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Revista Mal Estar e Subjetividade

 ISSN 1518-6148 ISSN 2175-3644

     

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Usuários do Hospital-Dia: uma discussão sobre performatividade em saúde e doença mental

 

The users of the Day-Hospital: a discussion about performativity in mental health and disease

 

 

Neuza Maria de Fátima GuareschiI; Carolina dos ReisII; Tamara OlivenIII; Simone Maria HüningIV

IOrientadora do Grupo de pesquisa Estudos Culturais e Modos de Subjetivação do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. End.: Av. Nilópolis, 375/401, bairro Petrópolis. Porto Alegre, RS. CEP: 90460-050. E-mail: nmguares@pucrs.br
IIBolsista de Iniciação Científica (FAPERGS) do Grupo de Pesquisa Estudos Culturais e Modos de Subjetivação do PPGP da PUCRS. End.: Av. Grécia, 1100/1205, Passo d'Areia. Porto Alegre, RS. CEP: 91350-070. E-mail: carolinadosreis@gmail.com
IIIBolsista de Iniciação Científica (CNPq) do Grupo de Pesquisa Estudos Culturais e Modos de Subjetivação do PPGP da PUCRS. End.: Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 930, Partenon. Porto Alegre, RS. CEP: 60619-900. E-mail: t.oliven@ucl.ac.uk
IVDoutoranda (CNPq) do Grupo de Pesquisa Estudos Culturais e Modos de Subjetivação do PPGP da PUCRS. End.: Av. Mariland, 1184/201, São João. Porto Alegre, RS. CEP: 90440-190. E-mail: simonehuning@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir sobre vulnerabilidade social a partir de uma experiência junto aos usuários do Programa Hospital-Dia. Esse programa, proposto pelo Sistema Único de Saúde, é uma das estratégias para um outro agenciamento social da loucura, distinto do modelo da cultura manicomial com práticas em saúde que podem levar à condição de exclusão e de estigma social. Este estudo foi se estruturando a partir de uma atividade semanal de grupo desenvolvida no Hospital-Dia de um hospital geral público no Estado do Rio Grande do Sul, na qual foram realizadas observações participantes. O grupo constituiu-se em um espaço de fala em que os usuários conversavam sobre as práticas cotidianas, compartilhando diferentes modos de pensar e sentir sobre a experiência do sofrimento psíquico. Visando a debater como é produzida a condição de vulnerabilidade social em usuários portadores de sofrimento psíquico, nos fundamentamos nas práticas discursivas de políticas públicas em saúde mental, a partir da Reforma Psiquiátrica, e na noção de performatividade na produção da doença/saúde mental. Visibilizam-se, com isso, as formas de estes sujeitos pensarem e se reconhecerem a si mesmos e ao mundo por meio de determinadas marcas identitárias que os constituem como doentes mentais. Mesmo se tratando de um programa situado no campo da Reforma Psiquiátrica, o Hospital-Dia ainda é atravessado por sentidos do discurso da psiquiatria hospitalocêntrica sobre loucura e da prática terapêutica medicamentosa, que inscrevem modos de os sujeitos viverem a saúde/doença mental, com possibilidades restritas de se subjetivarem fora dessa lógica.

Palavras-chave: práticas discursivas, sofrimento psíquico, vulnerabilidade social, hospital-dia, usuários do SUS.


ABSTRACT

This article aims at discussing social vulnerability from an experiment carried out with users of the Day-Hospital Program. This program, proposed by Sistema Único de Saúde, is a strategy directed towards another social agency of madness, distinct from the model of the hospice culture, with health practices that may lead to social exclusion and stigma. This study has been structured from a weekly activity developed in a Day-Hospital of a public general hospital in Rio Grande do Sul, through participative observations'. The group was constituted as a speech space in which users could talk about daily practices, sharing different ways of thinking and feeling the experience of psychic distress. Aiming at debating upon how the condition of social vulnerability has been produced in carriers of psychic distress, we have considered discursive practices of mental health public policies, from the Psychiatric Reform, as well as the notion of performativity in the production of mental health/disease. The forms these subjects think of and recognize both themselves and the world become visible through certain identity marks that constitute them as mentally ill. Even being a program situated in the field of the Psychiatric Reform, the Day-Hospital is still crossed by meanings from both the hospital-centered psychiatric discourse about madness and the medicamentous therapeutic practice, which have inscribed ways of subjects living mental health/disease with strict possibilities of subjectifying themselves out of this logic.

Keywords: discursive practices, psychic distress, social vulnerability, day hospital, SUS users.


 

 

Introdução

Este artigo visa a problematizar a produção da condição de vulnerabilidade social em portadores de sofrimento psíquico. Para tanto, nos fundamentamos na discussão sobre a construção histórica da loucura no movimento da Reforma Psiquiátrica e no Processo de Desinstitucionalização da doença mental por programas de políticas públicas.

A elaboração desse estudo toma forma a partir de um trabalho realizado junto aos usuários do Programa Hospital-Dia de um hospital geral do estado do Rio Grande do Sul, para a discussão das atividades desse programa como um modo de oportunizar que os portadores de sofrimento psíquico signifiquem as experiências em relação à saúde e doença mental.

O presente estudo tem ainda como objetivo visibilizar o efeito de determinadas práticas discursivas presentes nas políticas públicas de saúde mental, entre usuários dos serviços oferecidos pelos programas dessas políticas, neste caso, do Programa Hospital-Dia, no modo como eles se posicionam como sujeitos do discurso da doença/saúde mental.

Os conceitos que serviram como ferramentas teóricas para entendermos as práticas de significação deste discurso são as concepções sobre vulnerabilidade social e performatividade. Assim, em um primeiro momento, situamos, no contexto da Reforma Psiquiátrica, o Programa Hospital-Dia. Em seguida, situamos a concepção de vulnerabilidade social como uma prática discursiva na produção dos sujeitos usuários do Hospital-Dia; a seguir, fundamentamos a noção de performatividade, de acordo com Butler, na constituição da doença/saúde mental.

Após essas contextualizações e fundamentações, apresentamos e discutimos alguns dos modos como os usuários do Hospital-Dia significam determinadas práticas discursivas que os performatizam como sujeitos da doença e da saúde mental.

 

A Reforma Psiquiátrica e o Hospital-Dia

O hospital psiquiátrico, antes do século XVIII, era uma instituição de assistência, separação e exclusão dos pobres, pois existia tanto para recolhê-los, quanto para proteger os outros, os cidadãos de bem, do perigo que aqueles representavam. De acordo com Foucault (1995), o personagem do hospital psiquiátrico não era o doente que necessitava de cura, mas o pobre que estava morrendo, alguém que precisava ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deveriam dar os últimos cuidados e o último sacramento. Ainda segundo Foucault (1984, p.83), os asilos, na época de Pinel, não representavam uma medicalização de um espaço social de exclusão, mas "a confusão no interior de um regime moral único, cujas técnicas tinham, algumas, um caráter de precaução social, e outras, um caráter de estratégia médica".

A partir do século XIX ocorre um aperfeiçoamento do caráter puramente assistencialista dos hospitais psiquiátricos, quando a loucura começa a ser associada à alma humana, inscrevendo-se na dimensão da interioridade do sujeito, recebendo pela primeira vez, no mundo ocidental, status, estrutura e significação psicológica, sendo também inserida em um sistema de valores e repressões morais (Foucault, 1984). Dessa forma, o hospital psiquiátrico não existiu com o objetivo primeiro de medicalizar para curar, mas sim para resguardar a cidade de possíveis efeitos nocivos, como, por exemplo, a desordem que essas pessoas poderiam trazer. Ou seja, era um tipo de hospitalização que não servia como instrumento de cura, e sim para impedir que pudesse se instalar um foco de desordem econômica e social.

Com isso, houve uma mudança no sistema de relações de poder no interior do hospital psiquiátrico. Dirigido até então por pessoas religiosas, que asseguravam a vida cotidiana do hospital psiquiátrico, a salvação e a alimentação das pessoas internadas - o médico somente era chamado para os momentos de crise e sob dependência da administração eclesiástica -, o hospital psiquiátrico adquire outro caráter. Passa, então, a ser considerado tanto um instrumento de cura quanto um instrumento terapêutico, e o médico torna-se o principal responsável pela organização hospitalar.

Porém, mesmo estando a administração hospitalar sob o domínio médico, até o século XVIII, a loucura não era sistematicamente internada, pois era mais considerada como conseqüência de decepções ou estados de ilusão. A natureza, geralmente, era o lugar reconhecido como terapêutico. As prescrições médicas indicavam viagens, repousos, passeios ou retiros. A prática do internamento, no começo do século XIX, coincidiu com o momento em que a loucura passou a ser relacionada àquilo que se diferenciava da conduta humana entendida como regular e normal. Ou seja, desordens na maneira de agir, de querer, de sentir, de tomar decisões e de ser livre são associadas à loucura. Sendo o tratamento inicial dado à loucura, o asilo ou "a casa dos loucos" vai ter, em um primeiro momento, não o papel de cura, mas de permitir a descoberta de uma verdade sobre a causa da doença mental. Além de ser um possível lugar de desvelamento, o asilo vai ser também um lugar de confronto ou, utilizando as palavras de Foucault (1995, p.122): "...o hospital psiquiátrico do século XIX: lugar de diagnóstico e de classificação, retângulo botânico onde as espécies de doenças são divididas em compartimentos cuja disposição lembra uma vasta horta".

Surge, entretanto, a partir do fim do século XIX, um movimento de "despsiquiatrização", na tentativa de anular o poder do médico e de deslocá-lo de um saber mais exato para outras práticas e medidas. No cerne da luta da antipsiquiatria, está um combate contra a instituição, mas que também vem de dentro dela. A antipsiquiatria pretende dar ao indivíduo a tarefa e o direito de realizar sua loucura, levando-a até o fim em uma experiência para a qual a psiquiatria pode contribuir, porém jamais em nome de um poder que lhe for conferido pela capacidade de buscar a razão ou normalidade.

O Brasil insere-se nesse processo de Reforma Psiquiátrica durante os anos da ditadura; entretanto, assim como a loucura, que já vinha sendo silenciada, especialmente pelos internamentos, o cenário político de repressão do país fez com que os movimentos de transformação das políticas públicas relacionadas à doença mental também fossem calados. Estes movimentos somente tiveram voz novamente na década de oitenta, alinhados, então, às novas políticas de saúde pública e, em especial, engajados nas discussões do movimento da Reforma Psiquiátrica. Este movimento se dá a partir de 1986, data da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em que se edificam novos discursos sobre a concepção de saúde - esta passa a ser falada como um processo resultante das condições de vida, não figurando mais como ausência de doença.

Com a Conferência Nacional de Saúde de 1986 e com a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental e Política de Atenção Integral à Saúde Mental, começa a reorganização da rede de saúde pública. Buscou-se garantir maiores investimentos a partir da aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica1, o que ocorreu em 1992 no Estado do Rio Grande do Sul, calcada na idéia da saúde como direito do cidadão e dever do Estado (Rio Grande do Sul, 1992).

A Reforma Psiquiátrica é um movimento que prega a transformação de modelos assistenciais em saúde por meio de uma reformulação do estatuto social da loucura, propondo a desinstitucionalização da doença mental. Isso não significa que os tratamentos devam se extinguir; ao contrário, o que se busca são alternativas clínicas, institucionais e de cuidados para os usuários (Pelliccioli, 2004).

Assim, de acordo com a Lei da Reforma Psiquiátrica, esta consiste na gradativa substituição do sistema hospitalocêntrico de cuidados às pessoas que padecem de sofrimento psíquico por uma rede integrada e variados serviços assistenciais de atenção sanitária e social, tais como: centros comunitários, centros de atenção psicossocial, centros residenciais de cuidados intensivos, lares abrigados, pensões públicas comunitárias, oficinas de atividades construtivas e similares (Rio Grande do Sul, 1992, Art. 2º). A Reforma Psiquiátrica entra na esteira das modificações da atenção à saúde e do próprio conceito de saúde, na medida em que problematiza não apenas o modelo de hospitalização, como também as formas instituídas de loucura e sofrimento psíquico.

Aqui se faz importante a discussão sobre o conceito de desinstitucionalização. Esse conceito é fundamental para o projeto da Reforma Psiquiátrica, pois nele se institui um elemento construtivo e, ao mesmo tempo, reformulador da Reforma. É importante ressaltar que a desinstitucionalização não deve ser confundida com a desospitalização, a qual é entendida como uma desconstrução dos modelos manicomiais tradicionais, em que o usuário é quem comunica a sua queixa, fazendo desse processo um espaço de escuta em que é privilegiada a palavra do usuário. Quando o usuário faz o uso da palavra, encontra novas formas de resolução de seus conflitos a partir da possibilidade que se oferece para novas leituras de organização e significação de sua vida. A desinstitucionalização segue um caminho oposto ao das práticas psiquiátricas clássicas, em que o médico examina os sintomas, a partir da sua abstração, para catalogá-los e caracterizá-los. Ao contrário disso, a desinstitucionalização toma o usuário como um cidadão com ação e poder de participação. Ele pode verbalizar seus sentimentos e tentar entendê-los a partir da sua própria abstração, possibilitando, assim, a desconstrução da instituição doença mental.

 

O contexto do Hospital-Dia

Dentro da perspectiva do movimento da Reforma Psiquiátrica, o Programa Hospital-Dia se constitui a partir desse movimento e concebe o usuário como cidadão, dando um outro enfoque ao sofrimento psíquico por meio de uma clínica que, em uma dimensão transdisciplinar, leva também em consideração as questões éticas, sociais, culturais e políticas que transcendem a prática psiquiátrica e a medicalização. O Programa Hospital-Dia, dentro do Sistema Único de Saúde, é uma das propostas para um outro agenciamento social da loucura, distinto do modelo da cultura manicomial com práticas em saúde que podem levar à condição de exclusão e de estigma social.

Com a proposta do Programa Hospital-Dia, começam a ser discutidas atividades diferentes daquelas do atendimento tradicionalmente oferecido à loucura, entendida como doença mental, a partir da clínica psiquiátrica, fundamentada em grades conceituais fechadas e praticadas, basicamente, pelo uso da medicação (Hoenisch, 2003). Assim, dentro dessa visão, o objeto de trabalho não deve ser a doença mental, mas o sofrimento psíquico, não se estabelecendo articulações com formas repressivas ou modelos mecânicos e individualistas, que estimulam o isolamento ou a segregação, ou que não inserem ou não priorizam o grupo familiar, a sociedade, a significação da cultura e da arte como forma de desenvolver o direito do exercício da cidadania no tratamento de pessoas.

Diante dessa nova proposta de atendimento do Sistema Único de Saúde, buscamos compreender quais concepções de saúde mental regem o Programa Hospital-Dia. Problematizamos a utilização desse espaço em sua efetividade na desinstitucionalização da doença mental e na desconstrução de discursos patologizantes que ainda reiteram as práticas hospitalocêntricas e medicalizantes que operam nos serviços de saúde mental.

Nosso trabalho foi realizado em um hospital geral na cidade de Porto Alegre. A escolha desse hospital origina-se do fato de ele ser considerado o único eminentemente público no Rio Grande do Sul, uma vez que a população atendida é, em sua totalidade, usuária do SUS. É uma instituição federal que atualmente possui quatro unidades hospitalares e doze unidades sanitárias localizadas nas comunidades da região leste da cidade, sendo o maior complexo hospitalar do Estado do Rio Grande do Sul e atendendo, em média, 100.000 pessoas por mês.

Em agosto de 1995, por solicitação da direção de uma das unidades desse grupo hospitalar, visando a atender a uma exigência do Ministério da Saúde, alguns profissionais da saúde começaram a pensar na implementação de um Hospital-Dia do Serviço de Saúde Mental (S.S.M). O Hospital-Dia caracteriza-se por ser um espaço intermediário entre o atendimento ambulatorial e uma internação fechada em hospital psiquiátrico. Ele abriga usuários que são egressos de internação hospitalar ou que enfrentam algum tipo de sofrimento psíquico grave no momento, encaminhados pelo ambulatório de psiquiatria. Diariamente, são desenvolvidas atividades de Arteterapia, Terapia Ocupacional e Educação Física, além de atendimentos nas áreas de Enfermagem, principalmente no fornecimento de medicação e nas atividades administrativas, como contatar familiares, emitir laudos de internação e boletins de atendimento.

Os usuários do Hospital-Dia são homens e mulheres que variam de 20 até 60 anos e que fazem parte da população atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente da região ou cidade onde moram. As queixas de saúde mais freqüentes que caracterizam a busca de ajuda para o sofrimento psíquico apresentam-se como taxionomias psiquiátricas, como depressão, ansiedades, transtornos de humor, fobias, síndrome de pânico, transtornos psicóticos, entre outras. Realizamos observações participantes2 em um grupo de discussão de usuários do Programa Hospital-Dia durante o período de 18 meses. Esse grupo constituiu-se em um espaço de fala em que os usuários conversavam sobre as práticas cotidianas, compartilhando diferentes modos de pensar e sentir sobre a experiência do sofrimento psíquico.

 

Vulnerabilidade social como prática discursiva

A fim de compreender o processo de construção da condição de vulnerabilidade social a partir das práticas discursivas presentes no cotidiano do Hospital-Dia, precisamos inicialmente refletir acerca da construção desse conceito. O termo "vulnerabilidade" começou a ser trabalhado na área dos Direitos Humanos e, mais tarde, foi incorporado ao campo da saúde, com os trabalhos realizados sobre AIDS na Escola de Saúde Pública de Harvard, por Mann, Tarantola e Netter (1993). As primeiras discussões articulavam dois estratos de visibilidade: de pessoas discriminadas socialmente, tais como homossexuais e usuários de drogas; e da doença AIDS, associada ao medo e à moral. Essa composição inicial - grupos específicos que remetiam a questões de medo e moral - levou à ampla disseminação do conceito "grupo de risco".

A conformação do conceito de vulnerabilidade sustenta-se nas implicações da objetivação do conceito de risco. O conceito de risco articula-se a marcadores, tais como comportamento e populações específicas. Essa estratégia individualiza certa condição de saúde/doença e a coloca na esteira de ações em termos de segurança e moralidade, ou seja, envolve formas de governabilidade das populações por meio de biopolíticas centradas em marcadores identitários. A objetivação da vulnerabilidade social desloca-se do campo da AIDS e da saúde exclusivamente e amplia-se para a esfera da vida social, juntando-se aos campos da Educação, do Trabalho, das Políticas Públicas em geral, na medida em que se refere às condições de vida e suportes sociais, e não à conduta, como marcava o conceito de risco.

Para Abramovay, Castro e Pinheiro (2002), a vulnerabilidade social é definida como situação em que os recursos e habilidades de um dado grupo social são insuficientes e inadequados para lidar com as oportunidades oferecidas pela sociedade. Essas oportunidades constituem uma forma de ascender a maiores níveis de bem-estar ou de diminuir probabilidades de deterioração das condições de vida de determinados atores sociais. Assim, o conceito de vulnerabilidade social está indiretamente vinculado com o de mobilidade social, posto que as possibilidades que indivíduos em vulnerabilidade social possuem em relação ao movimento nas estruturas sociais e econômicas são restritas em termos de modificação de inscrição social. Todavia, essa dificuldade de mobilidade social não pode ser reduzida às questões de pobreza ou de populações carenciadas. Vulnerabilidade não está restrita à categoria econômica - passa também por organizações políticas de orientação sexual, gênero, etnias e saúde mental.

Considera-se, então, que a conformação da vulnerabilidade social acaba sendo constituída em torno de conjunturas básicas: a primeira diz respeito à posse ou ao controle de recursos materiais ou simbólicos que permitem aos indivíduos se desenvolverem, se aperfeiçoarem ou se locomoverem na tessitura social; a segunda remete à organização das políticas de estado e bem-estar social que configuram os componentes e oportunidades que provêm do Estado, do mercado e da sociedade como um todo - ligeiramente associada à capacidade de inserção no mercado de trabalho e acesso às políticas de saúde, educação e assistência social; e, por fim, a forma como os indivíduos, grupos, segmentos ou famílias organizam os repertórios simbólicos ou materiais para responder aos desafios e adversidades provenientes das modificações políticas e estruturais que ocorrem na sociedade, de forma a se posicionarem em determinadas redes discursivas.

Nesse sentido, segundo Ayres (1999), a vulnerabilidade cresce quando aparecem algumas das situações a seguir: aumento da falta de informações precisas, relevantes e diretas; não-preocupação com determinadas pessoas em relação ao perigo exposto; inacessibilidade aos serviços básicos, como também a suprimentos e equipamentos; e falta de confiança ou credibilidade na sustentação de estratégias de saúde. Assim, direta ou indiretamente, as questões de vulnerabilidade social dizem respeito às políticas públicas, particularmente quando estas entendem o conceito de saúde como tendo um caráter macropolítico e plural. No caso do Sistema Único de Saúde no Brasil, as políticas públicas devem obedecer aos princípios de universalidade, integralidade, eqüidade e participação social como norteadores das ações em saúde, na medida em que determinam os rumos que as políticas tomarão, sendo organizados por diretrizes, ou seja, formas de operacionalização das ações que visam a obedecer ao princípio da política pública.

Dessa forma, a construção do conceito de vulnerabilidade social é discutida aqui não como um mapeamento linear das condições do sujeito ou do grupo, mas como um conceito que procura analisar e entender as formas de inscrição social por meio de práticas discursivas que conformam sujeitos e populações como vulneráveis. Isso leva a uma análise do conceito de vulnerabilidade social de forma complexa e polissêmica, da organização de diferentes vetores que obstruem o acesso aos bens, serviços; incluindo os de saúde e de educação, bem como de alteração de capital simbólico - ilustrado pelo posicionamento dos sujeitos nesses contextos (Castro, Abramovay, Rua e Andrade, 2001).

Hüning e Guareschi (2004) ressaltam a existência de práticas discursivas que normatizam o certo e o errado como algo produzido historicamente, tendo como preocupação a ordenação do mundo, percebida no projeto da modernidade como a busca pela ordem e progresso da humanidade, em que também estão incluídas as inscrições sobre o psiquismo. Assim, os portadores de sofrimento psíquico fazem parte de populações que se encontram fora da normalidade, das quais as políticas públicas em saúde se ocupam para poder torná-los sujeitos úteis, longe das ruas, pois sua inscrição como doentes os coloca fora de uma determinada ordem frente à sociedade. Dessa maneira, as práticas discursivas das ciências "psi", alinhadas ao projeto da categorização e normatização, legitimam os modos de ser de portadores de sofrimento psíquico como loucos, doentes mentais e, portanto, incapazes, necessitados ou vulneráveis sociais. É neste sentido que compreendemos as práticas psi como práticas discursivas que, extrapolando o campo disciplinar da psicologia, estão voltadas ao gerenciamento da subjetividade, capilarizando-se nas mais diversas práticas sociais. De acordo com Foucault (1995, p.235), "há dois significados para a palavra sujeito: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento". É sobre esses sujeitos e seus corpos que se voltarão as práticas discursivas preocupadas em produzir novos modos de agir, pensar, viver, enfim, produzir sujeitos usuários das políticas públicas em saúde mental.

 

Performatizando a doença mental

Utiliza-se aqui o conceito de performatividade a exemplo, como Judith Butler (1990) o trabalhou em gênero3, refletindo acerca das práticas discursivas sobre saúde e doença mental no âmbito do Hospital-Dia. Para isso, primeiramente, deve-se considerar a saúde mental como norma - algo que é continuamente reiterado e produzido como o original, aquilo que é natural. Diante dessa visão e pelo efeito da constante reiteração do saudável, estabelecem-se quais comportamentos e sentimentos podem ou não ser expressos abertamente, quais são permitidos e encorajados e quais são condenados.

A saúde mental pressupõe a existência da doença mental, pois suas concepções marcam indivíduos que são, então, definidos e codificados como doentes. Bauman (1999), em seu livro Modernidade e Ambivalência, mostra como as identidades, na modernidade, foram pensadas de forma dicotômica, da forma "nós - eles".

Ainda hoje, num mundo pós-colonial, existem discursos que sustentam o antagonismo entre dois termos considerados essenciais, por meio dos quais se forjam identidades que devem se auto-afirmar a partir do segundo termo da categoria: ou seja, a saúde só pode ser entendida pela doença, seu oposto, de uma forma binária, em que um só adquire sentido pela existência do outro. Bauman salienta que essas construções binárias fazem parte da classificação da ordem. Dessa maneira, "doente" e "sadio", "louco" e "normal" são termos considerados antagônicos; a relação transversal existente entre eles é mascarada e velada, de forma a naturalizar a existência dessa disposição nessas categorias.

Em um mundo de incertezas cada vez mais crescentes e de verdades postas à prova com intensidade e velocidade, a concepção de saúde e, por extensão, de doença mental estabiliza papéis e formações sociais que não são mais necessários ao funcionamento econômico do sistema. Portanto, tenderiam a desaparecer da forma como os concebemos se não fosse a sua constante reinvocação por meio da reiteração psiquiátrica e psicológica de uma normalidade na manutenção da saúde psíquica.

Uma vez que compreendemos que a saúde mental, como norma, reitera toda uma estruturação social e familiar por meio da qual visa a manter a "saúde", percebemos a organização de uma série de discursos "psis" que atuam na reiteração constante da normalidade e da doença e, portanto, da produção que estabelece a saúde mental e o seu "outro": a doença mental. Assim, as políticas em saúde mental atuam performativamente, produzindo formas de os sujeitos se pensarem e se constituírem na cultura em que vivem, nesse caso, a cultura da doença mental. O médico, no momento em que formula um diagnóstico do paciente como bipolar, por exemplo, efetivamente o está produzindo dessa forma. Isso receberá ainda maior respaldo pelo fato de ser o diagnóstico de um médico, portanto, de alguém apto a emitir esse tipo de sentença por estar sustentado em uma rede discursiva cientificista que atribui propriedade às palavras.

"Eu ando muito ansiosa, eu acho que preciso tomar mais um remédio".4

Desse modo, apresenta-se a noção ideal do que é ser saudável, que só pode ser aproximada por meio da encenação, da performance. A saúde mental, como uma noção ideal, só pode ser aproximada performativamente. Afirmando isso, não estamos negando a materialidade de determinada patologia, nem algumas causas físicas que podem estar provocando ou agravando determinado quadro de saúde. Uma das concepções de saúde mental que temos hoje em nossa sociedade está vinculada com a capacidade de controlar as próprias ações e sentimentos. A imagem estereotipada que normalmente temos da loucura marca justamente o limite dessa norma, pois as práticas discursivas sobre saúde, de maneira geral, remetem a algumas formas inteligíveis de que a doença mental é necessária para marcar o limite da sanidade e servir justamente de fronteira de uma normatização, ou seja, delimitando comportamentos e expressões convencionalmente aceitos. Assim, determinadas práticas discursivas efetivamente produzem os sentidos sobre o que é saúde e doença mental, que, ao serem significados pelos usuários, os produzem como sujeitos dessas práticas.

"A minha família diz que a minha filha está com hiperatividade porque eu não cuidei dela."

 

O Hospital-Dia e a produção de sujeitos da saúde e da doença mental

"Quem quer receita? Quem está precisando de receita?"

Os usuários do Programa Hospital-Dia, portadores de sofrimento psíquico, são interpelados por práticas discursivas cotidianas que os codificam como doentes mentais e os produzem como sujeitos desse sofrimento que, ao significarem essa experiência de vida, constroem um conjunto de verdades sobre a doença mental. O modo como homens e mulheres usuários do Hospital-Dia significam questões de sofrimento psíquico estabelece a maneira como se situam em relação ao contexto de vida familiar, social e profissional e às atividades do Programa Hospital-Dia, bem como ao uso de medicamentos - significados como um dos principais processos de filiação ou desfiliação de uma prática discursiva que posiciona sujeitos da saúde e da doença mental. Ou seja, questões que emergem das atividades de que os usuários do Hospital-Dia participam são consideradas uma possibilidade de eles se pensarem como sujeitos da "doença mental", ao mesmo tempo em que também permitem que se pensem como sujeitos de outros lugares ou contextos. É importante dizer que os modos como os usuários se posicionam em relação aos contextos de vida, especialmente ao contexto familiar e profissional, são pontuados pela questão da diferença. Essa diferença é significada, sobretudo, quando os usuários remetem ao olhar do outro. Esse outro é desde a família, amigos, filhos, profissionais da saúde e uso de medicação, até a sociedade como um todo.

"Ele acha que eu posso fazer alguma coisa com ela, machucá-la"; "ela chamava a polícia para o meu bem, eu sei disso".

Assim, as formas de esses sujeitos pensarem e compreenderem a si mesmos e ao mundo são constantemente interpeladas por determinadas marcas identitárias que os reconhecem como doentes mentais: "Mas o que esse cara aí tem? Ele é psicótico?"; "Ah, então, eu sou psicótico...". Essas marcas os inscrevem em determinadas formas de ser e de viver cuja referência é, principalmente, a impossibilidade de controle sobre si. Mesmo em se tratando de um programa situado no campo da Reforma Psiquiátrica, o Hospital-Dia é atravessado pelo discurso da psiquiatria clássica e da medicina higienista sobre loucura.

"A loucura acontece quando algo está no pensamento e vai para a ação... Se eu vejo o tênis do Carlos, por exemplo, e penso 'ah eu quero aquele tênis pra mim', isso é normal, agora, se eu vou lá e roubo o tênis do Carlos, aí já é loucura.."; ou, "o homem do filme tem surtos psicóticos, que é quando a pessoa fica fora da realidade, ouve vozes..."

Dessa forma, o reconhecer a si mesmo passa pelo olhar do outro, que avalia e categoriza. A loucura é vista como aquilo que faz com que os sujeitos se percebam como diferentes, restringindo-os a determinadas posições. As práticas discursivas relacionadas às incapacidades e impossibilidades presentes nos sentidos de um determinado discurso sobre doença mental os tornam vulneráveis ao olhar do outro, em contextos e momentos diversos da vida, como na família, no trabalho ou na sociedade em geral.

Da mesma maneira, o sofrimento psíquico é significado pelos usuários como aquilo que os restringe e os limita na significação de outras experiências nos contextos de vida em que circulam: "Eu sou psicótico". A concepção de ser "psicótico" coloca-os em uma posição mais passiva e vulnerável perante o discurso da saúde mental que prega a normalidade, bem como a necessidade de tutela na sociedade para o portador de sofrimento psíquico. Ou seja, uma pessoa psicótica não poderá fazer suas próprias escolhas, já que o pressuposto básico desse conceito diz que o psicótico rompe com a realidade e perde a racionalidade. Assim, as afirmações relacionadas às incapacidades e impossibilidades daqueles que possuem sofrimento psíquico são reiteradas, em alguns momentos, pelas atividades do programa.

"Doutora, será que podia me receitar aquele remedinho 'tri' bom para ficar felizinha?"

A reiteração das verdades produzidas por discursos classificatórios e a constante encenação de rituais "hegemônicos" agem instituindo sujeitos da doença mental no território do hospital, do médico, dos remédios e do espaço coletivo. A própria doença funciona como uma rede na qual cada um dos fatores acima funciona como dispositivo na produção do sujeito doente mental, invocado pelas práticas discursivas que marcam e subjetivam. John Austin (1962) afirma que uma teoria não só descreve os seus objetos de estudo, mas os produz, produzindo também os próprios sujeitos de que fala. Esse é o aspecto performático de qualquer teoria. Mas não são somente teorias que nos constituem, são ainda os próprios espaços pelos quais circulamos e os discursos que se entrecruzam em sua materialidade. O hospital é um exemplo disso. O doente não é constituído somente pela sua doença. A materialidade de sua doença é também construída pelo ambiente do hospital, pela dependência do médico, pela necessidade de tomar medicamentos. No caso da doença mental, tal dependência fica ainda mais explícita, pois a necessidade de falar com o médico, de correr atrás dele e de pegar a receita médica para comprar medicamentos constitui não só a ordem do discurso da doença mental, como também o sujeito desse objeto, nesse caso, tanto da saúde quanto da doença mental.

Se levarmos em conta o fato de que a linguagem se apresenta como um elemento produtor, ao contrário de um instrumento passivo (Butler, 1990), pode-se entender que a própria "descrição" de algum quadro clínico ou de uma doença em especial já constitui o sujeito do objeto que é falado. Dessa maneira, podemos explorar os saberes produzidos sobre a saúde mental a partir da produção da doença mental. É na codificação e na classificação dos objetos que a visibilização destes produz as normatizações e delimitações de domínios dos campos de competência como condição para a forma de conhecer e controlar a realidade para poder guiar as intervenções sobre ela, no caso, a da doença e da saúde mental.

 

Referências

Abramovay, M., Castro, M. G. & Pinheiro, L.C. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: Desafios para políticas públicas. Brasília, DF: Unesco.         [ Links ]

Austin, J. (1962). How to do things with words. Cambridge, MA: Harvard University Press.         [ Links ]

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Recebido em 9 de abril de 2007
Aceito em 11 de março de 2008
Revisado em 14 de março de 2008

 

 

Notas

1. No ano de 2001, foi aprovada a Lei da Reforma Psiquiátrica em âmbito nacional. A legislação da reforma psiquiátrica no Brasil, bem como a Comissão de Direitos Humanos, têm sido responsáveis pelas denúncias de maus-tratos e precarização da atenção à saúde mental e pela imposição de modificações nos modelos de atendimento psiquiátrico.
2. As observações participantes realizadas no grupo foram registradas como material de pesquisa em de notas de campo, logo após o término dos encontros.
3. Em seu livro Gender Trouble, Butler reconhece o gênero como flutuante, descontínuo e instável - uma construção histórico-social, ao invés de algo determinado e intrínseco ao indivíduo. Para a autora, o gênero é constituído e reconstituído em suas próprias manifestações, que, em vez de serem expressões de uma identidade interna, se tornam performances reguladas social e culturalmente por esse "operar gênero". As performances (ou atos performativos) constituem e reiteram o gênero no momento mesmo de sua encenação. Butler ainda aponta que, de outro modo, as performances podem estar a serviço tanto de uma redução do sujeito, com uma essência que deve ser mantida, quanto da reiteração de normas por meio da manutenção de categorias excludentes entre si: ou se é masculino ou se é feminino. Nestes termos, os dois gêneros são apresentados como categorias reduzidas e binárias, em que um só pode ser entendido a partir da existência do outro, isto é, o primeiro termo, "masculino", afirma-se a partir do segundo, "feminino", sua contraparte.
4. As falas referidas ao longo do texto foram retiradas dos encontros realizados com os usuários do Programa Hospital-Dia.

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