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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. vol.25 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v25i1p184-187 

10.11606/issn.1981-1624.v25i1p184-187

RESENHA

 

Psicanálise e os caminhos da política

 

 

Marcus Cesar Ricci TeshainerI; Vanessa Cunha Prado D'AfonsecaII

IPsicanalista. Membro do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (LATESFIP/USP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: mteshainer@gmail.com
IIPsicanalista. Doutoranda em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, Campinas, SP, Brasil. E-mail: vanessadafonseca@hotmail.com

 

 

Psicanálise e teoria política contemporânea Costa, A. O., Costardi, G. G., & Endo, P. C. (Orgs.) São Paulo, SP: Annablume, 2018, 330 p.

O livro organizado por André Oliveira Costa, Gabriela Gomes Costardi e Paulo Cesar Endo reúne os papers apresentados no Colóquio Psicanálise e Teoria Política Contemporânea realizado pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) em 2015 e visita a obra de diversos autores do pensamento político, tentando uma conexão com o pensamento psicanalítico.

O leitor vai encontrar uma obra de grande valor para o campo de pesquisa, com boas questões e aproximações difíceis de autores que não dialogaram com a psicanálise, como Weber, Hannah Arendt e Agamben. Exceção para Norbert Elias, cuja obra perpassa o método psicanalítico, traçando uma crítica à obra freudiana.

De início nos perguntamos sobre os termos do próprio título Psicanálise e Teoria Política Contemporânea. O primeiro termo trata da obra freudiana e de seus seguidores. Porém, a questão se faz quanto ao termo Teoria Política Contemporânea: o leitor pode-se enganar, pois confunde mais do que esclarece.

O livro vai muito além das teorias políticas, ele tem a envergadura de perguntar as consequências políticas para a psicanálise de uma determinada maneira de pensar a sua prática. Quanto a "Contemporâneo", permite repetir a pergunta de Agamben "O que é o contemporâneo?" Aqui o livro não nos ajuda, e em alguns ensaios o próprio termo é contestado.

Na introdução, mais uma informação oculta a grandeza do livro. Dizem os autores: "Se, por um lado, Freud não se voltou à teoria política da mesma forma que ele trabalhou com outros campos de conhecimento . . ." (p. 9). É bem verdade que Freud não confrontou a teoria política, mas Freud nunca deixou de abordar o pensamento político.

O livro tem o valor de recolocar as questões: psicanálise para quê? Para quem? Que são perguntas políticas, e, no esforço contínuo de respondê-las, refaz e reafirma a psicanálise para os dias de hoje.

O primeiro texto é de Costa, que faz uma excelente apresentação do pensamento de Norbert Elias, demonstrando como o autor atravessa as fronteiras da disciplinarização, o que poderíamos contrapor ao próprio título do livro. Talvez essa seja uma sacada de Freud que Norbert Elias percebeu e que está presente na apresentação de Costa. A psicanálise circula pelos diversos saberes sem reconhecer as bordas das disciplinas.

O esforço do autor é de dar voz à psicanálise freudiana que silenciada na obra de Elias. Esforço bem-sucedido, e fica evidente que o silêncio se deu em maior parte pelos leitores de Elias.

O leitor que se depara com o texto de Costa pode estranhar que não haja nenhuma problematização entre Elias e Freud, parecendo que Costa não veja discrepâncias de leitura ou interpretação de Elias.

O segundo texto é de Endo, que também aborda a obra de Elias. Formula diversas questões para a leitura eliasiana de Freud e revela algumas consequências para o psicanalista em sua clínica e para a psicanálise com a sua metapsicologia.

Nesse texto relevamos dois pontos altos. Primeiramente, um psicanalista lendo Elias faria uma pergunta de cunho estritamente clínico: "Onde estão nossas neuroses? Em nossas repetições. Onde essas repetições se dão a ver nas configurações sociais?" (p. 63). É o psicanalista se questionando sobre sua prática.

Mas não é só o âmbito clínico que toca Endo, e o segundo ponto provoca o leitor a abandonar a hipótese filogenética e hereditária para pensar em padrões que o próprio homem civilizado replica "ao mesmo tempo em que ignora e . . . participa constituindo a cultura e sua transmissão sem a plena consciência disso e, portanto, de maneira aparentemente aleatória" (p. 65).

O desenrolar do ensaio se faz ético-político ao questionar o lugar da psicanálise no mundo atual. Afirma Endo (p. 74): "O psicanalista, então, não deveria temer a história . . . . Evidenciar que a investigação histórica também revela as formações inconscientes dos seus próprios ideários e ambições: a civilização".

No terceiro texto do livro sobre Norbert Elias na relação com Freud, a socióloga Sabine Delzescaux traz uma solução de método para o problema de a psicanálise freudiana comparecer no pensamento de Elias de forma "manifesta" e, ao mesmo tempo, "parcelar" e "implícita", a ponto de se constituir em uma paradoxal "recusa em estabelecer um verdadeiro diálogo com Freud". Considerar os "empréstimos" que Elias faz dos conceitos psicanalíticos, mas analisá- los a partir da singularidade que os caracteriza como próprios à obra eliasiana – a perspectiva sócio-histórica – é o que permite à autora se questionar sobre a equivalência e a diferença desses dois conceitos pareados.

Se a economia de controle das pulsões sexuais e agressivas, que é tributária do supereu, como diz Delzescaux (p. 83), no Mal-estar da civilização encontra correspondência em Elias, não é qualquer, entretanto, a distinção que o separa de Freud: a recusa de um conflito constitutivo, assim como da irredutibilidade da pulsão de morte, em um antagonismo fundamental e não histórico, no psicanalista, entre natureza e cultura, indivíduo e sociedade.

Tal recusa, segundo Delzescaux, tem uma consequência que separa as teorias dos dois autores: a consideração, por Elias, da possibilidade de uma "regulamentação pacífica [das] relações sociais" a partir da autocoerção posta em função pelo superego. Isso a partir de uma escolha bastante seletiva e redutora da complexidade do supereu freudiano. Afinal, sem a dimensão mortífera e inconsciente dessa instância controladora das pulsões, excluídos do horizonte de Elias estão o sofrimento, o adoecimento e a neurose na relação com a civilização. Ou seja, o ponto fulcral da interrogação política, mas sempre clínica, de Freud.

No texto de Sabine Delzescaux, podemos dizer, a teorização política encontra seu limite não só na práxis clínica, mas também na radicalidade de um limite à Razão imposto pelo inconsciente psicanalítico à própria teorização em psicanálise – teorização em que o governar, o psicanalisar e o educar encontram o impossível como modalidade impeditiva da tomada da história como processo ou como progresso, tanto no que concerne aos seus fenômenos quanto no que concerne ao saber passível de ser constituído sobre eles.

O texto seguinte, de Landini, mantém Elias em pauta, tratando a violência e propondo visitar um texto pouco lido do autor, "A condição humana", que Landini (p. 101) considera ser lido junto com O processo civilizador.

No que concerne à psicanálise, Landini localiza no nível individual a interlocução com Freud. A autora aborda inicialmente a resposta de Freud a Einstein em "Por que a guerra?", salientando o tema das pulsões.

O final do artigo revela um de seus pontos altos na afirmação de que Elias utiliza Freud criticamente, e com isso entrega ao leitor um importante ponto de tensão. Diz a autora: "Mas, para Elias, Freud falha ao não reconhecer devidamente a importância das mudanças na estrutura social. Assim sendo, diferentes gerações podem ter diferentes estruturas de personalidade" (p. 114).

Já no texto seguinte, saímos das discussões em torno de Elias, e adentramos, com Voltolini, a obra de Lacan com uma provocativa discussão sobre dois termos: Política e Inclusão.

Voltolini (p. 129) reforça o interesse de Freud pela política, elencando diversos trabalhos. Outro ponto é uma crítica ao termo contemporaneidade (p. 138) e a substituição por hiper- modernidade, que considera o tempo atual como uma "agudização da época que o precedeu".

A partir da teorização sobre o discurso do Mestre, Voltolini questiona o binômio inclusão/exclusão no que se refere ao campo das psicoses.

Em sua conclusão, Voltolini (p. 159) entende que o affair inclusivo das instituições psi e educacionais corresponde a um sintoma do funcionamento capitalista.

Weber é um autor que aparece apenas em um artigo no livro. A forma de sua aparição é peculiar, pois a interrogação sobre sua teoria é decorrente de um ato falho do autor, Ivan Estevão. Desde então, esse é um texto em que a implicação do psicanalista está em questão. Com o afeto em Lacan sendo um de seus temas e, em particular, com Weber afetado pelo ato falho do autor, o afeto da indignação.

O percurso argumentativo é complexo, pois Estevão tem de interpretar e elucidar o ato falho da leitura do termo Würdelosigkeit como indignação em vez de convicção e, ao mesmo tempo, se contrapor à afirmação crítica à teoria lacaniana como não dedicada a outros afetos para além da angústia. O autor é bem-sucedido na empreitada.

O texto seguinte, "Ocupando a esperança: notas de uma experiência de ocupação na universidade", guarda uma diferença de forma e conteúdo com os outros textos do livro. Imagético, mais do que teórico, constitui-se por poesias e narrativas pessoais que pretendem transmitir imagens do cotidiano de uma ocupação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ocorrida em 2016. Ao mesmo tempo, teórico da função das imagens na política, o texto trabalha os conceitos de desesperança e pessimismo pelo avesso, não ingênuo, da utopia.

Em "A voz na tanatopolítica", Mauro M. Dias discorre sobre a redução simbólica que está implicada no uso da linguagem que permite políticas de massacre calcadas no ódio e na crueldade. Em seu texto, apoiado em Giorgio Agamben, a soberania é pensada com a linguagem, assim como o inconsciente que a tem como estrutura. Nesse contexto, a contraposição entre a vociferação e a voz operada pelo autor coloca em oposição o não reconhecimento do Outro e a comoção na presença do Outro. E, além desses, a paixão de um "sofrimento sem angústia" e o afeto da angústia que caracterizariam, respectivamente, as possibilidades afetivas de manutenção ou de resistência a políticas de morte.

Na sequência, o texto de Debieux e Martins questiona quais as consequências políticas da atuação psicanalítica. Questão que revela sua importância quando coloca o leitor a pensar as formas de resistência da análise e a resistência do analista.

O texto mostra sua força discutindo resistência e, inspirada na leitura de Foucault e Agamben, as saídas de uma política subjetivante, colocando a clínica psicanalítica como uma forma de resistência política.

O ensaio aponta para um desenvolvimento futuro mais aprofundado, com maior alcance em Agamben que possa tocar a crítica política agambeniana sobre Totem e tabu e o conceito de linguagem do estruturalismo.

O livro se encerra com três textos sobre a possibilidade de um estabelecimento de diálogo entre a filosofia de Hannah Arendt e a psicanálise, privilegiadamente a psicanálise lacaniana. Escritos por Gabriela Costardi em coautoria com Adriano Correia e Paulo Endo, ainda que abordem temas diversos, como a ação, a autoridade, a subjetividade e o ato analítico, os textos têm um ponto em comum que fortemente os recomenda ao leitor: o enfrentamento da dificuldade advinda do fato de Arendt ser crítica à psicanálise e de o inconsciente não se constituir como conceito em sua obra. Os três textos são, por isso, preciosos e precisos. Apresentam a obra da autora em sua singularidade e aproximam-na da singularidade de Lacan, sem reduzir a obra de um à de outro, e, com isso, mantém a marca que tem a palavra e a ação tanto em Arendt como na psicanálise – a de revelação de um quem diante de um agir malogrado em se conformar ao utilitário, ao previsível e ao instrumental. De um lado, o inconsciente; de outro, a pluralidade.

 

 

Recebido em novembro de 2019 – Aceito em janeiro de 2020.

 

 

Revisão gramatical: Lucas Torrisi
E-mail: lucas.torrisi@gmail.com

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