Revista Psicologia Política
ISSN 2175-1390
ARTIGOS
Os novos críticos niilistas e a transvaloração dos valores da cultura escolar na escola pública
The new critical nihilists and the reversal of public school culture values
Los nuevos críticos nihilistas y la reversión de los valores de la cultura escolar de la escuela pública
Monica G. T. do Amaral*
Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
RESUMO
O artigo analisa em que medida as culturas juvenis podem constituir-se em um "campo de possibilidades" para refletir não apenas sobre as formas de protesto juvenil na metrópole, mas também sobre o próprio processo de construção das identidades do adolescente no mundo contemporâneo. Sustenta-se que a etnografia do olhar – dirigida às manifestações eróticas polisensoriais da juventude – permite o surgimento de verdadeiras "prototeorias" capazes de constituir-se em momentos de ruptura de campo, a partir dos quais parece emergir uma crítica contemporânea à razão predominante no universo escolar. A partir de uma experiência de intervenção em uma instituição pública de ensino – em que se compatibilizaram as experiências de professores, alunos, pais e psicanalistas – buscou-se depreender um método de investigação capaz de articular a "eróptica" de Canevacci, uma etnografia que combina o olhar e a dimensão erótica, tal como sustentados por Bataille, e o método psicanalítico, concebido como ruptura de campo por Herrmann.
Palavras-chave: Culturas juvenis, Etnografia do olhar, Ruptura de campo, Eróptica, Atos analíticos.
ABSTRACT
This article analyses to what extent youth "extreme cultures" (Canevacci, 2005) may constitute "a field of possibilities" to think over not only some ways of youth protest in the metropolis but also the process itself of deconstruction of teenagers' identity in the contemporary world. We are based upon the idea that the ethnography of the look ['regard' in French] – turned through multi-sensory erotic manifestations in youth – allows the uprising of real proto-theories able to constitute in moments for field rupture, from which emerges a contemporary criticism to the reason established in the school universe. With the experience of an intervention in public school – where the experiences of teachers, students, parents and research psychoanalysts were made compatible –, we intend to infer a research method which is capable to articulate Canevacci's 'eroptica', an ethnography that matches the look and erotic dimension as supported by Bataille and the psycho-analytical methodology according to Herrmann's (1991) conception of field rupture.
Keywords: Youth cultures, Etnography of the look, Field rupture, Eroptica, Analytical acts.
RESUMEN
El artículo analiza en qué medida las "culturas extremas" (Canevacci, 2005) juveniles pueden constituirse en un "campo de posibilidades" para reflexionar no sólo sobre las formas de protesta juvenil en las metrópolis, sino también sobre el propio proceso de (des) construcción de las identidades del adolescente en el mundo contemporáneo. Se sostiene que la etnografía de la mirada – dirigida hacia las manifestaciones eróticas polisensoriales de la juventud – permite el surgimiento de verdaderas prototeorías capaces de constituirse en momentos de ruptura de campo, a partir de los cuales parece emerger una crítica contemporánea a la razón predominante en el universo escolar. A partir de una experiencia de intervención en el sistema público de enseñanza – en la que se compatibilizaron las experiencias de profesores, alumnos, padres y psicólogos, se buscó inferir un método de investigación capaz de articular la "eróptica" de Canevacci, una etnografía que combina la mirada y la dimensión erótica tal como sustentadas por Bataille, y el método psicoanalítico, concebido como ruptura de campo por Herrmman.
Palabras clave: Culturas juveniles, Etnografía de la mirada, Ruptura de campo, Eróptica, Actos analíticos.
"A doença é o último fundamento de todo impulso criador.
Criando, pude me curar. Criando, encontrei a saúde"1
Introdução
Pretendemos apresentar neste artigo alguns dos problemas suscitados no processo de pesquisar as tensões entre o que designamos inicialmente como cultura escolar e as culturas dos alunos de uma escola pública de São Paulo, que se viram aguçados pelo fato de esta encontrar-se situada em um dos bairros mais luxuosos da cidade.
Assim que iniciamos a pesquisa, a escola, a única EMEF da região, construída durante a gestão de Mario Covas, encontrava-se à deriva, sem a presença de um diretor que exercesse minimamente uma função orientadora ou mesmo organizadora para aquela ampla comunidade escolar. E os professores encontravam-se desanimados e até mesmo desistindo de sua função de transmissão do saber, em qualquer sentido que se possa concebê-la. Ao mesmo tempo pareciam aturdidos com as exigências de competência vindas de cima, cujos critérios eram alterados a cada nova administração. Os alunos, por sua vez, pareciam felizes por estarem na escola, embora sonhassem com outra...
Cabe uma observação sobre o nosso entendimento a respeito da cultura popular subjacente às culturas juvenis sustentadas pelos alunos e a cultura escolar.
Peter Burke, em seu livro Cultura Popular na Idade Moderna (2010), recorrendo às ideias de Mikhail Bakhtin, considera mais interessante conceber o popular como relativo à dimensão não oficial da cultura, que a esta se opõe, conduzindo-nos a redefinir o popular como "o rebelde que existe em todos nós, e não a propriedade de algum grupo social" (Burke, 2010:17). Uma definição que nos pareceu bastante adequada para pensar as culturas juvenis de protesto contemporâneas.
Embora a cultura escolar esteja impregnada de determinações oficiais, identificamos muito mais um matiz constituído por orientações as mais diversas, em que se cruzam práticas tradicionais com um conjunto de fragmentos de propostas educacionais "inovadoras", muitas vezes impostas ao corpo docente sem uma discussão prévia mais consistente.
Em nosso levantamento inicial a respeito das expectativas dos alunos em relação à escola, deparamo-nos com algumas declarações que de pronto nos chamaram a atenção: "— Eu sugiro que [a escola] tenha músicos e cantores, que nos ensinem a verdadeira música brasileira", disse uma aluna.
Ou ainda: "— Hip hop, eu gingo... black, eu danço... rap, eu canto...", afirmou outra.
Conforme adentrávamos em sala de aula, evidenciava-se um forte contraste entre, de um lado, o humor, a expressão plástica e corpórea dos alunos, e de outro, os gritos, lições de moral e humilhações impingidas aos alunos pelos responsáveis pela "ordem" na escola. E os professores? Entre conformados e sem ânimo para resistir, opor-se ou mesmo assumir a direção daquele barco sem rumo, entravam e saiam de uma classe a outra para ministrar suas aulas.
Quando propusemos ao corpo docente que formássemos uma equipe de pesquisa para estudar os fatores que estariam em jogo no declínio da autoridade dos professores, muitos deles, mesmo com certo desdém, prontificaram-se a participar. Na verdade, só compreendemos a resistência de alguns depois que soubemos que estavam cansados de serem tomados como objeto de pesquisa para a elaboração de teses e dissertações, sem que necessariamente sentissem um retorno para eles ou mesmo para a escola. Disse-lhes que embora a pesquisa fosse coordenada por mim, a ideia era que partíssemos das experiências dos professores para definirmos os rumos da pesquisa, e a partir desta escuta, faríamos um levantamento inicial dos pontos nevrálgicos da escola com ênfase na relação entre alunos e professores, para que depois formássemos subgrupos de pesquisa, onde os professores pesquisadores, ao lado de meus orientandos, teriam autonomia para definir os estudos e formas de pesquisar. As reuniões do grupo todo se deram, muitas vezes, em momentos críticos, e demonstraram-se bastante úteis para a coordenação do conjunto do trabalho. Para que se tenha uma ideia da complexidade de um trabalho como este no interior de uma escola, basta imaginar as dificuldades existentes para reunir cerca de 20 professores, considerando que a maioria deles tinha dois empregos, com horários picados, alguns pela manhã, outros à tarde e outros à noite. A solução foi oferecer-lhes um dia de plantão e dois horários de reunião; depois de constituídos os subgrupos de pesquisa, foi um pouco mais tranquilo, do ponto de vista da organização de nosso trabalho de pesquisa, embora tenham surgido outros desafios. Quer dizer, mesmo depois de termos formado os subgrupos de pesquisa ao longo do primeiro ano, mantendo reuniões ampliadas com todo o grupo, onde discutíamos tanto os textos estudados como as questões que emergiam nos embates em sala de aula, nossa tarefa não foi fácil. Assumimos, na verdade, uma função transferencial bastante complexa, uma vez que nos cabia sustentar, com professores e alunos, um processo de transformação mútua e, ao mesmo tempo, construir com eles um projeto pedagógico que fosse significativo para professores e alunos. Ao mesmo tempo, fomos obrigados, por diversas vezes, a nos posicionar politicamente junto aos professores para que as denúncias sobre as falhas e arbitrariedades da direção fossem apuradas, bem como para que houvesse reposição de professores, uma reivindicação antiga da comunidade.
Mesmo com todas essas dificuldades, começamos um longo e intenso trabalho de pesquisa e intervenção em sala de aula (entre 2006 e 2008), priorizando as 7as e 8as séries, nas quais as queixas sobre os conflitos em sala de aula entre alunos e professores eram mais frequentes. Nosso trabalho junto aos professores consistiu na realização de leituras e debates conjuntos, cujo leque de assuntos era o mais amplo possível, abrangendo os campos filosófico, psicanalítico e antropológico. Ao nos depararmos com o forte enraizamento nordestino da comunidade atendida pela escola, percebemos quão importante seria pesquisar sobre como teria sido esta trajetória. Grande parte das famílias dos alunos era oriunda do Brejo dos Padres, situado no interior do sertão pernambucano, onde teria havido um aldeamento forçado de negros forros, indígenas e sertanejos, os quais migraram para a região sudeste em busca de trabalho na década de 502. Assim, no segundo ano da pesquisa, direcionamos nossas leituras tomando em consideração alguns temas emergentes, como: as diversas concepções de cultura, culturas brasileiras dos afrodescendentes, indígenas (Pankararu) e sertaneja, culturas urbanas juvenis (hip hop, funk), além de abordarmos as relações amorosas na adolescência. Para trabalharmos com este último tema, dada a resistência de muitos dos professores, que se expressava ou pela recusa em ouvir os adolescentes, ou pelo julgamento moral de tudo o que não fizesse parte de seu próprio universo de valores, foi necessário constituir um grupo à parte com os professores interessados. Este grupo foi dirigido por uma psicóloga da equipe, Tatiana K. Rodrigues3 que abordou com maestria as diferentes concepções sobre o amor sexual segundo culturas as mais variadas: desde a hebraica, hindu, egípcia até a africana. Leu trechos eróticos do Cântico dos Cânticos (2000), do Kama Sutra (2006), dos mitos egípcios e do candomblé, a partir dos quais foram delineados alguns conceitos e pré-conceitos sobre a sexualidade, até ser possível tocar nas filigranas do desejo sexual e amoroso dos próprios professores.
Um empreendimento nada simples, que envolveu longos estudos e reflexões, resultando em três dissertações de mestrado, uma tese de doutorado e minha própria tese de livre docência. Isto do ponto de vista acadêmico. E do ponto de vista da experiência e vivências conjuntas entre alunos e professores? Alguns professores arriscaram dizer que houve uma transformação profunda de muitos dos colegas, sobretudo com relação à compreensão das inúmeras situações problemáticas vivenciadas pelos alunos – tanto do ponto de vista da história sofrida de aldeamento forçado ainda na época colonial e de migração, entre os anos 50 e 60 de seus familiares em busca de trabalho e melhores condições de vida na região sudeste, como das dificuldades enfrentadas até hoje por eles, enquanto jovens descendentes afro-indígenas, para se inserirem como cidadãos em metrópoles como São Paulo. Quanto aos alunos? Não sem dor, tocaram em assuntos essenciais, como: humilhação, preconceito, discriminação e injustiça social. E o fizeram por meio de discussões aprofundadas estimuladas por leituras, aulas e filmes, bem como por meio de criações poéticas, composições musicais e apresentações de danças. Todas pautadas quase que invariavelmente por hibridismos culturais4, muito comuns entre as culturas juvenis cultivadas pelas classes populares, e uma marca desta comunidade em particular. Dentre as culturas juvenis mais apreciadas por eles, detivemo-nos na investigação do hip hop e do funk por identificarmos nelas a possibilidade de aqueles jovens se recriarem estética e culturalmente, ao mesmo tempo em que, de se afirmarem dos pontos de vista étnico e social.
Nossa tarefa era imensa: além de oferecermos sustentação aos professores nesses diversos âmbitos – emocional, pedagógico e político – era necessário conduzir com eles um trabalho de novo tipo com os alunos e sensibilizá-los para uma escuta de si mesmos e dos alunos em que estivesse presente um olhar para os simbolismos dos atos, dos sonhos amputados, das tensões e enfrentamentos em sala de aula. Estava em jogo uma espécie de transmissão, que à semelhança da transmissão em psicanálise sofria do mesmo paradoxo da narrativa em declínio, conforme sustentara Benjamin. Inspirando-nos em Herrmann (1992) e nos escritos de W. Benjamin (1980), levantamos a seguinte questão: Como ficava a transmissão e a própria atividade do analista se a subjetivação estava passando por um verdadeiro processo de opacificação da experiência e a agonia da sabedoria, que acompanham a atividade de narrar? Ora, duas dimensões centrais para o exercício da docência e, no caso, para a nossa transmissão aos professores de uma escuta e de um olhar atento no trabalho com os alunos em sala de aula.
Esse foi o quadro geral de uma pesquisa em movimento, para cuja execução procurou-se construir um método de pesquisa em consonância com seu objeto, o qual, como se pode perceber, demonstrou-se, desde o início, de grande complexidade. E foi a construção de um método "na medida do objeto" que nos permitiu ir ao encontro de uma nova manifestação política urbana – as culturas juvenis de resistência.
A Construção de um Método na Medida do Objeto
Do ponto de vista teórico, optamos por autores, cuja teorização acerca da crise instaurada no âmbito da cultura ocidental com o advento da modernidade fosse condizente com a realidade complexa de nosso objeto; ou seja, foram escolhidos aqueles cuja teorização parecia mais concernente ao objeto, no sentido ressaltado por Adorno5, em que o conceito é introduzido de modo a acompanhar o movimento histórico do objeto. Ou como designara Herrmann, como sendo a "prototeoria do sujeito"6, que estivesse intimamente ligada a um método constituído "na medida" dos sujeitos de nossa pesquisa, conformando-se às características dos mesmos. Daí termos procurado apresentar nossa teorização a propósito da "trama e urdidura" formada pela cultura escolar e culturas juvenis, como forma de repensar a autoridade do professor, mantendo uma tensão crítica necessária a toda reconstrução teórica que se pretenda consoante às mutações do objeto ao longo da história – sobretudo em se tratando das culturas juvenis de protesto, cujas formas de expressão estéticas apresentam forte ressonância da diáspora afro-americana e afro-indígena-brasileira. A apreensão desta dimensão histórico-cultural, negligenciada por alguns estudiosos das culturas juvenis, porém incansavelmente lembrada pelos rappers – do movimento hip hop e do funk – e evidenciada pelas produções poético-musicais dos alunos, foi possível ao instaurarmos um método híbrido de intervenção junto aos alunos, contando com a participação ativa dos professores, em que se mesclaram a "eróptica" de Massimo Canevacci (2005), uma etnografia que combina o olhar e a dimensão erótica como sustentados por Bataille (2004b) e o método psicanalítico, concebido como método de ruptura de campo, tal como pensado por Herrmann (1991). Permitiu-se, desse modo, o rastrear intransigente do potencial crítico contido no marginal, no fragmento, no acessório, ou seja, das culturas que eram, senão negadas, negligencias pela cultura escolar. Assim, acreditamos ter posto em marcha uma espécie de "telescopia histórica", termo utilizado por Béthune (2003), estudioso e amante do jazz que identificou no rap a possibilidade de reunir e discernir objetos e vivências distantes no tempo. Este termo foi empregado pelo autor para se referir à "trituração sonora" e ao deslocamento simbólico que estariam presentes na criação musical do rap, com suas práticas de decomposição rítmica, mistura de estilos musicais os mais variados e recomposição melódica por meio da informática. Aqui utilizamos o mesmo termo para designar a recomposição de vivências históricas fragmentadas que estaria em jogo na crônica urbana ensejada pelos rappers acerca da realidade da periferia das metrópoles, a qual, embora aparentemente presa ao presente, pareceu-nos fazer ecoar um passado de opressão e de espoliação a que foram submetidos nossos afrodescendentes. A nosso ver, estes movimentos da cultura popular urbana constituem-se em manifestações estéticas de outra ordem, distintas da arte musical de vanguarda que fora reconhecida por Adorno (1974) como portadora de uma potência crítica (referindo-se, particularmente, à música atonal e dodecafônica), porém, cuja negatividade7 mantém alguma afinidade com aquela.
Do ponto de vista da relação dos professores com sua própria autoridade em declínio, acreditávamos que era preciso fundá-la em novas bases. Daí a importância de se promover por meio dessa "telescopia histórica", uma espécie de ruptura de campo na cultura escolar, capaz de liberar seus sentidos antinômicos nos campos da linguagem e dos gestos, suprimidos ao longo da civilização ocidental e da história brasileira em particular. Referimo-nos aqui aos sentidos atribuídos à sexualidade, à autoridade e aos conflitos de classe, dentre outros, em cuja tensão se move a tradição como bem observara Hannah Arendt (1992), mas que precisava ser rompida para deles se alimentar e conferir sentidos renovados à compreensão dos professores da vida em sociedade e do caráter multicultural da sociedade brasileira. Nossa ideia era que justamente algumas culturas juvenis de protesto, como o hip hop, ou mesmo o funk, com seu ar irreverente de deboche, poderiam promover uma espécie de ruptura de campo na cultura escolar, capaz de liberar os sentidos antinômicos, ou melhor, os sentidos antitéticos, presentes nas formações oníricas, como bem observara Freud no artigo "O duplo sentido antitético das palavras primitivas" (Freud, 2001) e assim conferir novos sentidos à prática docente.
As rupturas de campo produzidas no caso, na cultura escolar, por esse novo olhar exigiu da equipe de pesquisadores da universidade e professores-pesquisadores o debruçar-se sobre algumas obras de Nietzsche, Bataille e Herrmann, fundamentais para se promover uma verdadeira reversão de nossos valores, bem como do contato com os campos erótico e estético, eliciados pelo hip hop e o funk, na dupla face da psique do real (identidade e realidade), para utilizarmos uma conceituação de Herrmann, uma noção fundamental para a apreensão do modo como a dimensão histórica silenciada, negada e posta no esquecimento perfura a dimensão identitária da psique e exige , como no passado, uma expressão estéticomusical capaz de refundar a própria dimensão do real. Identificamos nestas expressões culturais juvenis, uma estética afirmativa e crítica, como diria Nietzsche – ou crítico-destrutiva e positivo-afirmativa, como salientara Giacóia (2005) – a propósito das tarefas que Nietzsche impusera a si mesmo e que acreditamos terem sido retomadas pelos rappers na contemporaneidade. Tarefas que no âmbito do microcosmo escolar, ao afirmar o negado pela cultura escolar, liberam os sentidos suprimidos (psíquicos e culturais) e fundam noutras bases o próprio sentido da autoridade pública, em particular a do professor.
Abordemos de modo mais detido alguns dos efeitos da telescopia histórica posta em marcha por esse método híbrido, em que se combinaram uma etnografia do olhar capaz de dar vida e voz às manifestações polissensoriais das culturas juvenis, e o método psicanalítico de ruptura de campo que se traduziu muitas vezes por "atos analíticos"8 de maneira a colocar professores e alunos em contato com as inúmeras dimensões do recalcado – histórico-culturais e psíquicas – que emergiram durante nossas atividades, exigindo dos professores um contato com seus próprios inconscientes e a ruptura de discursos e práticas pautados pela primazia da consciência.
A Leitura de Bataille e o Colocar-se na Pele do Outro
O texto que apresentamos a seguir foi escrito por Leite (2007) – um dos professores da equipe, também poeta e escritor – logo após nossa visita ao SOS juventude, uma ONG situada no coração da favela do Real Parque, que desenvolvia diversas atividades com os jovens alunos e moradores daquela comunidade. Esta ONG era dirigida por M., um dos poucos funcionários da escola respeitados pelos alunos, dado o seu comprometimento social e político.
A leitura desse texto foi o momento que mais expressou o que pretendíamos com a etnografia do olhar proposta por Canevacci (2005) para uma apreensão "por dentro" das culturas juvenis contemporâneas, que, como nos foi possível perceber, passava antes de tudo por "vestir a pele" daquelas crianças e jovens, que se sentiam duramente discriminadas dentro e fora do âmbito escolar. Retomo um trecho de sua crônica/poesia:
Vista a minha pele/você conseguiria? / seja negro só por um dia / seja preto pelo menos por mim / somando todas as minhas cores assim...
Capture radicalmente a minha dor / bem lá dentro de mim / e procure me compreender melhor assim...
Sou igualzinho a você / ser humano, porque / corpo, mente, banzo, coração / então questione racismo e discriminação / sou vermelho por dentro / e negro sempre cem por cento / afrobrasilis, afrodescendente / muito além de para sempre / inteiramente ser humano e sobretudo gente...
(Vista minha pele, Leite, 2007)
Um texto produzido por ruptura de campo e promovendo novas rupturas de campo no tecido inconsciente de nossas mentes, revolvendo o passado esquecido, além de por em marcha a telescopia histórica, e desse modo, tornando presente a dor, o banzo de todo um povo, cujos descendentes encontravam-se ali diante de nós, no limite tênue da realidade/identidade que nos constitui até hoje como uma das sociedades em que foram identificados um dos maiores índices de desigualdade social.
Nossas leituras de Bataille, de textos como História do olho (1979) e Experiência interior (2004a), nas quais teria se inspirado Canevacci, eram revividas na narrativa poética deste professor, em que o sujeito que escreve se mistura com o objeto, ao mesmo tempo em que os limites da experiência interior se imiscuem com o exterior e assim se abrem ao desconhecido, permitindo que o estranho torne-se familiar e se comunique com o sujeito professor pesquisador, abandonado ao "não saber".
A dramatização aliada à vontade de não se ater ao enunciado e assim deixar-se levar pelo contágio, recorrendo à sensação não discursiva, esteve presente em nossas intervenções: como que mimetizando os "atos de linguagem" daqueles jovens amantes do rap, fazendo-nos recorrer, em nossas intervenções, ao que denominamos "atos analíticos".
O recurso do rap aos "atos de linguagem" para denunciar os abusos de poder da polícia e a discriminação − vociferando contra as injustiças com tamanho realismo que, muitas vezes, suas músicas são confundidas com uma verdadeira incitação à violência e ao crime − a nosso ver, foi uma forma de desenvolver uma consciência profunda do significado pessoal e histórico da transgressão da cultura em particular para os afrodescendentes, para os quais o acesso à cultura sempre foi um ato de transgressão e de violência. Ponderando ser este o modo mais eficaz de fazer face à "atual natureza do sujeito ideológico", que como bem salientara Herrmann (1994) deixou de ser a máscara do real alienado e passou a ser a realidade mesma da "má consciência", cuja característica inovadora é a "produtividade de seu inconsciente relativo". No caso, está se referindo aos atentados seguidos a que estamos sujeitos, fruto de uma verdadeira "urdidura cultural", que atinge desde a política, o campo das comunicações até a vida privada (penetrando tanto nas relações intersubjetivas quanto nas representações do eu corpóreo).
Os Novos Críticos Niilistas e a Transvaloração dos Valores da Escola Pública
Nossa tese central é de que justamente os rappers – tanto do movimento hip-hop como do funk – com suas músicas de "raiz" cultivadas pelos jovens pobres das metrópoles, sejam, não apenas os "novos cronistas da modernidade", como sustentara Contier (2005), mas os "novos críticos niilistas" do mundo contemporâneo, uma vez que não acreditam mais nos valores que sustentam nossas instituições e muito menos nos que alimentam a velha instituição escolar, com suas concepções, muitas vezes, ultrapassadas do que seja conhecimento "sério, erudito e/ou científico".
Consideramos ainda fundamental − para que se compreenda o descompasso do universo escolar em relação ao mundo juvenil, vivido de modo cada vez mais crítico na contemporaneidade − inserir essa discussão no debate sobre os impasses criados pela crise da modernidade.
Impasses esses que remetem necessariamente à crise da tradição socrático-platônica, presente no cristianismo e em todas as formas de secularização modernas, cujos ídolos – o Estado, as instituições, a moral, as ilusões da filosofia, a verdade – segundo Scarlett Marton (2005), Nietzsche teria pretendido destruir a "marteladas". Martelo que pode ser compreendido como "marreta", mas também como "diapasão" para diagnosticar o seu vazio, segundo Paulo Cesar de Souza (2008), ou seja, o declínio de todos os valores sustentados até então. E o niilismo seria esse processo de desvalorização de todos os valores, a partir dos quais, Nietzsche propõe, como bem observara Heidegger (2007), a "transvaloração de todos os valores".
Scarlett (2007) nos recorda que Lebrun, por sua vez, que fora responsável pela formação de toda uma geração de filósofos no Brasil, sustentava que não se devia interpretar as idéias de Nietzsche como se fosse um sistema filosófico a ser decifrado, mas sim considerá-lo "um instrumento de trabalho insubstituível", e por isso, seria importante muito mais "pensar com ele".
Acredito que esta tenha sido a opção de nosso trabalho de reflexão: pensar um fenômeno atual como o hip-hop e o funk, através dos textos nietzschianos, ou conectá-los com estes fenômenos da cultura juvenil contemporânea, por meio dos quais faríamos passar seu pensamento, procurando assim elucidar o modo como os mesmos promovem "a transvaloração dos valores" vigentes em nossa sociedade.
Orientados por esse debate, ponderamos que as manifestações polissensoriais dos adolescentes que se manifestavam de modo caótico e barulhento ganharam sentido diante deles próprios, ao começarem a substituir um verdadeiro solilóquio em que muitos deles se encontravam mergulhados, por músicas de rap − os mensageiros de protesto dos jovens pobres das metrópoles. E as garotas, com sua sensualidade irreverente, exigiam de todos um olhar atento voltado para as suas necessidades – como o direito a terem um espaço para serem vistas como mulheres "donas de seus corpos"− que fosse capaz de ver nelas o avesso do que diziam as letras funks que tocavam ao fundo, aparentemente degradando a imagem feminina. E, claro, atingiram em cheio o coração da escola, que parecia há muito não escutá-los – ou seja, a burocracia, a direção e até mesmo os professores (a maioria só vinha pensando em remoção e aposentadoria). Os professores, por sua vez, tiveram a oportunidade de ressignificar suas experiências e, sentindo-se apoiados − intelectual, emocional e politicamente − reassumiam a autoridade ameaçada. Ou melhor, passaram a repensá-la continuadamente.
Um Balanço das Questões Candentes da Escola Pública
Identificamos dois problemas centrais que pouco tem contribuído para uma aproximação entre a cultura escolar e as culturas juvenis contemporâneas: 1) a presença de um ideal de formação erudita (oficial) cindida das culturas populares (não oficial); 2) a prevalência de um pensamento escolar centrado na consciência em contraposição às culturas juvenis, muito mais abertas ao recalcado.
Quanto ao primeiro aspecto, referimo-nos a um ideal porque a formação dada aos alunos sequer se aproxima do que se pode conceber como cultura erudita.
Peter Burke (2010) salienta que na Europa observou-se inicialmente a "biculturalidade das elites", uma vez que embora cultivassem a cultura erudita, eram capazes de compartilhar o modus vivendi das classes populares presentes, sobretudo nas festas de rua; mas que depois foram seguidas pelas tentativas de reformar a cultura popular, procurando dela se afastar; para, no final, redescobri-la novamente. No Brasil, parece que o compartilhamento ficou restrito ao carnaval; de resto tem preponderado o espírito reformista e o distanciamento das elites em relação aos usos e costumes das classes populares. Na escola, parece prevalecer o aspecto elitista do Iluminismo ressaltado por Voltaire e excessivamente baseado na prevalência da razão. Perguntamo-nos se a moralização das classes populares, promovida pelos agentes escolares em detrimento da transmissão de todo um patrimônio cultural acumulado pelas elites e classes populares nada mais faz do que reproduzir o que teriam feito os reformistas na Europa, ou seja, como "tentativa sistemática de modificar as atitudes e valores do restante da população ou, como costumavam dizer os vitorianos, 'aperfeiçoá-los'" (Burke, 2010:280).
E os jovens pesquisados por nós, pareciam se recusar a ser objeto deste "aperfeiçoamento", que passava, não apenas pela moralização de sua formação, como pela desvalorização sistemática de seus usos e costumes, pautados na tradição oral de transmissão da cultura de seus antepassados. E o fizeram, por meio de raps – cujas letras traziam mensagens que se situavam entre o lícito e o ilícito e que, ao contrário da tradição escolar, incorporavam a linguagem oral; e por meio da dança funk, cujos ritmos eróticos e debochados sugeriam algo que também ficava no limiar entre a livre expressão erótica das jovens mulheres das comunidades periféricas das metrópoles e sua vulgarização instigada pela mídia. Pareceu-nos ser esta a condição de se recriarem e adquirirem "identidade", como muitos deles sustentam em suas letras e, desse modo, afirmarem suas identidades negadas por uma sociedade desigual e excludente.
Nesse sentido, quanto ao segundo aspecto, tomando-se em consideração a prevalência de um pensamento escolar centrado na consciência em contraposição às culturas juvenis, muito mais abertas ao recalcado, não havia como negar que os jovens alunos exigiam uma formação de novo tipo. Para tanto, urgia uma atitude metodológica que exigiu dos professorespesquisadores tamanho despojamento de valores que foi difícil sustentá-la, embora muitos deles tenham se aberto a uma transformação radical de suas concepções, ampliando-se, desse modo o campo de visão sobre o mundo que os cercava e no qual estávamos todos inseridos – professores, pesquisadores e alunos – embora ocupando posições sociais e de poder bem distintas.
A leitura de algumas das obras de Bataille (1979, 2004a) nos foi a um só tempo, desconcertante e instigante, uma vez que, ao nos depararmos com uma ideia de homem moderno desesperançado, cuja dimensão, o autor pretendeu penetrar, experimentando ele mesmo o desespero envolvido em uma situação-limite, tomando-a como condição necessária do pensar filosófico, se nos impôs uma atitude metodológica radical. Ao mesmo tempo, sua teorização/ficção parecia apanhar uma dimensão existencial muito próxima daquela experimentada pelos jovens rappers de nossa pesquisa, no sentido de que estes não apenas viviam no limite, mas também pelo fato de adotarem uma estética musical que tendia a mimetizar as situações limite que lhes eram impostas como forma de denúncia e de poder pensar (filosoficamente, por que não?) sobre suas existências.
Não se pode esquecer que Nietzsche, no qual se inspira em grande parte Bataille, em seus últimos escritos, como o Crepúsculo dos ídolos (2006), propõe como parte do projeto de transvaloração de todos os valores, uma "razão restaurada", apoiada no excesso, no vício e no luxo, por meio de uma estética inspirada na "embriaguez apolínea" que confere potência à visão e na embriaguez dionisíaca que se faz expressar pela "força da representação e da imitação" (Nietzsche, 2006:122).
Ponderando sobre o papel fundamental da música na recriação e afirmação dos jovens por nós estudados, perguntamo-nos, inspirados em Nietzsche, sobre sua importância para tocar no que o filósofo designou como sendo "o cerne da força vital da humanidade", ou mais especificamente no cerne da força vital da cultura escolar, que, por meio de uma escuta e um olhar atento às expressões culturais juvenis, com seus ritmos e letras de protesto, poderiam fazer ressurgir o "recalcado" da tradição afro-indígena brasileira, relegada, como vimos, ao esquecimento.
Acreditamos, nesse sentido, se considerarmos a escola como espaço de formação e de preparação da juventude para a vida pública, como defendera Arendt (1992), que seria possível repensar a cultura escolar e a autoridade do professor a partir de uma "razão restaurada" pela música e a arte de protesto da juventude excluída das metrópoles brasileiras. E assim poder reconhecer a necessidade de se conferir espaço para uma formação escolar multiculturalista comprometida com a diversidade étnica e cultural.
Referências
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Endereço para correspondência
Monica G. T. do Amaral
E-mail: monicagta@hotmail.com
Recebido em: 16/04/2011
Revisado em: 21/08/2011
Aceito em: 27/10/2011
* Professora Associada da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, onde é docente da Graduação e Pós-Graduação em Educação. É Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
1 Versos de Heine (1992, citado por Freud, 1992:91) para responder à questão de onde provém a necessidade de romper as barreiras do narcisismo e investir nos objetos exteriores.
2 Um estudo aprofundado deste percurso e de suas implicações culturais para as comunidades formadas por seus descendentes, que hoje se encontram no sudeste do país, pode ser encontrado nas seguintes Dissertações de Mestrado: Nakashima, Edson (2009). Reatando as pontas da rama: a inserção dos alunos da etnia indígena Pankararu em uma escola pública na cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; e Ferreira, Maíra S. (2010). A rima na escola, o verso na história: um estudo sobre a criação poética e a afirmação étnico-social entre jovens de uma escola pública de São Paulo. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
3 Um trabalho inspirado na experiência de campo de sua Dissertação de Mestrado, intitulada: Rodrigues, Tatiana K. (2008). A metamorfose de jovens lideranças que querem ser professoras: como a escuta analítica propicia a potência crítica da práxis. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
4 Inspiramo-nos em particular nas reflexões de Vargas, Herom (2007). Hibridismos musicais de Chico Science & Nação Zumbi. Cotia: Intervenção Editorial e em Ferrreira, Maíra. S. (2008). Poesia Popular Brasileira: Cordel, rap e repente. Trabalho apresentado na VI Semana de Educação, FEUSP, São Paulo, Brasil.
5 Há uma discussão interessante feita por Adorno acerca do "primado do objeto", presente nos textos que precederam a Dialética do esclarecimento (1985), onde assume uma posição crítica tanto em relação ao idealismo de Kant, quanto à dialética hegeliana, que é retomada por Wolfgang Leo Maar (2006). Trata-se, segundo Maar, de uma tese de Adorno que será fundamental para a posterior elaboração da Dialética negativa (1975), de acordo com a qual, o conceito deve incluir o movimento histórico do objeto e ir além dele: "O primado ou a prioridade do objeto encontra-se numa relação dialética com a prioridade do sujeito e não em estrita oposição à mesma. Trata-se de romper, sem abandonar o conceito... A tarefa precípua do primado do objeto é justamente forçar o conceito a apresentar-se como antinômico" (Maar, 2006:5, o grifo é nosso). Ou seja, sem abandonar a confiança no poder de esclarecimento da razão, porém capaz de examinar a reificação que a atravessa.
6 Prototeoria foi um termo utilizado por Herrmann (1991) para designar a teoria feita sob medida para cada paciente, que no caso dessa pesquisa teria que se adequar às exigências de nosso objeto. Pareceu-nos essencial uma escuta atenta aos reclamos dos jovens, presentes em suas produções estéticas de protesto, a partir da qual construímos formulações teóricas fundamentais, a nosso ver, para se repensar a noção de autoridade do professor.
7 Apoiamo-nos na brecha aberta pelo próprio Adorno (1974), quando em sua teorização sobre a nova música, ao sustentar a potencialidade negativa da música atonal, abre uma exceção à música tonal, referindo-seà música folclórica, de caráter regional, aproximando-a da arte de vanguarda pelo efeito de estranhamento que ela produz. Uma ideia que dá margem a pensar que o repente, a embolada e outras manifestações afro-brasileiras, com as quais tem se hibridado o rap, possam ainda conter essa potência crítica no interior de uma sociedade em que prevalece o "efeito escarninho" (massificador) da indústria cultural. De outro lado, como sustenta Béthune (2003), o rap traz à tona os valores estéticos banidos pela tendência socrático-platônica da cultura ocidental, com sua arte polifônica e policromática de rua, além de manter viva a tradição afro-americana e, não se pode desconsiderar que se utiliza dos meios fornecidos pela própria indústria cultural para subvertê-la. Referimo-nos particularmente aos efeitos de dissonância musical produzidos por um sofisticado aparato eletrônico que produz outra ordem de estranhamento estético.
8 Entendemos por atos analíticos as ações que se assemelham a "sentenças interpretativas", aos quais recorremos para mediar as relações entre professores e alunos, cuja característica era recorrer a uma espécie de dramatização – representando algo do plano imaginário não explicitado, mas que parecia sustentar alguma ação/reação – que levasse ao questionamento de uma determinada atitude ou conduta de cada uma das partes envolvidas.