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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versão impressa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.35 no.89 São Paulo jul. 2015
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
Retração precoce do bebê e humor de gestantes adolescentes1
Early distress in babies and mood of pregnant adolescents
Retracción prematura del bebé y estado de ánimo de gestantes adolescente
Renata Runavicius Toledo2; Francisco Baptista Assumpção Jr.3
(Cad.17)
RESUMO
A gestação é um período de transição que faz parte do processo normal do desenvolvimento humano. A ocorrência de depressão em gestantes pode incorrer em consequências no desenvolvimento da criança. O objetivo deste trabalho é o de verificar se filhos de mães deprimidas apresentam diferença no índice de Apgar, peso, altura e sinais de retração, comparados àqueles cujas mães não sofrem de depressão.Para isso, são avaliadas quarenta díades mãe-bebê utilizando os seguintes instrumentos: "Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton","Índice de Apgar" e "Escala de Avaliação da Reação de Retração no Bebê".Os resultados dos dois grupos (mães deprimidas e não deprimidas) são comparados estatisticamente. Todas as mães são submetidas aos instrumentos acima relacionados de maneira padronizada. Não são observadas diferenças entre os índices de Apgar, peso ou altura. No entanto, observa-se uma tendência de diferença entre filhos de mães deprimidas e não deprimidas quanto aos sinais de retração. Conclui-se que crianças filhas de mães deprimidas não apresentam alterações em grande parte das categorias avaliadas durante os primeiros seis meses de vida, observando-se uma tendência a manifestarem maior frequência de sinais de retração, dado que justifica a avaliação de uma amostra maior.
Palavras-chave: Depressão pré-parto; retração precoce; desenvolvimento infantil.
ABSTRACT
Pregnancy is a transition period which is natural to the process of human development.The presence of depression can lead to consequences in the development of the child. The objective of this paper is to verify if children from depressed mothers present differences in Apgar scores, weight, height and signs of distress when compared to children whose mothers did not suffer from depression. In order to do so, forty mother-baby dyads are evaluated using the following tests: "Hamilton Rating Scale for Depression". "Apgar scores" and "The Baby Alarm Distress Scale". The results from both groups (depressed mothers and non-depressed mothers) are compared statistically. All the mothers are subjected to the tests listed above in a standardized manner. There are no differences observed in the Apgar scores, weight or height, however a tendency is observed in the difference between children from depressed mothers and nondepressed mothers when analyzed for signs of distress.It is concluded that children from depressed mothers do not present changes in most of the evaluated categories for the first six months, observing that there is a tendency for children to present signs of distress more frequently, data which justifies the evaluation of a bigger sample of patients.
Keywords: Prenatal depression; Early distress in babies; Infant development.
RESUMEN
El embarazo es un período de transición que es parte del proceso normal del desarrollo humano. La presencia de depresión en mujeres embarazadas puede desencadenar consecuencias en desarrollo del niño. El objetivo de este trabajo es verificar que los hijos de madres deprimidas presentan diferencias en los puntajes del índice de Apgar, peso, altura y signos de retracción, en comparación con aquellos cuyas madres no sufrieron de depresión. Para ello, se evaluaron cuarenta díadas madre-bebé utilizando los siguientes instrumentos: "Escala de Evaluación de Depresión de Hamilton", "Índice de Apgar" y " Escala para detectar y medir la retracción en bebés " .Los resultados de los dos grupos (madres deprimidas y no deprimidas) se comparan estadísticamente. Todas las madres fueron evaluadas por los instrumentos anteriormente señalados de manera estandarizada. No se observan diferencias entre los índices de Apgar, peso o la altura. Sin embargo, se observa una tendencia diferenciada entre los hijos de madres deprimidas y no deprimidas en relación a los signos de retracción. Concluyéndose de esta forma que los niños de madres deprimidas no presentan diferencias significativas en parte de las categorías evaluadas en los primeros seis meses de vida, observando una tendencia a manifestar más frecuentemente señales de retracción, lo que justifica la evaluación de una muestra mayor.
Palabras clave: depresión pre-parto; Retracción precoz del bebé, desarrollo infantil.
Introdução
Apesar da gravidez ser caracterizada como fenômeno normal na vida humana, é um momento de mudanças nas quais se sobrepõem o psíquico e o físico, o atual e o passado, a mãe e a filha.
A gravidez, como uma situação de conflito que envolve toda a família, representa um momento de grande mobilização de energias que criam a possibilidade de entrever novas funções, novas relações, novas soluções.
Durante o período gravídico ocorrem na mulher modificações endócrinas, metabólicas, neuro-vegetativas e do meio sanguíneo, que são fenômenos de adaptação à elevada finalidade biológica da maternidade (Griffa & Moreno, 2005).
A ansiedade é um componente emocional que pode acompanhar todo o período gestacional e é caracterizada por um estado de insatisfação, insegurança, incerteza e medo da experiência desconhecida (Baptista, Baptista & Torres,2006). Dessa forma, a gestação é um período que envolve grandes mudanças biopsicossociais, provocando transformações não só no organismo da mulher mas também no seu bem-estar, o que altera seu psiquismo e o seu papel sociofamiliar. A intensidade das alterações psicológicas dependerá de fatores familiares, conjugais, sociais, culturais e da personalidade da gestante. A gravidez é uma transição que faz parte do processo de desenvolvimento e envolve a necessidade de reestruturação em várias dimensões; uma delas sendo a mudança de identidade e a nova definição de papéis.
Estudos indicam que a depressão na gestação não é um evento incomum e quando comparado esse período a outros momentos da vida da mulher as taxas de depressão não diferem. Entretanto, os sintomas depressivos parecem aparentemente ser mais frequentes na gestação, especialmente no seu início ou final (O'hara, Nennaber, & Zeroski,1984) .
A depressão pós-parto atinge em torno de 10% das mães e, embora não necessite de hospitalização, seus sintomas podem se prolongar por semanas ou meses e trazer repercussões importantes à mãe e a sua família ( Vasconcelos, 1999).Entretanto, alterações menores e transitórias do humor são bastante frequentes na primeira semana após o parto e têm recebido crescente atenção por parte dos pesquisadores nos últimos vinte anos, especialmente com relação a sintomas disfóricos (De Felice, 2000).
Diversos autores referem-se à relação mãe-bebê como responsável pelo estabelecimento da saúde mental da criança assim, consequências da depressão pós-parto podem ser perceptíveis na relação mãe-bebê, durante o desenvolvimento da criança. Sintomas específicos foram observados como: insensibilidade materna, falta de concordância ou harmonização entre mãe e bebê e tendência para uma sensibilidade mútua ao distresse (Simão, 2003).
Fatores como o meio materno são importantes para o desenvolvimento, comportamento e saúde do bebê. Estudos em humanos, nas últimas duas décadas, apontam que emoções maternas negativas durante a gestação podem estar associadas a problemas após o nascimento do bebê. Em suas conclusões, mencionam a existência de crescentes constatações da ligação entre humor materno durante a gestação e desenvolvimento do comportamento infantil com evidências de que 22% da oscilação nos problemas de comportamento infantil estejam ligadas a ansiedade, estresse e depressão pré-natal (Van Den Bergh, Mulder, Mennes & Glover, 2005).
São diversos os modelos teóricos que tratam o desenvolvimento humano. Jean Piaget abordou o estudo do desenvolvimento do pensamento através de fatores periféricos tais como o meio social e a linguagem, conservando o objetivo de compreender o mecanismo psicológico das operações lógicas e do raciocínio causal. Preocupou-se com vários aspectos da natureza do desenvolvimento de todo o conhecimento, priorizando o estudo do desenvolvimento intelectual da criança.
Sua obra, por se basear na epistemologia genética, apresenta a maneira pela qual o conhecimento se desenvolve, enfocando as rudimentares estruturas mentais do recém-nascido. Assim, avaliou o desenvolvimento dos vários processos cognitivos, dirigindo-se aos aspectos qualitativos e não quantitativos.
Rappaport; Fiori & Davis (1981) relatam a importância desses conceitos para a compreensão do processo de desenvolvimento da inteligência, levando em consideração fatores como hereditariedade, adaptação,esquema e equilíbrio.
Piaget (1971) denominou de estágios ou períodos as maneiras de agir, pensar e interagir com o ambiente nas diversas faixas etárias. Assim, para ele não existe um paralelismo expressivo entre o biológico e o psicológico, quase que se podendo dizer que o próprio crescimento biológico determina a fase do desenvolvimento psicológico da criança.
Rappaport e outros (1981) aludem à essa teoria do desenvolvimento referindo que ela se inicia a partir do equipamento inicial compreendido pelos reflexos inatos que, gradualmente, durante o primeiro ano de vida, se transformarão em esquemas sensoriais motores rudimentares .
No primeiro mês de vida, os esquemas de comportamento herdados são, ao mesmo tempo, um modo de resposta do mundo às totalidades motoras e perceptivas. Esses esquemas inatos representam, desde o início, uma aprendizagem para adequação à realidade. Assim, por exemplo, o esquema reflexo de sucção permite que a criança extraia o leite do peito materno ou da mamadeira, mas exige uma adequação motora ao tamanho e à forma do mamilo ou bico para conseguir mamar melhor e para que o leite não escorra pelas comissuras labiais. Os esquemas reflexos não devem ser compreendidos como simples respostas isoladas, mas incorporados à atividade espontânea e total do organismo (Griffa & Moreno, 2005).
Griffa e Moreno (2005) mencionam os seis estágios do desenvolvimento da inteligência sensório-motora (0 a 24 meses) descritos por Jean Piaget, no entanto, crianças apenas nos três primeiros estágios (0 a 9 meses) foram presentes neste estudo.
O primeiro ano de vida do bebê tem como objetivo principal a sobrevivência e a elaboração de instrumentos adaptativos. À medida que a criança se desenvolve, ela se torna independente de seu meio ambiente, o que dependerá do estabelecimento e do desdobramento das relações objetais significativas (Spitz, 1996).
Mahler (1993) estudou os correlatos interacionais das relações interpessoais em crianças nos primeiros anos de vida, partindo de uma fase de plena dependência para a fase de individuação. Essas diferentes fases são observáveis a partir do comportamento da criança, principalmente em relação com a mãe. Para manter o comportamento do primeiro ano de vida é um correlato de fenômenos intrapsíquicos sendo o repertório de percepções e comportamentos do lactente nos seis primeiros meses baseado na percepção e na ação do recém-nascido sobre o mundo. A relação do bebê com a mãe é avaliada por meio de comportamentos que influenciam na estruturação dessa interação. Cada dupla "mãe-bebê" desenvolve um padrão diádico, influenciado por fatores como a cultura e a capacidade de regulação da estimulação de ambos na situação vivida (Stern, 1980).
No século XX, Freud (1914) referia-se ao desenvolvimento da personalidade da criança associando certos acontecimentos vivenciados na infância como determinantes principais de distúrbios de personalidade na idade adulta. Assim, causou um impacto decisivo ao mostrar a importância dos primeiros anos de vida na estruturação da personalidade e ao determinar o curso de seu desenvolvimento futuro no sentido da saúde mental e da adaptação social adequada ou da patologia. Para isso, se baseou nos processos inconscientes em todas as fases da vida, questionando a idéia de homem racional e da sua sexualidade infantil (Rappaport e outros, 1981).
Em "O Ego e o ID" (1923), propõe sua teoria definitiva sobre a formação das instâncias psicodinâmicas da personalidade ao fazer um relato das fases do desenvolvimento, colaborando para a caracterização dos momentos evolutivos do desenvolvimento normal. Dividiu o desenvolvimento em fases de organização da libido em torno de uma zona erógena, estabelecendo uma modalidade de relação de objeto. Postulou, assim, o processo do desenvolvimento psicossexual, determinando as zonas erógenas e considerando as formas de gratificação e relação com o objeto. A primeira fase ,enfoque deste trabalho, seria a oral, compreendida entre zero e dois anos, na qual a zona de erotização é a boca e o prazer está ligado à ingestão de alimentos e excitação da mucosa dos lábios e cavidade bucal. O objetivo sexual está na incorporação do objeto.
Bowlby (1990) com a Teoria do Apego, aponta a importância do vínculo inicial da criança com sua mãe, discutindo os comportamentos de apego em termos de relações objetais. A criança que tem, a partir da primeira relação, uma experiência de modelo seguro de apego, desenvolverá expectativas positivas em relação ao mundo, acreditando nas possibilidades de satisfação de suas necessidades. No entanto, se o modelo apresentado não for seguro, a criança poderia desenvolver, em relação ao mundo, expectativas menos positivas.
Considerando o bebê, a literatura indica que a depressão materna poderia afetá-lo de diferentes maneiras uma vez que tendem a ser particularmente vulneráveis ao impacto da depressão da mãe, porque dependem muito da qualidade dos seus cuidados e de sua responsividade emocional (Campbell e outros, 1992). Além disso, é no puerpério que se inicia, mais concretamente, o relacionamento mãe-bebê, e por isso esse período parece ter um significado psicológico fundamental para ambos (De Felice, 2000).
A falta de responsividade materna nos primeiros meses de vida parece provocar uma mudança no desenvolvimento do bebê sendo, empiricamente relacionada a um baixo envolvimento com pessoas e objetos ao final do primeiro ano de vida. Tal mudança pode ter implicações importantes para a criança, mesmo quando há remissão da patologia materna (Cohn, Campbell, Mattias, & Hopkins 1990).
A história de interações dos bebês com mães deprimidas pode assim, ter um efeito contagioso no estabelecimento dos padrões interativos próprios do bebê uma vez que as interações constituem interjogos entre parceiros nos quais um influencia o outro em um processo contínuo de desenvolvimento, a partir de mecanismos de regulação recíproca (Piccinini, Seidl De Moura, Ribas, Bosa, Oliveira, Pinto, Schermann & Chahon, 2001)
Os sintomas depressivos e indicadores de saúde materna durante a gestação foram então associados a uma diminuição no estado de saúde do bebê (Orr, James & Blackmore Prince, 2002)
A depressão pós-parto poderia influenciar negativamente na interação mãebebê com este último podendo apresentar distúrbios cognitivos, emocionais e comportamentais (Ryan, Millis & Misri, 2005).Dessa forma, a psicopatologia do bebê relaciona-se à psicopatologia da interação, que deve ser considerada igualmente na investigação dos sintomas (Brazelton & Cramer, 1992).
Existem, portanto implicações diretas ou indiretas na responsividade materna sobre o desenvolvimento da criança com crianças mais seguras explorando mais o ambiente o que levaria, indiretamente, a avanços nas competências cognitiva, emocional e social (Bornstein & Tamis-Lemonda, 1997).
Os efeitos negativos sobre as crianças teriam origem também nas primeiras interações com as mães deprimidas sugerindo-se que seus filhos possuiriam um comportamento do tipo deprimido a partir do nascimento, apresentando um baixo desempenho na escala de Brazelton (Brazelton, 1995; Lundy, Field &Pickens, 1996).
Field (1995) propôs um modelo dos efeitos ambientais pré-natais, no qual crianças de mães deprimidas, provavelmente, nasceram deprimidas, porém pouco se conhece sobre a genética ou transmissão de depressão pré-natal e dos mecanismos envolvidos para que se considere tal afirmação como efetiva embora se saiba que mulheres deprimidas no período pós-natal provavelmente estavam deprimidas no pré-parto (Rahman, Iqbal, Bunn, Lovel, &. Harrington, 2004).
Aproximadamente 20% de gestantes com depressão pré-natal apresentaram efeitos devastadores para a díade mãe-bebê, aumentando o risco de desenvolvimento de depressão pós-parto, entretanto, os sinais e sintomas da depressão durante a gravidez não diferem da depressão em qualquer outro momento. A depressão pré-natal pode ser mal diagnosticada, devido ao foco de preocupação ser o bem-estar do bebê e da mãe e os sintomas serem atribuídos às mudanças físicas e hormonais associadas à gestação. Fatores de risco incluem histórias de depressão anteriores, ausência de parceiro conjugal, dificuldades no casamento, falta de suporte social, pobreza, violência familiar, estresse diário, abuso de substâncias, história de aborto prévio, gravidez não planejada, ambivalência com relação à gestação e ansiedade em relação ao bebê (Bowen & Muhajarine, 2006).Esses bebês de mães deprimidas apresentam coordenação motora e atividade comprometidas, comportamentos de estresse mais frequentes, dificuldade no comportamento de imitação, sono disruptivo e grande irritabilidade, dificultando a interação mãe-bebê (Bonari, Pinto , Ahn , Einarson , Steiner & Koren, 2004; Murray & Cooper, 2003).
Os efeitos da depressão e humor materno pós-natal também afetam as crianças durante seu desenvolvimento, existindo uma íntima relação do desenvolvimento físico, cognitivo e emocional com a qualidade das primeiras relações mãe-bebê, sendo o nível de depressão e ansiedade comum ou até mais intenso durante a gestação e o período pós-natal (Hollins, 2007).
Field, Diego, Hernadez-Reif, Schanberg, Kuhn, Yando, & Bendell, 2003) afirmaram que bebês de mães com alto índice de ansiedade apresentam maior atividade e atraso no crescimento e citaram as conclusões de Di PietroJ.,Hodgson, Costigan & Johnson (1996) que referem que os bebês de mães estressadas apresentavam atividade aumentada e dificuldades imprevisíveis na adaptação com intensa atividade dos três aos seis meses após o parto.
Não encontraram, porém, resultados que comprovem a idéia de que a ansiedade, depressão ou estresse, durante a gestação, se constituam em uma ameaça significativa no desenvolvimento e no comportamento inicial do bebê, no entanto, existem reflexos negativos e comprometedores no estabelecimento das interações mãe-bebê, isto é, mulheres que não aceitam positivamente sua gestação podem estar menos propensas a interagir com seu filho, prejudicando o desenvolvimento e a interação social e emocional de seus bebês (Di Pietro, Novak, Costigan, Atella & Reusing, 2006).
Considerando-se o apresentado, estabeleceu-se o presente trabalho que teve por objetivo verificar se filhos de mães jovens deprimidas apresentam maiores sinais de retração.
Método
A. Sujeitos
Foram selecionadas, aleatoriamente, cento e vinte gestantes para uma primeira entrevista, entretanto, oitenta desistiram e o trabalho foi realizado com as quarenta díades mãe-bebê remanescentes. As gestantes foram avaliadas a partir do sétimo mês de gestação e os bebês durante os primeiros seis meses de vida.
B. Instrumentos
Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton
A Escala acima, validada no Brasil por Gorenstein, Andrade e Zuardi (2000), é muito usada mundialmente e, provavelmente, uma das mais importantes, considerando o número de outras escalas utilizadas apenas como suas variantes. De fato, essa escala tornou-se o "padrão ouro" para avaliação da gravidade da depressão, de modo que as escalas desenvolvidas posteriormente são comparadas a ela quanto à confiabilidade e à validade. Embora planejada para quantificar a gravidade de um grande número de sintomas depressivos, as manifestações somáticas e os aspectos cognitivos são as categorias de sintomas mais focalizadas, conforme mencionado anteriormente. Hamilton (1960) identificou, originalmente, vinte e um itens, mas concluiu que a avaliação da depressão deveria incluir somente dezessete deles, cuja gravidade é anotada em escalas de três ou cinco pontos. A escala foi explicada individualmente e, em seguida, os itens e as opções de respostas de cada um foram lidos para as mães que optaram por uma resposta. Todos os dezessete itens apresentavam cinco respostas cada, cuja pontuação variava de zero a quatro pontos. Ao final, foi feita a soma total dos pontos e classificadas as mães em deprimidas e não deprimidas. As mães, por nós consideradas como não deprimidas, faziam parte do grupo um, cuja pontuação final foi menor que dezoito pontos, enquanto o grupo dois, das mães, por nós consideradas deprimidas, apresentaram pontuação maior ou igual a dezenove pontos.
Avaliação de Classe Social-Pelotas
Para caracterizar a população em termos de classe social, foi aplicada a avaliação de Classe Social - Pelotas (Lombardi, Bronfman, Facchini, Victora, Barros, Béria, & Teixeira, 1988), que avalia o nível socioeconômico a partir do cargo e da formação necessária para a ocupação do cargo do principal provedor da família. Das quarenta gestantes, dezessete eram casadas ou amasiadas e o restante morava com os pais, sendo sustentadas por eles ou tendo algum tipo de auxilio. Foi considerado chefe de família nessa avaliação, os que sustentavam financeiramente as gestantes. Nesta avaliação, as classes sociais se subdividem em: burguesia, nova pequena burguesia, pequena burguesia tradicional, proletário típico, proletário não típico e subproletariado. Essa escala foi escolhida por não se embasar somente no poder aquisitivo da família, mas sim na sua atividade e cultura.
A burguesia é constituída por todos os proprietários de meios de produção que, sem estarem eles mesmos sujeitos à exploração, empregam força de trabalho assalariada, exercendo uma função de exploração de tipo capitalista que se expressa na apropriação de uma porção de tempo de trabalho do operário.
A nova pequena burguesia engloba os agentes sociais que ocupam os postos de mais alto nível técnico e de tomada de decisões, especificamente.
A pequena burguesia tradicional é composta pelos agentes sociais que, sem formação universitária, possuem a capacidade de se reproduzir de maneira independente por disporem de meios de produção próprios.
O proletariado inclui todos os agentes sociais que, estando submetidos a uma relação de exploração, não exercem, eles mesmos, nem direta nem indiretamente, função de exploração.
Por último, a classe denominada subproletariado inclui todos os agentes sociais que desempenham uma atividade predominantemente não assalariada, em geral instável, com a qual obtêm salários e/ou rendimentos inferiores ao custo mínimo da reprodução da força de trabalho.
A Escala de Avaliação da Retração do Bebê (Echelle d'évaluation de la réaction de retrait prolongé du jeune enfant ou The baby alarm distress scale - BADS)
É uma escala clínica já validada no Brasil (Assumpção Jr, Kuczynski ,Rego, &.Rocca, 2002) construída com oito itens, ordenados de maneira habitual e progressiva, representando o contato do profissional com o bebê, tendo sido idealizada para ser utilizada durante a consulta pediátrica como uma forma rica e variada, porém condensada, de estimulação, na maneira proposta por Winnicott. É pontuada de zero a quatro em cada um dos oito itens, tendo sido validada, observando-se um coeficiente de Spearman entre 0.7 e 0.8, e um coeficiente alfa de Cronbach de 0.8, podendo ser utilizada em diferentes locais, de maneira simples e breve, dispensando o treinamento dos profissionais envolvidos.
A avaliação de recém-nascidos e lactentes quanto a alterações de comportamento e desenvolvimento é difícil devido ao pequeno repertório de reações dessa população. Assim, a reação de retração prolongada corresponde a uma importante manifestação de desequilíbrio, comum a várias causas, uma vez que a especificidade sintomatológica e sindrômica dos quadros psiquiátricos e neurológicos no bebê é muito pequena.
Índice de Apgar
É um índice criado por Virginia Apgar, anestesista norte americana, para avaliar o estado de saúde de um bebê recém nascido. Após um e cinco minutos do parto, são analisados cinco sinais: freqüência cardíaca, freqüência respiratória, cor da pele, tônus muscular e resposta a estímulos.
Cada sinal é pontuado numa escala crescente de zero a dois pontos, perfazendo uma pontuação total máxima de dez pontos.
Quando a pontuação total é baixa (0-3), o recém nascido necessita de reanimação imediata. Se a pontuação é intermediária (4-6), o bebê necessita de observação e alguma medida de reanimação e, quando a classificação é boa (710), o bebê é considerado saudável.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Todos os participantes do estudo foram instruídos sobre a pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido , de acordo com as considerações éticas. Esse termo, bem como o projeto, foram aprovados pelo comitê de ética da Universidade de São Paulo. Nº protocolo 2007.010.
C. Procedimentos
O trabalho foi desenvolvido na Casa do Adolescente, serviço pioneiro da Secretaria de Estado da Saúde
As gestantes foram informadas acerca dos objetivos da pesquisa e convidadas a participar voluntariamente. Em seguida, foram marcados os dias para a realização da pesquisa que totalizaram três encontros com as mães e dois encontros com o bebê.
Através dos escores obtidos pelas gestantes nas respostas à Escala de Avaliação Hamilton, foram formados dois grupos, sendo um deles com gestantes com indicadores de depressão e outro sem indicadores de depressão. Foi aplicada, em todas as gestantes, a Escala de Avaliação de Classe Social-Pelotas visando caracterizar o nível socioeconômico da amostra. As idades das gestantes adolescentes foram entre quatorze e dezoito anos. Os bebês foram de ambos os sexos por ocasião de investigação. Todos os bebês avaliados nasceram a termo (37 a 42 semanas), sendo que a média foi de trinta e oito semanas de gestaçâo. Das quarenta gestantes avaliadas, vinte e oito (70%) tiveram parto normal (vaginal) e doze (30%) foram submetidas a cesariana.
Dos três encontros com a mãe, o primeiro deles aconteceu aos sete meses de gestação, quando foi realizado o preenchimento de uma ficha de identificação e da aplicação dos seguintes instrumentos: Avaliação de Classe Social-Pelotas e Escala Hamilton para depressão. No segundo encontro, uma semana após o nascimento do bebê, foi aplicada a Escala Hamilton para depressão. No terceiro encontro, seis meses após o nascimento do bebê, foi reaplicada a Escala Hamilton para depressão.
Os bebês foram avaliados em dois momentos:
a) uma semana após o nascimento;
b) aos seis meses de idade.
Uma semana após o nascimento, no primeiro encontro com a mãe e o bebê, foi verificado o Índice de Apgar colhido da ficha da maternidade e aplicada a Escala da Avaliação da Reação de Retração do Bebê, sendo essa última, reaplicada aos seis meses de idade, em casa.
As gestantes que apresentaram sintomatologia depressiva foram encaminhadas para acompanhamento psiquiátrico e psicológico no Laboratório de Distúrbios Desenvolvimento da Universidade de São Paulo. Os bebês que apresentaram alterações na escala de retração também foram encaminhados para o mesmo local.
As gestantes de ambos os grupos foram acompanhadas a partir do sétimo mês de gravidez, e seus bebês, durante os primeiros seis meses de vida, o que permitiu observar a presença de retração precoce, relacionada a sintomas de depressão materna durante o período de gestação.
Resultados
Para realização da pesquisa, foram entrevistadas cento e vinte adolescentes no sétimo mês de gestação com idade entre catorze e dezoito anos. Embora tenha havido adesão dessas entrevistadas, apenas quarenta compareceram para dar prosseguimento ao trabalho de acompanhamento, não havendo justificativas para as desistências. Das quarenta gestantes avaliadas, vinte e três encontravamse deprimidas no sétimo mês de gestação e dezessete não estavam deprimidas segundo a avaliação realizada através da escala de Hamilton. Foi constatado um número maior de gestantes deprimidas no período pré-parto. Todos os bebês avaliados durante o desenvolvimento deste trabalho nasceram a termo (entre a 37º e 42º semana de gestação), com média de 38 semanas. Dentre os partos, houve normais e cesáreas, na porcentagem de 30 e 70 por cento, respectivamente.
Considerando-se toda a metodologia descrita, obtivemos os resultados expressos nas tabelas abaixo. Os resultados especificados na tabela 2 mostram o porcentual de mães deprimidas.
Outros dois momentos serviram de esteio para atingir os objetivos deste trabalho. Assim, usando o teste de Mann Whitney: foi realizada a comparação das seguintes variáveis avaliadas no bebê cinco minutos após o parto. Índice de Apgar, peso, altura e retração. Seis meses após o nascimento, foram reavaliadas e comparadas as mesmas variáveis, com exceção do Apgar.
Não se observou diferença significativa (p>0,05) no Índice de Apgar cinco minutos após o nascimento nos bebês de ambos os grupos. (Tabela 3)
Também não se verificou diferença significativa (p>0,05) no peso dos bebês de ambos grupos.(Tabela 4)
Com relação à altura dos bebês, novamente não se observou diferença significativa (p>0,05) entre os dois grupos.(Tabela 5)
Também não houve diferença significativa (p>0,05) nos escores da escala de retração precoce dos bebês de mães deprimidas e não deprimidas. (Tabela 6)
Após seis meses do nascimento, foram reaavaliadas e comparadas através do teste do teste Mann Whitney, as variáveis: peso, altura e retração.
De acordo com os dados obtidos não se encontrou diferença significativa (p>0,05) no peso dos bebês do grupo de mães deprimidas e no grupo de mães não deprimidas. (Tabela 7)
Da mesma forma não se observou diferença significativa (p>0,05) na altura dos bebês do grupo de mães deprimidas e no grupo de mães não deprimidas. (Tabela 8)
Não se verificou diferença significativa (p>0,05) entre os bebês do grupo de mães deprimidas e não deprimidas, conforme os resultados obtidos na reavaliação dos bebês após seis meses do nascimento através da escala de retração precoce. (Tabela 9)
Através da correlação de Pearson percebemos que mães com sintomas de depressão, aos sete meses, gestaram bebês com escores mais altos de retração aos seis meses. Embora essa correlação tenha sido estatisticamente significativa (c<0,04) foi considerada fraca (Tabela 10).
Foi, então, realizada comparação entre os escores da Escala de Hamilton obtidos nos três momentos estudados: sétimo mês de gravidez, momento do parto e seis meses após o parto, visando observar alterações nesse índice da escala no transcorrer desses períodos. Para isso foi utilizado o teste de Friedman (p d" 0,05).
Obtivemos então os seguintes resultados:
Esses dados mostram aumento significativo nos escores de Hamilton quando comparados os valores obtidos no sétimo mês de gestação e o momento do parto (p<0,05). Quando comparamos o momento do parto e seis meses após, não houve diferença estatisticamente significativa. Também não houve diferença (p>0,05) quando comparamos os sete meses de gestação com seis meses após o parto. Entretanto, podemos observar uma "tendência" de aumento no escore de Hamilton nos seis meses pós-parto. (Tabela 11)
Particularizando esses momentos e considerando a amostra de mães deprimidas e não deprimidas, é possível analisar os resultados abaixo representados nas tabelas, seguintes, visando se compreender a evolução dessas mães. Para isso se utilizou o teste de Mc Nemar.
Das dezessete mães (42,5%) que não estavam deprimidas aos sete meses de gravidez dez (25,0%) deprimiram no parto. Das vinte e três mães (57,5%) que estavam deprimidas aos sete meses de gravidez, vinte e uma (52,5%) continuaram deprimidas. Portanto, é possível observar um aumento significativo (p>0,05) do número de mães que deprimiram após o sétimo mês de gestação. (Tabelas 12 e 13)
Das nove (22,5%) mães que não estavam deprimidas no parto, oito (20%) mantiveram-se não deprimidas após seis meses do parto. Das trinta e uma (77,5%) deprimidas no parto, vinte e oito (70%) continuaram deprimidas após seis meses do parto (Tabela 14). Assim, não observamos nenhuma alteração estatisticamente significativa, entre o número de mães deprimidas e não deprimidas ao momento do parto e seis meses após.
Das dezessete mães (42,5%) não deprimidas aos sete meses de gravidez, apenas nove (22,5%) continuaram sem depressão após seis meses do parto. Das vinte e três (57,5%) mães deprimidas aos sete meses de gravidez, vinte e uma (52,5%) continuaram deprimidas após seis meses do parto. Portanto, podemos dizer que as alterações verificadas, entre o número de mães deprimidas e não deprimidas no momento do parto e seis meses após, não são estatisticamente significativas.
O gráfico abaixo mostra, conjuntamente, a evolução dos valores do escore de Hamilton nos três momentos estudados e escala de Retração Precoce dos bebês no parto e seis meses após. Observa-se que mães deprimidas no momento do parto tiveram bebês com índices de retração mais altos nesse momento do parto, evidenciando uma correlação, estatisticamente significativa, embora fraca. Mães deprimidas aos sete meses de gestação e no parto também tiveram bebês que apresentaram maior índice de retração seis meses após o parto. Essa correlação também foi considerada estatisticamente significativa, embora fraca.
Discussão
A gravidez é normalmente considerada um estágio de crise na vida da mulher em função das mudanças físicas e psicológicas que o acompanham.
De quarenta mães abordadas neste trabalho, aos sete meses de gestação, 57,5% apresentaram escores na escala de Hamilton maior ou igual a dezenove e foram consideradas deprimidas. Portanto, houve um número maior de mães deprimidas no período pré-parto (sétimo mês de gestação). Esses dados vão ao encontro dos achados de Hollins (2007), Suri, Altshuler, Hellemann, Burt, Aquino , Evans, J.; Heron, J.; Francomb, H.; Oke, S.; Golding, J.Mintz,(2007) e Evans, Heron, Francomb, Oke, e Golding,(2001) que também assinalaram que o nível de depressão e ansiedade é comum ou até mais intenso durante a gestação e o período pós-natal.
Simão (2003) destacou o primeiro trimestre de gestação como o de maior probabilidade de manifestação de sintomatologia depressiva, pois caracteriza o período de adaptação das demandas da maternidade. Relatou também que esses sintomas depressivos podem se tornar graves, persistentes e invalidantes, sendo encarados como parte de um episódio depressivo clinicamente significativo.
No terceiro trimestre de gestação, mais precisamente aos sete meses, para avaliar a presença de sintomas depressivos, foi utilizada neste trabalho a escala de Hamilton. Assim, não foram analisados os dados do primeiro trimestre de gravidez, constatados por Simão (2003), como um período no qual um número significativo de mães apresenta os sintomas depressivos. A amostra de gestantes no terceiro trimestre, correspondente a 57,5%, vem ao encontro dos achados de Evans e outros (2001) que destacaram em seu trabalho escores de depressão maiores na trigésima segunda semana de gestação. Hoffman e Hatch (2000) também encontraram, nesse mesmo período, escores de depressão. O padrão estabelecido nos dados de suas pesquisas sugeriu que o final do segundo trimestre e o início do terceiro são os mais afetados pela sintomatologia depressiva, fato esse também observado por nós.
Ao serem reavaliadas por nós seis meses após a gestação (período puerperal), as gestantes que se mostraram depressivas no sétimo mês de gravidez (57,5%) mantiveram-se nessa mesma condição ou apresentaram escores maiores na escala de Hamilton. Assim, verificou-se neste trabalho, bem como nos estudos de Evans e outros (2001) e Gotlib, Whiffen, Wallace e Mount, (1991), contrariando os achados de Hoffman e Hatch (2000) e Kendell, Chalmers e Platz, (1987), que a gestação apresentou-se como um período de instabilidade emocional, principalmente no terceiro trimestre, no qual a incidência de sintomas e distúrbios depressivos é correlata àquela apresentada nas primeiras semanas pós-parto.
A revisão de pesquisas realizada por Field, Diego, e Hernadez-Reif, (2006) refere que a depressão materna, durante o período pré-natal, aponta que o feto e o recém-nascido vivenciaram complicações nos três períodos: pré-natal, pósnatal e puerperal Green & Murray (1994) afirmaram que quase 40% das mulheres depressivas no período pós-natal também apresentaram elevados escores de depressão no pré-natal, sugerindo uma prevalência de sintomas presentes nos períodos pré e pós-parto, fato esse também observado por nós.
É possível encontrar uma similaridade entre este trabalho que pesquisou a retração precoce do bebê e o humor de gestantes adolescentes de baixa renda com os trabalhos de Cruz, Simões e Faisal-Cury, (2005) e Faisal-Cury, Tedesco, Kahhale, Menezes e Zugaib,(2004) nos quais a alta prevalência de depressão nas gestantes é explicada pelo baixo nível sócioeconômico chamando a atenção a alta prevalência do transtorno mental nessa população.
Surkan, Kawachi, Ryan, Berkman, Vieira e Peterson,(2008) estudando famílias brasileiras de baixa renda que tiveram baixos níveis de sintomas depressivos durante a gestação, encontraram, aproximadamente, um risco duas vezes maior de filhos com baixa estatura dos seis aos vinte e quatro meses de idade. Tais distúrbios não foram associados à depressão pré-parto e, sim, à baixa renda que gerou condições precárias para mãe e bebê, prejudicando o desenvolvimento físico desse último. Nosso trabalho aponta para fatos diversos, uma vez que não observamos alterações pôndero-estaturais nem menores níveis de depressão nas mães avaliadas.
Para Cruz e outros (2005), Faisal-Cury e outros (2004) e Surkan e outros (2008) existe a possibilidade da interferência do nível social no desenvolvimento dos bebês, observando alterações no desenvolvimento dos bebês, cujas mães pertenciam a uma classe de baixo nível socioeconômico, o que não foi observado em nosso trabalho.
Rahman e outros (2004) detectaram que bebês de mães com depressão pré-natal apresentaram retardo no crescimento e grande risco de diarréia comparados a bebês de mães saudáveis. As causas que possivelmente afetaram o crescimento desses bebês incluíam um estilo de vida da mãe não saudável, cuidados pessoais precários no período pré-natal e falta de habilidade no período pós-natal, resultando num cuidado físico, emocional e psicossocial deficiente. Foram observadas, também, dificuldades psicossociais associadas, tais como: falta de suporte familiar à mãe e baixa renda, dificultando o cuidado com o bebê. Neste estudo foram encontradas fortes evidências de manifestação da sintomatologia depressiva durante a gestação de mulheres com baixo nível socioeconômico.
Hoffman e Hatch (2000) estabeleceram a mesma correlação e mencionaram que o impacto negativo do estresse materno tem sido investigado durante a gestação, por aproximadamente trinta anos, podendo promover consequências danosas para a gestação.
Em concordância com os resultados encontrados por Reeb, Graham, Zyzanski e Kitson(1987) e Shiono, Rauh, Park, Ledeman e Zuskar (1997) não foi possível estabelecer, no nosso estudo, associação entre sintomatologia depressiva e baixo peso do bebê em mulheres de baixa renda, contrariando os achados de Rahman e outros (2004) e Hoffman e Hatch (2000).
Berle, Mykletun, Daltveit, Uasmussen, Holsten e.Dahl (2005) constataram que não há correlação entre o baixo escore de Apgar e a ocorrência de depressão. Mesmo tendo sido acrescido o estudo de outras variáveis como peso e altura,este fato também não foi constatado, em nossa pesquisa.
Hoffman e Hatch, (2000) encontraram, como efeito da depressão materna pré-natal, um retardo no crescimento intrauterino do bebê e Lobel et al.(2000) encontraram como efeito bebês com baixo peso.
O trabalho de Petri, Cardascia, Zen, Pellizzari, Marchetti, Favaretto e Miotto, (2000) vai ao encontro dos trabalhos citados anteriormente, pois detectou que a prevalência de bebês pequenos para sua idade gestacional foi maior entre mães que tiveram depressão ou ansiedade durante a gestação. Esses achados indicariam falha no desenvolvimento fetal, que poderia ser fruto de influências do ambiente ligadas ao estilo de vida da mãe.
No presente estudo, tanto mães deprimidas como não deprimidas tiveram bebês com peso normal. Evans e outros (2001) também não encontraram associação da depressão com baixo peso.
Apesar de as gestantes por nós avaliadas terem apresentado alterações de humor no período pré-parto, as mesmas não tiveram complicações obstétricas. Todos os bebês nasceram a termo, de parto vaginal (30%) ou cesariana (70%), achados que vão de encontro com o descrito por Lobel,De Vincent e. Kaminer, (2000) e O'connor, Heron e Glover, (2002) que afirmaram estar o estresse materno pré-natal negativamente relacionado a complicações obstétricas e à saúde do bebê.
Portanto, as alterações de retração dos bebês não podem ser justificadas por complicações obstétricas.
Jesse, Seaver e Wallace (2003), em seu trabalho, viram que as gestantes com sintomas de depressão durante a gestação apresentam chances maiores de terem bebês prematuros, que os fatores de saúde psicossocial são importantes durante a gestação, e que mais da metade de sua amostra de gestantes sentiase triste, deprimida e apresentava perda de interesse em atividades prazerosas.
Os resultados encontrados por Dayan,Creveuil, Marks, Conroy, Herlicoviez, Dreyfus e Tordjman, (2006) são concordantes com as hipóteses aventadas por Jesse e outros (2003), Steer, Scholl, Hediger e. Fischer, (1992) Steer e outros (1992), Orr e outros (2002) e Majzoub, Mcgregor, Lockwood, Smith, Taggart e Schulkin, (1999) de que mulheres com altos escores de depressão apresentam um risco maior para nascimento prematuro espontâneo. Tais hipóteses não foram constatadas em nosso estudo nem nos trabalhos de Dole, Savitz, Hertz-Picciotto, Siega-Riz, Mcmahon e Buckers, (2003);Perkin, Bland, Peacock e Anderson, (1993) ;Cooper, Goldenberg, Das, Elder, Swain, Norman, Ramsey, Cotroneo, Collins, Johnson, Jones e Meier, (1996) e Andersson, Sundstrom-Poromaa, Wulff, Astrom e Bixo, M., (2004).
Em concordância com os achados deste trabalho, Andersson e outros (2004) referem, em sua pesquisa, que a depressão pré-parto, os transtornos de ansiedade e outros problemas de saúde não influenciam nas condições de saúde do bebê ao nascimento. Tais condições de saúde não foram afetadas ao momento do nascimento (complicações obstétricas, nascimento prematuro), tendo possíveis manifestações no decorrer do desenvolvimento.
Fisher, Feekery, e Rowe, (2004) relataram complexos distúrbios de humor materno, durante o período pré-natal, avaliados através de instrumentos psicométricos para medir depressão, ansiedade e fadiga ocupacional severa. Os bebês desse estudo choravam por vários períodos, acordavam com frequência durante a noite, não dormiam bem durante o dia e tinham dificuldades na amamentação.
O instrumento de medição do estado do bebê nos períodos pós-parto e seis meses após o parto utilizado neste trabalho não avaliou essas mesmas questões encontradas por Fisher e outros (2004), no entanto, colaboram para reforçar a hipótese de que os bebês apresentam alterações no desenvolvimento em função da sintomatologia depressiva no período pré-natal.
Moraes, Pinheiro, Silva, Horta, Sousa e Faria, (2006) apesar de terem como enfoque em seu trabalho o estudo da prevalência da depressão pós-parto, também utilizaram como ferramenta a escala Hamilton com ponto de corte em 18 pontos, para caracterizar depressão moderada e grave. No entanto, apontaram em seus resultados uma limitação ao seu estudo que foi a falta de avaliação das variáveis importantes como: a existência de problemas psiquiátricos anteriores à gestação e a presença de depressão durante a gestação os quais, estudados neste trabalho, complementariam esse estudo, respondendo as questões do autor sobre a depressão pré-parto ser ou não um determinante para a manifestação da depressão no puerpério. Essa correlação não pôde ser realizada, afinal apenas 50% da amostra com depressão pré-natal deprimiu no puerpério, não constituindo assim fator causal univalente. A trajetória dos filhos de mães deprimidas não deve ser atribuída somente às influências pré-natais, mas também às influências sociais e interpessoais, como as atitudes maternas em direção a seus filhos. Isto é, mulheres que encaram sua gestação mais negativamente podem estar menos propensas a interagir com seu bebê, prejudicando o desenvolvimento e desestabilizando a interação social e emocional de seus bebês.
Para Bowen e Muhajarine (2006), aproximadamente vinte por cento das gestantes apresentaram experiências de depressão pré-natal com efeitos destrutivos para a díade mãe-bebê, aumentando o risco de desenvolvimento da depressão pós- parto.
Faisal-Cury e outros (2004) estudaram, utilizando o inventário de Beck para depressão, cento e treze mulheres no décimo dia do puerpério e encontraram a prevalência de depressão puerperal de 15,9%.
Mães com depressão pós-parto, segundo Schwengber e Piccinini (2004), são menos enfáticas na demonstração física e mental de afeto. Esses resultados subsidiam as verificações do presente trabalho que refere que os bebês, cujas mães apresentaram alterações de humor no pós-parto, podem manifestar pior interação social. Tais alterações de retração coincidem com os resultados da pesquisa de Motta (2005) de que os bebês de mães depressivas possuem maior frequência de alterações comportamentais, tais como aversão à interação e vocalizações reduzidas.
Ainda para adensar a credibilidade de tais achados, Jung, Short, Letourneau, e Andrews (2007) ratificam que muitas mães deprimidas tendem a ser apáticas e indiferentes aos comportamentos de comunicação de seus bebês ou, em outro extremo, apresentam-se excessivamente intrusivas em função da ansiedade e da inabilidade na relação com eles.
Como não fizemos avaliações das questões comportamentais de interação na relação mãe-bebê no pós-parto, não há como confirmar esses achados, apesar de os mesmos caracterizarem complicadores para as dificuldades no desenvolvimento biopsicossocial do bebê.
Os bebês estudados neste trabalho não apresentaram alterações no crescimento infantil como decorrência da depressão pré-parto, pós-parto ou puerperal, embora Stewart (2007) estabeleça uma correlação direta entre depressão materna e crescimento infantil. Mães deprimidas, segundo ele, podem não apreciar a interação com seu bebê por estarem cansadas, com dificuldades de concentração ou tomadas por sentimentos de culpa, invalidez e falta de esperança.
O sentimento de impotência localizado na base da vivência depressiva da mãe com seu bebê, segundo Marques (2003) impede-a de investir, reconhecer e interpretar as necessidades do seu bebê.
Schewengber e Piccinini (2004) encontraram evidências de que mães com indicadores de depressão foram menos enfáticas na demonstração física e verbal de afeto e mais apáticas do que mães sem indicadores de depressão.
Frizzo e Piccinini (2005) obtiveram resultados semelhantes aos de Marques (2003) e ainda alertaram que o problema da depressão materna no pós-parto afeta seriamente a relação mãe-bebê. Mencionaram ainda que, ao não receber um "feedback" de seus comportamentos, o bebê pode desenvolver um estilo de interação deprimido.
Embora cinquenta por cento da amostra de mães avaliadas neste trabalho não tenham apresentado sintomas depressivos no pré-parto, os resultados revelaram que parcela considerável dessas mães deprimiu após o parto e gestaram bebês que apresentaram alterações na sociabilidade (retração). Essas mesmas alterações foram, entretanto, constatadas também nos bebês das mães que não apresentaram sintomas depressivos no pré-parto. Tais dados levam a pensar que a presença de alterações na retração dos bebês durante o período pós-parto pode ser também explicada pelas possíveis dificuldades na interação mãe-bebê durante o primeiro semestre de vida, não sendo, portanto, o período pré-parto o único determinante conforme referem Bowlby (1990) e Winnicott (1991). Bowlby (1990) menciona a importância das repercussões do vínculo afetivo no desenvolvimento e saúde mental da criança. A ênfase de Bowlby nas competências precoces e na tendência inata do recém nascido influenciou, profundamente, os estudos sobre as interações entre as mães e seus bebês, atribuindo ao segundo um papel ativo na construção da relação. Winnicott (2001) cita a relevância da atenção que a mãe dedica ao seu bebê utilizando a expressão Preocupação Materna Primária. Esse conceito diz respeito ao estado psíquico atingido pela mãe saudável, colocando-se em posição de oferecer um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento das potencialidades inatas de seu bebê.
Austin e Priest (2005) também chamaram a atenção para a necessidade de oferecer um tratamento adequado para os distúrbios de humor principalmente a depressão pré-natal, para garantir o bem estar da mãe e do bebê. A preocupação desses autores é de grande relevância, pois, como foi observado neste trabalho, a incidência de sintomas depressivos no pré-natal parece gerar consequências, que foram por nós observadas através da alteração de retração do bebê.
Austin (2005) acrescentou que, sempre que possível, mulheres com histórico de depressão deveriam planejar sua gravidez para, assim, preverem um tratamento com antidepressivos de dose mínima, com monitoramento médico durante a gestação como prevenção de problemas futuros.
Apesar de não ser o objetivo deste trabalho caracterizar os cuidados maternos com relação a um tratamento depressivo no pré-natal, cabe aqui reforçar tal alerta. Afinal, trata-se de uma psicopatologia que traz consequências destrutivas para a díade mãe-bebê, principalmente no que diz respeito ao vínculo com todos os outros fatores biopsicossociais.
Moses-Kolko, e Roth, (2004) afirmaram, em seu artigo sobre o tratamento da depressão pré e pós-parto, que a depressão durante a gestação é um fator preditor de depressão pós-parto sendo associada a efeitos adversos no desenvolvimento do recém- nascido. Bebês de mães depressivas exibiriam relações de apego inseguras.
Misri, Oberlander, Fairbrother, Carter, Ryan, Kuan e Reebye, (2004) ressaltaram em sua pesquisa que altos níveis de ansiedade materna e depressão, durante o segundo e o terceiro trimestres de gestação, estavam associados a uma débil adaptação do recém-nascido. Os dados encontrados sugeriram que, mesmo com a presença de terapia farmacológica para a depressão materna, durante a gestação, os níveis de ansiedade e de depressão materna estavam relacionados a complicações do desenvolvimento dos bebês. Mencionaram que estudos como o de Chung, Lau, Yip, Chiu e Lee, (2001) e Hoffman e Hatch, (2000) sugeriam que a depressão pré-natal pode por si só ter um impacto negativo direto na saúde do recém-nascido. Esses dados vão ao encontro dos achados deste trabalho de que a depressão pré-natal traz consequências para o desenvolvimento do recém-nascido. Para confirmar essas afirmações. Newport, Wilcox e Stowe, (2002) relataram que a depressão durante a gestação pode ser de fato um primeiro evento adverso na vida inicial da criança, o que também reforça os resultados deste trabalho que correlaciona a depressão pré-parto como possível complicador para o desenvolvimento inicial infantil.
O'connor, Caprariello, Blacmore, Gregory, Glover e Fleming, (2007) concluíram que distúrbios de humor na gestação possuem efeitos persistentes no que diz respeito a distúrbios de sono na criança. Com base nesses achados, acrescentam que as pesquisas crescentes da literatura mostram que estresse materno pré-natal, ansiedade e depressão têm efeitos duradouros no desenvolvimento infantil. Os autores não encontraram uma relação unidirecional pelo fato de ser a alteração de humor pré-natal a única responsável pelos distúrbios de sono. Acrescentam que a inclusão de diagnósticos de depressão e de ansiedade pós-natal podem também ser fatores determinantes para tratar esses distúrbios.
Apesar de ter estabelecido uma relação diferente neste estudo, talvez o resultado de O'connor e outros (2007) possa reforçar a idéia de que qualquer alteração no desenvolvimento infantil não possa ser explicada por apenas um fator como a depressão pré-natal.
Cruz e outros (2005), foi encontraram maior incidência de casos de depressão puerperal nas mulheres, cujos recém-nascidos tiveram Apgar menor que oito, no primeiro minuto, mas, assim como neste trabalho, isso não atingiu significância estatística para confirmar sinais de retração no bebê.
Também assinalaram possíveis fatores de risco para a depressão, conflitos conjugais, ansiedade e depressão na gravidez, considerando que a depressão é de comum prevalência em gestantes afetando entre 10 a 25% das mulheres (Anderson e outros., 2004; De Tychey, Spitz, Briancon, Lighezzolo, Girvan, Rosati, Thockler e Vincent, S. 2005 ; Marcus, Flynn, Blow e Barry, 2004 ; Stowe, Hostetter & Newport, 2005). Por essa frequência, parece-nos importante procurar relações entre ela e o estado de nascimento dos bebês envolvidos inclusive porque, embora a depressão puerperal não tenha sido objeto de estudo deste trabalho, percebemos, em conformidade com o que Cruz e outros (2005) imaginaram, que existe uma correlação entre a depressão puerperal com a pré-parto, uma vez que as mães que apresentaram sintomas de depressão pré-parto continuaram deprimidas no pós-parto ou apresentaram maiores escores de depressão puerperal na escala de Hamilton. Também foram observadas neste trabalho alterações na retração precoce do bebê.
Conclusão
Este estudo, ao abordar a presença de alterações de retração precoce em bebês filhos de mães com ou sem alterações de humor no período gestacional, procurou estudar a presença de alterações precoces nos bebês de mães com sintomatologia depressiva durante o período pré-parto, pós-parto e puerperal, através da Escala de Retração Precoce.
Em conseqüência pode observar que mães deprimidas no pré-parto parecem estar associadas a maiores índices de retração de seus bebês.
Na reavaliação, seis meses após a gestação (período puerperal), as gestantes que se mostraram depressivas no sétimo mês de gravidez (57,5%) mantiveram-se nessa mesma condição ou apresentaram escores maiores na escala de Hamilton.
Entretanto, mães que não apresentaram alterações de humor durante o pré-parto também gestaram bebês com alterações na qualidade de interação social, o que aponta para uma relação que envolve outros fatores que não somente este, embora tenhamos observado a tendência de que a presença de alterações de humor no pré-parto constitui fator relevante na manifestação de possíveis alterações da retração precoce no bebê.
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Recebido: 18/07/2015 / Corrigido: 27/08/2015 / Aceito: 03/09/2015.
1 Esse artigo foi produzido a partir da Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica da USP
2 Psicóloga especialista em Psicoterapia Psicanalítica da USP, Mestre em Psicologia Clínica da USP-São Paulo-Brasil.Contato: Rua: Pará, 76 cjto. 101/102. Higienópolis.São Paulo/SP-Brasil.CEP: 01243-20- Tel:32143271- E-mail: renatatoledo@usp.br
3 Médico Psiquiatra; Professor livre docente pela FMUSP, Professor Associado, Departamento de Psicologia Clínica.Doutor, Instituto de Psicologia, USP.São Paulo-Brasil.Contato: Av. Prof. Mello Moraes 1721CEP 05508-030Cidade Universitária - São Paulo - SP Tel: 30914178Email: cassiterides@bol.com.br