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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.86 São Paulo  2014

 

Resenhas de livros

 

 

TRINCA, W. (Org.). (2013). Procedimento de Desenhos-Estórias: formas derivativas, desenvolvimentos e expansões. V.1. São Paulo: Vetor. 367 p.

 

Geraldina Porto Witter1

Universidade Camilo Castelo Branco

 

 

Desde os primórdios do surgimento da espécie humana entre seus sinais estão os desenhos pelos quais foi possível aos cientistas conhecer aspectos históricos do mundo que vivenciavam. Na área da Psicologia, os psicólogos também encontraram nos desenhos um meio de conhecer e de ajudar as pessoas. Enfoques técnicos distintos usam desenhos (realizados ou interpretados) e estórias (ouvidas, repetidas ou criadas) para conhecer, ensinar, atuar junto ao ser humano. O presente livro enfoca esta vertente, com ênfase na teoria psicanalítica.

O organizador da obra é Walter Trinca, psicólogo conhecido, ex-professor Titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, tendo várias obras publicadas, é membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise, da International Psychoanalytical Association e membro da Academia Paulista de Psicologia. Contou com a colaboração de 10 outros competentes titulados profissionais que trabalham com os procedimentos envolvendo desenhos e estórias.

A estrutura da obra compreende a Apresentação feita pelo organizador e 12 capítulos. Na apresentação, Trinca informa ao leitor que o livro enfoca um recorte rico do complexo e amplo universo sobre a matéria. A opção dos autores foi ter por foco o estudo da personalidade por meio das técnicas: Procedimento de Desenhos-Estórias (D-E) e Procedimento de Desenhos de Família com Estórias (DF-E). Faz também uma breve síntese do nascimento e início de desenvolvimento dos dois procedimentos, que são técnicas de investigação psicológica, não testes psicológicos, oferecendo ampla flexibilidade de uso, maior adaptabilidade a situações de diagnósticos e de atendimento do que é possível com os testes psicológicos.

No primeiro capítulo, o organizador lembra que para aprofundar no desenvolvimento e expansão que D-E e DF-E é necessário começar pelas formas tradicionais como eram usadas. É o que faz começando por D-E: condições de aplicação, material, técnica de aplicação, recomendações. Seguem as informações sobre o DF-E, com a mesma sequência da anterior. É um texto limpo, claro, preciso com grande potencial didático.

O segundo capítulo foi redigido por Ana Maria T. Trinca, que objetivou apresentar os desenvolvimentos do D-E, que surgiu como forma de atender à necessidade da psicóloga clínica que queria ser "mais livre em relação às normas impostas pelos sistemas tradicionais de avaliação" (p. 27-28). Ainda que resumidamente, mas de forma clara, descreve os avanços do uso de instrumentos nas áreas da Terapia, Médica, Social, Perturbações Psíquicas, Deficiências, Estudos da Família, Grupos Específicos, Profissional, Aprendizagem, Desenvolvimento Emocional, Desenvolvimento Amoroso, Apresentações Sociais e Diagnóstico. Portanto, cobre um leque, com muitas opções e atende a várias sub-áreas da Psicologia.

Segue o texto escrito por Sonia M.M.E. Mestriner, também sobre D-E mas, desta feita, focando seu uso em uma situação específica de entrevista, o que, de início, gerou relutância entre os profissionais, mas os resultados obtidos estimularam o progressivo uso do procedimento neste contexto. Apresenta como resultados condições de melhoria obtidas nas entrevistas, com destaque como meio de comunicação entre entrevistador e entrevistado, como estímulo para as fantasias aperceptivas verbais deste último. Discorre também sobre casos clínicos, ilustrando com imagem e narrativa. Conclui lembrando que D-E é um bom recurso auxiliar quando se faz uma entrevista psicológica.

O organizador retorna no capítulo 4 para uma análise de "pensamento clínico em diagnóstico da personalidade" (p. 107), quando é usado o D-E. Retoma uma obra de própria lavra em que detectou 15 formas de pensamento e recorre ao DE como instrumento para identificá-las e assim obter a informação pretendida. É um texto rico.

No texto de Silvia Ancona-Lopez o leitor encontra uma leitura do D-E no enfoque fenomenológico-existencial, que caracteriza sucintamente, mas de forma precisa desde o início do capítulo. Em seguida, considera como D-E pode ser usado neste enfoque, apresentando exemplos interessantes, claros, com as respectivas interpretações.

A seguir, o leitor encontra uma análise similar, mas, desta feita dentro do enfoque de Winnicott, bem elaborada por Maria Lúcia T.M. Amiralian. Após apresentar as vantagens do procedimento D-E, destaca como subjacente a teoria do amadurecimento, o psicodiagnóstico compreensivo, o procedimento e sua relação com a teoria. Ilustra o capitulo com um estudo de caso bem apresentado.

Elisa M. B. Villela muda de ângulo ao analisar o D-E na entrevista devolutiva, que conceitua e caracteriza, bem como deve ser seu preparo para que se tenha êxito. Neste contexto apresenta o procedimento usado na situação descrita. Vale lembrar que se trata de situação complexa e dependendo do problema, nem sempre é bem realizada. Descreve também estudo de caso clínico, bem ilustrado e interpretado.

No capítulo 8, o organizador divide a autoria com Maria Izilda Soares Matão e se ocupam em descrever o uso possível do D-E como procedimento em uma pesquisa em que a análise de dados é qualitativa. Dentro do enfoque psicanalítico é um recurso que tem potencial, como útil na coleta de dados, escapando do clássico modelo de longo período de acompanhamento clínico de um paciente. Viabiliza via D-E maior velocidade e produtividade de pesquisa.

O nono capítulo tem por autora Valéria Barbieri, que considera o DF-E usando a compreensão da relação psicodinâmica mãe-filha. Procura contextualizar o uso do procedimento como mais compatível com o fenômeno da globalização. Ilustra suas considerações com estudo de caso, sintetizando todo o procedimento e interpretação, com boa discussão. Certamente é uma forma útil no trabalho com pais e filhos ou mesmo envolvendo toda a família.

O capítulo seguinte leva as assinaturas de Tânia M.J.A. Vaisberg e Fabiana F. Ambrosio que apresentam a possibilidade de uso do D-E para pesquisa do imaginário coletivo no âmbito da pesquisa psicanalítica. Descrevem algumas possibilidades, demonstrando o uso psicanalítico na criação de procedimentos clínicos de intervenção e de investigação. Ilustram com estudo de caso que explicita vários aspectos.

Maria I. S. Matão é a autora do capítulo 11 em que D-E foi analisado como tema de pesquisas nas seguintes áreas: Psicologia Hospitalar, Desenvolvimento da Adolescência, Imaginário de crianças e adolescentes com problemas, exercício profissional quer na Psicologia, quer em outras áreas (Odontologia, Abrigo, Adoção, Relações Familiares, Relações Amorosas, Diagnóstico Interventivo, Envelhecimento, Psicoterapia). Complementa o apresentado anteriormente, descrevendo mais áreas em que é possível aplicar, com êxito e fica implícito que ainda há muitas outras possibilidades a serem exploradas.

Fechando o livro aparece o capítulo assinado por Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo, que após um breve retrospecto sobre o procedimento D-E e DF-E foca, particularmente, o uso dos procedimentos em consultas, oficinas psicoterapia breve, com apresentação de estudo de caso. Inclui ainda o D-E aplicado com uma pré-adolescente, e outro estudo de caso.

A bibliografia dos trabalhos tendeu a ser em língua portuguesa, com clássicos (mas sem dar ao leitor o acompanhamento adequado do tempo/atualidade dos textos), nem como a matéria tem sido trabalhada em outros países nos vários contextos. Todavia, hoje, com as bases bibliográficas com acesso via internet, o leitor pode buscar mais facilmente tais informações para suprir sua criatividade.

Trata-se de texto de interesse para várias áreas de atuação do psicólogo. É útil à pesquisa no enfoque psicanalítico e similares, mas também passível de integrar outros modelos ou teorias psicológicas,que requerem parâmetros diferentes na leitura dos dados. Ainda carece de pesquisas que tragam evidências consistentes e que possam aperfeiçoar os procedimentos; há um longo e produtivo caminho para D-E e DF-E a espera de pesquisadores.

 

 

1Ex-Docente e pesquisador da Universidade Camilo Castelo. Contato: Av Pedroso de Morais, 144, ap.32. Pinheiros, CEP 5420-000, Pinheiros, São Paulo, S.P, Brasil. E-mail: gwitter@uol.com.br

 

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