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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

     

 

DOSSIÊ

 

Psicanálise e política: debates sobre a adolescência contemporânea

 

Psychoanalysis and politics: debates on contemporary adolescence

 

Psicoanálisis y política: debates sobre adolescencia contemporánea

 

 

Miriam Debieux Rosa*, I, II; Roselene Gurski**, III, IV, V ; Maria Cristina Poli***, III, IV, VI

I Universidade de São Paulo – Brasil
II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil
III Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil
IV Associação Psicanalítica de Porto Alegre
V Clínica Maud Mannoni – Brasil
VI Universidade Veiga de Almeida – Brasil

Endereço para correspondência

 

 

A psicanálise e a política são termos que, a princípio, foram constituídos em diferentes campos. Os grandes textos freudianos sobre a política nos falam de guerra, morte e do laço libidinal que une os humanos, da essência da dominação que se exerce sobre eles com seus acordos e representações imaginárias de seu desejo. Todo o esforço de Freud foi justamente o de substituir a questão filosófica sobre uma política racional, pela análise das origens da dominação e leis de submissão.

Atualmente, os debates sobre as questões relativas ao mal-estar contemporâneo têm sido produzidos por sociólogos, cientistas sociais, historiadores, filósofos e psicanalistas. A sociedade de indivíduos, a sociedade do espetáculo, as violências, as exclusões, terrorismos, as imigrações, as novas modalidades de relações familiares são abordadas por autores de todas as áreas. Nesse contexto, o estudo e a pesquisa em torno da adolescência contemporânea adquirem todo seu sentido. Os adolescentes são, por assim dizer, os portadores do paradoxo cultural que exige simultaneamente a adequação e a inovação. Diante de educadores e psicanalistas, a angústia dos adolescentes confrontados com essa espécie de “missão impossível” toma corpo, convocando ambos a sustentarem outro lugar discursivo no qual possam viabilizar a difícil operação psíquica com a qual estão implicados. Assistimos às inúmeras dificuldades que os adolescentes encontram a fim de realizar essa passagem, como “passageiros da agonia”.

Nesse sentido, perguntamos, de que modo lidar com a angústia e o desamparo provocados pelas incertezas contemporâneas? Como reagir à espécie de atrofia da experiência e da transmissão na contemporaneidade? Sem profilaxia e, tampouco, a intenção de esgotar o mal-estar na cultura deste tempo, nossa tentativa é parecida com o que Benjamin propôs através do conceito de dialética em suspensão: conciliar as diferenças mantendo uma tensão entre elas passível de conduzir à pluralidade e não à síntese (Missac, 1998:138).

A noção da adolescência como um sintoma da cultura, trabalhada através do conceito de juvenilização da cultura por Hobsbawn (1995) e teenagização por Kehl (2004:89-114), instiga ao exame do impacto que as condições sociais atuais produzem especialmente no que se refere aos avatares da transmissão. As políticas públicas, as pesquisas acadêmicas e mesmo as diferentes formas de expressão da mídia, revelam a preocupação crescente com os caminhos dos jovens deste tempo, especialmente no que se refere às sintomatologias mais presentes na atualidade: a delinquência, a violência e a drogradição, entre outras. Muitas são as perguntas. Como o imaginário acerca da periculosidade dos atos adolescentes pode determinar práticas que os induzem à via da delinquência como forma de representação no social? Qual impacto a intensidade crescente do tráfico de drogas e entorpecentes produz nas operações psíquicas dos jovens em nossa época? Como se constituem os adolescentes expostos a situações-limite, tais como uma guerra? Como os jovens de hoje podem fazer resistência à literalidade e à ausência de polissemia que caracterizam o discurso contemporâneo da ciência? Que modos de expressão utilizam para fazer suas marcas? Confrontados, muitas vezes, com possibilidades precárias e restritas, os jovens parecem constrangidos à invenção de práticas de subversão radical, muitas das quais instruídas por ações violentas.

Para dar conta dos debates sobre a adolescência contemporânea, evocamos as finas tramas entre a Psicanálise e a Política. Nosso objetivo é tensionar as diferentes discussões levadas a cabo por psicanalistas, psicólogos e antropólogos, implicados com as problemáticas contemporâneas, presentes tanto na esfera política, quanto na esfera clínica e acadêmica, propondo o diálogo intenso entre os preceitos mais caros à ética da Psicanálise e as mais sofisticadas inquietações da Política.

Procuramos, assim, através desta proposta temática, ampliar a discussão acerca da adolescência, reinscrevendo o sujeito debilitado em suas qualidades de protagonista, tanto na esfera social, quanto na esfera política. Nesta direção, o texto Adolescência e Violência: Criação de Dispositivos Clínicos no Território Conflagrado das Periferias, de autoria de Jorge Broide busca trazer uma contribuição ao trabalho com jovens em situação de vulnerabilidade nas periferias dos conglomerados urbanos brasileiros. Aborda como os laços sociais que constituem os sujeitos nas situações sociais críticas se apresentam no atendimento direto realizado pelas diferentes equipes técnicas nos programas de atenção a esta população. Em Os Intratáveis: O Exílio do Adolescente do Laço Social pelas Noções de Periculosidade e Irrecuperabilidade, Miriam Debieux Rosa e Maria Cristina Vicentin discutem os modos de gestão social baseados na estratégia de patologizar e criminalizar os jovens. Fundamentadas pela psicanálise e pela análise institucional, debatem acerca dos princípios contidos no diagnóstico de distúrbio antissocial que caracteriza os adolescentes como perigosos, intratáveis e irrecuperáveis. Propõem uma prática interdisciplinar ético política que focalize em suas possibilidades de fundar um novo lugar no campo social.

O artigo de Roselene Gurski, Massacres juvenis e paixão pelo real: o império do sentido e a discussão sobre os impasses do adolescer na atualidade, analisa os denominados massacres juvenis como um sintoma do laço social atual, interrogando: o que esses jovens devolvem através dos atos de violência. Além da Psicanálise, utiliza discussões sobre o tema da experiência e da transmissão desde Walter Benjamin, bem como o conceito de “paixão pelo real” (Zizek, 2004). Abordar a noção psicanalítica de sexuação como movimento central da clínica com adolescentes é o foco do artigo de Ana Costa e Maria Cristina Poli, Sexuação na adolescência: um ato performativo. Destacam, para tanto, as abordagens da escolha de objeto, da identificação sexual e da constituição das estruturas clínicas. Por fim, destacam o retorno de Lacan aos fundamentos da linguagem na clínica freudiana, no qual a afirmação sexuada se apresenta como um ato performativo. Propõem essa leitura como resolutiva dos impasses ideológicos que o tema da sexuação na adolescência acarretou na história da psicanálise. Finalizando o dossiê, Crianças e adolescentes na guerra e a relação à ancestralidade se propõe a apresentar uma síntese de oito anos de trabalho clínico de Olivier Douville com crianças e adolescentes em errância, que conheceram e fizeram uma guerra na qual eles foram tanto “portadores da morte” como sujeitos ameaçados. Esse trabalho clínico foi realizado em parceria com a pedopsiquiatria em Bamako, uma ONG que lhe permitiu trabalhar junto a SAMU (“Solidários, sem pré-condição”) Social de Mali.

Esta coletânea de textos pretende pensar experiências que sejam potentes para o jovem da atualidade e seus laços. Experiências que possam articular simultaneamente o saber e a falta, que suportem a tensão própria que caracteriza a operação adolescente, criando possibilidades que, sejam vias possíveis para o sujeito e o desejo.

 

Referências

Hobsbawm, Eric. (1995). A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras.         [ Links ]

Kehl, Maria Rita. (2204). A juventude como sintoma da cultura. Em Novaes, R., & Vannuchi, P. (Orgs.), Juventude e Sociedade: Trabalho, Educação, Cultura e Participação (pp. 89-114). São Paulo: Fundação Perseu Abramo.         [ Links ]

Missac, Pierre. (1998). Passagem de Walter Benjamin. São Paulo: Iluminuras.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Miriam Debieux Rosa
E-mail: debieux@terra.com.br

Roselene Gurski
E-mail: roselenegurski@terra.com.br

Maria Cristina Poli
E-mail: mcrispoli@terra.com.br

 

 

* Psicanalista, professora do programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo – Brasil. Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil.
** Psicanalista. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil. Professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil – e Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Coordenadora da Clínica Maud Mannoni – Brasil.
*** Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil – e do Mestrado Profissional Interdisciplinar Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida – Brasil. Analista membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Pesquisadora do CNPq – Brasil.