Revista Mal Estar e Subjetividade
ISSN 1518-6148
CECCARELLI, Paulo Roberto. Don Quixote e a transgressão do saber. []. , 9, 3, pp.917-937. ISSN 1518-6148.
^lpt^aA partir de algumas passagens do texto de Cervantes Don Quixote de La Mancha, o autor propõe reflexões sobre a questão da realidade, da verdade, do saber e de sua transgressão. Don Quixote morre em paz após ter deixado a incerteza da realidade, visitado a loucura da certeza, e, finalmente, ter-se resignado ao fato de que qualquer abordagem da realidade é sempre uma construção que tem, também, a função de um mito fundador. Para aprofundar o debate sobre a questão, o autor utiliza algumas referências da física quântica a fim de fazer um diálogo transdisciplinar entre esta disciplina e a psicanálise para mostrar que tanto para uma, quanto para a outra, a realidade é sempre uma construção. O autor sustenta que, justamente por ser uma construção, a verdade será constantemente destituída para ceder lugar a outra que, por sua vez, será também destituída. Cervantes pertence à tradição intelectual de Erasmo de Roterdam, e seu Don Quixote deambula pelo universo de Erasmo no qual qualquer verdade é suspeita, e tudo banha na incerteza. Don Quixote de La Mancha é o resultado do encontro da sabedoria de Roterdam com a loucura de La Mancha. Ao ultrapassar o "sabido", Don Quixote transgride uma verdade até então tida por sagrada e como garantia de um saber e, por conseguinte, de um possível controle sobre o mundo. A transgressão produz momentos de virada sem que exista, evidentemente, uma transgressão ultima, o que equivaleria a recriar o mito de um conhecimento absoluto. Segundo a autor, falta à prática teórica-clínica atual o movimento transgressivo necessário para deixarmos o abrigo das verdades construídas.^len^aBased on some excerpt from Cervantes' Don Quixote de La Mancha, the author proposes some reflections on reality, on truth, on knowledge and on transgressing knowledge. Don Quixote dies in peace after having quit the incertitude of the reality, visited the madness of certitude, and, finally, having resigned himself to the fact that any approaching of reality is always a construction that has, also, the function of a foundation myth. To go further into the debate, the author uses some references of quantum physics in order to establish a dialogue between this subject and the psychoanalysis in order to show that for both of them reality is always a construction. The author sustains that, precisely because it is a construction, truth will constantly be replaced to make place to another one that, in turn, will also be replaced. Cervantes belongs to the intellectual tradition of Erasmus de Rotterdam, and his Don Quixote rambles thought the universe of Erasmus in which every truth is suspected, and everything bathes in incertitude. Don Quixote de La Mancha is the result of the wisdom of Rotterdam and craziness of La Mancha. By transgressing the "known", Don Quixote transgresses the truth that up to then was taken for sacred and as a guarantee of knowledge and, therefore, of a possible means of controlling the world. Transgression produces turning points but there is not such a thing like a "final transgressing", which would be the equivalent of recreating the myth of an absolute knowledge. According to author, both our theoretical and clinical practices lack the necessary transgressing movement that would force us to abandon the shelter of constructed truths.
: .