como Professora Visitante / convidada em Universidades brasileiras e internacionais, sendo que de todas as instituições recebeu significativas manifestações pela qualidade de suas contribuições. No Canadá, trabalhou ainda na Université de Sherbrooke onde formou pesquisadores para atuar em metodologia de pesquisa, diagnóstico e tratamento de famílias, conforme relato da Acadêmica Maria Margarida M.J. de Carvalho (2004), no Boletim desta Academia, sob o título "Brasil exporta estratégia metodológica de avaliação e intervenção com famílias".
Como gestora, também se destacou pela liderança democrática e habilidade em trabalhar conflitos tendo sido Diretora de instituição pública, fundadora e diretora de Instituição privada na área de cuidado à infância e família. Por duas vezes foi eleita para a Direção da Associação de Docentes de sua Universidade (UFSCar). Participou como delegada dessa Associação, no Fórum Social Mundial, em várias oportunidades, sendo signatária da Carta em defesa da Educação mundial, juntamente com representantes de diversos países (PoA, RS). Foi membro de um dos primeiros comitês de ética em pesquisa com seres humanos na UFSCar, e tem participado de diversos conselhos nessa universidade (de extensão e departamentais). Além disso, participou da Direção da Sociedade Brasileira de Psicooncologia e foi considerada por seus pares como personalidade de notório saber, integrando a primeira equipe que instituiu provas para obtenção do título de Psicooncologista no Brasil. Essa área foi iniciada na cidade de São Carlos, por iniciativa do Laboratório VIDA, com intervenções e pesquisas na Santa Casa de Misericórdia em1999 (apoio FAPESP). Dessa forma, Lieth vem se dedicando na construção de uma teia psicológica enquanto profissão e ciência.
Pesquisa, divulgação do conhecimento e inovação
A professora coordena um grupo de pesquisa com o significativo nome VIDA – Vivência Intrapsíquica e Desenvolvimento Ambiento-Organizacional. As principais linhas de pesquisa do grupo VIDA são: "Avaliação e intervenção psicossomática e sistêmica no processo saúde e doença"; "Processo saúdedoença e cultura organizacional"; "Análise das organizações de trabalho". A Professora também coordena o laboratório de mesmo nome, VIDA, no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, desde 1996. Neste momento, por meio da linguagem escrita, tenho a possibilidade de fornecer detalhes que ficaram por trás das imagens mostradas à seleta plateia quando de meu discurso oficial. Lieth destaca, sempre, com alegria e gratidão, que o nome VIDA foi dado por sua colega e primeira coordenadora do Laboratório, a Profa. Dra. Maria da Glória Gonçalves Gimenes. Quando da criação dos Grupos de Pesquisa pelo CNPq, Dóris Lieth, imediatamente, credenciou seu grupo que era então denominado: Psicopatologia, Desenvolvimento e Família, contando com membros do Brasil e do exterior.
No início dos anos 2000, obteve bolsa de produtividade em pesquisa pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e, por meio de sua compreensão clínica, apoiada nas teorias sistêmica e na psicodinâmica do trabalho atua também como professora orientadora no programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção (EESC-USP) onde ministra disciplinas sobre Cultura e Saúde nas Organizações e Tópicos Especiais em Pesquisa – Cultura, saúde e psicodinâmica das organizações, bem como é coordenadora de projeto de pesquisa sobre a dinâmica de empresas familiares, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A professora tem sido também chamada para orientar em programas de pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), mais um dos centros de excelência com o qual colabora. Ao longo da carreira, vem prestando assessoria a instituições de apoio à pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológica (CNPq) e FAPESP, participando em comitês de avaliação de pesquisas, inclusive na área de inovação tecnológica, e avaliando artigos para diversas revistas científicas nacionais e internacionais.
A pesquisadora tem um número expressivo de publicações, inclusive na área de oncologia, totalizando cerca de quarenta artigos publicados em revistas científicas, com corpo editorial e sistema de avaliação por pares. Possui centenas de resumos publicados em congressos nacionais e internacionais e cerca de duzentos trabalhos técnicos e numerosos artigos de divulgação científica. Lieth vem figurando como grande divulgadora do conhecimento científico em psicologia, tornando-o acessível ao grande público; sistematicamente, durante dois anos, publicou em jornal de Porto Alegre (RS) uma coluna que criou e denominou "Uma psicóloga às suas ordens", respondendo a cartas de pais que solicitavam sua ajuda na educação de seus filhos. Também divulgou conhecimento em muitos artigos de caráter sócio-político-educacional ou de crítica literária, estes publicados, na década de 70, em Cadernos da Cultura, no tradicional jornal Correio do Povo daquela cidade. A maioria desses artigos foi escrita antes de seu ingresso na carreira de pesquisadora, não constando no seu Curriculum disponível na plataforma Lattes (CNPq) http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/ visualizacv.do?id=K4790542D9.
O método sistêmico psicodinâmico no trabalho com famílias e equipes de saúde, desenvolvido pela Dra. Dóris Lieth, foi selecionado por Centro de Saúde e Instituto de Pesquisa da cidade de Sherbrooke (Canadá), e adotado naquela comunidade por meio da participação de mais um importante grupo de pesquisa em psicologia da Université de Quebec à Trois-Rivières. Dessa maneira, com a liderança brasileira de Lieth, esses parceiros na intervenção e pesquisa obtiveram financiamento do Ministério da Saúde do Canadá. O sucesso dessa forma democrática, sistêmica e psicodinâmica de trabalho foi relatado ainda em artigo publicado na França (Mercier & Peçanha, 2008), sendo que o trabalho de Lieth também foi solicitado nesse último país.
Cito ainda, de forma breve, outras inovações da pesquisadora: - Conjugação de abordagem psicodinâmica com o uso de técnicas estatísticas, facilitando, assim, o uso de técnicas projetivas na área clínica e de pesquisa. Exemplos: os testes de Desenho da Família e o de Fábulas com os quais continua trabalhando, com apoio FAPESP; - Transferência e adaptação de conhecimentos das teorias sistêmica e psicodinâmica de famílias para a gestão de empresas familiares, desenvolvendo ferramentas de intervenção e pesquisa (apoio FAPESP). - Desenvolvimento de um método de promoção de qualidade de vida e produtividade nas organizações, em conjunto com orientado de pós-graduação (apoio FAPESP); - Introdução, na Universidade Federal de São Carlos, em iniciativa conjunta com a área de Recursos Humanos, o primeiro projeto que visava, especificamente, promover a qualidade de vida no trabalho daquela instituição (apoio Pro-Reitoria de Extensão da UFSCar, 1999); - Conjugação de referenciais clínicos no entendimento da cultura organizacional usando triangulação teórico-metodológica para tratar da complexidade e multidimensionalidade do tema, abrindo caminhos nessa área de estudo, no Brasil, o que culminou com a publicação de um de seus artigos mais citados (Peçanha, 1997).
Cuidado, beleza e reverência à Vida
Um de seus livros "Cuidando da Vida" (Peçanha & Santos, 2011), no qual reflete o seu olhar integrativo sobre o ambiente e o ser humano é uma joia rara para os interessados em oncologia. Nesta obra não só refere-se a episódios de sua infância, quando, vestida de camponesa e sob o olhar inspirador e vigilante de seus pais, relata "Nós observávamos o pôr- do- Sol porque segundo eles, sua coloração nos prevenia sobre a qualidade do tempo vindouro... e observávamos a lua porque minha mãe nos ensinou a correlação entre suas fases e a semeadura, mas, em especial, eu cuidava dos animais. Sentia compaixão, alegria ao preparar o alimento para os cordeirinhos cujas mães morriam nas coxilhas".
Assim, a partir "do cuidado" da natureza, Lieth espraia-se pelo cuidado do ambiente e do ser humano.
Sua Obra e sua vida, como um todo liga-se ao "cuidar": do ambiente e do ser humano, enlaçando os contatos que constroem a "teia da vida" ai envolvidos conceitos de Jung, Capra e Prigogine. Sua visão eclética, que envolve ciência, misticismo e, sobretudo "amor" reflete-se nas considerações que faz ao relembrar as sábias e proféticas palavras do Grande Chefe de Washington, líder indígena em resposta a uma proposta de venda de suas terras, dizendo,
"Vossa oferta de comprar nossa terra não será fácil de ser aceita, pois esta terra para nos é sagrada, não há mais lugar calmo nas cidades do homem branco, não há lugar para ouvir as folhas caindo na primavera ou ouvir a zoeira das asas de um inseto. Mas isso pode ser porque sou um selvagem e não compreendo...".
E prossegue:
"A Terra é nossa mãe. Tudo que acontecer a Terra acontecerá aos filhos da Terra...".
A carência de tempo, Dra. Lieth, nos impede de prosseguir. Mas resta dizer que a Academia Paulista de Psicologia está feliz em acolhê-la, crente de que sua presença nos tornará mais enriquecidos. Seja Bem-vinda!
REFERÊNCIAS
Carvalho, M. M. M.J. de (2004). Brasil exporta estratégia metodológica de avaliação e intervenção com famílias. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 1(04), 32-34. Recuperado em julho de 2013. Disponível em http:/ /www.redalyc.org/articulo.oa?id=94624111 [ Links ]
Mercier, K., & Peçanha, D.L. (2008). La pertinence d'une pratique systémique d'intervention familiale au sein de services psychosociaux québécois. Psychologues et Psychologies, 204, 26-27. [ Links ]
Peçanha, D. L. (1997). Cultura organizacional – o desvelar de padrões inconscientes. Revista de Administração, 32(4), 84-91. Recuperado em julho de 2013. Disponível em http://www.rausp.usp.br/busca/ artigo.asp?num_artigo=188
Peçanha, D. L., & Santos, L. S. (2011). 2ª. Reimp. Cuidando da vida – olhar integrativo sobre o ambiente e ser humano. São Carlos: Editora da Universidade Federal de São Carlos (EdUFSCAR).
Recebido: 19/04/2014 / Corrigido: 25/04/2014 / Aceito: 02/05/2014.
1.Professora Titular da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo.