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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

     

 

EDITORIAL

 

RPP em revista: 10 anos contribuindo para a psicologia política brasileira

 

RPP in review: 10 years contributing to the Brazilian political psychology

 

RPP en revista: 10 años contribuyendo para la psicología política brasileña

 

 

Alessandro Soares da Silva*, I; Celso Zonta**,II

I Universidade de São Paulo USP
II Universidade Estadual Paulista UNESP

 

 

Ainda que a Psicologia Política enquanto campo estivesse presente no país desde que, em 1965, se ofertou a primeira disciplina com este nome no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais, não se pode dizer que sua presença fosse orgânica e dinâmica. Certamente, a criação do grupo de trabalho em Psicologia dos Movimentos Sociais na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP – em 1983 foi um evento fundamental para a dinamização do campo. Esse grupo logo mudou de nome e passou a chamar-se Comportamento Político por entender ser esta denominação mais ampla e capaz de refletir as distintas facetas da produção nacional relacionada com a interface da psicologia e da política. Nessa dinâmica, o Núcleo de Psicologia Política e Movimentos Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Liderados Pelo Professor Salvador Sandoval, organiza o I Simpósio Nacional de Psicologia Política em Maio do ano 2000. Como frutos desse encontro nasceram a Associação Brasileira de Psicologia Política – ABPP – e a Revista Psicologia Política – RPP.

O primeiro número da RPP foi resultado de algumas das intervenções do simpósio trabalhadas para serem artigos científicos que tratassem de temas relevantes na Psicologia Política Brasileira. O primeiro fascículo foi lançado em abril de 2001 com oito artigos advindos de oito instituições nas quais a Psicologia Política era uma possibilidade concreta de se pensar a realidade. Deste então, a RPP gerou 20 fascículos em 10 volumes. A RPP publicou 157 artigos científicos e reuniu 188 autores e autoras advindos, originalmente, da Antropologia, Administração, Educação, Educação Física, Filosofia, História, Política, Psicologia e Sociologia, o que faz da revista e da psicologia um espaço verdadeiramente interdisciplinar. Em dez anos recebemos contribuições enviadas da Argentina, Austrália, Costa Rica, Espanha, Estados Unidos da América, França, México, Portugal e Venezuela.

E como não poderia deixar de ser, não poderíamos deixar de recordar dos esforços dos editores passados, Salvador Sandoval e Marco Aurélio Máximo Prado, bem como de suas equipes e dos colaboradores/as que contribuíram durante nossa gestão da RPP. Foram 346 pareceristas que trabalharam conosco nesses 10 anos. Certamente, sem a colaboração dessas pessoas não teríamos alcançado a qualidade que desejávamos e para a RPP.

Mas infelizmente, nesses últimos anos, perdemos três importantes colaboradoras da Revista. Referimo-nos às professoras Silvia Tatiane Maurer Lane, Sócia Emérita da ABPP, falecida em (2006). Sua história ligada a Psicologia Social e a Psicologia Política foi marcada pelo compromisso social levado às últimas consequências. Ao lado de figuras como Leoncio Camino, Salvador Sandoval e Maritza Montero, aportou imensamente para que a psicologia política pudesse dar seus primeiros passos não só no Brasil, mas na América Latina. Recordar sua pessoa e sua luta é recordar alguns dos caminhos da Psicologia Política Brasileira. Mas em 2010 tivemos a perda de duas outras grandes mulheres: Heleieth Iara Bongiovani Saffioti e Karin von Smigay. Feministas, Heleieth e Karin, dedicaram suas vidas nas lutas e defesa da mulher. Incansáveis, buscaram contribuir para que as desigualdades de gênero, as violências vividas contra a mulher fossem enfrentadas e superadas para que emergisse uma sociedade mais justa e igualitária. Dessa luta também faz parte a luta de mulheres e homens que construíram esse periódico. A morte de Heleith, parecerista em diversas ocasiões, e de Karin, sóciafundadora da ABPP, membro Conselho Fiscal da ABPP (2003-2004) do Conselho Editorial da RPP (2001-2010), nos faz refletir como o empenho que nos move no trabalho editorial da RPP e na construção deste campo de saber ainda tem muito por fazer caso queiramos realmente colher os frutos que elas puderam colher a partir de suas lutas no campo do feminismo brasileiro e mundial. Indubitavelmente a força a luta e a genialidade dessas três grandes mulheres não devem ser esquecidas, assim como sua singeleza, sua disponibilidade e humanidade (qualidade tão marcante compartilhada por elas em um mundo que não poucas vezes nos leva a desumanização).

Esse número é especialmente dedicado, nas pessoas destas mulheres, a todas e todos que tem contribuído à Psicologia Política e trabalhado para que esse mundo seja socialmente mais justo.

Desta feita, o fascículo 20 do volume 10 da Revista Psicologia Política traz dez trabalhos sendo seis artigos de fluxo contínuo, um dossiê com quatro textos, e uma resenha. O fascículo é aberto pelo texto Psicología Política en Argentina: un recorrido por la historia de una disciplina emergente assinado por Silvina Brussino, Hugo E. Rabbia e Débora Imhoff da Universidade Nacional de Córdoba – Argentina. Em seu artigo fazem uma aproximação descritiva do desenvolvimento e fortalecimento da Psicologia Política na República Argentina. Tal trabalho permite a quem está menos afeito ao estado da arte do campo na Argentina a compreender seu percurso histórico e o estado de desinstitucionalização vivido pela Psicologia Política naquele país.

Em seguida, Vítor Mendonça e Angela de Andrade, da Universidade Federal do Espirito Santo – Brasil, discutem, no texto A Política Nacional de Saúde do Homem: necessidade ou ilusão? importantes elementos relacionados à saúde do homem. Esta surge como questão a ser estudada a partir do comportamento de risco que estes sujeitos adotam em função de certos ditames naturalizados e ordenadores de uma masculinidade hegemônica socialmente imposta. Em um quadro no qual hábitos de prevenção entre homens são escassos, a ausência de políticas públicas de saúde para essa população abre diversos focos de ação psicopolítica entre essa população e as autoridades do setor.

Em Violência Entre Parceiros Íntimos: uma análise relacional, Mirian Béccheri Cortez, Lídio Souza e Sávio Silveira de Queiróz, também da Universidade Federal do Espirito Santo – Brasil, discutem as relações estabelecidas entre casais em situação de violência. Isso é feito a partir da análise de descrições que estes sujeitos fazem das situações por eles vividas. Isso permitiu a esses pesquisadores analisar quais são as concepções de gênero dos casais e como estas se articulam na configuração dos episódios de violência.

A cultura como dispositivo de governo da população pela UNICEF e UNESCO: apontamentos genealógicos é o artigo proposto por Flávia Cristina Silveira Lemos, da Universidade Federal do Pará – Brasil. Neste artigo, a autora discute como o governo da população é realizado por uma instrumentalização da cultura pelas práticas da UNESCO e do UNICEF, no Brasil. Segundo ela, e a partir de uma leitura foucaultiana, esses organismos multilaterais têmse posicionado no jogo de forças da cena política atual, como responsáveis pela produção da paz mundial. Numa perspectiva psicopolítica, Lemos aponta para o fato de que a gestão da cultura pelos organismos multilaterais constitui a busca pelo consenso mundializado em nome da democracia e do fomento aos direitos humanos.

Em A Necessidade da Educação do Poder e do Domínio Para as Relações Sociais e Políticas, Armando Marino Filho, Universidade Estadual Paulista, reflete sobre o poder como produto da atividade viva e cultural, enfatizando que a aprendizagem é o meio pelo qual o poder se desenvolve nos indivíduos. Por fim, no artigo Adolescentes na Corda Bamba: aspectos psicossociais na relação com a lei, Raquel Cairus e Maria Inês Conceição, Universidade de Brasília, tratam dos aspectos relacionados ao lugar e à identidade de adolescentes em conflito com a lei. A construção identitária quando se refere a identidades estigmatizadas adquire uma função social resultante de um processo dialético próprio da modernidade e gerador de uma massa de marginais excluídos das condições de trabalho. Nesse contexto, discutir a posição do adolescente ante ressignificações sociais e referenciais líquidos constitui.

O dossiê A Educação como Mediação na Teoria Histórico-Cultural: Compromissos Ético e Político no Processo de Emancipação Humana, organizado por Maria Eliza Mattosinho Bernardes – Universidade de São Paulo, reúne quatro artigos de corte sócio-histórico que buscam pensar a educação como mediação no processo de emancipação humana. O primeiro texto intitulado O Método de Investigação na Psicologia Histórico-Cultural e a Pesquisa sobre o Psiquismo Humano é de autoria da organizadora do dossiê. Este estudo teórico busca explicitar os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa sobre a constituição e o desenvolvimento histórico do psiquismo humano segundo a psicologia histórico-cultural e o método materialista histórico-dialético. A autora apresenta os elementos essenciais sobre a constituição e do desenvolvimento histórico do psiquismo humano, explicitando as bases metodológicas implícitas no método de investigação. O segundo texto do dossiê A Escola é para Poucos? A Positividade da Escola no Desenvolvimento Psicológico dos Alunos em uma Visão Vygotskyana, da lavra de Marilda Facci, pensa a escola no processo de desenvolvimento psicológico dos alunos a partir da Psicologia Histórico-Cultural.

Suely Amaral Mello, da Universidade Estadual Paulista, apresenta o artigo Ensinar e Aprender a Linguagem Escrita na Perspectiva Histórico-Cultural. Neste artigo, reflete-se sobre do sentido que o sujeito atribui às apropriações que realiza. Essa relação é mediada pelas experiências que o sujeito acumula ao longo de sua vida e implica concretamente na unidade afetivo-cognitivo.

Fechando o dossiê, temos o artigo A Formação Docente na Perspectiva Histórico-Cultural: em busca da superação da competência individual de Vanessa Dias Moretti e Manoel Oriosvaldo de Moura, da Universidade de São Paulo. Nele os autores analisam as limitações do conceito de competência, assumido como nuclear pelas políticas públicas atuais no Brasil para a formação de professores. Entretanto, para a orientação de propostas de formação que sejam constitutivas do homem em sua generacidade é preciso retomar as origens do conceito por meio dos conceitos de trabalho e atividade.

Finalmente, Antonio C. Ribeiro Tupinambá nos brinda com a resenha Conversas sobre os Desmandos Estadunidenses no Mundo na qual ele analisa o livro What we say goes: Conversations on US Power in a Changing World Noam Chomsky (2009). Segundo Tupinambá, Noam Chomsky aponta para prepotência dos Estados Unidos e de sua ingerência unilateral em diversos países periféricos, a exemplo do que sucedeu no Iraque e no Afeganistão. Nesse contexto, urge aprofundar criticamente os argumentos que consolidam a ideia de continuidade da prática hegemônica estadunidense, que justificam a sua onipresença bélica mundial, mesmo quando a situação exige um discurso sobre a paz.

Nesse quadro no qual completamos dez anos de trabalhos vale registrar que concentramos nossos esforços para que a RPP se torne cada vez mais um veículo capaz de contribuir para o crescimento da Psicologia Política brasileira, bem como para a divulgação mundial da produção científica nesse campo. Certamente, a comunidade RPP tem contribuído muito para o sucesso dessa missão.

Parabéns a tod@s nós e boa leitura!

 

 

* Editor.
** Editor.