Revista Psicologia Política
ISSN 1519-549X
ARTIGOS
A contribuição de Martín-Baró para o estudo da violência: uma apresentação
The contribution of Martín-Baró to understand violence: an overview
La contribución de Martín-Baró hacia una comprensión de la violencia: una visión general
La contribution de Martín-Baró pour comprendre la violence: un aperçu général
Karina Oliveira MartinsI; Fernando Lacerda JrII
IPesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Crítica, Insurgência, Subjetividade e Emancipação (CRISE) e graduanda em Psicologia na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. kar1na.oliveira@hotmail.com
IIPsicólogo e doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Crítica, Insurgência, Subjetividade e Emancipação (CRISE), Professor Adjunto de Psicologia Social na Faculdade de Educação e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. ernandolac@gmail.com
RESUMO
A violência é importante problemática abordada pela Psicologia Política e foi objeto de inúmeros estudos no Brasil e na América Latina. No entanto, as concepções de Ignácio Martín-Baró, um dos pioneiros das concepções críticas de Psicologia Política que emergiram na América Latina ao longo do último quarto do século XX, sobre a violência ainda são pouco estudadas e difundidas. Com o intuito de contribuir para a difusão da obra de Martín-Baró, o presente artigo busca, fundamentalmente, apresentar um panorama de seus diversos estudos sobre violência. Vivendo em um contexto de guerra civil, o autor abordou a violência desde uma perspectiva histórica. A concepção histórica e dialética de violência do autor é analisada por meio da apresentação de três dimensões de seus estudos: (a) as definições teóricas de violência e suas manifestações particulares; (b) os efeitos psicossociais da violência; (c) e a relação entre guerra e violência. Apoio: CNPq.
Palavras-chave: Violência, Psicologia da Libertação, Martín-Baró, Violência Estrutural, Guerra.
ABSTRACT
Violence is an important issue studied by Brazilian and Latin American Political Psychology. However, little was written about the psychosocial studies of violence developed by Ignacio Martín-Baró, a pioneer of Critical Political Psychology developed since the last quarter of 20th century. This paper aims to highlight the important contributions of Martín-Baró through a general overview of his multiple studies about violence. Living in a context of civil war, Martín-Baró developed a historical and psychosocial approach on violence. This paper will present the critical approach developed by Martín-Baró exploring three dimensions: (a) the theoretical definitions of violence and its particular manifestations; (b) the psychosocial effects of violence; (c) the relationship between war and violence. Support: National Council of Research (Brazil).
Keywords: Violence, Liberation Psychology, Martín-Baró, Structural Violence, War.
RESUMEN
La violencia es un fenómeno importante estudiado por la Psicología Política brasileña y latinoamericana. Sin embargo, poco se ha escrito en los estudios psicosociales sobre la violencia de Ignacio Martin-Baró, pionero de la Psicología Política desarrollada en Latinoamerica desde el último cuarto del siglo veinte. En este trabajo hay una presentación general de las importantes contribuciones de Martín-Baró y un panorama general de sus múltiples estudios sobre la violencia. Viviendo en un contexto de guerra civil, Martín-Baró desarrolló una perspectiva histórica y psicosocial sobre la violencia. El enfoque crítico de Martín-Baró es presentado por medio de la descripción de tres dimensiones de sus investigaciones: (a) la definición teórica de la violencia y de sus manifestaciones particulares; (b) los efectos psicosociales de la violencia; (c) la relación entre guerra y violencia. Apoyo: Consejo Nacional de Investigación.
Palabras clave: Violencia, Psicología de la Liberación, Martín-Baró, Violencia Estructural, Guerra.
RÉSUMÉ
La violence est une question importante étudiée par la psychologie politique brésilien et latino-américain. Cependant, peu a été écrit sur les études psychosociales de la violence développées par Ignacio Martín-Baró, un pionnier de la psychologie politique critique développée ces vingt-cinq dernières années du 20ème siècle. Ce article vise à souligner les importantes contributions de Martín-Baró travers un aperçu général de ses multiples études sur la violence. Vivant dans un contexte de guerre civile, Martín-Baró a développé une approche historique et psychosocial sur la violence. Ce présente document l'approche critique développé par Martín-Baró et explore trois dimensions: (a) les définitions théoriques de la violence et de ses manifestations particulières ; (b) les effets psychosociaux de la violence ; (c) la relation entre la guerre et la violence. Support : CNPq.
Mots clés: La violence, Psychologie de la Libération, Martín-Baró, Violence Structurelle, Guerre.
Introdução
A violência é um processo social que pode ser identificado em nossa vida cotidiana das mais distintas maneiras: desde o investimento mundial de US$ 1,776 trilhões no complexo industrial militar em 2014 (Perlo-Freeman, Fleurant, Wezeman & Wezeman, 2015) até as 52.198 pessoas mortas por homicídio no Brasil em 2011 (Waiselfisz, 2014), passando pelo incômodo provocado à ordem social pela ação dos ditos "vândalos" nas jornadas de junho de 2013.
A manifestação da violência na vida cotidiana é explícita, multifacetada e, muitas vezes, é naturalizada como uma resposta normal das pessoas aos seus problemas. Ainda que a violência não necessariamente produza apenas desumanização, em geral ela é parte de processos que empobrecem a vida e a qualidade das relações humanas. A violência física, psicológica, simbólica ou a violência estatal e a violência revolucionária são diferentes manifestações de processos de grande relevância para a Psicologia.
As distintas manifestações da violência são objeto de preocupação da Psicologia Política. Pode-se citar, por exemplo, que o trauma político provocado pela violência estatal foi um dos temas mais estudados pelos pioneiros da Psicologia Política na América Latina (Martín-Baró, 1988/2013). Da mesma forma, a Psicologia Política brasileira já realizou diversos estudos sobre violência (ver, por exemplo: Angelim & Diniz, 2009; Caproni Neto, Saraiva & Bicalho, 2013; Souza, 2005).
Contudo, há poucos estudos realizados no Brasil que focam ou utilizam, especificamente, as contribuições de Ignácio Martín-Baró sobre a violência. Em pesquisa realizada no início de 2014 no portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), não foi encontrado qualquer artigo abordando especificamente o conceito de violência em Martín-Baró. Em português, há apenas um trabalho (Santiago, 2009) que estudou o conceito de violência em Martín-Baró, mas que realizou um levantamento bibliográfico significativamente restrito. Além disso, há alguns importantes trabalhos que utilizaram algumas das noções apresentadas por Martín-Baró em estudos psicossociais específicos (por exemplo: Batista & El-Moor, 1999; Leão, 2009; Oliveira & Martins, 2007), mas que não buscaram analisar especificamente o conceito de violência, isto é, são trabalhos que utilizam fragmentos de análises do autor para analisar processos específicos, sem efetivar um aprofundamento na análise teórica de Martín-Baró.
Assim, no Brasil, não há uma análise sistematizada e aprofundada sobre os diferentes trabalhos de Martin-Baró sobre violência, apesar de o autor ter sido um eminente psicólogo político na América Latina e publicado diversos estudos sobre a violência, há um aparente desconhecimento de suas contribuições sobre esse complexo processo1.
Desta forma, o presente artigo pretende contribuir para a divulgação da obra de Martín-Baró e, ao mesmo tempo, dar subsídios para análises psicossociais sobre a violência apresentando um conjunto de trabalhos de Martín-Baró sobre suas diferentes dimensões e consequências psicossociais. Para tanto, será apresentada a definição de violência elaborada por Martín-Baró, assim como suas análises sobre as diferentes dimensões constitutivas da violência, seus efeitos psicossociais e os problemas específicos criados em um contexto de generalização da violência promovida pela guerra. O artigo começa descrevendo elementos contextuais e teóricos que foram determinantes nas elaborações de Martín-Baró sobre a violência, especialmente o contexto de guerra civil em El Salvador. Na segunda parte apresenta-se a violência explorando três dimensões: (1) definição teórica da violência; (2) efeitos psicossociais; (3) problemáticas específicas da guerra em El Salvador. Por fim, na última parte, são oferecidas considerações finais sobre as contribuições de Martín-Baró enfatizando a importância de sua ênfase na historicidade dos atos violentos.
O estudo se desenvolveu a partir de leitura e análise dos textos escritos por Martín-Baró. Os trabalhos analisados foram escolhidos a partir da sistematização bibliográfica da obra de Martín-Baró realizada por de la Corte (2001) e com complementos encontrados em pesquisa própria dos autores. Foram encontrados vinte e sete textos que abordaram, diretamente ou não, a violência. A partir da primeira seleção, foram escolhidos dez textos utilizados na exposição aqui apresentada (Martín-Baró, 1964; 1968; 1975; 1984; 1985/2012; 1988/2000; 1988a; 1988b; 1988c; 1989/2003). Os critérios de seleção foram: (a) inclusão de textos que abordaram diretamente a violência como processo psicossocial; (b) exclusão de textos com repetição de análises; (c) priorização de textos publicados em anos diferentes, com a finalidade de verificar o desenvolvimento teórico do autor. Após a seleção de textos, realizouse leitura que buscou identificar as ideias fundamentais, a linha de argumentação e as conclusões expressas pelo autor em cada publicação. Por fim, após a leitura foi realizada uma sistematização das ideias do autor que se refletiu na divisão temática deste trabalho.
A Guerra Civil e a Psicologia da Libertação
Ignacio Martín-Baró (1986/2011) é conhecido por ser o proponente da Psicologia da Libertação. Diversos autores sublinham a relevância de sua obra por buscar, explicitamente, colocar a Psicologia a serviço da transformação social de estruturas opressoras e propor como ponto de partida o estudo da realidade latino-americana (de la Corte, 2001; Dobles, 2009; Lacerda Jr. & Guzzo, 2011). De acordo com os principais estudiosos da vida e da obra do autor (de la Corte, 2001; Blanco & de la Corte, 2003), a violência e a guerra constituem um dos eixos fundamentais que caracterizam a trajetória da obra de Martín-Baró. Por isso, é possível facilmente identificar um significativo número de artigos e textos sobre violência em sua obra.
A preocupação com a violência está estreitamente relacionada com o contexto de El Salvador, país em que, entre 1932 e 1972, ocorrera sete golpes de Estado encabeçados por agentes militares e oligarquias nacionais apoiadas pelos Estados Unidos. Este número mostra o predomínio da violência na vida política salvadorenha e a conjuntura social explosiva em um país que teve sua história marcada por intensa desigualdade social (de la Corte, 2001; Martín-Baró, 1988b; Montgomery, 1992).
Em um contexto social explosivo, um ponto de virada decisivo foi o ano de 1979, quando, após a instauração de uma junta governamental constituída por militares e civis, houve uma grande manifestação de organizações populares que terminou em confrontos e massacres. Desde então, o cenário político dividiu-se, cada vez mais, entre a violência insurgente, protagonizada pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e apoiada pela Frente Democrática Revolucionária (FDR) e a violência estatal protagonizada pelo governo salvadorenho apoiado pelos EUA e por organizações paramilitares, os chamados "esquadrões da morte". Durante o período de guerra, mais de 750.000 pessoas foram removidas de El Salvador e aproximadamente 1 milhão de pessoas se refugiaram nos Estados Unidos. Estimase ainda que 75 mil pessoas foram mortas diretamente pela guerra, a maioria composta por civis (Domínguez Avila, 2013; Call, 2002).
A Universidad Centroamericana José Simeón Cañas (UCA) teve um papel importante. Membros da universidade publicavam artigos críticos à guerra, denúncias de crimes e violações aos direitos humanos e análises psicossociais sobre problemas de El Salvador. Tal envolvimento resultou em diversos atentados executados pelo exército salvadorenho contra a estrutura física da universidade, além do assassinato de seis jesuítas e duas funcionárias no interior da própria UCA, dentre as pessoas assassinadas estava Martín-Baró (de la Corte, 2001; Sobrino, 1990; Whitfield, 1998).
O episódio ficou conhecido como o massacre que marcou a intensificação das pressões por uma saída pacífica e negociada do conflito2. Os responsáveis pelo assassinato dos jesuítas e das duas trabalhadoras pertenciam a um batalhão de elite do exército de El Salvador, o Batallón Atlácatl - treinado nos EUA, especialmente comprometido com o assassinato de civis e responsável pelo massacre de Mozote, o maior massacre de civis da guerra em El Salvador, que assassinou mais de 900 pessoas. Além de figuras diretamente envolvidas na execução do assassinto, como o coronel Guillermo Alfredo Benavides e o sargento Ramiro Ávalos, o assassinato foi orquestrado por assessores estadounidenses e líderes do partido que presidia o país na época, a Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), especificamente um militar envolvido diretamente na articulação de diversos esquadrões da morte em El Salvador e que presidiu a Assembleia Legislativa do país entre 1982 e 1985, Roberto d'Aubuisson (Chomsky, 1990; de la Corte, 2003; Montgomery, 1992; Jiménez-Domínguez, 2011).
Neste contexto, Martín-Baró desenvolveu diversos estudos analisando a sociedade em que estava inserido e problematizando o papel da Psicologia em uma sociedade profundamente desigual. Após o agravamento da guerra civil, a violência se tornou um tópico cada vez mais presente em sua obra. Seu interesse abarcou tanto a especificidade da guerra salvadorenha e seus efeitos psicossociais, quanto a compreensão do fenômeno da violência em geral. Sendo seus estudos marcados por uma compreensão específica sobre o papel da Psicologia.
Para Martín-Baró (1986/2011) as teorias psicológicas hegemônicas na América Latina possuíam diversos problemas: (1) a apropriação de teorias importadas sem uma análise crítica de sua adequação teórica para o contexto latino-americano; (2) adoção de uma epistemologia construída a partir da perspectiva do dominador; (3) foco em falsos dilemas e polêmicas que não respondem às questões da realidade latino-americana (Martín-Baró, 1986/2011).
Estes problemas fazem com que as teorias hegemônicas na Psicologia latino-americana sejam incapazes de contribuir para uma melhoria das condições de vida das maiorias populares. Com o fim de desenvolver uma Psicologia voltada à superação dos problemas dos setores populares, o autor propõe a Psicologia da Libertação: uma Psicologia que parte da realidade latino-americana, que define suas questões a partir dos problemas populares e, por fim, que busca orientar sua práxis para a transformação da realidade social (Martín-Baró, 1986/2011).
Violência
Após a leitura e análise dos textos selecionados, foi elaborada uma síntese que destaca três dimensões das análises de Martín-Baró. A primeira dimensão apresentada é a definição teórica, que demonstra como o autor operou com o conceito em diferentes momentos de sua obra e a centralidade da historicidade. A segunda dimensão sintetiza os efeitos psicossociais produzidos pela violência que foram identificados pelo autor. Por fim, a terceira dimensão apresenta os aspectos da violência que se manifestaram na guerra salvadorenha.
Violência: Definição teórica
Nos estudos teóricos de Martín-Baró sobre violência é importante destacar três momentos de sua elaboração: (a) o estudo do tema da violência nos anos de formação intelectual do autor; (b) as primeiras análises da violência a partir da Psicologia; (c) a elaboração de uma concepção histórica sobre a violência.
Durante o início da formação intelectual de Martín-Baró, há dois textos que abordam a violência. O primeiro é um trabalho preparado durante o curso de Licenciatura em Filosofia e Letras escrito em 1964 na Colômbia, no qual é apresentado um resumo do conceito de violência nos trabalhos de Aristóteles, sem nenhuma análise relevante. Trata-se de um trabalho exclusivamente descritivo produzido para uma disciplina, sem maior importância para sua trajetória posterior. Assim, a leitura apenas oferece uma descrição em que a violência é definida como toda causalidade externa que leva o ser humano a agir de uma dada maneira. Todo ato que é caracterizado por uma causa exterior, isto é, que converte o indivíduo em um instrumento para um agente externo, é, de acordo com a definição aristotélica apresentada por Martín-Baró (1964), um ato marcado pela violência.
O segundo texto, mais importante por demonstrar a influência determinante da Teologia da Libertação sobre a trajetória de Martín-Baró, foi escrito durante a sua estadia em Eegenhoven na Bélgica para obter o grau de Bacharel em Teologia (Martín-Baró, 1968/2015). Neste trabalho, fica clara a primeira mudança teórica significativa na trajetória de Martín-Baró: o autor abandona preocupações escolásticas e existencialistas que foram predominantes durante seus estudos na Pontificia Universidad Javeriana na Colômbia e apresenta críticas diretas à situação de desigualdade social na realidade latino-americana.
Esse primeiro trabalho importante sobre a violência está relacionado com a busca de Martín-Baró por uma Teologia da Revolução. Citando diversos autores da Teologia da Libertação, Martín-Baró (1968/2015) questiona o papel do cristão em realidades de injustiça estrutural e apresenta as posições de diferentes figuras do cristianismo - desde o papa João Paulo II até Martin Luther King, passando por Dom Helder Câmara e Camilo Torres - sobre a violência. Ao fim de sua reflexão, argumenta que a participação na construção de revoluções sociais contra a miséria é uma tarefa cristã urgente e admite, como última alternativa e provisória, o uso da violência revolucionária contra a violência produzida por estruturas sociais injustas.
A injustiça institucionalizada e a desordem legalizada - na qual somente uma ínfima minoria pode ser verdadeiramente humana, enquanto grandes massas de seres humanos se debatem na mais infame miséria - não admitem dúvidas ou demora. Em nossa sociedade, existe uma violência permanente, amparada por uma legislação injustificável. Assim, a revolução é uma exigência insubstituível e, talvez, a primeira coisa exigida para esta revolução é uma tomada de consciência por todos (pobres e ricos) de sua absoluta necessidade. (Martín-Baró, 1968:49-50)
Ainda que não apresente uma análise propriamente psicossocial da violência, os primeiros textos destacam dois elementos que se manifestam em outros momentos da obra do autor. Primeiro, a definição de violência como o uso de força. Segundo, a diferenciação entre, de um lado, uma violência primeira, estrutural, produzida pela existência de uma estrutura social produtora de miséria na abundância e, de outro, uma violência derivada, que é a resposta dada por aqueles imersos em condições de exploração e opressão.
Não se pode condenar a priori a violência (compreendida como pressão ou força que pode ser, até mesmo, física), pois a violência já reside na sociedade estabelecida. [...]. A violência pode estar justificada a partir do momento em que há um estado de injustiça e, portanto, há uma colisão do valor justiça com o valor amor ao próximo. (Martín-Baró, 1968:51)
Um segundo momento importante nos estudos do autor é a elaboração de sua primeira análise propriamente psicossocial sobre a violência. Trata-se de uma análise polêmica que, apesar de conter diversos elementos que perduram na obra do autor, utiliza, contraditoriamente, pressupostos opostos àqueles que guiaram análises subsequentes. No texto "O valor psicológico da repressão política mediante a violência", Martín-Baró (1975) apresenta uma concepção de violência que iguala os efeitos da violência coletiva aos efeitos da violência individual, enquanto nos textos posteriores diferencia-se as dimensões individual e coletiva da violência e demonstra-se que a violência se transforma de acordo com interesses de determinados grupos e classes sociais3.
A proposta do texto de 1975 é a de analisar em que contextos a violência repressiva do Estado pode ser considerada legítima. Assim, Martín-Baró (1975) admite a possibilidade da violência estatal repressiva funcionar como algo potencialmente benéfico para a maioria da população, desde que utilize contribuições técnicas da ciência.
A conveniência ou inconveniência política de uma determinada medida depende de sua racionalidade frente aos objetivos históricos de uma sociedade concreta. Esta racionalidade é destacada pelas diversas ciências sociais (economia, sociologia, psicologia, etc.) que devem iluminar com seus conhecimentos qual é o caminho das opções políticas. (Martín-Baró, 1975:743)
Nesta concepção, a ciência, por si só, se converte em instrumento que deve orientar a ação política. Para o autor, um Estado pode ser mais democrático se partir das contribuições da Psicologia: "se é buscado um governo do povo, então deve-se escutar o que a Psicologia tem a dizer" (Martín-Baró, 1975:751). Assim, se a ciência é um instrumento orientador da ação estatal, ela pode ser o árbitro definitivo sobre quando a violência repressiva do Estado é racional ou não. A repressão é definida como:
[...] aplicação de um castigo físico com a finalidade de modificar o comportamento do indivíduo. Nesta perspectiva psicológica, à violência repressiva podem ser atribuídas as mesmas propriedades e, portanto, as mesmas vantagens e desvantagens que são atribuídas ao emprego da punição nos processos de aprendizagem. (Martín-Baró, 1975:747)
Ao igualar a repressão à punição na aprendizagem, Martín-Baró (1975) iguala um processo social a um processo psicológico individual, o que além de esvaziar a natureza política da repressão, reduz a sociedade à mera soma de indivíduos - concepção que será duramente criticada pelo próprio autor em textos futuros (ver, por exemplo, Martín-Baró, 1985/2012).
Ainda neste trabalho, Martín-Baró (1975) argumenta que a violência estatal deve ser usada com uma finalidade meramente instrumental, isto é, deve servir para alcançar determinado fim. A legitimidade depende, também, de uma análise ética em que se considera quem se beneficia pelo seu uso, a relação custo-benefício, e, por fim, as consequências sociais, econômicas e políticas. Assim, sua eficácia pode ser avaliada pela conquista de uma finalidade. Quando os custos são maiores que os benefícios, o uso da violência repressiva é ineficaz e, portanto, irracional e ilegítimo. Além destes critérios, a violência repressiva deve tornar possível a aprendizagem de comportamentos alternativos, impedindo que se aprendam comportamentos socialmente nocivos.
Essa análise cientificista da violência é superada ao longo da década de 1980, quando Martín-Baró, gradativamente, supera elaborações presentes no texto de 1975. Os trabalhos publicados ao longo da década de 1980, caracterizam o terceiro e mais importante momento dos estudos de Martín-Baró sobre a violência: o momento de elaboração de uma concepção propriamente psicossocial de violência. Esta nova fase se manifesta, especialmente, por meio da elaboração de uma concepção histórica de violência, assim como pela crítica, cada vez mais clara, aos modelos dominantes sobre a violência, especialmente as concepções inatistas e aquelas que tentam abordar a violência desde uma perspectiva neutra e asséptica (Martín-Baró, 1985/2012).
Ainda que mantenha algumas ideias presentes no texto de 1975 há um tratamento muito diferente deste fenômeno nos textos produzidos após o início da guerra civil. Esta virada no pensamento do autor parece não estar associada apenas ao contexto de guerra civil, mas também é produto da apropriação do marxismo no estudo da relação entre indivíduo e sociedade na sociedade de classes. Assim, é a partir da crítica ao individualismo, da ênfase na necessidade de uma perspectiva histórica em toda abordagem dos processos psicossociais e da defesa de uma concepção dialética e crítica de sociedade (tal como se manifesta no primeiro manual de Psicologia Social do autor), que Martín-Baró (1985/2012) elabora concepções mais complexas sobre a violência.
A violência passa a ser definida enquanto um processo histórico, pois o ato violento é efetivado pelo ser humano, cuja natureza é histórica e, portanto, aberta a diversas e contraditórias possibilidades. Cada pessoa expressa os marcos e as possibilidades de uma sociedade concreta A sua atividade é parte e expressão de forças sociais que facilitam ou não a expressão e a configuração da violência. Assim, a violência é um produto das relações sociais de uma dada sociedade que expressa e canaliza forças e interesses sociais concretos em um marco estrutural que é determinado por conflitos de classes (Martín-Baró, 1985/2012).
Nesta perspectiva, a violência é definida como o uso de força - física ou não - excessiva contra algo ou alguém. Trata-se de um fenômeno diferente da agressão. Esta é "uma forma de violência: aquela que aplica a força contra alguém de maneira intencional, isto é, aquela ação pela qual se pretende causar dano em outra pessoa" (Martín-Baró, 1985/2012:365-366). Portanto, para uma ação ser violenta não é necessário existir intencionalidade e, por isso, é possível falar, por exemplo, de uma estrutura social que é violenta, isto é, que cria condições sociais que forçam as pessoas a agirem de uma dada maneira (ver, também, Martín-Baró, 1988a).
A violência é caracterizada pela multiplicidade de formas e manifestações. De diversas possibilidades, Martín-Baró (1985/2012; 1988a; 1988b) destaca formas de violência que interferem e produzem outras formas de violência. Em primeiro lugar, há uma ênfase especial na violência estrutural, isto é, a causa primeira de qualquer outra modalidade de violência nas sociedades capitalistas. Segundo o autor, a cisão da sociedade em grupos com interesses objetivos irreconciliáveis cria uma situação constante de luta que só pode resultar na manutenção de uma ordem social sustentada pelo recurso permanente à violência. A violência estrutural é, precisamente, a configuração de uma ordem social em que uma minoria comanda uma maioria por meio de um estado de violência dominadora.
A violência estrutural não se reduz à distribuição inadequada dos recursos disponíveis que impede a satisfação das necessidades básicas da maioria; além disso, a violência estrutural exige o ordenamento da desigualdade opressiva por meio de uma legislação que ampara os mecanismos de distribuição social da riqueza e que produz uma força coercitiva que obriga a maioria respeitar tais mecanismos. [...]. Posto que a ordem social é produto e reflexo do domínio de uma classe social sobre as outras, a conclusão mais importante é também a mais óbvia: a violência está presente na própria ordem social e, portanto, não é arbitrário falar de violência estrutural. (Martín-Baró, 1985/2012:406)
Assim, primeiro, há uma sociedade "violentamente destroçada, na qual os direitos humanos mais fundamentais das maiorias são estrutural e sistematicamente negados" (Martín-Baró, 1988b:127). O uso excessivo de força que coage as pessoas a atuarem contra sua vontade é parte do funcionamento normal das estruturas sociais. Por estar presente na própria estrutura da sociedade, a violência é parte constitutiva das instituições sociais, originando, assim, todas as outras formas de violência, inclusive a do oprimido, que tem sempre suas raízes nas condições estruturais de injustiça e desigualdade (Martín-Baró, 1985/2012).
Tal concepção de violência difere da anterior. Aqui o autor adota mais claramente uma perspectiva de classe. A violência ganha contornos particulares em uma sociedade específica. Na sociedade capitalista, sociedade em que a desumanização é estruturalmente produzida, a superação da violência demanda a supressão das estruturas injustas. Esta concepção revolucionária é uma das grandes contribuições de Martín-Baró para a compreensão da violência, pois vai além das concepções psicologistas de violência que explicam o ato violento a partir do interior do indivíduo ou que naturalizam processos violentos e, assim, justificam as estruturas da sociedade capitalista.
A cotidianidade da violência na sociedade capitalista produz um:
[...] tipo de violência contra a população majoritária que está incorporada na ordem social, que é mantida pelas instituições sociais e que é justificada e ainda legalizada na ordem normativa do regime imperante. A exploração de trabalhadores, a repressão de seus esforços organizativos, o impedimento à satisfação de suas necessidades básicas, tudo isso é parte do funcionamento normal das estruturas sociais. Trata-se de uma situação em que a violência contra as pessoas está incorporada à natureza da ordem social, uma 'desordem organizada (Martín-Baró, 1985/2012:375).
A violência institucional é aquela que se expressa em estruturas hierárquicas que legitimam e reproduzem a injustiça estrutural. Parte marcante deste processo é a violência repressiva, isto é, aquela efetivada pelo Estado diante de potenciais inimigos que buscam transformar a estrutura social produtora de injustiças e desigualdades sociais (Martín-Baró, 1988a). Nota-se que, diferentemente do trabalho de 1975, as ideias de Martín-Baró passam a enfatizar como todas as instituições sociais são marcadas por interesses da classe dominante.
A institucionalidade da violência também se relaciona com outro aspecto dos atos violentos: o seu funcionamento em espiral. Quando iniciada, a violência desencadeia um processo que, uma vez posto em marcha, tende a crescer e a se autonomizar de suas raízes históricas (Martín-Baró, 1985/2012). Para romper com este ciclo é necessário romper com a própria estrutura que cria a violência:
Em última análise, em uma sociedade afetada por um conflito de opressão e injustiça estrutural tão grave como o de nossos países, a solução aos principais problemas da violência passa necessariamente pela transformação dessas estruturas, ainda que não se resolva apenas com ela. (Martín-Baró, 1988a:31)
Nota-se, portanto, que Martín-Baró aborda a violência de acordo com os processos sociais em curso e as circunstâncias históricas específicas. Nesta análise o autor caracteriza distintos tipos de violência. Mas, ainda que não seja possível falar de um só tipo de violência, é possível identificar alguns aspectos comuns, especialmente quatro fatores constitutivos: a estrutura formal, o aspecto pessoal, o contexto possibilitador e o fundo ideológico (1985/2012).
A estrutura formal possibilita identificar se a violência é utilizada de modo instrumental ou como um fim em si mesmo e, assim, revelar se um ato violento é agressivo ou não (Martín-Baró, 1985/2012). Se a violência é escolhida como instrumento, é porque ela é eficaz. Sua escolha se dá por motivos distintos: em alguns casos ocorre por falta de alternativas comportamentais, em outros por pressão grupal ou por razões ideológicas que servem à interesses sociais.
O aspecto pessoal é a característica singular do agressor que se reflete na ação violenta. Contudo, Martín-Baró destaca que é possível eliminar elementos pessoais por meio de mecanismos que possibilitam a despersonalização do ato violento. Por exemplo, pode-se, tal como procedem as instituições militares, criar redes hierárquicas que convertem a violência em uma questão mais administrativa do que individual, facilitando atos profundamente destrutivos, como a tortura. Quando há um desmembramento da execução do ato violento, cada sujeito efetiva uma porção da totalidade do ato, fazendo com que a responsabilidade pessoal se limite à precisão técnica. A violência só é enxergada pelo encadeamento de diferentes atos específicos cuja relação não é imediatamente visível, fazendo com o executor do ato violento não se sinta agente do ato. Por exemplo, uma instituição específica, como o exército ou a polícia, pode produzir um conjunto de prescrições e normas sociais para o desempenho de certos papéis de forma a anular ou amenizar as características individuais do ato violento. Assim, o soldado pode executar comportamentos violentos sem se sentir ou se enxergar diretamente responsável pela produção do ato violento e suas consequências psicossociais (Martín-Baró, 1985/2012; 1988a).
O contexto possibilitador é constituído tanto pelo ambiente imediato, quanto pelas mediações históricas de uma dada situação social que pode propiciar ou não, facilitar ou não, o desencadeamento e a execução da violência. Em síntese, trata-se do contexto social, o que inclui, também, valores e normas (formais ou informais) que aceitam ou não a violência. A sociedade capitalista pode ser compreendida como um contexto possibilitador da violência: sendo estruturalmente injusta e inerentemente violenta, os valores que ela reforça estão diretamente relacionados com a violência (Martín-Baró, 1985/2012).
Por fim, há o fundo ideológico do ato violento: valores, processos de racionalização e interesses sociais constitutivos do ato violento em uma realidade social configurada por conflitos de classes. Isto significa que certas ações violentas podem ser justificadas de tal forma que podem ser vistas como aceitáveis ou legítimas. "A violência, inclusive aquela violência que é considerada gratuita, remete a uma realidade social configurada por interesses de classe, de onde surgem valores e racionalizações que determinam sua justificação" (Martín-Baró, 1985/2012:375).
Exemplos ilustrativos sobre a relação entre violência e a ideologia são a aceitação dos crimes em defesa da honra (assassinato de mulheres acusadas de adultério) ou a agressividade exigida das pessoas no mercado de trabalho (Martín-Baró, 1985/2012). Da mesma forma, um outro exemplo ilustrativo, é a criação da imagem do inimigo. Psicologicamente, o inimigo cumpre a função de racionalizar e justificar ações que, em outras circunstâncias e contra outras pessoas, não seriam aceitas. Por ser concebido como fonte de frustrações, o inimigo se torna foco de agressividade e desvia a atenção em relação a outros problemas. Sociologicamente, o inimigo é usado para fortalecer e justificar políticas repressivas, promover solidariedade e coesão interna do grupo e, por fim, orientar a conduta e as crenças de um grupo para certo rumo. Politicamente, o inimigo ajuda a configurar as imagens ideais do que uma sociedade deve fazer e ser, criando uma diferenciação daqueles que estão dentro desse padrão e dos que não estão, contribuindo para separar o "nós" dos "outros". Esta ideologização precede e desencadeia diversos atos violentos e serve para elucidar que a violência não é justificável por si mesma e sempre serve a determinados interesses (Martín-Baró, 1988a)4.
Em síntese, a sociedade capitalista é marcada pela violência institucionalizada, que por sua vez origina outros tipos de violência. As ações necessárias para sua perpetuação não são consideradas violentas ou são vistas como necessárias enquanto aquelas que confrontam essa sociedade são deslegitimadas. A violência é usada predominantemente enquanto um instrumento, respondendo, sobretudo, a interesses de classes em conflito. Por isso, a violência deve ser analisada pelo seu produto, não pela intencionalidade ou pela estrutura interna e formal do ato. Por isso, nem toda violência desumaniza. A violência do oprimido que pode resultar na superação da violência institucional é legítima, pois serve para romper com uma situação de violência primeira e desumanizadora. Nas palavras do autor: "desumaniza a violência matriz que instaura uma situação de opressão, não aquela violência que, ao romper os vínculos de escravidão, liberta opressor e oprimido, cada qual está preso a um extremo da opressão" (Martín-Baró, 1985/2012:378).
A situação desumanizadora de violência estrutural e institucional cria nos oprimidos um ressentimento frente à injustiça e desigualdade. Assim, a violência do oprimido nunca é originária, é sempre derivada. Esse ressentimento pode criar um movimento que resulta em tomada de consciência sobre o próprio sentimento e de um juízo crítico de determinada situação histórica que, ao ser enfrentada violentamente pelo oprimido, cria processos de emancipação. Assim, embora quase sempre a violência produza situações desumanizadoras, ela pode também ser um ato positivo de criação e ser parte constitutiva do próprio processo de emancipação. Nestas situações, o uso da violência pode produzir um processo humanizador (Martín-Baró, 1981; 1985/2012).
Nota-se que o autor parte da tese de que, como todo processo social, a forma, o conteúdo e as consequências da violência dependem das condições sociais em que se efetivam e do produto da prática social dos sujeitos. Assim, nem todo ato violento de rebeldia é necessariamente humanizador. O tipo específico de violência que humaniza é a violência revolucionária do oprimido que busca criar um novo mundo para além da dialética oprimidoopressor. "A violência instauradora de opressão produz escravidão e desumanização, reificando pessoas como instrumentos de outras; a violência libertadora do oprimido busca romper a relação desumanizadora e, por isso, busca a humanização não só dele, mas também do opressor" (Martín-Baró, 1985/2012:378)5.
Não há nesta perspectiva nenhum reducionismo no estudo da violência, o que demonstra a importância das ideias do autor. Não há atos violentos que, por si só, podem ser reprováveis ou não. Há uma dimensão histórica ineliminável da violência, que a transforma em processo atravessado por interesses sociais e, consequentemente, produzir desumanização ou humanização.
Efeitos Psicossociais
A violência é um fenômeno social e individual. Assim, ainda que diversos indivíduos vivenciem a mesma situação violenta, as respostas e consequências psíquicas não são idênticas, pois dependem de processos subjetivos e objetivos. Daí a necessidade de uma análise psicossocial dos efeitos da violência (Martín-Baró, 1984).
Em primeiro lugar, os efeitos psicossociais da violência foram analisados de acordo com a posição ocupada pelos agentes envolvidos. Há, segundo o autor, três possibilidades: o executor, o objeto da violência e o expectador. Aquele que executa o ato violento pode sentir um mal-estar, mas isto pode ser evitado por mecanismos como a adoção de crenças que naturalizam o processo violento ou que criam uma distância entre quem violenta e quem é violentado. O mecanismo mais comum é a elaboração de conhecimentos (como a criação da imagem de "inimigo") que reduzem o mal-estar psíquico produzido pela situação de violência. Além disso, por conta do convívio com a violência, é possível que o executor naturalize a sua existência e desumanize a vítima, possibilitando maior afastamento em relação àquele que sofre com o ato violento. Tal afastamento, por sua vez, facilita a justificação da violência. O convívio prolongado com a violência pode, ainda, converter a sua execução em um hábito e em uma resposta privilegiada para a resolução de conflitos interpessoais e sociais na vida cotidiana do executor (Martín-Baró, 1975; 1984).
Na pessoa que é objeto do ato violento, a vítima, pode-se criar passividade ou incitação à violência. A frustração gera agressão e quando o reprimido sofre com a violência, principalmente a violência repressiva, há uma incitação à agressão, pois o reprimido pode internalizar a violência como padrão de relação social (Martín-Baró, 1975).
O expectador pode reagir de diferentes maneiras. Quando ele se identifica com a vítima ele pode se sentir frustrado por ver suas aspirações frustradas em outrem, o que aumenta a agressividade ou resulta em intimidação provocada pela consciência da repressão. No caso de ausência de identificação com a vítima, o expectador tende a desvaloriza-la e a se distanciar, podendo, até mesmo, sentir bem-estar. O expectador também pode aprender a valorizar a violência, passando a vê-la como útil para a resolução dos problemas. Em casos de violência repressiva, os expectadores são os agentes mais visados pelos opressores, isto é, comete-se a violência para servir de exemplo para os expectadores (Martín-Baró, 1975).
A diferenciação dos efeitos nos agentes da violência é importante por mostrar como a violência produz diferentes efeitos a partir das diferentes posições ocupadas pelos sujeitos. Além disso, apresenta problemáticas subjetivas envolvidas na violência. Desta forma, o autor demonstra sua preocupação em não produzir reducionismos objetivistas que anulam o sujeito ou reducionismos subjetivistas que convertem uma totalidade complexa em questão de interioridade psíquica.
Além da análise dos agentes envolvidos, Martín-Baró (1984) indica três coordenadas para analisar os efeitos psicossociais da violência: a classe social, o envolvimento no conflito violento e a temporalidade.
Discutindo a classe social, Martín-Baró (1984) destaca que os setores mais pobres são os mais afetados direta e indiretamente pela violência, especialmente em uma situação de guerra, já que são os que sofrem mais intensamente com problemas como assassinatos, separação dos parentes, impactos de conflitos militares, entre outros.
Acima de tudo, a classe social. A guerra não afeta, direta ou indiretamente, da mesma maneira os diversos setores que compõem nossa sociedade. Aqueles que, dia após dia, morrem nas frentes de batalha pertencem, em sua maioria, aos setores mais humildes de nossa sociedade, principal fonte do discriminatório recrutamento militar. São também os setores mais pobres, sobretudo os camponeses, os que mais sofrem o impacto direto do conflito bélico, o qual destrói suas habitações e arrasa seus plantios. Também são os camponeses os mais afetados pelos mecanismos de repressão, pela ação dos "esquadrões da morte" ou dos operativos militares de todos os tipos. E, novamente, são os setores inferiores os que são mais brutalmente golpeados pelo aumento no custo de vida, pelo crescente desemprego e pela piora no saneamento básico, deficiências que se somam a uma situação socioeconômica que já é muito crítica. (Martín-Baró, 1984:509)
Os setores abastados da sociedade também sofrem com a violência, ainda que em menor intensidade. Diante de conflitos violentos, as elites sociais podem sentir angústia e agir de forma a negar a realidade, respondendo com outras ações violentas ou com a construção de espaços artificiais que assegurem segurança e diversão6.
A segunda coordenada é o envolvimento no conflito. Os efeitos produzidos em quem foi diretamente afetado pelos confrontos violentos e quem não viveu ou pouco viveu os confrontos sociais são bem diferentes. Alguns dos efeitos entre aqueles que vivenciam a violência cotidianamente são: estresse pós-traumático; dificuldade de readaptação à vida cotidiana e medo. Já entre os que pouco viveram ou não viveram há uma intensificação da angústia, isto é, um sentimento negativo frente a algo desconhecido (Martín-Baró, 1984).
Por fim, há a temporalidade. A exposição à violência gera efeitos imediatos e efeitos que podem se manifestar em médio e longo prazo. Quanto mais a convivência com a violência se estende maior é a incidência de efeitos mediatos. A longo prazo pode ocorrer adaptação à situação de violência, naturalizando-a. Assim, emerge "uma anormal normalidade, misturada com vínculos alienadores e despersonalizantes" (Martín-Baró, 1984:510).
Embora haja as especificidades das vivências de cada um, em última instância os efeitos psíquicos da violência são generalizados. A exposição a uma situação violenta produz danos para a saúde mental de todos os envolvidos, principalmente em situações totalizadoras da violência, como a guerra. Para Martín-Baró (1984:504) a saúde mental é o "caráter básico das relações humanas que define as possibilidades de humanização disponíveis para os membros de cada sociedade e grupo". Uma situação desumanizadora de violência deteriora diretamente a saúde mental, deixando marcas negativas na saúde psíquica dos indivíduos e nas relações sociais destes.
Por fim, um importante efeito psicossocial da violência destacado por Martín-Baró é o trauma psicossocial, isto é, "a cristalização concreta nos indivíduos de uma relação social disforme e desumanizadora" (Martín-Baró, 1988/2000:236). A exposição prolongada à violência existente em El Salvador estava criando feridas psíquicas presentes em amplos grupos populacionais. Estando enraizado em condições sociais específicas, o trauma psicossocial só pode ser compreendido pela análise de mediações sociais, institucionais e grupais. Em outras palavras: o trauma psicossocial é uma expressão psíquica de relações alienantes. Como essas relações atingem as pessoas depende da circunstância específica. No entanto, é certo que situações desumanizadoras deixam marcas psíquicas negativas (Martín-Baró, 1988b; 1988/2000).
O autor identifica alguns sintomas específicos do trauma psicossocial salvadorenho - diversas patologias psicossomáticas, perda da identidade e militarização da mente - que só podem ser compreendidos por meio de uma análise específica da guerra salvadorenha, especialmente os processos de polarização social, institucionalização da mentira e generalização da violência (Martín-Baró, 1988b). Com o exposto, pode-se avançar para a discussão sobre a complexa relação entre violência e guerra.
Falta neste conceito o desenvolvimento de como se daria e como se manifestaria essa cristalização e o que caracterizaria uma situação alienante, ao não explicitar isto, fica em aberto a compreensão de quando se teria um trauma psicossocial, a especificidade do trauma que nesta perspectiva aparece como apenas uma marca e não algo de grande expressão e intensidade e mesmo os efeitos sociais destes. De forma que acaba sendo um conceito que não elucida muito, contribuindo mais enquanto possibilidades a serem desenvolvidas do que pelo conceito em si.
Guerra
Nos últimos anos de vida, Martín-Baró se preocupou, cada vez mais, com as diferentes faces da guerra em El Salvador. No entanto, ainda que tenha estudado a violência produzida pela guerra no contexto da realidade salvadorenha, sua obra traz elementos que ultrapassam tal contexto e pode servir como orientação para análise de outras situações em que há emprego intenso e extenso de violência e em que esta se generaliza no cotidiano.
O primeiro aspecto a ser destacado sobre os estudos de Martín-Baró sobre a guerra está na sua abordagem à violência estatal. Se antes o autor avaliava a possibilidade do Estado ser uma instituição que poderia usar racionalmente a violência (Martín-Baró, 1975), após a experiência da guerra civil, Martín-Baró (1988a) denunciou o Estado como agente do terrorismo. O autor passa a denunciar a violência estatal como elemento crucial para a manutenção e proliferação da violência:
O terrorismo é o uso sistemático da violência para conquistar um objetivo por meio do terror e é uma das principais estratégias de governos ditatoriais que buscam se manter no poder. O caráter desse terrorismo praticado desde cima difere em quantidade e qualidade do terrorismo que vem de baixo, isto é que se origina da busca por justiça" (Martín-Baró, 1985/2012:422).
Os atos de terrorismo podem ser extraordinários ou cotidianos. Os casos extraordinários envolvem assassinatos massivos, ataques de bombas, entre outros. Quando se tornam ordinários, os atos terroristas despertam pouco interesse na mídia e na própria população. Este é o caso da calúnia aos opositores políticos, da repressão política, dos ataques aos que pensam diferente do governo (Martín-Baró, 1989/2004).
Os efeitos do terrorismo do Estado são verificados tanto no nível individual, quanto no social. No nível individual, os efeitos são diretamente visíveis naquelas pessoas que foram afetadas diretamente pela repressão. São pessoas que internalizaram o medo e que, de alguma maneira, passam a se conformar com o projeto sociopolítico do governo. Há, ainda, consequências patológicas como reações corporais psicossomáticas, reações impulsivas e desorganizadas da conduta, perda do sentido de realidade e hipersensibilidade ante ao perigo. Entre os efeitos sociais do terrorismo destaca-se a inibição da comunicação, o afastamento de processos de participação social, o isolamento social, o questionamento de valores e a desconfiança em todos os âmbitos das relações sociais. Nessas condições, o medo e a ansiedade passam a ter grande influência no psiquismo individual, principalmente nas crianças, que tendem a transferir a ameaça atual e o perigo a seus conflitos internos, de forma que a objetividade da guerra torna-se parte de sua ansiedade interna (Martín-Baró, 1989/2004).
Por meio do terrorismo, com ações extraordinárias e ordinárias, o Estado cria um ambiente de terror generalizado em que, além de submeter a população aos seus objetivos, interfere de modo prejudicial no desenvolvimento pessoal e social (Martín-Baró, 1989/2004). É plenamente possível identificar tais elementos fora de contextos de guerra. O Estado efetiva violência física, intimida, persegue e aprisiona arbitrariamente negros, pobres e/ou manifestantes, cria um clima generalizado de terror produzindo medo, ansiedade, passividade, dentre outros e em última instância amortece a luta. Pode-se pensar também em situações vividas por aqueles que, nas periferias do capital, sofrem com ameaças, agressões e mesmo assassinatos perpetrados pela polícia.
Além do terrorismo, a violência na guerra se expressa por meio de uma forte guerra psicológica que busca conquistar as pessoas. A novidade da guerra psicológica não é a redução nas taxas de assassinatos, repressão política ou de práticas terroristas pelo aparato Estatal, mas é a inclusão da população em geral como um dos alvos da ação estatal. Em outras palavras, a opinião pública passa a ser uma das frentes prioritárias de disputa. Assim, enquanto na guerra suja se busca uma repressão aterrorizante, a guerra psicológica busca a repressão manipuladora. Por isso, além da simples anulação física das pessoas, o Estado passa a combinar violência bélica com atos de assistência social, esperando isolar grupos ou setores populacionais de movimentos revolucionários. "A questão não é mais paralisar completamente a população civil, mas inibir sua rebeldia potencial ou, pelo menos, impedir o seu apoio efetivo ao inimigo" (Martín-Baró, 1988c:11-12).
A situação de guerra psicológica é melhor qualificada quando Martín-Baró (1982; 1984) descreve a polarização social e a institucionalização da mentira como dois elementos constitutivos da guerra, além da própria generalização da violência. Assim, além dos processos de militarização da mente (generalização dos esquemas de pensar e agir característicos da vida militar para toda a vida social) e de banalização da vida (naturalização da morte provocada intencionalmente) produzidos pelo prolongamento da guerra, o autor identifica dois processos psicossociais decorrentes da conversão da guerra em algo cotidiano.
A polarização social é o processo pelo qual se expressa a fissura crítica produzida nos marcos de convivência social, dividindo as pessoas entre "nós, os bons" e "eles, os maus". Esta oposição radical entre dois polos se estende à toda a sociedade, pois os setores polarizados exigem o posicionamento de todos e aquele que não assume um posicionamento corre o risco de ser visto como inimigo pelos distintos setores. Classificar o outro torna-se uma necessidade para orientar o próprio comportamento. Isto pode resultar na estruturação da mente em termos dicotômicos, o que se opõe a criatividade e converge para comportamentos violentos (Martín-Baró, 1982; 1988/2000).
Além disso, há, ainda segundo Martín-Baró (1982; 1984), a institucionalização da mentira, a qual passa a fazer parte de todo o tecido social. Discursos públicos com dados falsos, corrupção das instituições, acobertamento das próprias opiniões passam a ser elementos cotidianos criando uma situação de insegurança permanente, restando às pessoas recorrer ao mundo imaginário, "cuja única verdade é precisamente a de que se trata de um mundo falso e cujo único apoio é o temor da realidade, 'subversiva' demais para poder ser suportada" (Martín-Baró, 1984:507).
Partindo dos próprios pressupostos do autor, uma vez que a violência é estrutural e inerente as próprias instituições sociais tais fatores - polarização social, institucionalização da mentira e generalização da violência - fazem-se presentes no próprio cotidiano, ainda que intensificadas na guerra. A violência, uma vez presente deve ser justificada e legitimada, para isto a criação do inimigo, aquele que subverte a ordem em contraposição ao agente legítimo do Estado, que mantém a ordem; bandidos e policias, vândalos e manifestantes verdadeiros, policial bom e o policial mal, o partido bom e o partido mal, etc. As instituições sociais para se legitimarem devem ocultar seus interesses de classes, discursando sobre interesses comuns e o bem-estar social, portanto a mentira faz-se presente todos os dias nos discursos provindos destas, por fim, a violência já é generalizada em uma sociedade marcada pela divisão de classes e violência estrutural.
O empobrecimento das relações humanas produzido pela guerra também foi analisado a partir do processo de deterioração da saúde mental das crianças, sujeitos que sofrem mais intensamente as consequências da guerra. Ainda que exista uma tendência da criança a uma manifestação emocional muito grande, como choros e gritos, Martín-Baró, (1988a) destaca como a guerra pode causar instabilidade e insensibilidade emocional resultando na constituição de sujeitos que parecem frios, insensíveis e carentes de emoções na vida cotidiana. Dentre os transtornos mentais de crianças ocasionados pela guerra destacam-se: pesadelos noturnos, deterioração da capacidade de atenção, conduta regressiva, paradoxo emocional entre a aparente insensibilidade cotidiana e a eventual explosão emotiva, irritabilidade geral, sensibilidade ao ruído repentino e, principalmente, múltiplas somatizações. O prolongamento das experiências traumáticas faz com que as crianças se refugiem na fantasia, o que, em alguns casos, desemboca em transtornos esquizoides. Pode-se, ainda, desenvolver autismo nas crianças e problemas psicóticos nos jovens (Martín-Baró, 1988/2000).
Por fim, Martín-Baró destaca que, ainda que a guerra gere traumas e danos, nem todas suas consequências são negativas. Ao criar uma situação-limite, a guerra possibilita comportamentos que nem o próprio indivíduo tinha consciência de sua possibilidade. Pode refletir em uma nova consciência, mais realista e mais humanizadora. Também pode oferecer aos marginalizados pelo sistema uma possibilidade de "romper as amarras de sua alienação submissa, de seu fatalismo e sua dependência existencial, ainda que a libertação da servidão imposta e mantida pela violência tenha exigido o recurso à violência" (Martín-Baró, 1984:511).
Infelizmente, não aparece na obra do autor uma análise sobre a presença das condições e dos efeitos psicossociais da violência durante a guerra em situações em que não há guerra. Obviamente, isto resultou do contexto difícil em que o autor trabalhou. No entanto, pode-se pensar como os processos analisados pelo autor estão presentes, em maior ou menor grau, na vida cotidiana sociedade capitalista, na qual as relações humanas já são empobrecidas e mercadas por violência, injustiça e desigualdade. Assim, pode-se pensar, a partir das análises do autor, se a guerra é um ambiente cuja diferença é qualitativa ou quantitativa em relação ao cotidiano capitalista. Em outras palavras, o diferencial da guerra parece ser não o surgimento de novos processos, mas a intensificação de práticas bárbaras já existentes no cotidiano.
Considerações Finais
É possível, por meio da análise da obra de Martin-Baró, retirar diversas contribuições para uma teoria psicossocial da violência. Ainda que tenha estudado a violência durante muitos anos de sua vida, Martín-Baró não sistematizou em um único estudo as suas teses sobre o tema. Mesmo assim, nota-se que, ao longo dos anos, há um processo de desenvolvimento teórico de suas teses, especialmente a partir da década de 1980, quando é possível identificar o predomínio de certos fundamentos ontológicos: concepção dialética da relação entre indivíduo e sociedade, historicidade dos processos psicossociais e ênfase no papel determinante das classes sociais.
Estes fundamentos possibilitaram a apresentação de uma concepção histórica de violência e, com isso, possibilitou o autor criticar o papel terrorista do Estado, reconhecer o papel humanizador da violência revolucionária, diferenciar diferentes formas particulares de violência e estabelecer complexas relações entre ideologia e violência.
Trata-se de uma concepção que diverge de abordagens que destacam, unilateralmente, as consequências da violência e rejeitam a violência, a priori, como processo negativo.
Ao historicizar a violência e defender seu caráter estrutural no capitalismo, o autor se afasta de concepções que, mecanicamente, olham para o sujeito isoladamente buscando explicar as "profundas" raízes da violência no psiquismo ou na essência humana. É importante destacar que o autor não cai em um psicologismo ou em um sociologismo, analisando a complexa relação entre subjetividade e objetividade a partir de uma perspectiva dialética. A principal contribuição de Martín-Baró para o estudo da violência é a de revelar sua multideterminação: as características individuais interferem na execução e nas consequências do ato de violência, ao mesmo tempo em que tal ato é determinado por condições objetivas.
A concepção histórica e psicossocial de violência possibilitou a problematização de diversas questões: violência estrutural, violência institucionalizada, trauma psicossocial, militarização da mente e outros. Contudo, há duas limitações a serem destacadas: apesar dos conceitos serem muito relevantes, alguns não são desenvolvidos e carecem de uma síntese com as outras noções conformando um modelo global sobre a violência. Além disto, a ausência da relação da guerra com o cotidiano da sociedade capitalista marca também uma limitação do autor. Talvez essa limitação seja resultado da urgência de escrever em meio a um ambiente caótico como a guerra civil, mas o fato é que foram precariamente desenvolvidos.
Ainda que esta apresentação das análises de Martín-Baró sobre a violência seja curta e limitada, ela buscou demonstrar a relevância das investigações do pesquisador para compreender a violência desde uma perspectiva que não reproduz clássicas formulações mecanicistas sobre um processo psicossocial tão complexo. A partir de estudos sobre a realidade social de El Salvador e assumindo a perspectiva das maiorias populares com o fim de transformar a sociedade, Martín-Baró apresentou diversos elementos que elucidam a compreensão da violência: aspectos constituintes e formais, as diferenças da violência para os agentes envolvidos, efeitos psicossociais, etc. Assim, Martín-Baró é um autor que deve ser melhor estudado, principalmente por quem busca uma Psicologia que contribua para interpretar e transformar o mundo.
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Recebido em 14/04/2014.
Revisado em 21/06/2014.
Aceito em 30/06/2014.
1 Na América Latina e na Espanha, onde a obra de Martín-Baró é muito mais difundida, a situação é diferente. Além de trabalhos discutindo a violência e o trauma psicossocial na obra do autor (ver, por exemplo: Blanco & de la Corte, 2003; Dobles, 1993), há análises de fenômenos contemporâneos que se fundamentam basicamente na obra do autor (ver, por exemplo, Barrero, 2011).
2 É importante ressaltar que a partir da segunda metade da década de 1980, a própria FMLN começa a buscar uma saída negociada. No entanto, foi a intransigência do governo salvadorenho que impossibilitou acordos de paz antes de 1992. Além disso, o governo de El Salvador só começou a buscar efetivamente uma saída negociada após uma grande ofensiva da FMLN no ano de 1989 (Montgomery, 1992).
3 Para Martín-Baró (1985/2012), seguindo indicações marxianas, as classes sociais são definidas pela organização de um determinado modo de produção marcado pela separação entre proprietários dos meios de produção e aqueles que possuem apenas sua força de trabalho (Martín-Baró, 1985/2012). Já os grupos sociais são conformados por toda e qualquer estrutura de vínculos interpessoais que canaliza necessidades individuais e interesses coletivos. Desta forma, apenas um tipo de grupo pode ser diretamente concebido como sinônimo de classe social: o grupo estrutural (Martín-Baró, 1989/2008).
4 Segundo Martín-Baró (1985/2012), a legitimação da violência pelo poder dominante é fundamental para a manutenção da ordem. Quanto maior o dano contra a vítima, mais importante é a justificação da ação violenta. Para justificar o uso da violência, o poder dominante valoriza o agente que perpetra atos violentos e ataca o status social da vítima. Analisando os episódios recentes no Brasil de Junho de 2013, pode-se pensar na valorização da polícia militar como agente de segurança, enquanto os manifestantes eram desvalorizados por denominações diversas: "vândalos", "minoria de bardeneiros", etc.
5 Martín-Baró descreve as possibilidades de humanização pela violência revolucionária em diferentes textos. Primeiramente, em sua reflexão sobre o papel da violência em uma Teologia da Revolução (Martín-Baró, 1968) e, posteriormente, repetindo diversas teses de Frantz Fanon, em seu clássico capítulo sobre "Violência e agressão" (Martín-Baró, 1985/2012). Finalmente, em um livro inédito (Martín-Baró, 1981), o autor descreve a centralidade da violência revolucionária na construção de uma nova identidade (uma análise sobre este tema está em Lacerda Jr., no prelo).
6 Discutindo o caso específico da Guerra civil em El Salvador, Martín-Baró (1984) considera que a guerra civil impactou os setores mais abastados pelo questionamento dos fundamentos do sistema capitalista, fazendo com que alguns grupos passassem a temer a perda de privilégios.