Revista Psicologia Política
ISSN 2175-1390
DOSSIÊ
A formação docente na perspectiva histórico-cultural: em busca da superação da competência individual
Formation of teachers in historical-cultural perspective: in search to surpass the individual competence
Formación de maestros en la perspectiva historico-cultural: en busca de la superación de la competencia individual
Vanessa Dias Moretti*I, II; Manoel Oriosvaldo de Moura**, II, III
I Universidade Federal de São Paulo – Guarulhos, SP – Brasil
II Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica – GEPAPe
III Universidade de São Paulo – São Paulo, SP – Brasil
RESUMO
Ao assumir a perspectiva histórico-cultural como referencial teórico para a formação docente, este artigo busca explicitar as limitações do conceito de competência, assumido como nuclear pelas políticas públicas atuais no Brasil para a formação de professores, para a orientação de propostas de formação que sejam, de fato, constitutiva do homem em sua genericidade. Para isso, retoma as origens do conceito explicitando suas vinculações históricas e ideológicas, ligadas ao individualismo liberal. A superação do conceito é proposta por meio dos conceitos de trabalho e atividade, tomados como referência teórica das pesquisas apresentadas ao final do texto e cujos resultados trazem implicações para a organização e elaboração de propostas de formação docente nas quais os professores apropriem-se dos objetos de seus trabalhos, num processo formativo do humano no homem fornecendo-lhe meios para a sua libertação e não contribuindo para a sua alienação.
Palavras-chave: Teoria histórico-cultural, Formação docente, Competência, Trabalho, Atividade.
ABSTRACT
This article has the historical-cultural perspective as theoretical referential to the formation of teachers and explain the limitations of the concept of competence in the orientation of formation proposals constitutive of the human being in the singular man. For this, explain the origins of the concept and its historical, ideological bindings associated with the liberal individualism. To surpass the concept are proposed the concepts of work and activity. This concepts are taken as a theoretical reference of researches about formation of teachers presented to the end of the text.
Keywords: Cultural-historical theory, Formation of teachers, Competence, Work, Activity.
RESUMEN
Este artículo tiene la perspectiva histórica-cultural como referencial teórico para la formación de los maestros y busca explicar las limitaciones del concepto de las competencias en la orientación de propuestas de formación que son constitutivos de los seres humanos en su genericidade. Para esto explica los orígenes del concepto y sus vínculos históricos y ideológicos asociados con el individualismo liberal. Para superar el concepto son propuestos los conceptos de trabajo y actividade. Estos conceptos se toman como referencia teórica de investigaciónes sobre formación de los maestros presentadas al final del texto.
Palabras clave: Teoría histórico-cultural, Formación de maestros, Competencia, Trabajo, Actividad.
Introdução
Analisar o processo de formação docente a partir de uma perspectiva histórico-cultural passa por compreender a atividade docente como trabalho em sua dimensão ontológica. Nessa compreensão, o conceito de trabalho traduz-se como sendo a atividade humana intencional adequada a um fim e orientada por objetivos, por meio da qual o homem transforma a natureza e produz a si mesmo. Sendo uma atividade exclusivamente humana, o trabalho é entendido como “um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (Marx, 2002:211). Sendo assim, o trabalho nessa concepção não é fim em si mesmo, mas é mediação para atingir um fim.
Em coerência com tal referencial entendemos que é no trabalho docente, ao desenvolver ações intencionais que tenham por objetivo dar conta dos desafios cotidianos do ensinar, que o professor constitui-se professor. Nesse processo, a apropriação pelo sujeito das formas sociais de realização dessa atividade dá-se de forma mediada e significada, uma vez que se opera com signos e instrumentos, construídos historicamente, cujos significados são sociais e aos quais são atribuídos sentidos pessoais (Leontiev, 1983). Segundo Leontiev (2001:68), a atividade entendida como processo psicológico caracteriza-se “por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo.”
A importância da mediação no processo de aprendizagem tem sido entendida por diferentes autores como a idéia-chave da teoria Histórico-Cultural (Nuñez, 2009; Bernardes & Moura, 2009, Moura, Araújo, Moretti, Panossian & Ribeiro, 2010). Também no processo de aprendizagem docente, a importância da mediação em ambiente de trabalho colaborativo tem sido demonstrada por pesquisas apoiadas teoricamente nos aportes da psicologia históricocultural (Moretti, 2007; Cedro, 2008; Moraes, 2008; Serrão, 2006; Lopes, 2004).
No entanto, na contramão dos resultados referendados por tais pesquisas de doutorado em Educação, temos assistido nos últimos anos à implementação de políticas públicas de formação docente que têm assumido a centralidade da competência individual como referência para a formação e para a avaliação de professores e alunos.
Neste artigo, buscamos retomar as origens do conceito de competência de acordo com pesquisa realizada por Moretti (2007), explicitando suas vinculações históricas e ideológicas, como forma de assinalar suas limitações no que tange a uma proposta de formação que seja, de fato, constitutiva do homem em sua genericidade (Oliveira, 2005). Ao final do texto, apresentamos os resultados de algumas dessas pesquisas e suas implicações para a organização e elaboração de propostas de formação docente que possam contribuir para que professores apropriem-se dos objetos de seus trabalhos - conceitos, metodologias, seleção de instrumentos, conhecimentos de psicologia da educação e de didática etc - num processo de trabalho que seja, de fato, formativo do humano no homem fornecendo-lhe meios para a sua libertação e não contribuindo para a sua alienação.
O Conceito de Competência: histórico e apropriação do conceito pela educação
No Brasil, no contexto das reformas educacionais decorrentes da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, o conceito de competência foi assumido como conceito organizador do currículo tanto para a educação básica quanto para a formação de professores (Brasil, 1999b; Brasil. CNE/CP, 2001), sendo admitido como “nuclear na orientação do curso de formação de professores” pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (Brasil. CNE/CP. Parecer nº 9/2001:29).
Apesar dessa centralidade, não houve uma explicitação do conceito uma vez que, mesmo nos meios acadêmicos, parece não haver consenso sobre ele. Com essa dificuldade em vista, alguns pesquisadores têm-se preocupado em definir esse conceito, que tem sido objeto de muitas críticas uma vez que é facilmente associado a políticas educacionais vinculadas ao apoio financeiro de organismos internacionais como, por exemplo, BID, BIRD, UNESCO e OIT1 (Deluiz, 2001:170).
Segundo Dolz e Bronckart (2004:33) o termo competência aparece na língua francesa no final do século XV, referindo-se à autoridade ou legitimidade conferidas a determinadas instituições para lidar com problemas específicos. A ampliação desse termo para designar características individuais surgiu apenas a partir do século XVIII quando passa a ser utilizado indicando “toda capacidade devida ao saber e à experiência” (Dolz & Bronckart, 2004:33). Já no começo do século XX, segundo Ropé e Tanguy (1997:16), o dicionário Larrouse Comercial ressalta que “a competência é inseparável da ação”.
Buscando apreender o desenvolvimento histórico do conceito de competência Dolz e Bronckart (2004) propõem que sua apropriação pelas ciências humanas teria se dado em quatro etapas principais. Num primeiro momento, o conceito é proposto por Chomsky com a expressão competência lingüística entendida como uma disposição inata e universal para a linguagem, responsável pela rápida aquisição que a criança faz das estruturas e unidades lingüísticas que, de acordo com esse autor, não poderiam ser explicadas como decorrentes de aprendizagens ou determinadas pelo ambiente. Já na década de 1970, o termo passa a ser utilizado pela psicologia experimental, numa corrente chamada de cognitivismo modularista segundo a qual “todas as funções psicológicas superiores (atenção, percepção, memória, etc.) são sustentadas por um dispositivo biológico inato (ou ‘modulação’)” (Dolz & Bronckart, 2004:34) correspondente a uma competência, assim como ocorre com a competência lingüística proposta por Chomsky. Desta forma, a inteligência passou a ser concebida como a soma dessas diversas competências entendidas como capacidades ideais que, aplicadas e adequadas às relações do ambiente, poderiam ser realizadas parcialmente ou limitadas, determinando o desenvolvimento ontogenético (Dolz & Bronckart, 2004:34).
Ainda segundo Dolz e Bronckart (2004), a partir desse período o termo é retomado no campo de investigação da lingüística, porém com a defesa da não existência de uma competência ideal para desenvolver o domínio da linguagem e com a proposta de que caberia ao ensino visar o desenvolvimento de competências de comunicação. Assim, há uma distorção do conceito proposto por Chomsky uma vez que, “a competência não é mais fundada biologicamente, mas se torna uma capacidade adaptativa e contextualizada, cujo desenvolvimento requer um procedimento de aprendizagem formal ou informal. O único vestígio da acepção chomskiana original é que a competência é apreendida no nível das propriedades de um indivíduo” (Dolz & Bronckart, 2004:34).
A partir do final da década de 1980 e principalmente no decorrer dos anos 1990, o conceito de competência passa a ser fortemente utilizado pelos sistemas de formação profissional até então norteados pelo conceito de qualificação. Autores como Dolz e Bronckart (2004:34) entendem que o conceito de competência insere-se em um movimento de contestação à lógica das qualificações uma vez que, enquanto o conceito de qualificação implica uma formação que “equipa os aprendizes de conhecimentos cuja natureza e nível são certificados pelo Estado” e, portanto, direcionada para determinados postos de trabalho, o conceito de competência equivale a capacidades mais gerais e flexíveis possíveis de serem mobilizadas em diferentes e variadas tarefas.
No entanto, esse posicionamento está longe de ser comum entre estudiosos da relação trabalho e educação. Ramos (2001:37-41) ao colocar convergências e divergências entre os conceitos de qualificação e competência afirma que alguns autores consideram que a competência representa uma atualização do conceito de qualificação, atendendo às exigências do capital, enquanto outros vêem que o conceito de competência guarda coerência com um “rejuvenescimento da teoria do capital humano” que se materializa nas novas exigências educativas.
Atualmente, há teóricos que vinculam o conceito a estruturas cognitivas dos sujeitos, enquanto outros identificam uma estreita aproximação entre esse conceito e a experiência prática, considerando que ele realça “mais savoir-faire do que saberes, e mais capacidades metacognitivas que o domínio de saberes estáveis” (Dolz & Bronckart, 2004:35, grifos do autor).
Ao ser apropriado pelos campos da educação básica e da educação profissional, o conceito de competência é utilizado alternadamente com dois sentidos distintos. Ao mesmo tempo em que é caracterizado como manifestação de uma qualidade interna, a noção de competência aparece intimamente ligada à ideia de ação do sujeito. Segundo Rey (2002:26) essa dualidade reflete dois contextos teóricos de análise: o primeiro, proposto por Chomsky, define competência como um “sistema fixo de princípios geradores”; o outro, define-a como “uma série de atos observáveis, ou seja, de comportamentos específicos” (Rey, 2002:27).
De acordo com Moretti (2007), ao buscar contrapor esses dois eixos teóricos, Rey propõe a análise do conceito em três frentes que ele chama de competência como comportamento, competência como função e competência como potência geradora. Na primeira, as competências são associadas às noções de desempenho e eficácia e entendidas como comportamentos específicos e observáveis (Ropé & Tanguy, 1997). Se, por um lado, considerar a competência como um comportamento traz consigo a ideia de desempenho e eficácia, externamente observáveis e, portanto, com um grau mínimo de incerteza, por outro lado, essa concepção de competência ignora a subjetividade do sujeito e, consequentemente, as contribuições que a psicologia pode trazer sobre esse assunto uma vez que os pensamentos dos sujeitos “não são observáveis de forma objetiva” (Rey, 2002:30). Já a competência como função assume que, sendo esta um comportamento humano parece evidente que tenhamos de analisá-la como munida de sentido. Assim, um determinado comportamento deixa de ser uma série de movimentos e passa a ser uma competência quando ganha uma organização voluntária cuja função e unidade são socialmente reconhecidas. Um comportamento agora é entendido como uma ação sobre o mundo e, consequentemente, uma competência é sempre “específica” o que significa que é sempre aplicada em uma ou mais situações e, portanto, continua a manifestar-se sempre em atos observáveis que se agrupam, agora, numa função prática.
Finalmente, a terceira frente difere das duas anteriores por considerar que uma competência deva ser capaz de adaptar-se a situações novas. Além disso, tendo como referência a competência linguística de Chomsky, a competência não é entendida como um comportamento e define-se como “a capacidade de decidir o objetivo a ser atingido; portanto, de deliberar sobre a oportunidade, bem como a capacidade de inventar meios novos para atingi-lo” (Rey, 2002:40). Nesse sentido, uma competência é interna e, portanto não observável. Essa concepção parece ser a que mais se aproxima da opção que embasa as reformas educacionais implementadas no Brasil a partir de 1996. Apesar da pouca clareza acerca do conceito em tais documentos, uma breve referência ao conceito foi apresentada no Documento Oficial do Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM (Brasil, MEC, 1999c), no qual encontramos que:
Competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências. (Brasil, MEC, 1999c:5, grifo do autor).
No parágrafo citado é clara a referência que se faz à competência como o diferencial pessoal que possibilita ao sujeito estabelecer relações como o novo. Evidentemente, subentendese que a competência possibilita a ação do sujeito em situações novas e, portanto, não específicas. O caráter individual do conceito de competência é reforçado por Perrenoud (2004) ao ressaltar que a competência não caracteriza grupos, mas sim os indivíduos.
De acordo com Dolz e Bronckart (2004:36) existe uma característica comum às muitas definições de competências que é o fato de referirem-se às intervenções dos sujeitos em situações específicas. O conceito de competência aparece então, intimamente ligado à noção de ação e, portanto, ao saber-fazer. Nesse sentido, fazendo uma análise da implicação desse conceito no ambiente escolar, esses mesmos autores afirmam que “quando os novos currículos insistem em experiências e em modos de trabalho ‘na prática’, sem fornecer os saberes formais correspondentes, os discursos sobre mobilização de competências podem levar, de forma paradoxal, a seu empobrecimento” (2004:12).
É importante observarmos, no entanto, que embora nenhum teórico proponha a ruptura entre a competência e o saber, há uma forte ênfase na ação e nos processos individuais de aprendizagem. Essa individualização dos processos cognitivos tem sido motivo de crítica ao modelo das competências uma vez que nele não são consideradas as dimensões sociais presentes nos processos de produção do conhecimento (Ropé & Tanguy, 1997:56). Ropé e Tanguy (1997:16) vão mais longe, afirmando que a noção de competência tende, na esfera educativa, a substituir as noções anteriores de “saberes e conhecimentos”.
A contradição mais evidente que parece surgir quando levantamos a questão da competência diante dos saberes é a oposição existente entre o coletivo e o individual. Sendo a competência entendida como uma qualidade do sujeito (seja ela inata ou aprendida) e, portanto indi vidual, diferencia-se do saber entendido como uma construção social e histórica e, portanto, algo externo ao sujeito e do qual este deve apropriar-se por meio da educação.
Além disso, estando a competência vinculada ao saber-fazer, ela pode ser entendida como um hábito ou uma rotina pela qual, agindo de tal maneira se obtém um tal resultado satisfatório sem se saber bem o porquê. Segundo Rey (2002:44), “a idéia central é a de que o êxito pode acontecer sem o saber e de que esse saber não seria validado pelo êxito. A eficácia não pode ser tomada como um sinal do verdadeiro”.
Assim, corre-se o risco de aproximar-se a competência muito mais de um saber empírico que, de nenhuma forma, pode ser entendido como saber uma vez que, é próprio desse, oferecer o que é necessário para a sua própria validação (Rey, 2002:45).
O Conceito de Competência na Educação Brasileira: a serviço de qual trabalho?
Analisando a noção de competência nas reformas educacionais nacionais Ramos (2001) afirma que o aporte teórico que a sustenta é o construtivismo piagetiano atravessado por aproximações com a teoria da competência linguística de Chomsky. Embora Chomsky considere a competência linguística uma faculdade genérica da espécie humana e Piaget considere inato apenas o funcionamento geral da inteligência, Ramos defende que o que fundamenta a noção de competência nos documentos oficiais é “o princípio que efetivamente faz convergir o pensamento de ambos os autores: a construtividade do conhecimento, seja por uma determinação inata, seja pelos estímulos do meio exterior” (Ramos, 2001:162).
Assim, as competências são estruturas da inteligência, portanto individuais, usadas pelo sujeito para estabelecer relações entre o que este já sabe e o que deve aprender. O “saberfazer” decorre dessas competências ao mesmo tempo em que, num processo dinâmico, possibilita a reorganização dessas estruturas, ou seja, das competências.
O discurso oficial que pretende justificar a centralidade do conceito de competência nas reformas educacionais, propostas a partir do final da década de 1990, ancora-se na concepção de que são as competências – e, portanto, as características individuais dos sujeitos já que essas são entendidas como modalidades estruturais da inteligência – que possibilitam aos sujeitos uma formação capaz de integrá-los ao mundo do trabalho (Brasil. MEC, 1999a; Brasil. CNE/CEB, Parecer nº 15/98), torná-los mais aptos a assimilar mudanças e a superar a segmentação social na qual se acham inseridos (Brasil. CEB/CNE, Parecer nº 15/98:17).
Referindo-se às condições contemporâneas de produção, os documentos indicam a necessidade de que os sujeitos possam “adaptar-se a novas formas de organização do trabalho” (Brasil. CEB/CNE, Parecer nº15:18, grifo nosso) e que a educação pública atenda “a padrões de qualidade que se coadunem com as exigências desta sociedade” (Brasil. MEC., 1999a:15, grifo nosso). Afirmações como essas parecem apontar que a indicação da centralidade do conceito de competências na nova organização curricular proposta é coerente e atende aos interesses de uma determinada concepção de trabalho que não necessariamente coincide com o conceito de trabalho enquanto categoria ontológica e, portanto, constituinte do humano em sua genericidade.
Essa relação entre o conceito de competência e uma determinada concepção de trabalho não se dá por acaso. Segundo Ramos (2001:102), a apropriação desse conceito pelo sistema de formação e avaliação profissional e sua emergência na Europa, “tem um significado não só técnico, mas também político. Este último, como necessidade dos blocos regionais, como é o caso da União Européia, de encontrar parâmetros que possam facilitar a mobilidade de trabalhadores, tanto em relação à formação quanto ao emprego.” Tendo o processo de globalização intensificado a demanda do mercado de trabalho por profissionais flexíveis, aptos a se adaptarem com facilidade às mudanças e instabilidades dos postos e rotinas de trabalho, espera-se que a escola seja capaz de oferecer aos sujeitos uma formação geral básica que lhes habilite a essa mobilidade o que inclui a capacidade de se atualizarem constantemente.
Nessa concepção, falar em competências é falar em qualificações necessárias para atuar e adaptar-se a essa sociedade. Sendo as competências atributos – inatos ou adquiridos – dos sujeitos, cabe a este mobilizá-las diante de novas exigências de uma sociedade em constante transformação. Desta forma, se por um lado o discurso da formação por competências culpabiliza o sujeito pelo que é entendido como seu fracasso na busca da empregabilidade, por outro, serve para eximir o governo e a sociedade de responsabilidade diante da ausência de projetos coletivos que visem possibilitar condições de emprego e de renda ao cidadão. Como afirma Frigotto (1998:15) há um deslocamento, no plano ideológico, da “responsabilidade social para o plano individual. Já não há políticas de emprego e renda dentro de um projeto de desenvolvimento social, mas indivíduos que devem adquirir competências ou habilidades no campo cognitivo, técnico, de gestão e atitudes para se tornarem competitivos e empregáveis”. Nessa busca individual de inserção no mercado de trabalho e desenvolvimento de competências individuais, é evidente que alguns triunfarão e outros fracassarão.
De acordo com Deluiz (2001), a centralidade do conceito de competência nas reformas educacionais brasileiras da década de 1990 deu-se de forma similar ao que aconteceu em outros países latino-americanos que se submeteram a ajustes macroeconômicos orientados pelo Banco Mundial, visando à superação da inflação e à retomada do crescimento econômico (Deluiz, 2001). Os documentos oficiais produzidos neste período explicitam uma concepção de trabalho enquanto prática vinculada ao processo de produção subsumido pelo capital. Ao afirmar-se que “cada vez mais, as competências desejáveis ao pleno desenvolvimento humano aproximam-se das necessárias à inserção no processo produtivo” (Brasil. MEC., 1999a:25-26), toma-se o humano como sinônimo de trabalhador alienado e para isso se assume o conceito de competência como o parâmetro que unificaria e permitiria o movimento entre essas duas categorias que, na nossa concepção, são diametralmente opostas.
O conceito de trabalho é confundido com o de emprego ou, como afirma Martins (2004:71), iguala-se “o trabalho, condição para a humanização dos homens, e o emprego, condição para a venda da força de trabalho e sua decorrente coisificação”. Desse modo, empobrece-se qualquer possibilidade de questionamento sobre “a historicidade da existência
humana e as possibilidades de transformação”. Nesse processo o que é particular e, portanto, mediação na constituição do humano, passa a ser considerado universal e, desta forma, é assumido como objetivo final na formação dos sujeitos envolvidos no processo de educação escolar. Uma vez que na sociedade capitalista o trabalho passa a ser fim e não mais meio no processo de produção, parece-nos que a condição de ser humano, construída historicamente pela humanidade, é negada ao trabalhador.
Desta forma, a educação, calcada na pedagogia das competências, voltada para o mundo do trabalho, compromete-se com a formação de força de trabalho adaptada a uma realidade de instabilidade social e econômica o que demanda competências como a capacidade de assimi lar mudanças, a autonomia e o respeito às diferenças. Nessa realidade de exclusões econômicas e culturais em que “desigualdades são sublimadas em nome do direito às diferenças” (Ramos, 2001:135), a apropriação do conceito de competências pelos documentos oficiais nacionais alinha-se com um conteúdo ideológico e uma forma específica de compreender a sociedade demonstrando “uma confiança quase apologética no atual estágio de avanço da tecnologia e na capacidade de a escola preparar cidadãos e trabalhadores, intelectual e psicologicamente adequados a essa realidade.” (Ramos, 2001:129). O foco dessa educação é o indivíduo adaptável a uma realidade dada como sendo a única possível. Nesse modelo educacional não há espaço para o questionamento da primazia da competência individual, em prol de projetos políticos e práticas pedagógicas não alienantes.
Refletirmos sobre a educação e a formação de professores passa por questionarmos qual indivíduo queremos formar. Preferimos ficar com a opção da formação de um homem histórico, humanizado por meio de um processo de apropriação cultural. Essa cultura, construída socialmente, implica conhecimentos e técnicas, mas também artes, valores, posturas... Nesse sentido, a educação é um processo social e não individual. Dá-se, portanto, entre indivíduos movidos por objetivos que deverão ser coletivos. Nessa concepção de educação a apropriação do conhecimento construído historicamente é parte do processo de humanização dos sujeitos. Sendo assim, o saber tem valor enquanto formador do homem, perdendo seu aspecto utilitarista de “servir para”, deixando assim de ser entendido como valor-de-troca. O saber não é importante apenas para a inserção no mercado de trabalho, o saber é importante porque saber é ser humano.
Concordando com Bakhtin (1997:95) ao afirmar que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou sentido ideológico ou vivencial”, podemos dizer que, no caso das competências, esse conteúdo contempla uma forma específica de entender a sociedade e suas relações, focada em um individualismo liberal e na busca da adaptação às incertezas de uma realidade dada como sendo a única possível. Neste contexto, pensar em uma educação que seja de fato humanizadora e transformadora implica, no mínimo, ressignificar o conceito de competência como propõem alguns pesquisadores (Deluiz, 2001:23; Ramos, 2001:303; Ramalho, Nuñez & Gauthier, 2004). No entanto, apesar desse esforço de ressignificação implementado por alguns autores concordamos com Ramos (2003) quando afirma que o termo competência tem seus fundamentos filosóficos e ético-políticos opostos à perspectiva de uma “pedagogia contrahegemônica” uma vez que essa pressupõe:
[...] conceber o conhecimento como possibilidade ontológica e como produção social e histórica. A educação comprometida com a possibilidade de os trabalhadores tornarem-se dirigentes deve, então, proporcionar a compreensão da realidade social e natural, com o fim de dominá-la e transformá-la. Assim, todos os indivíduos devem ter acesso a esses conhecimentos, como meio de compreensão da realidade o mais objetivamente possível em cada momento histórico. (Ramos, 2003:111)
Contrariamente ao exposto, a impregnação ideológica presente no termo competência, “contribui para modelar uma realidade social enquanto pretende justificá-la” (Ropé & Tanguy, 1997:19).
Embora as indicações da centralidade do conceito de competência para a organização curricular da educação básica e de cursos de formação de professores tenham se mantido desde a publicação dos respectivos documentos, é possível reconhecermos que a partir de 20032, há oscilação ao destaque dado a esse conceito nos documentos publicados pelo Ministério da Educação. Recentemente, as mudanças anunciadas pelo Ministério da Educação (Brasil. MEC, 2009) para o Exame Nacional do Ensino Médio com a indicação de “Objetos de conhecimento associados às Matrizes de Referência” parecem ser indicativas de novas formas de conceber-se a relação entre competências e objetos de conhecimento, bem como sua decorrente implicação nos processo de formação de alunos e professores. No entanto, esse tema demanda futura investigação uma vez que tais mudanças recentes ainda não produziram resultados sociais que permitam tal análise.
Como consequência do que foi exposto até aqui entendemos que o conceito de competência, tal como assumido até o presente momento pelos documentos oficiais nacionais e decorrentes políticas públicas de educação, vincula-se às características individuais dos sujeitos, à adaptação à realidade social e foca-se na atividade prática, não colaborando com uma concepção de educação, formação e trabalho que contribua com o processo de apropriação do humano genérico pelo homem singular uma vez que parece estar a serviço de uma concepção alienada de trabalho. Essa busca do capitalismo pela mobilidade do trabalhador, independente do domínio do processo de produção já era prevista por Marx (1999) ao afirmar que:
A indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos podem passar com facilidade de um trabalho a outro e na qual o gênero determinado de trabalho é fortuito, e, portanto, é-lhes indiferente. (Marx, 1999:42-43).
A busca da superação da competência como referencial de formação tem levado um grupo de pesquisadores vinculados ao GEPAPe3 a investigar o processo de formação docente ancorados nos conceitos de trabalho e atividade por entender que tais conceitos podem trazer contribuições para o trabalho docente e para a adoção de uma práxis pedagógica transformadora de alunos e professores.
A seguir, apresentaremos algumas dessas pesquisas e as conclusões decorrentes, bem como suas implicações para a elaboração de propostas de formação docente e de organização do trabalho do professor coerentes com uma compreensão ontológica de trabalho.
A formação Docente na Perspectiva Histórico-Cultural: contribuições de pesquisas
Os pressupostos teóricos da teoria da atividade têm contribuído para empreendermos pesquisas que evidenciam o papel de ações colaborativas no processo de formação de professores. Em tais pesquisas, o conceito de atividade colaborativa tem como cerne o processo de cooperação entre os sujeitos envolvidos na atividade investigada, de modo que tal atividade se apresente como uma atividade realizada em comum ou atividade coletiva. Rubtsov (1996: 136) destaca que os principais elementos de uma atividade em comum são a repartição das ações e operações iniciais da atividade, a troca de modos de ação, a comunicação, o planejamento de ações individuais com vistas a um resultado comum e a reflexão que permite superar as ações individuais transformando-as em forma de trabalho em comum.
A forma de realizar a atividade de pesquisa, tal como a concebemos, já tem em seus pressupostos metodológicos o modo de conceber o processo de formação em que o outro é elemento integrante do ato de formar-se. Desse modo, nas pesquisas relatadas a seguir, a competência é assumida como resposta a uma necessidade que nasce no coletivo ao resolver problemas criados no convívio social e como processo de apropriação dos bens culturais produzidos coletivamente. Assim, as pesquisas desenvolvidas no GEPAPe têm se pautado na busca de resposta a um modo de produção do saber pedagógico em que cada sujeito deve se considerar como coparticipante do processo de se fazer humano e nele se inclui a consciência de que o desenvolvimento de competências individuais só pode acontecer no processo coletivo pela legitimação de ações que possam incluir indivíduos no movimento coletivo de construção da atividade legitimamente humana: a construção da vida plena para todos os sujeitos que estão na terra.
Araújo (2003), na pesquisa intitulada “Da formação e do formar-se: a atividade de aprendizagem docente em uma escola pública” investigou, a partir de referenciais teóricos de abordagem histórico–cultural, o processo de aprendizagem docente na dimensão do desenvolvimento profissional. Para tanto, pesquisou nas atividades formadoras desenvolvidas de modo colaborativo, com professoras de educação infantil o que se revelou em atividades de formar-se. A dinâmica da formação teve como núcleo a elaboração coletiva de atividade de ensino por entendê-la como núcleo de formação do aluno e do professor (Moura, 1996). Isso significou a elaboração, o desenvolvimento e a reflexão de atividades no contexto de um projeto pedagógico de matemática.
Percebermos que o processo de formação em movimento significou considerar a hipótese de que, ao fazer a atividade, o sujeito se revela e que a qualidade dessas ações depende da sua finalidade, do contexto em que são realizadas, dos vários elementos que constituem a comunidade escolar e suas interdependências.
Foi possível mostrar como esses fatores foram sendo superados pelo grupo por meio da organização do trabalho coletivo e da legitimação do papel da mediação assumido coletivamente. O grupo foi manifestando o entendimento de que a atividade não pertencia a uma professora, mas ao coletivo. Esse movimento reforça a crítica à falsa idéia de que a reflexão dá-se apenas individualmente, resultando na responsabilidade dos (in)sucessos ser atribuída apenas a um indivíduo, normalmente ao professor.
Na pesquisa fica evidente que a elaboração coletiva de atividades de ensino, além de revelar suas representações mentais acerca das ações realizadas- atividade necessária e integrante do processo de formação de conceitos –, possibilita que o grupo envolvido também realize uma ordenação teórica e prática da atividade em questão. A pesquisa conclui que com isto, o grupo compartilha significados que, segundo Arendt (1999) torna-se possível pelo discurso: “os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos” (Arendt, 1999:12).
A pesquisa de Bernardes (2006) – “Mediação Simbólica na Atividade Pedagógica” – teve como objeto de estudo a investigação sobre a mediação simbólica nas relações implícitas entre o ensino e a aprendizagem escolar. Tendo como pressuposto que as atividades de ensino e de aprendizagem constituem-se como particularidades da atividade humana em geral, concebe-se nesse estudo que a organização do ensino promovida pelo professor deve possibilitar, por meio das relações com o conhecimento no contexto escolar, as ações e operações na organização de atividades de ensino. Estas devem estabelecer-se por meio de mediações simbólicas conscientes por parte do professor que, pela intencionalidade de ensino, possibilitam a apropriação dos conhecimentos humanos. As mediações simbólicas se estabelecem na atividade de ensino por meio de ações docentes particulares que objetivam o desenvolvimento da linguagem nos seus múltiplos aspectos. Dessa forma, possibilitam também o desenvolvimento de funções mentais superiores a partir das relações entre sensações e a percepção na apreensão da realidade, por meio da atenção e da memória – como funções mediadoras próprias de cada pessoa; por meio da emoção e do sentimento – como mobilizadores da atividade de aprendizagem; e por meio da imaginação e do pensamento – como organizadores das ações dos estudantes.
A pesquisa de Moraes (2008) – “A avaliação no processo de ensino e aprendizagem em matemática: contribuições da teoria histórico-cultural” – constituiu-se em investigar o significado da avaliação do desempenho escolar do aluno, tendo como pressuposto teórico básico a Teoria da Atividade, focando a relação entre atividade de ensino, atividade de aprendizagem e avaliação escolar. Para o desenvolvimento da pesquisa foi formado o grupo colaborativo da Oficina Pedagógica de Matemática na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto. Privilegiou-se a apresentação de situações-problema, cujas soluções possibilitaram a elaboração de conhecimento, referentes ao ensino de conteúdos matemáticos e à prática docente, na qual se inclui o ensinar, aprender e avaliar.
Os resultados dessa pesquisa deixam evidente que a avaliação se constitui em um constante processo de análise e síntese e seu direcionamento é dado pelo objetivo da atividade de ensino elaborada pelo professor, ou seja, a intencionalidade pedagógica. A discussão coletiva das situações-problema serviu de balizamento para cada sujeito no direcionamento do seu processo de análise de modo a conscientizá-lo sobre o lugar da avaliação na atividade de ensino. Pode-se observar que a característica principal da avaliação consiste no acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem em que essa se constitui como mediadora entre a atividade ensino (atividade do professor) e a atividade de aprendizagem (atividade do aluno) e sendo assim envolve um processo de construção coletivo de significado das ações na atividade pedagógica.
Moretti (2007), em “Professores de matemática em atividade de ensino: uma perspectiva histórico-cultural para a formação docente”, investigou os processos de formação de professores em atividades de ensino, ao elaborarem coletivamente situações desencadeadora de aprendizagem. Ao focar a formação contínua de professores que atuam no ensino médio, parte de uma revisão do conceito de competência por este ser referência no discurso oficial para a prática docente. Como fica claro, a partir do que já foi exposto anteriormente, a crítica à pedagogia das competências levou a uma proposta de formação de professores que tivesse como fundamento os conceitos de trabalho e atividade. Esses conceitos foram norteadores para o desenvolvimento de uma proposta metodológica de formação em que os professores foram colocados diante de situações desencadeadoras por meio das quais se propiciaram condições para que, movidos pela necessidade de organizarem o ensino, agissem coletivamente de modo a objetivar essa necessidade de em propostas de ensino que fossem trabalhadas com seus alunos e posteriormente reelaboradas pelo grupo de professores que faziam parte da pesquisa.
Os resultados da pesquisa evidenciam que na (re)organização coletiva de suas ações, os professores atribuíram novos sentidos às próprias ações, à mediação e à escolha de instrumentos, apropriando-se das formas de realização colaborativa da atividade de ensino. Dessa forma, o novo fazer dos professores constituiu-se, de forma mediada, na práxis pedagógica ao apropriarem-se de conhecimentos sobre a realidade que lhes permitiram compreendê-la e superá-la, o que corrobora o coletivo como espaço de produção de conhecimento e, portanto, contribui para superação da primazia da competência individual dos sujeitos como referência para a aprendizagem e, consequentemente, para a formação docente.
A pesquisa de Lopes (2004) – “A aprendizagem docente no estágio compartilhado” – focou a análise dos processos de formação no Clube de Matemática. Trata-se de um estudo de caso que apresenta a dinâmica de formação de estudantes de pedagogia em um espaço de aprendizagem específico, o Clube de Matemática, projeto de estágio na Faculdade de Educação da USP em que futuros professores são colocados diante da necessidade de elaborar e desenvolver propostas de atividades de ensino com crianças da Escola de Aplicação da FE-USP.
O objeto, formação inicial de professores, foi enfocado a partir do desvelamento das ações desencadeadas pelos estagiários para a organização do ensino. A partir dos aportes teóricos da Teoria da Atividade buscou-se compreender o desenvolvimento da aprendizagem docente na realização de ações compartilhadas no planejamento, desenvolvimento e avaliação do trabalho pedagógico.
Ao partir do pressuposto de que a aprendizagem modifica a qualidade das ações docentes, a autora observou que a formação inicial do professor no referido projeto se constitui na mobilização e apropriação de conhecimentos que permitem mudanças qualitativas das práticas diante da necessidade de resolver problemas pertinentes à docência, dos motivos que desencadeiam as ações docentes e na tomada de consciência sobre os sentidos e significados das ações desenvolvidas.
A formação inicial no Clube de Matemática tem possibilitado, ainda, o desenvolvimento de outras pesquisas e nos permitido perceber que o compartilhamento das ações mobiliza diversos processos, dinamizando não somente componentes cognitivos, mas também afetivos que contribuem para mudanças qualitativas nas ações docentes dos estagiários. Investigar sobre essas mudanças tem desencadeado busca de respostas a outras questões: o que constitui um espaço de aprendizagem (Cedro, 2004)? Como se desenvolve o conceito de avaliação na formação inicial de professores em atividade colaborativa (Barros, 2007)? Como se dá o desenvolvimento da compreensão de jogo na Atividade de Ensino para professores em formação inicial (Ritzmann, 2009)?
Ao apresentar brevemente as sínteses das pesquisas, também pretendemos evidenciar marcas das decisões de um coletivo, pois as discussões no GEPAPe contribuem para a definição de investigações que procuram produzir conhecimentos que se complementam. Revela, assim, um modo de criar e resolver coletivamente questões teóricas que poderão contribuir para o entendimento da educação escolar e da pesquisa como uma atividade. A compreensão ontológica de trabalho que norteia as pesquisas desenvolvidas pelo GEPAPe se reflete no encaminhamento metodológico das pesquisas que se centra na produção e desenvolvimento da atividade pedagógica a partir da concepção de atividade em comum (Rubtsov, 1996) o que implica na consciência da intencionalidade da ação pedagógica como orientadora para a concretização de objetivos em comum na atividade de ensino. Tal processo demanda a definição de modos de ação e reflexão num movimento contínuo de articulação entre teoria e prática – práxis – pedagógica na concretização do trabalho docente.
Os resultados de tais pesquisas corroboram o espaço coletivo como espaço de formação docente ao criar condições para a atribuição de novos sentidos às ações dos professores e dessa forma, para a produção de um novo fazer docente. Esse processo de trabalho e de formação no espaço coletivo permite-nos questionar a primazia da competência individual dos sujeitos como conceito nuclear para a formação de alunos e professores e explicita a necessidade de que sejam criadas condições de trabalho colaborativo nas escolas visando sua importância nos processos de formação inicial e continuada de professores.
Referências
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Endereço para correspondência
Vanessa Dias Moretti
E-mail: vanessa.moretti@unifesp.br
Manoel Oriosvaldo de Moura
E-mail: modmoura@usp.br
Recebido em: 13/04/2010
Revisado em: 16/09/2010
Aceito em: 20/10/2010
* Professora Adjunta do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo – Guarulhos, SP – Brasil. É doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – Brasil – e membro do GEPAPe – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica.
** Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – São Paulo, SP – Brasil. Doutor em Educação pela mesma instituição, na qual atua como Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação. É lider do GEPAPe – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica.
1 BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – Instituição do Banco Mundial), UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) e OIT (Organização Internacional do Trabalho).
2 Maiores informações sobre o movimento de apropriação do conceito de competência pelos documentos oficiais nacionais relativos à Educação podem ser encontrados em Moretti (2007).
3 Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica, ligado à Faculdade de Educação da USP.