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Revista Mal Estar e Subjetividade

 ISSN 1518-6148 ISSN 2175-3644

     

 

EDITORIAL

 

O ato de educar e de governar como leituras do mal-estar na cultura

 

 

Freud já nos alertava que governar, educar e psicanalisar se apresentam como três tarefas impossíveis. Enquanto impossíveis, a arte de educar e governar se inscrevem constantemente nos movimentos que a cultura exige para que cada um possa construir verdades que comportem visões diferentes acerca de sua existência. A verdade do político nunca foi a de educar. Muito menos o lugar do educador deveria coincidir com o de governar. Finalmente, o ato de psicanalisar, por não aportar uma visão de mundo, confronta o sujeito constantemente com os limites dessas verdades. Por isso mesmo são tarefas inesgotáveis pois se trata aqui de analisar um ponto comum: o lugar da potência constituída pelo sujeito a partir de posições distintas.

A potência do sujeito admite estas três variantes formadoras de laços sociais. Os laços que o cidadão formula entre os pares e que o implica em uma resposta diante do ato de governar; os laços entre os discípulos que seguem o mestre com a ânsia de saber e capturar sua memória e, finalmente, os laços que se reformulam a partir da constatação de que nem tudo pode ser dito pois a condição do laço social é imposta pela própria linguagem e que, sob essa condição, se faz imprescindível um lugar para educar e governar.

Neste número, atravessamos o mal-estar e a subjetividade na tarefa difícil de educar e suas repercussões nos atos de poder. Esta é uma importante discussão quando assistimos um índice de mal-estar que nos impacta hoje com patologias do ato, ratificando a impotência institucional em formar cidadãos atentos à valorização da vida, ao tempo em que se constatam escritas que rechaçam um texto que sublime a impossibilidade de educar utilizando o recurso da linguagem.

Nos trabalhos que publicamos neste número, encontramos o mal-estar docente situado na árdua tarefa de alfabetizar, apresentado em concomitância com as construções subjetivas de um grupo de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental Regular e de Educação de Jovens e Adultos - EJA. Entre as análises apresentadas neste trabalho, destaca-se a importância em considerar a subjetividade destes profissionais e os trabalhos realizados na área do stress docente.

Nesta linha de discussão da subjetividade docente e em articulação com o ato de educar, a questão da inclusão nos chega hoje como uma palavra-chave nas diversas políticas de educação que o ato de governar difunde em função de criar condições de acessibilidade à cidadania mediante a leitura e a escrita com crianças, jovens e adultos.

É importante derivar do ato de educar, preocupado que é com o ideário político de firmação cidadã, a discussão da inclusão do sofredor psíquico social mediante o resgate de sua cidadania. Assim, a tarefa de cuidar sem excluir, é posta em repasse na história da loucura como uma questão de Estado, pela reflexão da pedagogia das primeiras reformas, enfim, pela análise do poder disciplinar, mostrando desta forma que o ato de cuidar se entrelaça com o de educar, isto é, com as políticas distribuídas pelo ato de governar.

Assim, para uma discussão sobre modos de subjetivação da época, incluindo as novas referências de escrita e outras modalidades de linguajar, as repostas registradas pelos grafismos urbanos expressam características de recursividade, expansividade, invasividade e inventividade que indicam uma outra posição reivindicatória de leituras sobre o mal-estar. Nelas encontramos elementos para pensar os limites e os ilimites que a sociedade ostentam e a adaptação que o sujeito inventa para construir ficção frente à dor de existir.

Do grafismo à imagem estética, o corpo se apresenta como um termômetro que registra as exigências discursivas vigentes. Frente a elas, a estética e a forma como os corpos devem sustentar um ideal vigente, indicam que educar é uma tarefa que circula em todos os saberes, atingindo o sujeito radicalmente, exigindo dele respostas que desconhece por se originarem no registro das pulsões, ou seja, em um lugar que indica angústia e desejo, além de uma tremenda regulação social baseada nos aspectos antagônicos da beleza e da feiúra.

Se a estética do feminino é cada dia mais destacada nos apelos dos ideais de beleza, as conquistas das mulheres católicas demonstram uma grande limitação quanto a possibilidade de que venham a ocupar um lugar a curto prazo no magistério católico. Trata-se de questões aqui analisadas pelas perspectivas do poder, de governo eclesial constituído, de documentos que reforçam a hegemonia masculina diante do comando da igreja católica.

Educar é um impossível da mesma forma que governar padece de uma constante renovação. Entretanto, o que dizer sobre governar e educar através de uma doutrina religiosa e compartilhar desse lugar uma posição na psicanálise? Essa contradição é analisada, colocando em xeque a relação entre sufismo, mística, transferência e ego.

Encerrando o espaço dedicado a artigos, vem à tona a discussão sobre o inconsciente freudiano e a noção de não-inconsciente para a filosofia, que avaliamos entre outras questões, a possibilidade de destacar o porquê da psicanálise ser cunhada também como um dos impossíveis.

No espaço dedicado à resenhas, apresentamos o livro La Cultura de las Organizaciones que traz a afirmação de que a organização é uma cultura. Com isso nos chega uma reflexão sobre o espaço de poder que evoca o ato de governar e o ato de educar conjuntamente. Se o mal-estar já é intenso com uma dessas funções, imaginemos pois a presença dos dois elementos em um mesmo contexto. Para tanto, o autor une diversos campos do saber como a Antropologia, a Psicologia, a Psicanálise e a Psicologia Social, para tentar atravessar estes impossíveis.

Concluímos o espaço de resenhas com a apresentação do filme Cinema Paradiso, como um verdadeiro tratado do trabalho de luto, e do contraponto da nostalgia e estados de melancolização passageira, que também nos serviria como respostas do sujeito frente de uma elaboração total das mesmas.

Concluímos que educar e governar como dois recursos reclamados pelo sujeito, evocam um limite que está a serviço da cultura e da linguagem. Ao mesmo tempo, servem como causadores de angústias e saídas para novas subjetividades.

A Editoria da Revista Mal-estar e Subjetividade ampliou o Conselho Editorial com dois importantes nomes do mundo acadêmico que tratam da pesquisa como o mal-estar e a subjetividade, na Argentina e no México. O Conselho Científico Local, ficou acrescido de mais seis nomes.

 

Henrique Figueiredo Carneiro
Editor e Organizador

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