Revista Mal Estar e Subjetividade
ISSN 1518-6148 ISSN 2175-3644
EDITORIAL
A Estética da experiência e da plasticidade da dor
Dedicamos este número a uma reflexão sobre a estética da experiência e da plasticidade da dor, vistas de diferentes perspectivas.
São perspectivas que se deslocam da concepção da fantasia que sustenta o sujeito na experiência do ócio que regula o suporte para o sofrimento. No teatro da crueldade e do enlouquecimento em Antonin Artaud e nas práticas de modificação corporal em diferentes sociedades e períodos históricos. Nas diversas relações de trabalhos e seus efeitos de dignidade ou de humilhação. Na experiência estética da melancolia extraída de obras literárias. Na investigação dos conceitos de plasticidade cerebral, epigênese e normatividade na clínica psicanalítica com pacientes neurológicos. Finalmente, na experiência clínica fundada no acolhimento, na espontaneidade e na criatividade como forma de significação.
Nesta direção, o leitor entrará em contato com as várias formas de tratamento da dor, de um modo diferente da saída tomada pela via da intervenção farmacológica. A estética da plasticidade e da experiência dedica à dor outra via de tratamento sobre o sofrimento calcado no trauma e na lógica que afirma - pela insistência do inconsciente - um luto incurável. Uma saída viabilizada pelos dispositivos que apostam na construção do sentido e na via da representação. Esta é a direção valorizada nos diversos pontos cotejados neste número.
Começamos com uma leitura sobre a dimensão da sombra e a construção do eu que engendra no sujeito a possibilidade da fantasia e comporta a co-existência da relação entre o possível e o impossível. Assim, o terror é uma forma de acesso à dor subjetiva e descortina através da angústia, uma relação problemática do sujeito com o outro, com o desejo, com a palavra, com o corpo e com o gozo. Desde outra perspectiva do conhecimento, os estudos do ócio estético indicam a existência de alguns valores desta experiência importantes na formação do psiquismo para a compreensão da realidade.
Com Antonin Artaud esta lógica da insistência na estética da dor fica posta a partir das suas primeiras tentativas de tratar o gozo através do teatro da crueldade e do enlouquecimento, movimentos que acabam por mortificá-lo e levá-lo ao silêncio. Será a experiência da tradução que vai promover a ruptura do silêncio mortificante, devolvendo-o a possibilidade de estabelecer um laço social. Laços possíveis pela tradução, mas nem sempre passíveis de sustentação nas atividades cotidianas, como pode ser visto na dor vivenciada pelas vítimas de assédio moral. Laços que são impelidos pela posição subjetiva e dores que afluem em cada ruptura como numa obra literária, servindo de apoio ao protagonismo de uma vida, similar ao drama de Fausto de Goethe. Experiências que jogam com o saber, a verdade, a estética, a inibição.
São experiências de vida que acompanham o processo degenerativo do ser-homem ao longo da história a partir de um resgate das concepções e valores depositados no corpo em diferentes sociedades e períodos históricos. Um dado histórico que esteticiza o corpo, tornando-o uma espécie de mercadoria. São estéticas que exigem dos que trabalham com atividades socialmente subavaliadas um esforço gigantesco para sustentar a dignidade de existir no laço social, como pode ser visto em uma pesquisa com catadores de lixo na cidade de Fortaleza e que exige a reflexão de categorias fundamentais para uma abordagem teórica e prática que oriente a clínica psicanalítica com pacientes portadores de distúrbios neurológicos.
Experiências da estética do corpo e a posição do sujeito sobre a sexualidade. Sexo como lugar do prazer e da dor existencial, quando sempre se apresenta um impasse na busca pela felicidade e causa uma interrogação sobre os laços sociais. São classificações que clamam por uma ressignificação sobre o sofrimento psíquico grave na clínica com crianças utilizando a psicanálise como referencial teórico renovador.
Enfim, são estéticas da experiência e da plasticidade vividas na perspectiva de uma ordem discursiva que nos sugere a introdução e a manutenção de práticas pautadas nas tecnologias e nas ciências que se unem transformando as vidas. São estéticas da dor que evocam uma atualização de leituras sobre a lei e o narcisismo, sobretudo por gerar uma plasticidade formada em torno do sofrimento psíquico e sua relação com o sujeito, a sociedade e a cultura.
Henrique Figueiredo Carneiro
Editor e Organizador