Revista Mal Estar e Subjetividade
ISSN 1518-6148
AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS
Subjetividade e trabalho na educação
Subjectivity and work in education
Subjetividad e trabajo en educación
La subjectivité dans l'éducation et le travail
Lúcia Almeida da SilvaI; Nair Iracema Silveira SantosII
IMestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS, psicóloga da Secretaria de Educação do município de Porto Alegre. End.: Rua Mampituba, 246, Ipanema. CEP: 91760-540 - Porto Alegre - RS. E-mail: lusalm@yahoo.com.br
IIDoutora em Educação pela UFRGS, professora associada no Instituto de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. End.: Rua Mampituba, 246, Ipanema. CEP: 91760-540 - Porto Alegre - RS. E-mail: lusalm@yahoo.com.br
RESUMO
A Educação e o contexto de trabalho nas instituições de ensino são temas recorrentes na análise de especialistas e teóricos, em virtude das novas configurações sociais e dos processos sub-jetivos que nestas se constituem. Em grande parte dos discursos surgem questões quanto aos novos métodos e intervenções pedagógicas e em relação aos desafios frente aos problemas contemporâneos. A Educação está incluída na rede social, atravessada, o tempo todo, por forças, relações de poder e saber que determinam modos de ser e agir. Os professores sofrem os efeitos destas novas composições sociais, tanto nas diferentes relações e laços sociais estabelecidos no cotidiano escolar quanto em seu próprio modo de trabalhar. Propomos, como objetivo central deste artigo, problematizar como vem se configurando a subjetividade do educador compreendido desde o lugar de trabalhador. Examinamos as diferentes configurações sociais que produziram a trajetória histórica da escola no Brasil, a fim de entendermos as transformações que se operam e os processos de trabalho que se engendram, construindo diferentes modos de ser e de trabalhar na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME). Esboçamos uma análise discursiva, com inspiração no diálogo entre estudos de Michel Foucault e Gilles Deleuze, considerando falas de professores e diretores contidas em diários de assessorias, reuniões e formações com professores da RME, tomadas como analisadoras do processo de construção histórica de discursividades. Destacamos a queixa como expressão do sofrimento e adoecimento de professores no trabalho, produzida por discursos e práticas hegemônicas que colocam o professor-trabalhador neste lugar de fragilidade e impotência, efeitos da racionalidade neoliberal, lógica que opera na regulação de condutas e nos processos de subjetivação na atualidade.
Palavras-chave: Subjetividade, trabalho, educação, sofrimento, discurso.
ABSTRACT
Education and the work context in educational institutions are recurring themes in the analysis of experts and theorists, in view of new social configurations and subjective processes that are included in them. In almost all discourses, questions on new pedagogic methods and interven-tions, as well as on the challenges to face contemporary problems are raised. Education is em-bedded in the social net and it is trespassed, all the time, by forces, power and knowledge rela-tions that define modes of being and acting. Teachers suffer the effects of these new social for-mations, both in relation to the different social bonds and relationships that are daily established at school, and in relation to their own working mode. This article's aim is to discuss how the edu-cator's subjectivity is being configured, considering him from a worker position. We examined the different social configurations that were produced during the Brazilian educational historical de-velopment in order to understand the transformations that take place and the work processes that are produced, constituting different modes of being and working in the Porto Alegre Municipal Education Net (RME). We delineated a discourse analysis, inspired by a dialogue between the studies of Michel Foucault and Gilles Deleuze, considering teachers and principals' discourses found in files of counseling, meetings and training with teachers of RME, taken as analyzers of the historical construction of discoursivities. We emphasized the complaint as an expression of teacher's suffering and illness at work, produced by the hegemonic discourses and practices that put the teacher-worker in a place of weakness and impotence, effects of a neoliberal rationality, a logic that operates on the behavior regulation and today's subjectivity processes.
Keywords: Subjectivity, work, education, suffering, discourse.
RESUMEN
La Educación en el contexto del trabajo en las instituciones educativas son temas recurrentes en el análisis de especialistas y académicos, en virtud de los nuevos procesos sociales y subjetivos que los constituyen. En la mayoría de los discursos surgen cuestiones en cuanto a los nuevos métodos y las intervenciones pedagógicas frente a los problemas contemporáneos. La educación está incluida en la red social, atraviesa el tiempo todo por las fuerzas, las relaciones de poder y saber que determinan los modos de ser y hacer. Los profesores sufren los efectos de las composiciones sociales nuevas, tanto en las diferentes relaciones y vínculos sociales esta-blecidos sobre su diario vivir en la escuela, como en su propia manera de trabajar. Proponemos, como objetivo central de este artículo, discutir las formas de configuración de la subjetividad del maestro entendido desde su lugar de trabajador. Examinaremos cómo diferentes entornos so-ciales ha producido la trayectoria histórica de la escuela en Brasil, a fin de comprender las trans-formaciones que se operan y los procesos de trabajo que están engendradas, construyendo diferentes formas de ser y de trabajar en las escuelas municipales de Porto Alegre (RME). Es-bozamos un análisis del discurso, inspirada en el diálogo entre los estudios de Michel Foucault y Gilles Deleuze, teniendo en cuenta los discursos de los maestros y directores, de acuerdo con los archivos de asesoramiento, reuniones y capacitaciones con los maestros de RME. Los discursos serán tomados como analizadores de la construcción histórica de los discursos. Destacamos la queja como una expresión de sufrimiento y enfermedad de los docentes en el trabajo, producida por los discursos hegemónicos que ponen al maestro-trabajador en el lugar de la debilidad y la impotencia, efectos de la racionalidad neoliberal que opera en la regulación de los comportamientos y el proceso de la subjetividad en la actualidad.
Palabras-clave: Subjetividad, trabajo, educación, sufrimiento, discurso.
RÉSUMÉ
L'Éducation et le contexte de travail dans les établissements d'enseignement sont des thèmes récurrents dans l'analyse des experts et des théoriciens, en raison des nouveaux paramètres sociaux et des processus subjectifs qui constituent ces derniers. Dans la plupart des discours questions se posent quant à de nouvelles méthodes et les interventions pédagogiques, sur les défis auxquels font face les problèmes contemporains. L'éducation est incluse dans le réseau social, traversé tout le temps par des forces, les relations de pouvoir et de savoir qui déterminent les modes d'être et d'agir. Les enseignants souffrent les effets de ces nouvelles compositions sociales, à la fois dans les différentes relations et les liens sociaux établis au quotidien à l'école, dans sa propre façon de travailler. Nous proposons, comme un objectif central de cet article, problématiser comme se configure la subjectivité de l'enseignant à partir de la place du travailleur. Nous avons examiné les différents paramètres sociaux qui ont produit la trajectoire historique de l'école au Brésil, afin de comprendre les transformations qui s'opèrent et les processus de travail qui sont engendrés en contruisant de différentes manières d'être et de travailler dans le Réseau Municipale d'Enseignement de la ville de Porto Alegre (RME). Nous avons esquissé une analyse discursive, inspiré par le dialogue entre les études de Michel Foucault et Gilles Deleuze, compte tenu de mots des enseignants et des directeurs contenus dans les journaux des conseils consultatifs, des réunions et des formations avec les enseignants du RME, pris comme des analyseurs du processus de construction historique des discours. Nous avons mis en évidence la plainte comme une expression de la souffrance et de la maladie des enseignants au travail, produites par les discours et les pratiques hégémoniques qui mettent l'enseignant-travailleur dans cette place de faiblesse et l'impuissance qui sont effets de la rationalité néolibérale, logique qui opère dans la réglementation des conduites et dans les processus de la subjectivité dans l'actualité.
Mots-clés: La subjectivité, le travail, l'éducation, la souffrance, le discours.
Introdução
Nesse percurso nada mais é fixo; nada mais é origem, nada mais é centro, nada mais é periferia, nada mais é definitivamente, coisa alguma. (Rolnik, 1990, p.62)
A escola entendida enquanto parte da sociedade capitalista, sofre com os efeitos da mutação constante da própria vida, sendo pressionada pelas forças sociais a produzir mudan-ças no seu fazer, nos seus padrões de ensino, nos seus objetivos enquanto espaço educativo. Enfim, exige-se que esta possa acompanhar as novas exigências e demandas de alunos que transitam por outros cenários de aprendizagens. Em tempos de rapidez e fugacidade, novas necessidades se produzem frente aos desafios sociais, presentes também para a Educação. A necessidade de formação continuada vem suprir esta falta, surgindo capacitações, reciclagens, cursos, palestras, livros, especializações, para transpor o mais rápido possível os obstáculos.
Neste processo a escola é afetada, na medida em que é desacomodada depois de sé-culos de um mesmo fazer. Sofre em ter que mudar, rompendo com padrões de ensino-aprendizagem até então naturalizados. Os professores sofrem ainda mais nessa mudança, por-que percebem o paradoxo de suas ações e de seus sentimentos. Por um lado, gostariam de continuar fazendo a educação como aprenderam e da forma como ainda sabem, por outro, percebem "na carne", no dia-a-dia da sala de aula, que este fazer não dá mais conta das necessidades de seus alunos.
Ao revisitar a trajetória histórica da escola, procura-se entender as transformações que se operam e os processos de trabalho que se engendram em seu interior, produzindo modos de ser e modos de trabalhar. Os autores Rocha e Gomes (2001) e Romanelli (1986) trazem contribuições importantes sobre o desenvolvimento do trabalho do professor no Brasil discutindo os efeitos desta história na precarização do trabalho e sobre o consequente adoecimento dos trabalhadores.
Barros (2004) aponta as lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real, salientando que é nesta brecha que se desenvolvem as vivências subjetivas e intersubjetivas no trabalho. Contudo, o acesso a estas vivências somente é possível através da fala dos trabalhadores sobre suas atividades, pois o especialista em termos do trabalho é o próprio trabalhador.
A partir destes referenciais trazemos à cena as falas e discursos produzidos pelos pró-prios professores, pois entendemos que a partir da análise destas falas e discursos temos a possibilidade, de colocar em pauta outros saberes, "saberes locais, não legitimados pelos saberes hegemônicos" (Foucault, 2005).
A análise se desenvolve a partir dos diários de assessoria e dos diários de formações realizadas no cotidiano de trabalho da equipe de psicologia da Secretaria Municipal de Educa-ção, junto aos professores das escolas infantis, fundamentais e especiais da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Destacam-se destes diários as falas e os discursos que se situam no campo de práticas dos professores-trabalhadores, pois estes se constituem nas relações cotidianas através dos mecanismos e estratégias em relações de saber-poder. Estas falas são tomadas como analisadores1 deste processo de construção histórica de subjetividades.
O artigo foi desenvolvido através da análise do discurso, sob inspiração no diálogo entre estudos de Michel Foucault e Gilles Deleuze, a fim de compreender como se constrói a discursividade acerca da subjetivação do educador enquanto trabalhador, que formas de poder a constituem, dentro do campo específico da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED). Examinou-se como os professores constituem suas práticas a partir dos tensionamentos, dos embates e dos atravessamentos éticos e políticos da sociedade contemporânea.
Um Pouco de História da Educação
Segundo Romanelli (1986), durante a Primeira República no Brasil, a educação era vol-tada para a cultura europeia e destinada à minoria mais favorecida da sociedade, fortalecendo a distinção das classes e a exclusão da população do acesso ao ensino. Neste período o "professor era o centro do processo", ele era o "responsável pelo processo de trabalho como planejamento, metodologia e avaliação, em uma escola pouco estratificada em funções", ocupando um lugar de reconhecimento frente à sociedade devido à elitização da Educação.
A partir da década de 30, durante a Segunda República, inicia-se a liberalização da so-ciedade brasileira. O desenvolvimento industrial e a urbanização criaram a necessidade de ex-pandir o ensino à população, no intuito de aumentar a oferta de mão de obra qualificada e a organização de um mercado consumidor interno. A demanda social de educação cresce e pres-siona a expansão e a democratização do ensino formal, principalmente nas regiões mais urba-nizadas do país, acarretando o aumento das contradições no sistema educacional brasileiro.
Este processo exigiu do Estado uma modificação profunda na escola. Com o objetivo de democratizar a educação, centrou-se o ensino no aluno, já que antes, enquanto este era centrado no professor, se constituía como espaço autoritário e discriminatório. Nesta concepção ingênua o "problema" era apenas o enfoque do ensino, não sua forma de organização, ou seu método, ou questões políticas envolvidas.
Na Segunda República, podemos evidenciar o início do processo de desvalorização do magistério e a deteriorização das condições de trabalho pelo crescimento quantitativo da rede de ensino sem recursos suficientes para o planejamento adequado. (Rocha & Gomes, 2001, p.256)
Rocha e Gomes (2001) destacam dentre as consequências deste período: a consolida-ção da dicotomia entre cultura escolar e realidade social, incluindo o mundo do trabalho; a en-trada de muitos professores leigos nas escolas e a popularização do ensino, que contribuíram para o fracasso escolar; a responsabilização do professor por não reclassificar os sujeitos na sociedade, dando início ao processo de crítica e desvalorização do magistério.
O Estado Novo traz a implicação da educação com a sociedade industrial, mas ligada ao nacionalismo e autoritarismo como forma de governo. A ênfase no tecnicismo e na diferença entre trabalho manual e trabalho intelectual retirou do professor seu lugar de trabalhador, já que ensinar, estudar e pensar não eram atividades consideradas como trabalho.
Durante os vinte anos de regime militar, a política econômica e educacional contribuiu para a transformação da configuração da classe docente, devido a três fenômenos, segundo Garcia e Anadon (2009):
(...) a rápida expansão numérica demandada pela obrigatoriedade da escola fundamen-tal de oito anos instituída pela Lei n. 5.692/71, a aceleração da formação docente pro-posta pela reforma universitária de 1968 e o arrocho salarial durante todo o período da ditadura. (p. 67)
A perda de status social e econômico aproxima os professores das lutas políticas e sindicais dos demais trabalhadores. Após um período de greves e mobilizações, principalmente no final da década de 1970 e na década de 1980, a categoria reconquista reconhecimento social e obtém pequenos reajustes salariais, mas que nem de longe recuperam as perdas advindas do período militar.
Na década de 1990 o Brasil inicia a Reforma do Estado com o objetivo de alavancar a modernização e a inserção do país no mundo globalizado, buscando melhorar a qualidade, aumentar a competitividade e reduzir custos dos serviços públicos. A racionalidade empresarial e as teorias organizacionais do mundo globalizado de acumulação flexível adentram a estrutura estatal, incutindo a racionalidade mercantil na esfera pública e, consequentemente, na educação.
A educação, como uma importante instituição social, também é alvo de sucessivas re-formas. Do fim do governo militar até os dias de hoje, a educação vai adquirindo cada vez mais um cunho político e menos pedagógico, decorrente da instituição de programas e projetos de governo na área da educação. Essas reformas passam a ser realizadas em gabinetes, por especialistas, sem a interferência ou discussão com os professores. Neste período reforça-se a presença de especialistas nas escolas, estabelecendo uma relação de tutela dos professores com relação aos técnicos, que, ao mesmo tempo em que isenta os professores de alguns encaminhamentos e decisões, os retira do processo de intervenção e desqualifica seu saber acerca do aluno.
A organização taylorista/fordista do trabalho se mantém na escola, instituindo a hierar-quia e a burocratização no ensino, onde o professor passa a executar políticas e tarefas, muitas vezes, distantes das discussões pedagógicas das diferentes realidades brasileiras.
As práticas são normatizantes e o trabalho do professor e do aluno exige pouco pen-samento, sendo que o que ganha consistência é a rotina enquanto execução mecânica da tarefa. Nessa linha de montagem, o importante é a competência da equipe que planeja, enquanto o professor perde a dimensão do sentido do seu trabalho. (Rocha & Gomes, 2001, p.260).
Além das características fordistas presentes no trabalho da educação, vemos, a partir do final do século XX, as reformas e políticas da educação pautadas pelo ideário neoliberal e por diretrizes ditadas por organismos financeiros internacionais, os quais levam à intensificação e à precarização do trabalho docente.
A Educação no Contexto Neoliberal:
Essa nova racionalidade, implícita nas reformas educacionais do final do século XX, volta-se para o governo1 da subjetividade dos educadores, através da qual lhes é imputado o controle do seu próprio trabalho.
Políticas de descentralização administrativa e financeira, combinadas com controle central das políticas trazem a possibilidade de gerenciamento das escolas, quando a educação passa a ser pautada pela gestão pedagógica, política, financeira e administrativa. As escolas possuem autonomia na gestão escolar, mas esta autonomia é controlada, não tanto por meca-nismos externos, mas por mecanismos internos de controle. Estabelece-se o controle social, onde todos são responsáveis pelo bom gerenciamento da escola, (direção, professores, pais, alunos, comunidade escolar e, agora, os amigos da escola).
Autonomia vigiada de dentro, onde o controle é englobado no dia a dia de trabalho do professor que logo o assume e passa a exigir-se cada vez mais, tanto no trabalho direto com os alunos, quanto na sua formação profissional. Muitas escolas e redes de ensino inserem a formação continuada na carga horária de trabalho dos professores.
Estas características do trabalho flexível pautam os modos de trabalhar na escola. O acionamento destes mecanismos de controle reproduz na escola a lógica das competências e eficiências individuais, assim como nas empresas modernas onde o foco privilegiado é o estímulo à competição com aumento da produtividade.
O trabalhador passa a ser sujeito e não mais objeto da economia. Como sujeito, ele to-ma posição, é objetivado e subjetivado como trabalhador. Não é mais constituído pelas forças econômicas, mas passa a constituí-las. É a emergência da possibilidade de subjetivação no campo do trabalho pela dobra das forças sobre si mesmas. A produção deste espaço de subjetivação possibilita a emergência do professor como trabalhador, como sujeito desta máquina econômica.
A demanda dirigida ao professor-trabalhador contempla a polivalência e a flexibilidade, em detrimento da especialização. O professor-trabalhador deve ser capaz de integrar à sua especialidade outras áreas de conhecimento e de ação que ampliem suas possibilidades de aproveitamento no ambiente escolar.
Esta suposta autonomia das escolas possibilita, ainda, a entrada de outras responsabi-lidades no âmbito escolar, resultante da intensificação da vida e do trabalho na sociedade, que imputa aos sujeitos um ritmo de vida cada vez mais acelerado, dificultando às famílias o cum-primento de obrigações e tarefas que hoje estão sendo delegadas às escolas.
A intensificação e a precarização do trabalho docente pode ser observada no ritmo acelerado que adentra o território escolar, na necessidade de formação continuada, na desqualificação da formação profissional pela pedagogia oficial das competências, na ampliação das tarefas da escola, no desempenho de tarefas administrativo-burocráticas, nos salários que ainda não recuperaram as perdas advindas do período militar, trazendo a necessidade do alargamento das jornadas de trabalho.
Observa-se que a sobrecarga diária do trabalho nas escolas, aliada à crescente desva-lorização do trabalho na educação, bem como a inserção de um caráter mais tecnicista e políti-co, vem tornando a escola cada vez mais burocratizada e flexível.
As Configurações Sociais2
Essa passagem de um modo de ensino a outro, nos remete à transição progressiva de um tipo de configuração que o social engendra a outro, com seus regimes de poder, modos de viver e de estabelecer relações entre as pessoas. Segundo Silva (2005) são as práticas humanas que marcam estas configurações, sendo que estas práticas são reguladas pelo modo de produção capitalista.
A autora ressalta que a discussão das formas como a sociedade resolve suas proble-máticas não pode ocorrer pela via do julgamento moral, mas pela discussão ética das práticas humanas dentro de determinado contexto. Assim sendo, em cada período histórico há a criação de estratégias distintas, para a resolução de questões que são colocadas pela própria sociedade. Cada cultura define o que é certo ou errado, e traz no seu discurso o valor moral construído na sua época. O princípio ético é assim marcado pela cultura.
Silva (2005) identifica três configurações do social, sendo que a primeira começa a delinear-se tendo como questão uma problemática formulada em torno do campo assistencial. Para lidar com as pessoas que não se enquadravam nas normas sociais da época, e "cujas necessidades não eram supridas dentro do próprio tecido informal das relações sociais", foram criadas as instituições assistenciais de confinamento.
Tem-se a exemplo disto os manicômios, os asilos de idosos e doentes, os leprosários e as prisões, onde eram confinados todos aqueles que necessitavam de assistência ou que destoavam da ordem social vigente. Nesta prática de confinamento a lógica da segregação se faz presente, marcando a divisão entre o dentro e o fora, sob um controle visível. É neste momento que surge, também, a escola como a conhecemos hoje, com seus tempos e espaços definidos dentro de uma lógica disciplinatória.
A segunda configuração do social é marcada pela Revolução Francesa e pela Revolu-ção Industrial, que demarcam a dicotomia entre trabalho e capital, trazendo as primeiras noções de Direito, num sentido de direito do cidadão, direitos humanos, fundando, desta forma, a pro-dução do "indivíduo" e de individualidade. A matriz individualizante já está presente na lógica do confinamento, mas ela ganha importância e surge como objeto de investigação neste momento, produzindo o modo indivíduo3.
A noção de indivíduo é então forjada através da lógica disciplinar instaurada no interior de um ambiente fechado, a partir da sujeição dos corpos a uma regra de visibilidade no espaço e a uma regra de segmentaridade no tempo; com isso, seria possível exercer uma vigilância generalizada. (...) O poder disciplinar se encarregará então de vincular cada indivíduo a uma identidade bem determinada de uma vez por todas e criar assim a ideia de uma subjetividade privatizada. (Silva, 2005, p.32)
O modo de existência capitalística exacerba o modo-indivíduo nos remetendo à indivi-dualização, interiorização, privatização de atos e afetos aos corpos que os expressam. O sujeito é entendido como algo uno, fechado em si mesmo, distinto da massa, do todo da população, portanto único. O indivíduo é parcializado, estratificado em estruturas que explicam seu desenvolvimento, incluindo-o em processos universais que definem e preveem sua ação. Este modo de ser produz uma subjetividade privatizada e moldada conforme os padrões sociais naturalizados.
Surgem, neste contexto, as Ciências Humanas: a Psicologia nasce da busca de conhe-cer o indivíduo em sua interioridade e a Sociologia aparece para entender o social enquanto exterioridade. Estas ciências aparecem como dispositivos normatizadores de controle externo, ou seja, elas aparecem no instante em que a sociedade necessitava enquadrar as pessoas den-tro de parâmetros de normalidade, onde todos que destoavam desta eram sujeitados a algum tipo de intervenção ou análise.
A educação, concebida a partir desta época, propõe um modelo ideal de ensino-aprendizagem dentro do qual, professores e alunos devem exercer suas funções para que a transmissão de conhecimentos seja plena e adequada às exigências sociais. Um grande núme-ro de crianças não consegue adaptar-se a esse modelo de ensino e, entre estas, aquelas que não evadem da escola são vistas como portadoras de algum "problema" de aprendizagem ou de conduta. A rotulação destas crianças leva a um processo diagnóstico com neurologistas, psicólogos, psicopedagogos, entre outros, que buscam descobrir as causas dos problemas dos pequenos sujeitos, produzindo certa discriminação e exclusão destes na escola e na família.
Observa-se que estes encaminhamentos para fora da sala de aula e, muitas vezes, para fora da escola, geram no professor sentimentos contraditórios. Por um lado ele exime-se da responsabilidade pelo não aprender do aluno, pois o problema não é de ensinagem e sim de aprendizagem do "indivíduo aluno". Por outro lado o professor é destituído do seu saber, pois não cabe a ele resolver as questões pedagógicas dos seus alunos, cabe a outro, especialista, possuidor de outro saber, sanar as dificuldades das crianças.
Aos poucos as novas teorias de educação vão deslocando os problemas dos alunos para os professores e para os métodos de ensino. Ou seja, há um entendimento de que se algumas crianças não aprendem é porque o processo de ensinagem é falho e não contempla a aprendizagem de todos. Com isso a culpa é distribuída, provocando dualidades: ou o problema é do aluno, ou do professor, ou do método de ensino, ou da política de educação, "ou, ou, ou". Neste cenário, a escola e os professores são postos em xeque.
Deleuze (1992) coloca que a escola, assim como, todos os outros meios de confina-mento e a sociedade como um todo estão em crise, pois estamos vivendo a passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle. A terceira configuração do social é marcada por esta passagem. Na sociedade de controle há velocidade, simultaneidade, flexibilidade, falta de rotina e volatilidade. Não há mais dentro e fora, pois todos estão dentro, há uma inclusão diferencial onde as dualidades se confundem. Há aqui um acúmulo de todas as outras configurações que continuam presentes em muitas práticas e lógicas sobrepondo-se umas às outras.
Enquanto na sociedade disciplinar se recomeçava o tempo todo, na sociedade de con-trole nunca se termina coisa alguma, tudo está em processo o tempo todo (Deleuze, 1992). Daí advém esta sensação atual de que nunca sabemos o suficiente, nunca estamos prontos, de fato, para coisa alguma. Há a necessidade contínua de formação para algo novo que vem ou que já está aí. As formações e capacitações se sucedem exaustivamente e não se supera a sensação de que falta algo a aprender. Os professores não cansam de repetir "na escola preci-samos de um psicólogo e de um assistente social para lidar com todos estes problemas, o professor sozinho não consegue dar conta de tudo, nós não temos formação para trabalhar com..." este aluno, esta comunidade, com toda a sorte de problemas que os alunos vêm apresentando hoje. Tudo é fugaz, transformado rapidamente em dejeto, a ser imediatamente descartável e de novo investido (Lima & Oliveira, 2004, p.178).
O próprio saber do professor é descartável, tido como insuficiente o tempo todo. Os professores não se reconhecem mais como possuidores de um saber por que este lhes foge sempre, sendo necessário superar-se com novos conhecimentos, estudando novos autores e novas teorias. Os programas e projetos de governo são vistos como modismos que logo serão substituídos por outros. Há um descrédito geral no seu fazer e no fazer do outro, pois logo estes não terão mais validade.
Esta velocidade da informação traz em si uma grande cobrança e traz a interiorização do controle. Ninguém está no controle do trabalho do outro, porém ele está nos sujeitos, é invisível, contínuo e, também, de curto prazo. Há uma exigência interna de superação e flexibilidade.
Flexível não quer dizer apenas (o que já é muito) "ser pau-para-toda-obra", mas princi-palmente, descartar tudo o que, numa velocidade estonteante, se torna obsoleto. É o homem flexível, o que quer dizer intermitente e velozmente passando de uma sobrecodificação à outra: a todo momento desterritorializando e reterritorializando4 na lógica capitalista. (Lima & Oliveira, 2004, p.180).
Consequentemente, aquele modelo de educação tradicional, que herdamos dos séculos anteriores, está obsoleto porque não serve mais às necessidades da nova sociedade. As novas pedagogias vêm tentando buscar alternativas, a fim de suscitar alguns furos na estrutura classificatória, marcada pela disciplinarização dos corpos, buscando disparar novos modos de existência.
A Educação em Porto Alegre
Este processo histórico tem seus reflexos e atravessamentos nos processos locais de educação. Considerando a Rede Municipal de Educação (RME) de Porto Alegre, percebemos o quanto esta transição dispara processos de subjetivação, desterritorializando professores e comunidade escolar.
Ao adequar-se a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB5), tendo em pauta a democratização e municipalização do ensino, a RME sofreu nos últimos 20 anos transformações importantes, tanto na sua forma de gestão, quanto na sua estrutura, para dar conta do grande número de crianças que se encontravam fora das escolas, por dificuldade de acesso ou por evasão escolar. A RME de Porto Alegre tinha, no final da década de 1980, 36 escolas. Hoje são mais de 95 escolas e mais de 200 creches conveniadas com a Prefeitura. Com este aumento significativo as escolas da RME, que em sua grande maioria localizam-se na periferia da cidade, passam a abarcar toda a demanda da população que há pouco tempo estava excluída das escolas.
Esta demanda, aliada às exigências da nova LDB, exige da escola mudanças na forma de ensino para dar conta das necessidades desta população. Frente a este desafio, iniciam-se, na RME, debates sobre a adoção dos Ciclos de Formação como metodologia de ensino. A Constituinte Escolar de 1994, que integrou o Congresso da Cidade, teve a participação de pais, alunos, funcionários e professores de todas as escolas, e tinha como questão norteadora: "a escola que temos e a escola que queremos".
Nesta Constituinte Escolar explicita-se um movimento dos professores que desejavam a mudança da escola seriada para a escola "ciclada" (escola organizada por Ciclos de Formação). A Secretaria Municipal de Educação (SMED) institui este método de ensino em 1995 com a inauguração da primeira escola "ciclada". Gradualmente esta metodologia de ensino foi sendo implantada em todas as escolas fundamentais da RME. Contudo, este processo não foi escolha de uma parcela das escolas. Algumas instituições que, no final de 2000, ainda eram seriadas precisaram adotar a nova metodologia de ensino, pois esta transição era uma meta do Plano de Governo.
A escola por Ciclos de Formação prevê a organização do ensino não mais por conteú-dos programáticos, mas por complexo temático, tema gerador ou outra modalidade de ensino, que vislumbre o que é mais significativo a ser trabalhado em cada comunidade. Os alunos são separados conforme a idade e não mais conforme seus conhecimentos, assim, o 1º ciclo con-templa a infância (de seis a oito anos), o 2º ciclo a pré-adolescência (de nove a 11 anos) e o 3º a adolescência (de 12 a 14 anos).
Neste contexto a progressão dos alunos é continuada e não é prevista a reprovação (embora ela não tenha deixado de existir). O objetivo central dos ciclos é reduzir a evasão escolar, através de um ensino mais significativo com o fim das multirrepetências.
Além disso, integra-se à carga horária semanal do professor horário para reunião se-manal de planejamento e formação continuada em serviço. Inclui-se o professor volante que tem por função atuar junto ao professor- referência em horários específicos na sala de aula, com o intuito de intensificar a intervenção junto aos alunos com maiores dificuldades. Criam-se Salas de Integração e Recursos, onde os professores com formação em educação especial trabalham, no turno inverso ao horário escolar, atendendo crianças com necessidades educaci-onais específicas. Consolidam-se as eleições para diretores das escolas municipais, já implan-tadas no início da década de 1980.
Apesar de muitos benefícios desta nova proposta de organização de ensino, este pro-cesso, disparado na RME de Porto Alegre, veio desterritorializar os professores, tirando-os de seu fazer tradicional, naturalizado e imbuído de um poder sobre o ensino, jogando-os no caos6 , impelindo-os a repensar e criar novos modos de trabalhar. Assim, o professor é convocado a ser polivalente e flexível, a fim de assumir este novo modo de ser professor: um professor-trabalhador capaz de reorganizar os espaços e tempos escolares, incorporar novos papéis e abandonar antigos métodos de ensino e avaliação.
Esta desterritorialização deve-se ao encontro com novas formas de subjetivação que circulam no social, que determinam modos de ser pautados na racionalidade hegemônica neoli-beral, mantendo a sujeição à macropolítica. Segundo Foucault (2008), hoje a luta que prevalece na sociedade não é mais contra as formas de dominação e exploração, mas contra as formas de sujeição, contra a submissão da subjetividade ao poder do Estado, que se caracteriza por uma complexa combinação de técnicas de individualização e procedimentos totalizantes.
No caso específico da experiência de Porto Alegre, essa luta contra a sujeição fez-se presente na resistência de algumas pessoas em vivenciar este processo da RME como algo transformador, rejeitando o engendramento de qualquer tipo de mudança. Outras pessoas o aceitaram e o tomaram como regra, como novo modelo a ser seguido, agenciando um processo de substituição de um modelo anacrônico por outro que se diz aberto às diferenças. Somente alguns tomaram este processo como um dispositivo agenciador de mudanças, apropriando-se deste momento para produzir algo novo, aproveitando cada brecha para construir com as crianças outros jeitos de ensinar e aprender.
As possibilidades estão todas na superfície, "esperando" por significação, é o momento possível para deixar-se atravessar por linhas de fuga, pelo devir7 , pelo inédito das composições, criando novos modos de luta contra a submissão da subjetividade, mas é preciso abandonar os velhos territórios, deixando-se navegar pelo incerto das desterritorializações.
Nesta sociedade de controle, onde a inconstância e velocidade nos atingem severamente, observa-se que muitas pessoas têm dificuldades em se deixarem afetar por suas dúvidas e questionamentos, em se deixarem enfrentar com seus medos, incertezas, desacomodações, enfim, pelos afetos que as surpreendem a cada momento de instabilidade, a cada encontro com o invisível. Sua necessidade é de buscar novamente a segurança, a certeza nas explicações racionais da consciência, que sejam capazes de trazer uma solução para todos os seus problemas. Com isso, os sujeitos se padronizam e se achatam, na medida em que não entram em contato com seus próprios afetos, onde seu desejo permanece apartado das relações que estabelecem com seus processos de subjetivação.
Obviamente esse processo causa angústia nos professores. Essa angústia se expressa pelas queixas. A queixa é uma das formas do professor extravasar sua insatisfação com o que ocorre ao seu redor, dando um sentido negativo para o que pulsa por significação à sua frente. Não sabendo como lidar com o novo, alguns professores colocam no outro a causa do seu mal estar e das razões para que seu trabalho não funcione como deveria. Alguns acabam adoecendo, colocando no corpo suas angústias. Essa somatização afasta professores dos bancos escolares, sobrecarregando quem permanece na luta, correndo o risco de também adoecer, alimentando um círculo vicioso. Novamente o modo indivíduo é posto em foco: ou é o outro quem é culpado pelo adoecimento do professor, ou ele é quem não foi capaz de suportar a pressão.
A manutenção da individualização, além de rotular e segregar os sujeitos, limita sua ca-pacidade de sair desse lugar de padronização para ocupar um lugar de sujeito capaz de produzir/construir/criar sua própria subjetividade.
Subjetividade e Trabalho na Educação
A subjetividade é compreendida aqui como uma noção distinta da individualidade, por não ser fechada em si mesma, mas por ser atravessada e composta no e pelo social. Nesta perspectiva a sociedade é concebida como uma rede composta por milhares de fios que se entrelaçam, tecendo "nós" em seus encontros e desencontros, compondo o tecido social. Os fluxos desta rede social circulam em todos os territórios existenciais. Abandona-se o caráter estático e único do humano para dar lugar ao múltiplo, ao plano heterogenético da rede de nos-sas produções. Neste sistema não há casualidades, linearidade, pressuposição, finalismo.
O sujeito, por sua vez, possui sua própria rede existencial, porém esta rede não é fe-chada, nem centrada em si mesma, mas, ao contrário, é uma parte da rede social composta das mais diferentes instituições. O sujeito vai tecendo sua rede, através dos recortes na rede social, conforme as significações e vivências que vai engendrando nos encontros com outros corpos, com outros fluxos, com vários outros sujeitos-objetos. Neste sentido, o sujeito é entendido enquanto uma dobra desse social e não como uma totalidade em si, mas como produção de subjetividade.
Guattari e Rolnik (1993) entendem a subjetividade como parte dos fluxos heterogêneos, compondo e sendo composta por essa realidade que transversaliza todos os sujeitos, toda história humana. Os autores colocam que a subjetividade se difere essencialmente da noção de indivíduo por não ser passível de totalização ou de centralização em um agente individual ou grupal. Existem níveis de individuação que sempre nos acompanham, mas esta individuação não diz respeito à multiplicidade dos agenciamentos que constituem nossa subjetividade. Assim, a produção da fala, das imagens da sensibilidade, a produção do desejo não se reduz, de modo algum, a esta representação de indivíduo. Portanto, entende-se que a subjetividade não é posse dos indivíduos, ela é essencialmente social, por ser produzida e constituída neste social, onde cada sujeito se relacionará com esta subjetividade conforme as marcas que ela for produzindo em seu corpo, ou seja, conforme as significações e nós que cada um for engendrando nos encontros e desencontros nesta rede social.
Ao pensarmos a relação entre a produção de subjetividade e trabalho precisamos nos remeter à análise de como os sujeitos ocupam posições em um determinado campo de práticas. Para Nardi (2002), o trabalho é entendido enquanto um campo onde a subjetividade capitalística se renova, se modifica, se cristaliza e provoca resistência. A relação entre subjetividade e trabalho implica as formas pelas quais os sujeitos foram sendo subjetivados enquanto trabalhadores, aderindo a modos de ser, pensar e agir, de acordo com um código moral vigente, ou segundo um regime de verdades de cada época específica. O autor afirma, ainda, que o valor moral atribuído ao trabalho constituiu-se no que se convencionou chamar de ética no trabalho. Assim, os trabalhadores utilizam esse conjunto de regras como forma de identificação e como guia de suas ações, ao mesmo tempo em que esse conjunto de regras morais sustenta a forma de dominação própria ao capitalismo.
Observa-se que os professores vêm sendo subjetivados pelas práticas discursivas que se produzem na sociedade acerca do fazer da escola. Estes discursos produzem modos de ser e trabalhar conforme cada época específica. Estas discursividades são múltiplas e são constituídas desde as pautas de governo, das políticas de gestão, do contexto das escolas, dos encontros com a comunidade, do entrelaçamento entre os saberes acadêmicos e os saberes locais.
Para entender como essa dinâmica social, muitas vezes, determina a prática escolar discutiremos a constituição da subjetividade nos planos molar e molecular, pois através da observação da articulação, da interpenetração, da construção e desconstrução destes planos entre si, compreenderemos a composição e a processualidade dos sujeitos em suas várias dimensões.
Segundo Rolnik (1990), o plano molar nos remete à dimensão consciente, visível das relações sociais, onde a lógica e a estruturação são necessárias para sua constituição. Este plano constitui territórios, que tendem à individuação, à formação de unidades, multiplicidades e totalizações, bem como às oposições binárias que definem os sujeitos. Esse plano é o das formas dadas, duras e fixas da subjetividade, que buscam a homeostase.
O plano molecular é o plano dos fluxos, das redes e transversalidades, é a dimensão inconsciente, invisível, onde há apenas intensidades, afetos. Este plano se gera enquanto um fluxo que nasce entre os corpos que nos remete à processualidade humana, em sua constante transformação (Rolnik, 1990). Estes planos são composições de linhas que o desejo vai traçando no sujeito. Para Foucault (2005), este plano representa as relações de força que disputam, resistem e lutam contra as formas de poder instituídas, produzindo práticas de poder e saber locais e móveis; é a microfísica do poder. Para Deleuze e Guattari (1996) é o plano da micropolítica.
O plano molar seria predominantemente habitado por linhas duras, finitas, visíveis e conscientes, de organização de territórios. Estas linhas duras estão sempre subordinadas a um ponto que se torna referência, territorializando, ou seja, atribuindo significado, normatizando, organizando e definindo códigos. Porém, esses territórios são finitos, porque sua duração é finita, já que sempre lhes escaparão afetos que decretarão seu fim. Há sempre início localizável, e significações locais. Para Foucault (2005) este é o plano que representa as políticas de dominação e sujeição presentes na sociedade, onde as práticas de poder se instituem em mecanismos hegemônicos, produzindo formas de subjetivação padronizadas.
Podemos exemplificar como este plano molar, com suas linhas duras, ganha expressão nas práticas de professores e equipes diretivas, atualizando determinados modos de ser e trabalhar na escola pública, através de algumas falas extraídas dos diários de assessoria e de formações de professores da RME de Porto Alegre. Este registro descritivo é apenas um artifício da escrita para dar visibilidade sobre a construção da análise, pois o que nos interessa são as práticas que podem ser problematizadas para além do plano da linguagem, ao colocarmos em relação o visível e o enunciável.
Eu queria ser Professora de novo, dar aula do jeito que eu sei, desse jeito que a escola está eu só faço de conta, os alunos são mal educados, não tem condições de apren-der.... (professor)
O professor não sabe o que fazer em sala de aula porque não tem uma listagem de conteúdos mínimos a serem trabalhados em cada ciclo. (professor)
Todo dia é uma surpresa, nunca se sabe quem vem trabalhar ou não, no primeiro horá-rio temos que montar o quebra-cabeça do dia pra não mandar aluno pra casa, quando o telefone toca, eu até tremo, porque é alguém avisando que não vem. (diretor)
Alguns alunos que chegam à escola não são sujeitos ainda, cabe a escola esse papel, porque as famílias são desestruturadas.... (diretor)
Estas falas denotam o quanto o professor hoje está sobrecodificado por uma subjetivi-dade imobilizante, onde o que lhes sobra é a queixa, e o sofrimento. Santos (2006) refere que esta é a dobra da carência, que se explicita na escola pelo "modo de relação carenciado, no qual todos se sentem roubados castrados na sua capacidade desejante. É a marca da impotência e da falta". Os professores estão destituídos e desqualificados em seu saber sobre suas próprias práticas, sendo subjetivados pelo discurso de que a escola e seus trabalhadores são impotentes frente ao seu objeto de trabalho, restando a alguns, o lamento, portanto a submissão à suposta impotência.
As queixas aparecem no cotidiano da escola como uma espécie de lamento coletivo frente às carências da população atendida e a consequente impotência da escola em dar conta de tudo o que acontece dentro e fora dos seus muros:
Esta comunidade aqui não tem nada além da escola, não tem posto de saúde, assistência social, nem áreas de lazer, muito menos trabalho. Só tem a escola mesmo, as famílias recorrem a nós para tudo e nós não temos para onde encaminhar, nem com quem fazer parcerias. É muito sofrimento, muita violência, que vem pra dentro da escola também... (orientadora pedagógica).
O problema é que a saúde não funciona, se os alunos tivessem acesso à saúde e se a família se comprometesse a levá-los aos atendimentos aí seria diferente.... (orientadora pedagógica)
As queixas giram, ainda, em torno do comportamento inadequado dos alunos em sala de aula, e de suas dificuldades de aprendizagem; denunciam dificuldades administrativas e burocráticas de alguns gestores; e, especialmente, apontam dificuldades de entrelaçamento das propostas da SMED com relação ao que acontece diariamente nas escolas.
É pela queixa, pelo adoecimento, que professores, equipes diretivas, alunos e pais ex-pressam seus sentimentos, dificuldades e impossibilidades. Portanto, o sofrimento e o adoeci-mento podem ser entendidos como formas de subjetivação, como expressões das linhas duras da subjetividade do professor-trabalhador.
O professor está cansado, estressado, tem que dar conta de tudo na sala sozinho, só pode adoecer mesmo. (diretor)
Se continuar deste jeito eu vou tirar uma biometria [licença para tratamento de saúde]. (professor)
Só hoje na escola tem seis professores de biometria, sendo que uma é prolongada, porque a professora está em depressão. (diretor)
A queixa e o adoecimento físico e psíquico dos professores podem, ainda, ser tomados como analisadores dos reflexos dos modos de viver imputados pela sociedade de controle aos trabalhadores como um todo: necessidade de especialização constante, urgência na resolução dos problemas, incorporação de diferentes formações para dar conta das novas exigências da escola, aumento da carga horária para ampliar o poder de compra e consumo, assumidos como novas necessidades sociais. Esta velocidade e flexibilidade impostas pelos fluxos sociais capturam os sujeitos e os imobilizam, achatando sua subjetividade à racionalidade vigente. Assim a queixa e o adoecimento, ao mesmo tempo em que demonstram certa impotência dos sujeitos frente às formas de dominação em circulação no social, denotam também, formas de resistência, já que, de certa forma, há uma recusa em assumir as novas formas de trabalho impostas pela sociedade, denunciando as incoerências e perversidades dessas políticas de controle da vida e da subjetividade.
Então, nem tudo pode ser capturado. Percebemos que, ao mesmo tempo em que ver-balizam suas angústias e impotências frente à realidade que se apresenta, os professores mos-tram também capacidade de analisar sua implicação neste lugar de professor. Refletem sobre suas limitações, apontando caminhos, saídas, e surpreendendo-se com a potência que a vida lhes fala:
Uma aluna uma vez contou para a turma sobre sua casa: minha casa é linda, tem um ri-acho que passa atrás, tem passarinhos cantando, tem um morro'. Ela falou de um jeito que todos nos emocionamos e combinamos com ela uma visita. Ao chegar lá levei um choque, porque a casa era um barraquinho, muito pequena, o riacho era um arroio polu-ído, quase puro esgoto, tudo era muito feio. Mas a família era muito feliz naquele lugar. Neste dia tive que rever as minhas ideias do que é bonito e feio, do que é bom ou ruim, porque para ela aquele é o mundo que ela conhece e gosta e é feliz daquele jeito sim-ples... Eu voltei diferente da visita. (professor)
A maldade não está só fora, muitas vezes a maldade está em nós (...) os professores às vezes são muito cruéis, (...) num duelo os oponentes mostram suas armas, mas os professores nem sempre mostram as suas armas. (professor)
Temos que nos abrir para as diferenças, entender que eles têm outros valores, diferen-tes dos nossos.... (professor)
Aqui podemos situar o plano molecular que é habitado por linhas de fuga, que são li-nhas dos afetos, e por linhas flexíveis, que são linhas de simulação. Este é o terreno da multiplicidade onde não há territórios, só há linhas. Uma saída da escola, outra experimentação no espaço, um depoimento sensível de uma aluna, provocam deslocamentos no olhar e na escuta do professor, desmanchando certa representação de criança feliz, de vida higienizada.
Guattari e Rolnik (1993) colocam que os indivíduos podem viver a subjetividade de duas formas diferentes: estabelecendo uma relação de alienação e opressão submetendo-se à subjetividade do modo como ela se apresenta; ou uma relação de expressão e criação ao (re)apropriar-se dos componentes da subjetividade, produzindo, com isso, processos de singularização. Podemos relacionar tais processos ao que Foucault (2004) situa no plano da ética, que nos diz do modo como o sujeito se relaciona com as prescrições, com a moral, com as verdades, constituindo a relação consigo e com o outro.
Os processos de singularização são uma maneira de romper com esses modos de ma-nipulação e modelização presentes no campo social, para construir outros modos de sensibili-dade, de relação, de produção, de criatividade, capazes de produzir uma subjetividade singular. Ou seja, é uma maneira de sair do achatamento para apropriar-se da produção da subjetividade. São os sujeitos sociais que determinam sua relação com a subjetividade, utilizando-a em suas existências particulares, singularizando-a.
No trabalho, a singularidade se faz presente naquilo que escapa à execução das tarefas prescritas, na originalidade daquilo que é inventado para dar conta dos imprevistos. Os professores em geral comentam que o planejamento de uma aula "nunca dá certo", ou seja, nunca funciona conforme o esperado porque muitas variáveis se colocam e o professor é lançado no improviso, é desafiado diariamente a criar alternativas ao seu fazer, buscar estratégias outras que possam dar conta das demandas de seus alunos, e de suas próprias necessidades. É preciso criar novas alternativas e estratégias para que o planejamento funcione de outro jeito. Algumas vezes "burla-se" ou modificam-se as tarefas prescritas pela direção ou pelas instâncias políticas para dar vazão a outras questões, seja simplesmente para não cumprir a tarefa, seja para realmente discutir, planejar ou criar outras formas de fazer pedagogia, para além do burocrático.
Barros (2004) coloca que o "real do trabalho é o que resiste à técnica, está ligado ao fracasso das prescrições e nos escapa, é um enigma a ser decifrado". Neste sentido o trabalho revela o que é vivenciado pelos sujeitos na sua própria ação, na sua experiência enquanto tra-balhador.
É no mergulho no trabalho real que emerge a singularidade em operação no humano, de trabalhadores que, mesmo com as estratégias da gerência capitalista, resistem à dis-ciplina produtiva de "subjetividades individualizantes e idiotizantes. (Barros, 2004, p.99)
A exemplo disto vimos, anteriormente, que durante muito tempo o professor vem sendo produzido como um mero executor de tarefas burocráticas, dentro de políticas educativas prescritas por especialistas, onde a lógica dos fracassos é sempre individualizante. Contudo há uma fala corrente nas escolas que diz: "não se sabe o que acontece da porta da sala de aula para dentro", ou seja, não há controle absoluto, não se sabe o que escapa às prescrições, às tarefas preestabelecidas.
Nestes momentos surge a singularidade dos professores, ou seja, dentro da sala de aula tudo é possível, pode-se criar, ser diferente, ousar. Aqui se explicitam os limites da atuação dos especialistas (orientadores, supervisores, psicólogos); pode-se prescrever, recomendar, ensinar o professor a intervir com determinados alunos, com determinadas metodologias, mas não se pode garantir o que ou como realmente vai acontecer, pois aí reside o poder do professor. Um poder constituído pelas práticas cotidianas e locais, um micropoder que reflete, expõe ou contradiz os macropoderes.
Barros (2004) refere que o acesso ao modo como se realizam as vivências subjetivas e intersubjetivas no trabalho acontece somente através da fala dos trabalhadores sobre suas atividades. No momento em que o diálogo é possibilitado, o trabalhador se reapropria do saber e do poder sobre seu próprio fazer, pois percebe que, mesmo capturado pela lógica capitalista, muitas coisas fogem ao prescrito. É pela palavra que o professor pode explicitar aquilo que potencializa seu fazer e aquilo que o faz sofrer, mas a palavra como cenário do pensamento.
Nas escolas, muitas vezes, não há um olhar nem para a potência, nem para o sofrimen-to dos professores e alunos. O olhar está voltado apenas para as queixas, para as faltas e para os encaminhamentos, ou seja, para as questões burocráticas que fazem a escola funcionar. Nesta lógica somente cabe apontar culpados pelos fracassos da escola.
Contudo, na linha de pensamento que estamos desenvolvendo neste trabalho, as cul-pabilidades e as dualidades perdem sentido, na medida em que todos são olhados e escutados. Não há como fazer uma leitura focalizada dos problemas da escola. Há que se olhar para sua construção histórica para perceber o que está envolvido em cada um dos sintomas apresentados por seus atores: professores, alunos, pais, especialistas.
Assim, o sofrimento e o adoecimento do professor devem ser entendidos, dentro de um contexto histórico-social e a partir de seu contexto real de trabalho, compreendendo o que "os sujeitos colocam em jogo e o que acionam para executar suas tarefas", pois, "o especialista em matéria de condições do trabalho é o próprio trabalhador" (Barros, 2004).
A análise das questões do adoecimento físico e psíquico de professores nos remete à necessidade de diálogo no interior das escolas, através do qual se possa analisar e problematizar coletivamente as fragilidades desta instituição, bem como construir coletivamente soluções, através do fortalecimento das potencialidades do grupo, no sentido de resgatar o desejo e o sentido do seu trabalho, buscando constituir outras dobras. É pelo diálogo que se pode inventar conjuntamente outros modos de ser e trabalhar dentro da escola.
Conclusão
As diferentes configurações sociais capturam todos os segmentos sociais produzindo modos de ser, trabalhar, produzir, agir, amar, em cada época específica. A escola, como uma das instituições mais importantes da sociedade desde a modernidade, vem modificando suas estratégias de saber e poder e seus objetivos, de acordo com as demandas sociais de cada momento histórico. Neste sentido, é fato que a escola hoje, apesar de ainda carregar aportes de um fazer anacrônico de educação, comporta em si a racionalidade hegemônica da sociedade de controle, onde todos estão capturados pela lógica da velocidade, volatilidade e flexibilidade. Este modo de ser e viver da nossa época traduz-se em grande sofrimento dentro das escolas, pois há que se conviver com duas racionalidades o tempo todo: ser educador, normatizando, educando e enquadrando indivíduos para a sociedade de produção e consumo; ao mesmo tempo precisa assumir cada vez mais responsabilidades, conhecimentos e atividades no seu cotidiano de trabalho para ser reconhecido como bom trabalhador. Essas racionalidades constituem o trabalho docente e estão presentes nos discursos e práticas dos professores.
As análises produzidas demarcam que ainda há muito a ser pesquisado e analisado acerca da subjetivação do professor enquanto trabalhador. Apontam a necessidade de olhar para as questões de sofrimento e adoecimento no trabalho enquanto sintomas sociais, produzidos por discursos e práticas hegemônicos que colocam o professor-trabalhador neste lugar de fragilidade, que o pressionam o tempo todo a cumprir metas de uma racionalidade neoliberal, dentro de uma instituição estruturada, burocrática, segmentada, mas ao mesmo tempo, flexível. A queixa e o lamento são expressões da fragilização da Educação e da Escola, da precarização do trabalho, mas são também efeitos da culpabilização do professor, da individualização dos fracassos, da hierarquização e especialização dos saberes.
Evidencia-se a necessidade de pesquisar e analisar a potência implícita nas práticas e discursos destes professores. Potência esta que revela as linhas de fuga, aquilo que escapa ao prescrito, ao domínio do poder instituído, que possibilita a manifestação do desejo e da vida.
(...) eu proporia denominar o desejo a todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de inventar uma outra sociedade, outra per-cepção do mundo, outros sistemas de valores. (Guattari & Rolnik, 1993, p. 215)
Talvez seja este o desafio da educação hoje, provocar as pessoas para que elas tomem para si a tarefa de lutarem pelo que acreditam, transformando o que as oprime. Hoje existem pequenas ações revolucionárias dentro das escolas, são ações micropolíticas, quase invisíveis, que permeiam as relações sociais e que imprimem fissuras nas linhas duras da Educação, disparando processos de singularização no interior da escola.
A singularidade está presente na inventividade, na sensibilidade, na criatividade dos professores, nas possibilidades de diálogo, bem como na resistência em acatar as formas dadas da subjetividade capitalista.
Os grupos que conseguem analisar e resolver suas questões de forma mais autônoma, sem depender ilimitadamente do governo, das políticas verticalizadas, dos especialistas, para dar conta de seus problemas, podem vir a fazer estas pequenas revoluções, fazer ligações laterais - como diria Deleuze (1992) - com seus colegas, fazendo furos nas redes instituídas e criando novas redes, mais flexíveis e acessíveis. Assim, é possível criar outros modos de ser e trabalhar, recuperando o desejo e o sentido do trabalho, escapando da burocracia endurecida, da racionalidade instituída, no intuito de estabelecer relações de trabalho mais éticas, estéticas e políticas.
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Recebido em 12 de agosto de 2009
Aceito em 27 de fevereiro de 2011
Revisado em 21 de outubro de 2011
1 A noção de governo é trabalhada por Foucault (2008), no curso Segurança Território e População, propondo entendê-la, para além da prática de Estado, como toda ação que incide sobre condutas de outros e a relação que se pode estabelecer consigo - governo de si e governo dos outros, mas tratando-se sempre de conduzir condutas.
2 Silva (2005, p.18) coloca que as configurações sociais devem ser tomadas "como superfície de inscrição de um conjunto de práticas que adquirem consistência em um determinado momento. Elas traduzem certo arranjo entre as estratégias de poder e as técnicas de subjetivação que atravessam uma formação histórica em um determinado momento, atualizando sistemas de referência distintos quanto ao modo de organização do tecido social."
3 "Modo indivíduo" é uma expressão utilizada por Regina Benevides para referir-se ao "modo de existência que remete à busca de essências irredutíveis, interiorizando, privatizando os atos e afetos aos corpos que os expressam." (Lima & Oliveira, 2004)
4 Território é a subjetivação fechada sobre si mesma, é o conjunto dos projetos e das representações, das crenças, dos valores, relações sociais, comportamentos. O território pode se desterritorializar abrindo-se e engajando-se em linhas de fuga, até sair do seu curso e se destruir. A reterritorialização é uma tentativa de recompor um território constituído e abalado pela desterritorialização.
5 A nova LDB traz mudanças importantes na racionalidade do trabalho da educação, pois institui a democratização do ensino, a universalização do acesso, a qualificação da educação, a possibilidade da organização do currículo conforme as necessidades de cada região, inclusão de conteúdos transversais às disciplinas formais.
6 Caos é entendido aqui "como uma dimensão onde se engendra a processualidade do mundo: o movimento permanente de decomposição de ordens vigentes e composição de novas ordens, em múltiplas direções imprevisíveis." (Rolnik, 1994)
7 Devir é um termo que se refere à economia do desejo; é o conteúdo próprio do desejo (máquinas desejantes ou agenciamentos): desejar é passar por devires. Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimi-lação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, de núpcias entre dois reinos. (Zourabichvili, 2004)