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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.8 n.4 Fortaleza dez. 2008

 

EDITORIAL

 

Corpo, violência e saúde diante de novas saídas subjetivas

 

Body, violence and health before new subjective ways

 

 

Intensificadas as formas de desespero do sujeito frente ao mal-estar promulgado pelos discursos da época, o corpo registra demandas que calam nas entrelinhas formadas pelos sinais e a ausência de palavra, um clamor por uma saída subjetiva que dê conta, entre tantos fenômenos, da proliferação de atos de violência.

Este número da Revista Mal-estar e Subjetividade apresenta uma discussão que encadeia a prevalência do corpo com os atos lançados sobre ele, os caminhos apontados dentro da perspectiva clínica e possíveis saídas reclamadas pelo sujeito.

Com tantas exigências lançadas sobre o sujeito, aumentam as exibições de montagens fantasmáticas sobre o imaginário do corpo, desde um simples adorno até a proposta radical da humanização do corpo-máquina, tudo isso causado, quiçá, pela constante maquinização do corpo humano. O que fica posto na demanda é a invenção de um novo corpo que possa criar, e até sugerir, uma espécie de sustentação do impossível, uma ordem que remete à angústia desencadeada pela apelativa dimensão de gozo que impera a partir dos discursos constituídos.

Corpo como matéria, como gozo, é o que se produz e se destaca em maior escala dentro dos discursos constituídos e, em última instância, é o elemento que deve ser buscado para o entendimento do mal-estar da época. É por esta via que se pode interrogar onde se situa o sonho como expressão máxima de um inconsciente e quais as demais formações que lhes são caras para que o psicanalista possa trabalhar com o que é próprio do dispositivo analítico.

Como bem nos lembra Donald Winnicott haveria uma fronteira por demais importante e que não pode ser desprezada entre o corpo e a psique. Esta fronteira serve como referência a um dado de extrema valia quando pensamos a concepção de saúde. Implica em admitir que a saúde do sujeito esteja prestes a ser afetada profundamente, toda vez que o corpo entra em manifestação, ou pela demanda de uma representação ou pela constatação de que algo não vai bem na interioridade corporal. Assim, entendemos que há uma continuidade do ser que transita entre corpo e psique, entre o sujeito e o Outro social.

Por este caminho podemos pensar que o inconsciente é psicossomático. A base para pensar este movimento é a incisão realizada por vários estudos, considerando a presença da corporeidade nos sintomas psíquicos e o estatuto das pulsões em mão dupla, indo do corpo ao psíquico e do psíquico ao corpo. Para a efetivação deste percurso, é preciso ter em mente que o gozo imprimido no corpo - e destacado como uma busca desesperada por uma saída - seja deslocado ao campo da palavra na direção da cura. É esta a forma do trabalho psicanalítico.

Mas, quais são os efeitos provocados sobre a psique decorrente do massacre discursivo oriundo dos imperativos de gozo em nossa época?

Podemos constatar os efeitos na ordem do ato subjetivo e a sua aplicação no campo da experiência de vida do sujeito. Neste sentido a violência que se apresenta como fenômeno social é um produto também social. Um produto historicamente reconhecido, exigindo do profissional uma posição capaz de analisar a relação de efeitos causados sobre o sujeito, com os elementos captados por ele em função do quadro político-social. Desta forma, entendemos os efeitos gerados pelos saberes e práticas sociais dirigidas ao cidadão. Esta é uma preocupação indispensável, pois o sujeito se atualiza no Outro social e o que parte dos discursos afeta, sobremaneira, a posição do sujeito, evocando uma saída subjetiva.

Assim, podemos conectar a realidade social com a ordem imperativa do consumo, i.e., pelo discurso que afeta o sujeito e que o faz atuar contra o corpo do outro e, quase sempre, com e contra o seu próprio corpo. É por esta via que podemos traçar algumas reflexões psicossociológicas sobre o fenômeno da violência que se atravessa na ordem constituída e chegar a uma dimensão da produção de mal-estar que conclama o sujeito a responder com o que pode.

Como efeitos mais drásticos, esta ordem discursiva impõe ao sujeito respostas fundamentadas em atos masoquistas, retomando o centro da discussão freudiana quando se pergunta pelo guardião do psiquismo e suas conseqüências narcotizantes. Respostas que o discurso jurídico se vê implicado na dimensão subjetiva do cidadão, contribuindo para o estudo da violência e a vitimização da mulher no contexto social vigente.

Os efeitos se deixam notar também em sala de aula, na medida em que forças político-ideológicas vão disputar o valor de verdade sobre os sintomas. Estas verdades causam disputas entre alunos em formação, - quanto ao lugar de uma legitimização dos discursos vigentes - e deixam transparecer o quão implicado cada sujeito se encontra no processo de validação dos discursos constituídos. Servem para indicar, também, os sinais da crise subjetiva, da resistência e a emergência de singularidade do sujeito. É um excelente indicador dos efeitos discursivos e da maneira como a resistência subjetiva se instala na perspectiva do profissional em formação.

São conseqüências que nos levam a repensar o lugar da subjetividade que um mundo globalizado e totalmente mercantilizado destina aos sujeitos portadores de deficiência diante de discursos que, afetados por esta lógica do consumo, imprimem uma matriz de preconceitos sob uma perspectiva sutil da eficiência.

Em função desta nova ordem são pertinentes novas reflexões sobre o estabelecimento do dispositivo analítico e o lugar reservado à questão da resistência, que advém das novas formas de subjetivação.

Assim, frente a situações analíticas que se tornam rígidas e estagnadas, as concepções de Steiner oferecem uma reflexão valiosa sobre as mudanças na escuta clínica que possam acolher a necessidade do paciente em ser compreendido no seu processo transferencial.

Na mesma direção, com a difusão dos chamados pacientes difíceis, que se intensificam na prática analítica e que denotam a dinâmica psíquica em jogo atualmente, os trabalhos de Michael Balint lançam uma proposta para se pensar a clínica psicanalítica a partir das relações objetais primárias. O recorte dado a esta leitura se apóia na teoria do amor primário e nas modalidades de vínculo defensivas.

Uma pesquisa realizada no campo da música traz sua contribuição sobre a função estabelecida entre o cimento social e a ideologia impressa no cotidiano. Esta condição afeta a economia psíquica dos sujeitos, causa efeitos nos laços sociais e, em decorrência de adesões e rechaços de estilos musicais, promove estereótipos extraídos da ordem discursiva em que vivemos atualmente.

 

Henrique Figueiredo Carneiro
Editor e organizador

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