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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

versão impressa ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.37 no.92 São Paulo jan. 2017

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

TRINCA,W. As múltiplas faces do self. São Paulo: Vetor Editora Psico- Pedagógica, 2016.

 

 

Aracê Maria Magenta Magalhães1

Centro de Psicologia e Psicanálise - Bauru

 

 

O autor desta obra que se resenha, é Walter Trinca, graduado em Psicologia na Universidade de São Paulo, onde foi docente, supervisor, orientador, coordenador do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica e pesquisador:Mestre, Doutor, Professor Livre-docente e Professor Titular. É escritor, poeta, Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, da International Psychoanalytical Association e Titular da Academia Paulista de Psicologia, ocupando a Cadeira nº 40, "Walther Barioni".

Este livro constitui sua mais recente contribuição - e última da trilogia do autor (Trinca 2007, 2011, 2016) - que oportunamente vem proporcionar ao leitor uma reflexão sobre duas grandes questões: o self e o ser interior, bem como os desdobramentos decorrentes.

Vale pontuar que os dois outros livros e anteriores a este, da mencionada trilogia, O ser interior na psicanálise: fundamentos, modelos e processos (Trinca,W. 2007) e Psicanálise Compreensiva: uma concepção de conjunto (Trinca,W. 2011) não constituem pré-requisitos para a leitura desta obra, mas são recomendadas ao aprofundamento e à obtenção do conhecimento e abrangência da Psicanálise Compreensiva.

Inicialmente, o autor vai até a antiguidade, na mitologia grega, nos caldeus e nos traz a preocupação do homem antigo, que permanece ainda atual, em entender sua natureza multifacetada.

Trinca indaga possibilidades e nos convida a pensar: somos um ser único dotados de identidade fixa, rígida e determinada ou comportamos possibilidades infinitas, por vezes contraditórias, divergentes e incoerentes? Haveria uma única e verdadeira existência que definiria a essência do ser humano? E o que dizer das muitas faces do ser humano, cantadas em verso e prosa, citadas pelo autor, da natureza camaleônica e plural em possibilidades de escolhas identitárias?

Neste contexto contraditório, o autor traz uma noção nuclear, o self, polivalente em concepções de vários autores, algumas descritas neste livro, para só então, apresentar sua proposta, gestada em sua trajetória psicanalítica e que busca conciliar numa única instancia, o self, o conhecimento realístico e o tendencioso, bem como um campo de experiências, de estruturação e de organização.

Esta proposta considera que diante de diferentes situações na vida de uma pessoa, esta revela a presença de vários selves, permitindo em sua constituição e funcionamento, uma multiplicidade de experiências: assimétricas, paradoxais e contraditórias, reservatório de construtividade, de destrutividade, dependendo do que predominar no self.

Concernente com as questões atuais em que o ser humano ao defrontarse com o poder de sua destrutividade e barbárie perde o rumo, carece de uma bússola, esta reflexão retoma uma visão humanística em que provoca a busca do saber sobre instâncias tão importantes como a busca do conhecimento de si mesmo, da experiência da própria existência, do contato com o outro que me é estranho e me faz estranho, e assim poder escolher melhores destinos como a não violência.

Segundo Trinca, a experiência de existência própria, o contato da pessoa consigo mesma e a consciência de si, nos dá a realidade e a verdade da experiência de ser. À essa pedra angular constituída pelo contato da pessoa com o próprio ser, o autor denominou de ser interior, caracterizada pela unidade, coesão, inteireza, comportando a existência singular e única da pessoa.

Mas nem sempre tudo vai bem na vida de uma pessoa e a experiência clínica e do pesquisador de saúde mental, como é o caso de Trinca, pode atestar isso. Nem sempre o ser interior detém os rumos da vida mental, deixando, assim de exercer influência sobre o self. Este perde a confiança na capacidade de conduzir a própria mente e se nada for feito para a reversão deste quadro, pode haver o enfraquecimento do self e/ou o esvaziamento deste. Duas experiências distintas decorrentes da fragilidade do self.

O leitor psicólogo, psiquiatra, pesquisador da área da saúde, em especial na saúde mental vai encontrar subsídios à sua prática quando o autor adentra nos rumos da patologia, pormenorizando as conseqüências da fragilidade do self, em seus vários graus de comprometimento, desde as formas mais simples, até as mais complexas.

Neste livro, o autor propõe um modelo para a compreensão das bases e processos envolvidos nas perturbações psíquicas, oferecendo modelos metodológicos relevantes para a compreensão, organização e delimitação de um campo, do ponto de vista psicanalítico.

A preocupação do autor em saber o que se passa no self, o que comanda o ser interior quando este não segura o leme de sua embarcação vai muito além das questões clínicas. Ele nos chama a atenção para o quando uma questão particular do self, do ser humano provoca derivações no mundo humano, algumas delas irremediáveis como os genocídios, as guerras, as violências de qualquer aspecto entre outros. Trinca nos oferece um panorama das condições do self fragilizado e que necessita compor um mundo fabricado segundo os prismas deste.

Nesta direção de pensamento, o ser interior estaria impossibilitado de agir ou ter influência sobre o self, prescindindo de contato relevante e propiciador da experiência de inteireza, ao que o autor denominou de distorção. Uma das conseqüências da perda desse contato é o sofrimento psíquico.

Neste sentido, o ambiente denso, áspero, doloroso sem confiabilidade, o ruído que ocupa a mente por inteiro, a supressão do silêncio interior, a coisificação do mundo, a poluição, a agitação e turbulências que retiram a paz, tudo isso aprisiona o ser num turbilhão de vazio e desesperança, onde o homem afastase de si próprio, perde sua humanidade e já não é sujeito de sua história - tornase objeto.

Na contra mão do afastamento de si próprio está o contato da pessoa com seu próprio ser e que se manifesta, segundo o autor, sob a forma de experiências sutis e aprimoradas que levam à leveza, a amplidão, ao sublime. São estas experiências de imaterialidade onde vigora a mobilidade psíquica que se apresenta como liberdade e espontaneidade. Instala-se na mente um processo de fluidez que se manifesta à consciência e influencia os relacionamentos.

A mente estaria aberta à receptividade, ao acolhimento e disponível à penetração, sendo esta, a porta de entrada para a experiência de imaterialidade, onde o mundo poderá se revelar flúido, liquido, volátil, vivo, amplo, harmonioso, colorido, iluminado, infinito em feições e expressões não fixadas nem paralisadas. Um mundo que pulsa como nossos corações, longe da rigidez dos encaixes patológicos. Trinca compara a experiência de imaterialidade a de um mergulho numa dimensão que se avizinha àquela dos sonho noturnos, invertendo a lógica habitual em que estariam encarceirados.

Este livro vem complementar os dois anteriores da trilogia já referida, propiciando o conhecimento aprofundado de questões tanto clínicas como mundiais, revelando-se atual e pertinente ao mesmo tempo que fornece o apoio e a compreensão de questões cruciais. É recomendado a psicólogos, psiquiatras, pesquisadores e a todos que se interessam na diminuição do sofrimento humano.

 

 

1 Psicóloga Clínica. Contato: Rua Antonio Alves, 28-21 - Jd. Aeroporto - CEP 17012-431 - Bauru, SP. Tel.: (14) 3011-2248.E-mail: aracemagalhaes@hotmail.com .

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