Revista Psicologia Política
ISSN 1519-549X
RESENHA
Psicologia Política
Political Psychology
Psicología Política
Psychologie Politique
Fabio Ortolano
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política e pesquisador do Grupo de estudos e pesquisas em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. fabio.ortolano@usp.br
Obra: Psicologia Política
Autor: Carlos Barracho
Lisboa: Escolar, 2011.
271 páginas.
ISBN: 978-972-592-324-5
Diversos autores têm conceituado a Psicologia Política a partir de obras que podemos chamar de manuais, uma vez que trazem elementos de sua construção enquanto campo de produção do conhecimento e saber, bem como temas pelos quais ela é compreendida. Jose Manuel Sabucedo Camaselle (1996), na Espanha; Maritza Monteiro (1987), na Venezuela; Mirta Gonzales (2008), na Costa Rica; Alessandro Soares da Silva (2012), no Brasil e Carlos Barracho (2011), em Portugal, são alguns exemplos de diversos autores que se dedicam ou se debruçaram sob tal campo do conhecimento. E é sobre a obra do último autor que trataremos nas linhas que seguem.
Nascido em Lobito, Angola, Carlos Barracho realizou seus estudos primários e secundários em seu país. Uma particularidade em sua formação sequente é a dupla titulação em todos os demais níveis de ensino. Formado em Psicologia clínica e Psicologia Social e das Organizações, fez mestrado em Ciências da Informação e Comunicação e em Ciência Política. É doutor em Psicologia Social e Ciência Política, pela Universidade de Estrasburgo, na França, e Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, respectivamente. Nos últimos 15 anos uma de suas principais atividades têm sido assessorar a construção e direção de licenciaturas e pós-graduações em universidades portuguesas e angolanas. É autor de 12 livros de Psicologia e Ciência Política, além de ter escrito uma variedade de capítulos de livros e artigos.
Quanto à obra em questão, intitulada "Psicologia Política", Barracho (2011) inicia contextualizando os caminhos da Psicologia e das Ciências Sociais, pontuando, na sequência, como a política vem sendo concebida desde autores clássicos à modernidade. Ainda que tal levantamento histórico não descreva a origem da psicologia política - o que o autor faz nos capítulos seguintes -, ele ilustra o percurso científico pelo qual a produção do conhecimento foi se transformando, até chegarmos ao cenário em que nasce o que entendemos como Psicologia Política. Cabe destacar, como o próprio nome já revela, duas dimensões da leitura do mundo e das coisas estarão em voga nessa introdução, o político e a psicologia. Dimensões porque não falamos de disciplinas como hoje, muitas vezes, concebemos.
Para o autor a Psicologia nasce muito antes de ser conceituada como tal, desde Platão, com suas referências sobre a natureza da realidade e a imortalidade da alma, se questionava sobre o racional e o irracional, o que adiante seria lido como consciente e inconsciente a partir da psicanálise de Freud. O termo Psicologia, segundo ele, nasce no século XVI e no final do século XIX e início do século XX, sob influência de uma corrente americana, ocorre a emergência do paradigma behaviorista e o triunfo da psicologia de laboratório sobre a psicologia da consciência. Também no século XIX surge a psicologia social e Le Bon publica a obra Psicologia das Multidões, obra pioneira na análise psicológica das massas.
Quanto às Ciências Sociais, Barracho (2011) pontua que nunca houve consenso entre as perspectivas de análise, uma vez que cada uma delas direcionava o olhar para o social sob um prisma em específico. Comte via a sociedade moderna a partir da era industrial, com o fim do feudalismo e da teologia, já Marx a entendia como a contradição entre a ordem social e o capitalismo e Tocqueville a caracterizava pelas condições sociais e econômicas na democracia. Ênfases num sistema de produção, nas contradições e lutas de classes e num sistema político de organização social oferecem distintas possibilidades de análise. E tal constatação nos parece pertinente ao notarmos que a Psicologia Política nos serve para preencher algumas lacunas em que tais perspectivas não tem se aprofundado.
Mesmo o político, ao longo da produção intelectual, tem sido compreendido de diversas formas. Barracho (2011) defende que desde Aristóteles e Platão, em suas indagações acerca da relação do homem social e a polis, fala-se de política, e na era clássica muitos pensadores que os sucederam traçaram elementos para pensar a política. Já na Idade Média, destaca São Tomas de Aquino, que avança na história do pensamento político e filosófico europeu, uma vez que sua obra faz a síntese entre o cristianismo e o aristotelismo. Segundo o autor, para Aquino a vida política diz respeito aos homens livres e deve ser a sede de liberdade. Uma crítica ao feudalismo e ao intervencionismo do clero. Nicolau Maquiavel desponta como o primeiro dos pensadores modernos em política, sendo símbolo do renascimento político e considerado por muitos filósofos da política o pai da ciência moderna.
Em sua obra, o autor supracitado, pontua que a Psicologia Política é uma expressão ambígua e depende do ponto de vista do observador ou do que está a falar. Ela acentua o lado subjetivo da vida política, diferenciando-se assim, das ciências políticas e da sociologia política. [...] diz respeito à vida cotidiana, às atitudes, opiniões e representações sociais que os cidadãos têm perante a vida política. (Barracho, 2011:58-59).
Assim, Barracho (2011) vai definindo a Psicologia Política a partir de autores como Elster (1990) que a diferencia da Psicologia Social, por esta se dedicar ao estudo do poder, das agressões, da conformidade à pressão intra-grupo, da negociação, etc. Davis (1973) que se refere à Psicologia Política como complemento a ciência política que desconsiderava as escolhas dos indivíduos sobre as instituições públicas. Enquanto as variáveis da psicologia são as atitudes e personalidades, as da ciência política são as instituições e estruturas políticas. A Psicologia Política seria, portanto, a união destas variáveis. E Medina (2010), que trata da psicologia política como uma psicologia aplicada a materiais especificamente humanos, como a cidade (polis) e os cidadãos. E Dorna (2006) que defende que a Psicologia Política assentase numa rede de abordagens teóricas à volta de um conceito central que é a percepção social coletiva. Sintetiza, assim, a partir destes e outros pensadores, que a psicologia política tem-se dedicado ao estudo de fenômenos cujos aspectos psicológicos são "contingentes" à política, em vários níveis de análise, no social, grupal e organizacional.
Na década de 70 do século XX, segundo o autor, o campo começa a se institucionalizar a partir de associações e periódicos. Feitas as considerações conceituais, o autor passa a explorar temas que são compreendidos em tal campo. Movimentos sociais, comportamentos das massas, participação e ação política, autoritarismo, comportamento político e comunicação de massa, propaganda política e liderança política, todos esses, são objetos de análise para a Psicologia Política que Carlos Barracho traz em sua obra.
Quanto aos movimentos sociais, o autor discorre sobre o pensamento de Le Bon que ao tratar das multidões, traz que os fatores afetivos e místicos exercem um papel maior do que a razão numa revolução política. O autor destaca que para Le Bon o perfil dos indivíduos interfere na realidade e desenvolvimento dos movimentos. Barracho (2011) relata que para Moscovici (1984) a era das massas põe o problema da individualidade em voga, ponto crucial do individualismo moderno. O autor pontua que tanto para Freud quanto para Le Bon o indivíduo na multidão afasta-se do seu inconsciente. Assim, acrescenta que tradicionalmente admite-se que as massas são mais afetivas, menos racionais que seus membros tomados isoladamente.
E tomando os indivíduos isoladamente, pensamos nas ideias de Salvador Sandoval (2001) que concebe a consciência política como sendo dos sujeitos, ainda que constituída socialmente. Para tanto define ele algumas dimensões que compreendem tal consciência, como sentimentos de justiça/injustiça e de eficácia, reconhecimento de agentes e instituições antagônicas, entre outras. Silva (2008) em sua análise sobre os movimentos LGBT de São Paulo, Lisboa, Barcelona e Madri e Ansara (2009) em seus estudos sobre Memória Política, Repressão e Ditadura no Brasil, trazem tais dimensões para uma análise psicopolítica de seus temas. Sendo assim, certamente, para a psicologia política, que se assenta na psicologia social e ciência política, o valido é revelar a interação entre o indivíduo e o coletivo, entre estes e o político, entre o objetivo e o subjetivo.
Barracho (2011) também faz apontamentos quanto à ação individual e coletiva e discorre sobre a participação e a ação política, primeiramente a partir dos questionamentos acerca do processo eleitoral, mas que foi expandindo através de análises sobre o racismo, a xenofobia, etc. O autor acredita que no autoritarismo e nas atitudes sociais como determinantes dos comportamentos, haja vista que permitem a compreensão do posicionamento das pessoas frente aos diferentes estímulos e situações. Mostra-nos que a comunicação de massa está intrinsecamente ligada à história da propaganda e que tem forte influencia sob os indivíduos e coletivos, portanto, um tema relevante à psicologia política, que pode orientar estudos entre o comportamento político e a comunicação de massa.
Já com relação à propaganda política, o autor traz uma perspectiva histórica de como e porque esta era utilizada, sempre associada a uma ideologia. Iniciou-se com a Igreja no período de Contra-Reforma, cuja missão era coordenar a propagação da fé católica pelo mundo, posteriormente na condução das guerras pelos exércitos, adiante no manifesto comunista e também na propaganda napoleônica de culto a personalidade. Contudo, aponta o autor, é com o ditador alemão Adolfo Hitler, por exemplo, que a propaganda política moderna se sistematiza e alcança a sua máxima capacidade persuasiva, a qual também pode ser vista como uma violência política.
Sobre a violência política, Barracho (2011) remete esta aos conflitos, em que a falta de resoluções anteriores e a provável incapacidade de negociação entre vários atores do processo e o cálculo entre os custos-benefícios, confere o empreendimento de tal tipo de ação. Associamos aqui um conflito dos dias de hoje, o embate entre policiais e manifestantes contra o aumento das tarifas dos transportes públicos na cidade de São Paulo, em que sociedade civil e a força do Estado se enfrentam nas ruas. Contudo, o autor pondera que a compreensão de violência é subjetiva, pois para certos contextos políticos e militares, um sujeito pode ser terrorista e para outros um herói.
Diante dessa multiplicidade de perspectivas, analisar, através da psicologia política, os grandes chefes políticos e a liderança política, compreende refletir na utilização de imagens, expressões exageradas e raciocínios simples que vão de encontro à imaginação popular. O autor defende que é preciso fazer a distinção entre líder e liderança, pois enquanto esta se refere a um processo, o líder personifica a ação de liderar (Barracho, 2011:249). Reconhece, ao falar de liderança política e de personalidade e carisma, a expressividade corporal e do discurso, e a eficácia comunicativa.
Por fim Barracho (2011) fala das relações internacionais como campo de análise psicopolítica, pontuando que tais relações contemplam diversos aspectos, como os econômicos, os culturais e os técnicos. Abrange conceitos básicos para teorização da política internacional, abarcando os atores (Estados e não estaduais), os fins (segurança) e os instrumentos (forma militar, economia, as finanças, a tecnologia, a ética). Certamente, tanto os fins, quanto os sujeitos e seus instrumentos são campos para análise das ações exercidas na política em cena e seus impactos subjetivos.
Assim, alinhado aos autores que mencionamos no primeiro parágrafo, Barracho (2011), no início da obra, diz ser a Psicologia Política um campo que tem se dedicado atualmente, relatando na obra seu processo histórico de concepção e temas pelos quais se interessa. O livro representa uma opção didática aos iniciantes na Psicologia Política, bem como um material rico em elementos históricos para traçar como o campo vem sendo construído na Europa, Estados Unidos e América Latina.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ansara, Soraia. (2008). Memória Política, Repressão e Ditadura no Brasil. Curitiba: Juruá, 2009. [ Links ]
Barracho, Carlos. (2011). Psicologia Política. Lisboa: Escolar Editora. [ Links ]
González-Suárez, Mirta. (2008). Psicologia Política. San José: Editorial UCR. [ Links ]
Montero, Maritza. (Ed.). (1987). Psicología Política Latinoamericana. Caracas: Panapo. [ Links ]
Sabucedo, José Manuel Cameselle. (1996). Psicologia Política. Madrid: Sintesys. [ Links ]
Sandoval, Salvador A. M. (2001). The Crisis of the Brazilian Labor Movement and the Emergence of Alternative Forms of Working-Class Contention in the 1990s. Revista Psicologia Política / Sociedade Brasileira de Psicologia Política. São Paulo: ISSN 1519549X. [ Links ]
Silva, Alessandro Soares da. (2008). Luta, Resistência e Cidadania: uma análise psicopolítica dos movimentos e paradas do orgulho LGBT. Curitiba: Juruá [ Links ].
Silva, Alessandro Soares da. (2012). Psicologia Política, Movimentos Sociais e Políticas Públicas. Tese (Livre-docência). Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, São Paulo. [ Links ]
Recebido em 04/03/2013
Aceito em 21/05/2013