Revista Psicologia Política
ISSN 2175-1390
ARTIGOS
A necessidade da educação do poder e do domínio para as relações sociais e políticas
The need of the education of the power and of the control for the political and social relations
La necesidad de la educación del poder y del dominio para las relaciones sociales y políticas
Armando Marino Filho*
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista – Marília, SP – Brasil
RESUMO
Realiza-se nesse artigo uma reflexão sobre o poder como produto da atividade viva e cultural, enfatizando que a aprendizagem é o meio pelo qual o poder se desenvolve nos indivíduos. Encaminha- se uma discussão sobre a necessidade de empoderamento dos indivíduos no processo educativo e sobre a avaliação da forma desenvolvente do domínio, como meio de transformação da dominação por interesses pessoais em dominação pelos interesses coletivos, garantindo assim, um compromisso com a transmissão dos conhecimentos e a formação da consciência. Alerta-se para a necessidade do ensino pelo empoderamento dos indivíduos e para o papel da educação no cumprimento dessa tarefa. Conclui-se com uma proposição sobre a constituição do caráter da criança de forma articulada com a educação do poder e do domínio, voltados para a humanização por meio da educação política, desde o ensino fundamental.
Palavras-chave: Teoria histórico-cultural, Educação, Poder, Dominação, Educação política.
ABSTRACT
This paper is a consideration concerning power as a product of living activity and human culture, and emphasizes the apprenticeship as a means through which power is developed. There is a focus on an argument on the need for the empowerment of individuals in educational, and on evaluating if individual ability is being developed as a means of transforming domination by private interests to domination by collective ones, therefore ensuring a commitment with the transmission of knowledge and the formation of consciousness. Attention is given to the need for the teaching through the empowerment of individual and the role of education in accomplishing this task. A proposition on the formation of children’s character linked to the education of power and domination directed to humanization by means of political education since elementary school is presented as a conclusion.
Keywords: Cultural-historical theory, Education, Power, Domination, Political education.
RESUMEN
En este artículo realizamos una reflexión acerca del poder como producto de la actividad humana viva y cultural, tomando como punto de partida la idea de que el aprendizaje constituye el medio por lo cual el poder se desarrolla en los individuos. Conducimos una discusión acerca de la necesidad del empoderamento de los individuos en el proceso educativo, y en la evaluación de la forma desarrollante del dominio como modo de transformación de la dominación tomada por intereses personales en dominación marcada por intereses colectivos, buscando así un compromiso con la transmisión de conocimientos y la formación de la conciencia. Alertamos para la necesidad de la enseñanza como modo de empoderamento de los individuos y para el rol de la educación en el despliegue de este objetivo. Concluimos con la proposición acerca de la formación del carácter del niño junto a la formación del poder y dominio hacia la humanización por medio de la educación política que empieza en la escuela primaria.
Palabras clave: Enfoque histórico cultural, Educación, Poder, Dominación, Educación política.
A educação deve desempenhar o papel central na transformação
do homem, nesta estrada de formação social consciente
de gerações novas, a educação deve ser a base para alteração
do tipo humano histórico. As novas gerações e suas novas
formas de educação representam a rota principal que a história
seguirá para criar o novo tipo de homem.
Liev Semionovitch Vygotsky
Introdução
As relações de poder têm sido comumente discutidas com maior ênfase na esfera da política e econômica. Na esteira dessas discussões, o poder e suas relações com a educação adquirem esse mesmo enfoque. No entanto, outra perspectiva é possível para compreender-se o poder humano nas relações educativas. O poder e o domínio da atividade viva, como processo de humanização e desenvolvimento psíquico é uma perspectiva necessária para a orientação da educação em geral, e da escolarização em particular, pois nessas circunstâncias, ele se revela como poder personificado, o que implica uma qualidade na formação do sujeito.
A proposta presente neste trabalho refere-se à necessidade de ampliação da discussão das relações de poder e dominação para que, no âmbito da atividade escolar, possamos ir além das afetações político/econômicas e compreender como o desenvolvimento individual do poder e do domínio da atividade se traduz em desenvolvimento humano para os estudantes, e possibilita no futuro uma participação política consciente na vida econômica.
Considera-se aqui, que o processo de escolarização no ensino fundamental é um momento importante de formação de capacidades psicológicas e daquela personificação do poder, para a criança. Essa se envolve em esferas de representação e pensamento que organizam de forma diferenciada a sua compreensão do mundo e as relações sociais. Assim, esse início de sua entrada no mundo adulto pela organização do pensamento em bases conceituais e teóricas, exige não somente o seu aprimoramento intelectual no sentido das disciplinas escolares, porém, é necessário para a sua formação como sujeito, o mesmo cuidado com as relações de poder e domínio da sua atividade viva e social.
Nesse sentido, entende-se como problema a ser discutido, que a educação política, em sentido lato a da relação dos homens entre si e do domínio da produção de suas vidas em relação à natureza e à sociedade, deve ser assunto, ou mesmo uma disciplina, importante no âmbito do ensino e da escolarização.
Cito, assim, a Martín-Baró (1989:92) com o fito de respaldar a necessidade dessa ampliação na discussão sobre o poder, pois segundo este autor,
Seria um engano não ver o poder mais que no âmbito do político e de grandes acontecimentos sociais, ainda que esses sejam seu terreno por excelência. O poder se dá em todos os aspectos da vida humana e, desde o ponto de vista da psicologia social, pode resultar muito mais importante analisar seu papel na configuração da vida cotidiana, nos mecanismos das rotinas, que nos acontecimentos excepcionais. O poder opera nas relações entre os pais e filhos, entre professores e alunos, entre patrões e trabalhadores. Em todos estes casos, alguém tem poder sobre os outros, o que significa que aos filhos, alunos e trabalha dores lhes toca obedecer e/ou submeter-se, a não ser que decidam rebelar-se e disputar seu poder com os pais, professores e patrões. (Tradução nossa)
Outra característica da discussão proposta aqui é que comumente o poder também é compreendido como controle e submetimento da vontade, do direito e da realização dos indivíduos. Assim, é denominada como poder, a ação do estado, a ação de uns grupos sobre outros, a produção ideológica, a ação de um adulto sobre a criança, etc. No entanto, considera-se neste trabalho que essa forma do poder é na verdade uma vicissitude histórica que se caracteriza como dominação. Essa, por sua vez, revela mais o exercício do uso do poder para interesses particulares, do que o poder e a capacidade de domínio como forma necessária da atividade viva.
É objetivo dessa discussão, demonstrar quais sejam as formas de desenvolvimento humano que possibilitam o desenvolvimento do indivíduo como sujeito social, constituído de uma personalidade na qual o poder e o domínio se revelam como possibilidade de participação social ativa e consciente, e como o processo educativo e a escolarização são fundamentais nesse processo.
Com essa orientação, fundamentando-se na teoria Histórico-Cultural – Vygotsky, Leontiev e Luria entre outros - e observando a urgência que se nos apresenta a consideração e implantação de práticas que demonstrem a criação do poder nos indivíduos como essencial ao seu desenvolvimento, é que passamos a uma discussão sobre como, no ser humano e na sociedade desenvolve-se o poder.
Da Necessidade do Poder no Ser Humano
O poder está diretamente ligado a atividade, ao movimento. As condições e pressupostos para a atividade viva como condição da existência do poder humano devem ser então analisados. É na esfera do conceito de necessidade que se compreenderá tais condições e pressupostos.
A muito se reflete sobre a necessidade. Em Aristóteles (1995), a necessidade se encontra naturalmente, isto é, faz parte das coisas e as condicionam, de forma que, estando na base da existência, estaria diretamente relacionada ao seu movimento. Assim, as diferentes necessidades seriam condicionadas pelo seu objeto - o necessário - a ser segundo alguma determinidade, ou, a não poder ser de outra forma, por uma causa a priori.
Por outro lado, para esse mesmo filósofo, a necessidade também está correlacionada com as condições externas às coisas. A existência da multiplicidade dos seres as suas condições e relações seriam objetos causadores e confirmação da necessidade. Dessa forma, um ser causa necessidade em outro e ao mesmo tempo é seu objeto. Com isso, a forma de existência de um objeto expressa a forma da existência da necessidade correspondente, ou a forma que a necessidade, como condicional adquire na relação do ser com o mundo.
Kant (1999:195) aponta para a “necessidade material na existência” como nexo causal da necessidade hipotética dizendo que “tudo que acontece é hipoteticamente necessário” como condição da própria existência. A lei que condiciona as transformações no mundo é a necessidade cujo objeto é a matéria que a condiciona, isto é, a existência está hipoteticamente condicionada pela materialidade do seu objeto, cujo movimento determina a transformação da própria necessidade, mas não a sua essencialidade, da qual não temos acesso, “Conhecemos apenas a necessidade de ‘efeitos’ naturais, cujas causas nos foram dadas (...)”.
Segundo Abbagnano (1982:676), Hegel considera “a unidade de possibilidade e realidade e a presença da totalidade das condições” como a forma da existência da necessidade. Assim, a circunstância da realidade é o elemento mediador da necessidade, tanto no seu aspecto condicional quanto no objetivo, residindo aí o centro em torno do qual gira o movimento entre o surgimento da necessidade quanto do seu objeto.
Em Princípios da Filosofia do Direito, Hegel (1997:176) afirma o domínio do homem sobre suas necessidades fundamentando-se no domínio que os homens fazem dos meios de sua satisfação, bem como das possibilidades de multiplicação das necessidades e da sua distinção da necessidade concreta. Mas essa afirmação aparece por um lado como produto da naturalidade da “carência social, enquanto união da carência natural e imediata e da carência espiritual da representação”, e por outro lado como domínio pelo espírito, da representação universal. Nesse sentido, a necessidade aparece como mistificada, como ponto de partida e de chegada das ações humanas como teleologia da realização do espírito universal, anulando o papel dos indivíduos na produção da história e, consequentemente, das novas necessidades humanas (Kosik, 1991).
Todavia essas proposições sejam a base da compreensão da necessidade como elemento estrutural da vida, há a exigência de se conhecer a origem das necessidades humanas propriamente ditas, pois tal esclarecimento permite se exercer com mais propriedade o domínio do movimento social e cultural. Pode, por exemplo, explicitar como ocorre que em tempos históricos diferentes haja necessidades pessoais diferentes e, até mesmo, porque a personalidade se desenvolve como característica do processo de formação dos indivíduos, o que, sem dúvida alguma interessa, e muito, à educação como atividade consciente e humanizadora.
O esclarecimento dessa questão se justifica como impreterível à compreensão de qual seja a necessidade da educação da personalidade para a ação do indivíduo como sujeito histórico e político, na esfera da liberdade e da autonomia.
Para Marx (1977:39-40), “(...) para viver, é necessário antes de mais beber, comer, ter um teto onde se abrigar, vestir-se, etc. O primeiro fato histórico é pois a produção dos meios que permitem satisfazer as necessidades, a produção da própria vida material (...)”. Dessa afirmação decorre que a carência biológica do metabolismo material - que caracteriza a necessidade no âmbito da natureza - adquiriu outra proporção no processo histórico e transformou-se em necessidade humana e histórica, o que implica a transformação da necessidade em objeto e condição como produto das relações entre os homens, visto que, como afirma esse autor, “O segundo ponto a considerar é que uma vez satisfeita a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento utilizado para tal conduzem a novas necessidades (...)”
Considerando o trabalho como atividade de transformação da natureza e, portanto, da natureza das necessidades do homem, deve-se cotejar para o fundamento da compreensão das necessidades humanas, o valor implicado nessa transformação, pois, a relação afetiva com a materialidade das objetivações produzidas no trabalho adquire não somente um sentido biológico (aquele que correlaciona as objetivações ao sentido mais primitivo da manutenção da vida), mas também um sentido socialmente relacionado; as novas necessidades ocupam um lugar na relação social. Um lugar simbolizado, que vai além de uma possível naturalidade ideal do valor de uso, mas inclui o homem em uma nova forma de ser que exige para a sua sobrevivência outros objetos ou objetivos diferentes daqueles imediatamente materiais, mas relacionais com outros homens. As novas necessidades humanas, dessa forma, estão ligadas ao controle da atividade de outros homens como de si próprio.
A necessidade é condição do ser vivo. A atividade viva ocorre pela constante movimentação e consumo de matérias que geram a carência das mesmas. Na relação do ser vivo com o seu mundo e nas transformações no seu próprio organismo criam-se a carência de novos materiais e as formas de relacionamento com eles. A esse processo se pode chamar adaptação, ou seja, um processo de adequação da relação viva do organismo às mudanças no meio e às mudanças em si mesmo.
A necessidade aparece de duas formas, primeiro como própria da existência biológica do ser, e, segundo, como própria da existência relacional com o mundo objetivo, segundo as suas características. O surgimento dessas diferentes formas da necessidade produz, igualmente, novas formas de comportamento (Vygotsky, 1997).
Pode-se compreender que, por meio da atividade, a necessidade representa um estado ou condição que produzidos pelo movimento vivo, surge das relações do ser com o seu mundo, isto é, surge do seu próprio ser com o seu não ser, com o outro. Assim, o outro que não é o próprio ser torna-se sempre objeto deste, aquilo que existindo de alguma forma relaciona-se a uma determinada condição do ser. Chamaremos aqui de o necessário a esse objeto das condições nas quais se encontra o ser, aquele que se transformou em requerido e inevitável.
Se o que cria a carência ou situação de necessidade é a atividade viva, da mesma forma o que possibilita a satisfação das exigências da condição de ser vivo é a sua própria atividade. Segundo seja a sua atividade constituir-se-á a possibilidade de manutenção do seu viver. É aquilo que o ser traz consigo como capacidade de agir sobre o meio que garante uma atividade coerente às suas necessidades. Com isso, podemos dizer que a capacidade de agir representa uma força própria do ser que lhe permite atuar no meio. Essa força importa uma determinada potência para a ação, algo inerente ao ser, que possibilita o movimento, mas que somente se manifestará por ocasião da exigência da necessidade e da existência de seu objeto (Leontiev, 1978).
As condições de vida, portanto, exigem o uso de uma força motriz que se configura como potência e que se materializa na atividade de transformação do meio e de si próprio, como processo adaptativo para a manutenção da vida. Podemos concluir, assim, que a adaptação é um processo que atende às necessidades e garante a manutenção da vida do ser. Não adaptarse às transformações do meio e às necessidades criadas pela atividade é perecer ao longo do tempo.
No entanto, não é somente aquilo que o ser traz consigo de forma hereditária - e que representa um longo processo de adaptação da espécie - que caracteriza o comportamento adaptativo. Ocorre igualmente um processo de aquisição de novas formas de comportamento que resultam da experiência própria de cada indivíduo durante sua vida. Isso quer dizer que além da potência para agir, característica da herança genética, o ser vivo adquire novas qualidades que se produzem como forma de adaptação individual, novos poderes que são próprios de sua história de relações, ou a elas tornaram-se necessários.
Na relação do ser vivo com o seu meio, o registro biológico dessas experiências com as próprias formas de agir, nas condições do meio na qual a atividade ocorreu, e as transformações adaptativas por este exigidas, tornam-se condição da produção e reprodução da atividade viva. Esse registro que se configura como conhecimento, torna-se orientador da ação do organismo no meio (Pinto, 1969). Assim, a recuperação e a utilização das informações das rela ções, irão se constituir como uma condição orientadora da força motriz da atividade, e ao mesmo tempo, similares a uma potência, como capacidade, como poder.
O poder desenvolver-se-á, assim, como a possibilidade de mover-se, agir e constituir uma atividade orientada no meio, capaz de satisfazer as exigências das condições de vida do próprio ser, as suas necessidades. Vemos, portanto, que a necessidade e o poder para a sua satisfação têm uma história que reflete a sua própria constituição. Isso quer dizer que, o desenvolvimento do ser é produto de sua própria atividade e das condições com as quais se relaciona. Neste sentido, compreendemos esse desenvolvimento como evolução através do surgimento de múltiplas necessidades.
Ainda observamos que a atividade viva evolui para uma forma orientada e controlada. Isso quer dizer que a atividade torna-se direcionada a um objeto e que a possibilidade de efetivação do alcance deste depende da aferição e da correção dos resultados das ações e operações (Leontiev, 1978). Assim, o organismo vivo deve manter as condições e os meios de efetivação de suas metas, estabelecendo um domínio sobre as relações necessárias. O domínio é condição para o processo adaptativo, para o desenvolvimento e para a manutenção das relações que garantam alcançar metas e objetivos.
O domínio representa a possibilidade de manutenção, controle e orientação das condições necessárias para a satisfação das exigências da condição viva. Todo ser vivo necessita tanto do poder para a realização da sua atividade, quanto do domínio de suas forças e das forças engendradas pelas mudanças no meio. Esse domínio é próprio para a manutenção e orientação do viver. Como afirma Pinto (1969:23),
O processo da evolução biológica é o processo de sujeição da matéria inerte pela vida. Todo ser vivo em alguma medida domina o meio em que se encontra. Somente em virtude de exercer essa faculdade se define como vivo, e efetivamente se conserva, tanto no período de sua duração individual, quanto na capacidade evolutiva da espécie a que pertence.
Portanto, as esferas do domínio existem em duas formas. Essas representam tanto a do próprio ser, como a do meio, isto é, o organismo deve dominar a sua autoatividade e as transformações que ocorrem no seu mundo. Deve, portanto, evoluindo, constituir conhecimentos tanto de si mesmo como do mundo no qual vive.
Nesse sentido, a necessidade, o poder e domínio são condições da existência e estão em correlação como formas de conhecimento que garantem a atividade viva e a continuidade do ser. Como disse Leontiev (1978:173):
Todavia o homem adaptar-se à natureza circundante não é senão produzir os meios da sua própria existência. Graças a isto, o homem, diferentemente do animal, mediatiza, regula e controla este processo pela sua atividade; ele próprio desempenha, em face da natureza, o papel de uma potência natural.
Feita essa análise sobre o poder no ser vivo em geral, passa-se a uma rápida exposição sobre aquilo que diferencia a atividade viva dos seres humanos da dos animais, para, ampliando as considerações feitas acima, alcançar a compreensão das vicissitudes dessas relações no âmbito do processo da humanização.
Distintamente da evolução da vida biológica em geral, com o homem ocorreram processos que o colocaram diante de novas forças - além daquelas da natureza - na determinação de sua transformação. Se em um primeiro momento as forças da natureza preponderaram sobre as suas ações e na sua formação como organismo biológico, posteriormente, é a ação dos homens sobre a natureza que ocupa o lugar determinante de sua transformação. Aquilo que representava um poder da natureza sobre o homem o capacitou para, inversamente, representar um poder sobre a natureza (Marx 2004).
Mas, como surgiu no homem esse poder para agir sobre a natureza? Qual é a condição do poder especificamente humano, que supera a sua naturalidade?
A progressiva atividade coletiva introduz na vida dos homens pelo menos três condições da sua necessidade. Estas aparecem como determinantes do surgimento de novas capacidades intelectuais e operacionais diante da natureza e de si mesmos. A necessidade de trabalho em grupo, a necessidade de comunicação e o uso de instrumentos produzidos intencionalmente para determinadas operações. Como afirma Luria (1991:75),
São justamente essas condições que fazem com que, com a transição para a história social, mude radicalmente a estrutura do comportamento. Junto com os motivos biológicos do comportamento, surgem os motivos superiores (“intelectuais”) e necessidades, concomitantes com o comportamento que depende da percepção imediata do meio. Surgem formas superiores de comportamento, baseadas na abstração das influências imediatas do meio, e, juntamente com as duas fontes do comportamento – os programas de comportamento consolidados por via hereditária e a influência da experiência passada do próprio indivíduo –, surge uma terceira fonte formadora da atividade: a transmissão e assimilação da experiência de toda a humanidade.
Portanto, a história que os homens produzem a partir de sua atividade coletiva para a satisfação de suas necessidades é, também, a história do desenvolvimento de forças materiais e intelectuais, das formas da sua força para agir especialmente diferente daquela natural. A história do poder humano se confunde com a da sua própria humanização, dela advém. Quando falamos do poder humano referimo-nos às formas de ser, agir, pensar e sentir que são produtos de sua própria atividade vital e sociocultural.
Outra característica importante para compreendermos as vicissitudes do poder humano relaciona-se de fato à esfera da necessidade. Se, no processo evolutivo, as contingências da própria natureza criaram situações e condições objetivas materiais e subjetivas, na organização biológica do homem, com a atividade social, os próprios homens criam novas situações nas quais novas necessidades, não propriamente biológicas, surgem (Leontiev, 1978). Não são necessidades da organização biológica, mas da relação dos indivíduos com um meio historicamente criado.
Essas novas necessidades possuem objetos que surgem como possibilidade de agir, ou seja, aparecem para os indivíduos como um poder não mais naturalmente dado, mas que exige uma atividade especial para se adquirir, pois se refere não mais ao meio natural, e sim, sóciocultural, um meio, além de tudo, simbólico.
Se, para o seu desenvolvimento, os indivíduos contavam com as formas de agir hereditariamente transmitidas e com as aprendidas pela própria experiência, agora, para existir como homem no meio social torna-se inevitável adquirir as formas de agir socialmente produzidas. O desenvolvimento de cada um é caracterizado não imediatamente por aquilo que já possui, mas pelos objetos da cultura humana. Assim, o objeto das necessidades criadas socialmente e em posse de outros homens, torna-se o necessário para o desenvolvimento de cada um, aquilo que é exigido e inevitável (Leontiev, 1978).
Ao ser inserido na atividade social, a todo indivíduo são criadas novas necessidades cujos objetos são imprescindíveis para o seu desenvolvimento e poder para agir. Os objetos da cultura são aqueles da história do conhecimento adquirido pelos homens com a atividade e materializados ou objetivados na prática social. Como afirma Luria (1991:71-72, vol.1),
Via de regra, a atividade do homem é regida por complexas necessidades, freqüentemente chamadas de "superiores" ou "intelectuais". Situam-se entre elas as necessidades cognitivas, que incentivam o homem à aquisição de novos conhecimentos, a necessidade de comunicação, a necessidade de ser útil à sociedade, de ocupar, nesta, determinada posição.
Chegamos, assim, a considerar o conhecimento já produzido pelo conjunto dos homens como constituinte fundamental do poder para os indivíduos e, portanto, temos como natureza do poder humano a própria atividade social. São justamente dessas necessidades superiores, que consideramos as mais importantes para a transformação do homem no processo educativo, que tratamos de afirmar como constituintes do seu poder.
Conclui-se, então que há uma necessidade de poder para a atividade, mas o poder para agir socialmente deve ser produzido, não é natural. Há a necessidade do direcionamento e controle do poder, mas a sua teleologia deve ser conscientemente determinada pelos próprios homens, o que implica aprender a agir coletivamente. Há, ainda, a necessidade da personificação do poder, isto é, da formação da personalidade como expressão do poder de participação na vida sociocultural, como possibilidade de alteração da posição individual no domínio da produção da vida.
A Posse do Conhecimento e o Compromisso Com a Sua Transmissão
Por que o conhecimento produzido coletivamente é fundamental na constituição do ser humano? Pode o indivíduo aprender por conta própria e orientar-se como um homem social?
A resposta a essas duas perguntas encontra-se no pressuposto de que o indivíduo é, em si mesmo, insuficiente para produzir por sua própria atividade o conhecimento já constituído pela humanidade. Assim, para vir a ser como o outro homem precisa aprender, precisa apropriar-se do conhecimento com o qual possa se orientar nas relações sociais.
Daqui decorre uma situação na qual todo indivíduo se encontra ao nascer, é o outro quem possui e detém o conhecimento necessário para o seu desenvolvimento. Todo indivíduo depende, necessariamente, das gerações mais velhas para a transmissão dos conhecimentos já produzidos. Não é capaz de construí-lo só com sua própria atividade.
Dessa relação de dependência decorre, ainda, que a continuidade e desenvolvimento da própria sociedade exigem um comprometimento daquelas gerações na constituição do poder das novas, para que possam exercer o domínio da sua existência.
Não basta adquirir um determinado poder, é preciso aprender a usá-lo em diferentes situações e ter condições para dominar as esferas de sua realização. Pois, a ocorrência de uma necessidade circunstanciada por condições contraditórias e o movimento em direção ao seu objeto criam, além de tudo, outra necessidade, a da capacidade individual para a manutenção controlada das situações e condições favoráveis aos próprios interesses, tanto no âmbito individual quanto no da sociedade.
Portanto, são necessidades não somente a força, o meio, os instrumentos e os conhecimentos para agir, mas o controle e manutenção das diferentes situações, não somente o domínio, mas também o exercício de uma dominação.
Toda sociedade e indivíduos devem, afinal, como manifestação de sua maturidade, exercer domínio sobre as atividades que estabelecem com a natureza e com os outros homens na manutenção de sua vida. Esse domínio significa justamente ter os conhecimentos e saber usá-los nos mais simples e nos mais complexos processos de orientação e controle das ações.
O conhecimento aparece em cena como meio geral e representativo da especificidade da atividade humana e transforma-se em constituinte mediador das ações de orientação e de controle consciente na atividade social, como meio de exercício do domínio.
Portanto, à guisa de síntese dessas afirmações, reiteramos que o conhecimento produzido coletivamente pelo conjunto dos homens é fundamental na constituição de cada indivíduo como sujeito. Para orientar-se na vida social como representante de sua cultura, como homem livre da condição natural, com consciência e capacidade de análise crítica (teórica) das condições de sua vida, todos dependem da intencionalidade daqueles que têm posse e dominam (controlam e orientam) as possibilidades da aquisição do conhecimento.
Passamos a considerar, então, que o domínio da atividade consciente está no cerne da problemática sobre desenvolvimento social e individual. Daí é preciso compreender o domínio como uma atividade especial.
O conjunto dos conhecimentos e a autoconsciência destes, para os indivíduos ou grupos sociais, formam a unidade que permite correlacionar – cognitiva, afetiva e emocionalmente - uma atividade específica à concreticidade das relações vivas, dominando-as. Devemos, então, analisar o domínio como sendo uma atividade. Isso, para estabelecer qual seja o compromisso do processo educativo referente às relações de poder e dominação.
Da Necessidade do Domínio no Âmbito Social e Individual e da Formação da Personalidade
O componente nuclear da atividade é a ação. Nessa, encontram-se reunidas todas as qualidades objetivas e subjetivas que formam uma totalidade e que permitem identificar a especificidade da atividade humana. Desde o controle motor no espaço material até a ideação do resultado final da atividade, o conjunto das capacidades psicológicas funciona integradamente na solução de uma tarefa. É, também, em conjunto, inter-relacionando-se, que as funções psíquicas orientam e controlam a atividade direcionada a um objeto. (Vygotsky, 2004)
A possibilidade de controlar e orientar o “movimento vivo” – nas palavras de Bernshtéin (Davidov, 1988:35) – no meio material expressa a capacidade de dominar as alterações em si e no meio, redirecionando as ações em função de novas necessidades e objetivos. Portanto, correlaciona-se com a superação das adversidades que surgem na atividade.
O movimento do corpo animado está ligado com a busca, que inclui em si o processo de orientação com respeito ao futuro. N. Bernshtéin chamou aos movimentos desse tipo “movimentos vivos”. O movimento vivo não é uma reação, senão uma ação; não é uma resposta ao estímulo externo, senão a solução de uma tarefa. O traço essencial que diferencia o movimento vivo do mecânico é que aquele representa não somente e nem tanto a trans lação do corpo no espaço e no tempo, quanto a superação do espaço e do tempo e o domínio destes.
Seguindo-se essa concepção de ação, entende-se que o conjunto das capacidades motoras e psicológicas para o exercício do domínio depende não exclusivamente das capacidades herdadas, mas do desenvolvimento cognitivo, afetivo e emocional fundado na própria experiência individual que, no caso humano, é subsumida e orientada pela experiência humana genérica, acumulada na cultura.
Portanto, é na totalidade do seu desenvolvimento que o indivíduo, como parte representativa do meio material e cultural, encontrará as possibilidades do domínio objetivo e autodomínio da conduta. Compreende-se, com isso, que toda ação é constituída desde o princípio por processos de aprendizagem e de transformação das capacidades inatas. Segundo o mesmo autor Davidov (1988:35-36) e obra referida acima,
Ainda que o movimento se realize no espaço exterior, simultaneamente tem um espaço próprio. N. Bernshtéin, sobre a base da generalização de todas as propriedades da motricidade em suas inter-relações com o espaço exterior, introduziu o conceito de campo motor. A ausência de linhas estáveis idênticas no campo motor e a irrepetibilidade do movimento induzem a pensar que o movimento vivo se estrutura sempre de novo. O campo motor se organiza por meio de movimentos de busca, de prova que sondam o espaço em todas as direções.
Com isso, considera-se que, possuidora desse movimento de busca, toda criança ao nascer é inserida na atividade social e, sob determinadas condições e contextos, surgem para ela novas necessidades diferentes das especificamente orgânicas, em relação à sua orientação. São necessidades criadas principalmente pela ação dos adultos cuidadores que se tornam o centro das atenções da criança e reestruturam a sua forma de agir. Para que as ações correspondam à sua existência no meio cultural é necessário adquirir uma nova força, um novo poder e o elemento mediador para isso é o adulto.
Em pouco tempo de relacionamento social o adulto torna-se o elemento necessário para as exigências dessas necessidades, torna-se o objeto das ações de orientação da criança. A toda e qualquer necessidade o adulto é requerido como meio para as ações da criança. Daqui decorre a idéia na qual o adulto representa o principal elo mediador entre a criança e o mundo humano, portanto o principal elemento do seu desenvolvimento e da configuração que tomam as suas ações.
As ações que são representadas inicialmente por atos motores reflexos, expressivos e emocionais tornam-se, paulatinamente, com a atribuição individual de tarefas em atividades coletivas, ação humana propriamente dita, isto é, motivada por objetivos comuns e orientada por significados socialmente constituídos, que expressam não uma reação, mas o controle gradativo do tempo e do espaço culturais. Considera-se com isso, que o desenvolvimento social da criança representa a autonomia como forma de satisfação da necessidade de domínio da realidade sociocultural.
De tudo isso, depreende-se que, na formação da personalidade, da dependência absoluta ao nascer à autonomia adulta, transcorre um longo período onto e sociogenético de desenvolvimento da necessidade e da capacidade de dominar as condições da vida individual e social. Essa história de aprendizagem do poder e do domínio é fundamentalmente dada por um pro cesso educativo, o que implica também compreender que a personalidade pode ser educada. Como disse Vygotsky (2004), “A educação é o domínio artificial dos processos naturais de desenvolvimento. A educação não apenas influi em alguns processos de desenvolvimento, mas reestrutura as funções do comportamento em toda sua amplitude” (p. 100). É justamente nessa reestruturação das funções, para o desenvolvimento social da criança e da sua personalidade, que se encontrará o compromisso com a transmissão do conhecimento e com os objetivos que a atividade educativa pode ter com o futuro comportamento dos indivíduos.
Dessas ideias surge outra característica que se reclama esclarecer sobre a atividade de domínio. No desenvolvimento da atividade social o domínio da natureza e de seu conhecimento, o domínio de si próprio e das próprias ações dirige-se, factualmente, ao domínio dos outros indivíduos como divisão social do trabalho.
Aqui é preciso compreender as consequências desse fato para o processo educativo e como essa dominação de uns homens sobre outros se transformou em processo negativo para a humanização. A possibilidade de exercer domínio sobre si e sobre a natureza, que representou uma atividade positiva na transformação evolutiva da humanidade, sob as atuais condições sociais e econômicas, e em relação ao desenvolvimento psicológico da consciência, se contrapõe à humanização.
Portanto, exige-se perguntar como ocorre que umas pessoas se submetam a outras. Pode ser um processo natural, uma inclinação individual, um problema de personalidade? A maioria dos indivíduos nasce propensa a ser dominada? Ou isso pode decorrer do processo educativo? Nesse caso, quais são as implicações que daí decorrem?
A resposta é não, para a possibilidade da submissão ou da personalidade submissa como características naturais, e sim para a origem educativa dos modos de se relacionar com o outro e com a sociedade. Para gestarmos a possibilidade de uma sociedade onde essas relações de poder e dominação sejam necessárias e inequívocas ao desenvolvimento humano, precisamos atinar para essas questões que, por sua natureza, vinculam o processo educativo com o compromisso da transmissão do conhecimento e formação dos indivíduos para uma sociedade futura.
Das condições iniciais da criança e do contexto social surgem inúmeras necessidades que a incluem em um mundo no qual ela se representará, afinal e sempre, como um membro, como alguém diante dos outros. Isso quer dizer que no processo educativo forma-se na criança, como exigência da consciência, segundo Leontiev (1978:92-93), um “quadro do mundo”. Este que, como representação do ser no mundo inclui o indivíduo mesmo – como unidade biopsicossocial – e o mundo material e a sociedade como possibilidade existencial. É a partir dessa representação para si de sua existência no mundo, que o sujeito mobilizará os seus poderes e organizará e controlará as suas ações.
Essa posição que a criança ocupa no mundo dos homens é desde o início, determinada pelas relações mais próximas interpessoais e pelas expectativas socioculturais de formação para a atividade social. Assim, ao longo do desenvolvimento a criança será incluída em atividades que propõem objetivos futuros ao comportamento, formas de ser que é seu objetivo final. Modos de se comportar, pensar, sentir, desejar etc. já estão embutidos nos conteúdos das atividades a que se sujeita o indivíduo desde o início de sua vida.
Assim, compreende-se que a personalidade e o caráter com o qual os sujeitos se relacionam e a formação de suas atitudes diante das situações são produzidos historicamente frente a relações de dominação pré-existentes. Essas relações são educativas por sua natureza, mas também, determinantes das possibilidades de desenvolvimento por sua qualidade.
Compreende-se que é necessário tanto a aquisição de poder quanto, saber com ele dominar as condições de produção da atividade para a transformação dessas relações. Aqui se revela um dos papéis fundamentais da atividade de ensino: saber considerar se, na sua atividade, os sujeitos adquiriram na integralidade, os conhecimentos e as possibilidades de com ele agir, ou se, o poder adquirido refere-se à possibilidade de execução operacional de algumas ações sem o correspondente domínio da atividade.
Faz-se necessário que, na atividade de ensino a aquisição dos poderes correlacionados não se limite a ações reduzidas e alienadas em função da dominação por interesses particulares de grupos sociais, representando para os sujeitos uma única possibilidade determinada pelo mundo do trabalho, de.
A anulação da possibilidade de vir a dominar o mundo no qual se vive, e determinar as transformações das condições de satisfação das necessidades criadas socialmente, bem como criar novas situações de desenvolvimento coletivo vem justamente do fato de que, nessa atividade a aprendizagem se faz fragmentada e limitada pela dominação. Naquilo que se pode ver como resultado da atividade de ensino, o poder adquirido tem se resumido, para a maioria dos sujeitos, à dependência da determinação do que e para que fazer, de forma impessoal e arbitrária em relação a si mesmo.
Como ocorre, então, do ponto de vista do desenvolvimento psicológico, a capacidade como poder e o domínio como possibilidade de realização das próprias atividades? Como podemos relacioná-la ao processo educativo na formação do sujeito social?
Muito além do desenvolvimento maturacional do cérebro e do sistema neurofisiológico “o psiquismo”, “o psicológico”, “a mente” ou qualquer outro nome que se queira dar para o sistema de orientação e controle da atividade viva, a aprendizagem é o meio pelo qual esse sistema se desenvolve no ser social. Todas as manifestações, inclusive aquela referente à submissão indicada acima, são produtos do processo educativo no qual a aprendizagem ocorre (Elkonin 1999).
Por meio das ações conjuntas e da existência de produtos humanos, a criança aprende a manipular os objetos e a compreender a sua função social. Adquire esse poder para agir como um humano e desenvolve-se na atividade coletiva, desde a diádica até as mais complexas relações virtuais no mundo digital, com a mediação da linguagem, a aquisição de significados sociais e produção de sentidos pessoais. Compreendendo a função dos objetos, a criança pode com eles realizar ações com autonomia em diferentes atividades sociais, e, com isso, estabelecer um valor para o seu uso e para as consequências na própria vida e na dos outros.
A experiência da criança na atividade social, com os seus objetos e a mediação do código linguístico – conjunto dos significados sociais – produz um valor para cada experiência e cria um sentido pessoal e afetivo da experiência para o conjunto de suas relações. Esse valor dos objetos e dos objetivos da atividade está no centro de formação daquele quadro do mundo no qual o sujeito se encontra. Como disse Vygotsky (1996:299), “(...) o afeto é o alfa e o ômega, o primeiro e último elo, o prólogo e o epílogo de todo o desenvolvimento psíquico” (tradução nossa).
Assim, as inter-relações entre os significados sociais e os sentidos pessoais transformamse nos principais reguladores das ações que satisfazem as necessidades do indivíduo. Tornarse autoritário ou submisso, dominador ou dominado adquire um valor no conjunto das atividades voltadas para a satisfação de interesses pessoais. Essas inter-relações ocorrem sob relações de poder e dominação socialmente desenvolvidas – educativas e políticas – que implicam as possibilidades de formação da personalidade e do caráter dos indivíduos.
Portanto, a educação refere-se, também, à formação afetiva, emocional, e a uma influência na criação do quadro do mundo dos indivíduos. Isso significa educar a posição que o indivíduo poderá assumir diante de suas relações, se como submisso ou ativamente participante, cooperativo, autônomo e criativo. Mais que isso, significa que a educação pode sim determinar os objetivos do exercício do domínio sobre os objetos e das atividades sociais, para que fins a dominação deve ser exercida, se esta pode ir além do interesse pessoal e incluir a humanidade como um todo, se pode ser uma educação política. Como nos alerta Saviani (2007:154),
Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzirse como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo.
É ainda necessário considerar que a formação do indivíduo social e da sua personalidade tem início como existência comunitária, nos laços inextrincáveis da experiência de significação do mundo que ocorre com o adulto nos período iniciais da vida. Como disse Vygotsky (1996:306)
O primeiro que surge na consciência do bebê pode ser denominado, de maneira mais correta como “Ur-wir”, isto é, “protonós”. Essa consciência primária de comunidade psíquica, que antecede ao surgimento da consciência da própria personalidade (isto é, a consciência do “eu” diferenciado e separado) é a consciência de “nós”, que é diferente da consciência posterior, complexa e móvel de “nós”, na qual se inclui o “eu” que, em idades posteriores aparece como um antepassado distante. (tradução nossa)
Assim, se na sociedade atual a personalidade tem se tornado a expressão do individualismo, ao contrário da expressão da comunidade inicial que criou sentidos pessoais na significação da vida, isso ocorre por uma corrupção do processo educativo que representa interesses grupais contraditórios à coletividade. Portanto, é de interesse social e humano a constituição de processos educativos que formem a personalidade comunitária que está na origem da própria humanidade.
Considerações Finais
Ao considerar essas ideias e avaliar as relações de poder e dominação, pode-se afirmar que tanto é necessário orientar a educação para a formação de poder nos indivíduos, quanto é o domínio uma atividade importante para a regulação e orientação da sua vida. Não se quer afirmar, porém, que exercer o domínio da atividade social seja determinar uma única possibilidade para o seu ser.
A importância da dominação se reveste do fato de que ela é realmente necessária. Se, como seres sociais pretendemos um futuro para a continuidade da humanidade como possibilidade para todos, temos que, afinal, dominar essa possibilidade. Isso somente será possível se admitirmos a necessidade da aprendizagem das relações do poder em sua integralidade, e do ensino das relações políticas em todos os níveis da educação, para que afinal, nessa esfera da existência, a personalidade possa expressar-se como positividade da formação humana, e não apenas como expressão de contradições afetivo-emocionais produto das relações alienadas.
Mais do que isso, defende-se aqui, que é inevitável para a transformação da sociedade que esse ensino faça parte do centro das intenções educativas escolares, já no primeiro momento de entrada da criança na escola. Quando em contato com os conhecimentos científicos, artísticos e econômicos, com o domínio tecnológico dos instrumentos e meios de intervenção na realidade material deve-se, no ensino fundamental, aliar o domínio político das relações sociais no interior da instituição escolar, como objetivo curricular. Esse domínio, porém, não pode estar voltado para os interesses competitivos de uma sociedade mercantilista, mas sim, para a construção de uma nova sociedade, para uma sociedade idealizada pelo conjunto dos homens e para todos.
Assim poderá acontecer como eixo do processo educativo, o ensino e uso do poder humano, e da mesma forma o uso da dominação, como processo positivo para o desenvolvimento da sociedade. É impreterível, para o processo educativo, produzir formas de atividades nas quais o poder e o domínio da vida social possam ser dados às novas gerações como possibilidade de avaliação consciente das consequências dos próprios atos em relação a si e principalmente, em relação à coletividade dos homens.
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Endereço para correspondência
Armando Marino Filho
E-mail: amarinof@ig.com.br
Recebido em: 23/01/2010
Revisado em: 06/06/2010
Aceito em: 08/10/2010
* Psicólogo, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista – Marília, SP – Brasil.