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Revista Psicologia Política

 ISSN 1519-549X

     

 

ARTIGOS

 

Adolescência, vulnerabilidade e uso abusivo de drogas: a redução de danos como estratégia de prevenção

 

Adolescence, vulnerability and drug abuse: harm reduction as a prevention strategy

 

La adolescencia, la vulnerabilidad y el abuso de drogas: la reducción de daños como estrategia de prevención

 

L'adolescence, la vulnérabilité et l'utilisation abusive de drogues : réduction des risques et stratégie de prévention

 

 

Aline Gomes da SilvaI; Thais Christina do Lago RodriguesII; Katia Varela GomesIII

IGraduanda em Psicologia pela Universidade São Francisco, Itatiba, SP, Brasil. alinesilvapsico@hotmail.com
IIGraduanda em Psicologia pela Universidade São Francisco, Itatiba, SP, Brasil. thais_christina_2@hotmail.com
IIIMestre e Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, Brasil. Pesquisadora do Laboratório de Psicanálise e Psicologia Social da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. kspvarela@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo desse trabalho é uma reflexão sobre os resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica, que teve por objetivo investigar os efeitos da abordagem da Redução de Danos sobre as escolhas e percepção de risco, em relação ao uso abusivo de drogas e conflitos vivenciados por adolescentes em situação de vulnerabilidade. A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de ensino da região Sudeste no Estado de São Paulo, utilizando-se os princípios teóricos e técnicos dos Grupos Operativos de Pichon-Rivière. Os sujeitos da pesquisa foram 80 alunos entre 14 e 16 anos, a equipe pedagógica e os professores do ensino médio. Através da análise de conteúdos emergentes em situação de grupo, os principais temas trazidos foram: o conflito responsabilidade x divertimento/prazer; a falta de confiança dos adultos para com os adolescentes; a sexualidade; as drogas; o respeito e os estereótipos. A expressão livre dos adolescentes possibilitou maior adesão às propostas e possibilidade de reflexão, estimulada pela metodologia grupal, contribuindo com uma possível revisão de conceitos pré-estabelecidos.

Palavras-chave: Adolescência, Drogas, Vulnerabilidade, Redução de Danos, Grupos.


ABSTRACT

This article presents the results of a Scientific Initiation Research that investigates the effects of the Harm Reduction approach in reference to the choices and risk perception related to drug abuse and conflicts experienced by adolescents in a vulnerable situation. The research took place at a school in the state of Sao Paulo, based on a methodology of action-research and the theory of Operative Groups. Close to 80 students between the ages of fourteen and sixteen, the pedagogical team, and teachers participated in the research. There were conflictive themes found through analysis of the group's situations, they are as follows: responsibility vs. fun/enjoyment, the adults' lack of reliability towards the adolescents, sex, drugs, respect and stereotypes. The fact that the adolescents were free to express their thoughts made a significant contribution towards our proposals and reflection, enabling greater adhesion. The change of roles, provided for the methodology, contributed to a possible revision of the pre-conceived concepts.

Keywords: Adolescence, Drugs, Vulnerability, Harm Reduction, Groups.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es presentar los resultados de una encuesta de Iniciación Científica, cuyo objetivo era investigar los efectos del enfoque de Reducción de Daños sobre las opciones y la percepción de riesgo en relación con el abuso de drogas y los conflictos experimentados por los adolescentes en situación de vulnerabilidad. La investigación fue realizada en una escuela pública en el Sudeste del Estado de Sāo Paulo, basado en la metodología de la investigación-acción y la teoría de los Grupos Operativos. Participaron unos 80 alumnos de entre 14 y 16 años, el personal pedagógico y profesores. A través de las discusiones y análisis de situaciones de grupo, el contenido principal que trajeron fue: el tema conflictivo de responsabilidad x diversion/placer; falta de confianza de los adultos a los adolescentes; sexualidad; drogas; respeto y los estereotipos. La libre expresión de los adolescentes posibilitó una mayor adhesión a las propuestas y a la possibilidade de reflexión, estimulada por la metodologia grupal, contribuyendo con una possible revisión de conceptos pre-estabelecidos.

Palabras clave: Adolescência, Drogas, Vulnerabilidade, Reducción de Daños, Grupos.


RÉSUMÉ

Le but de ce travail est de faire une réflexion sur les résultats d'une recherche faite par les étudiants du cour de Psychologie, qui cherchait à découvrir les effets de l'approche de Réduction de Risques sur les choix et la perception du risque par rapport à l'usage abusif de drogues et les conflits vécus par des adolescents en situation de vulnérabilité. La recherche a été menée dans une institution d'enseignement public dans la région sud-est de São Paulo et s'est fondée sur les principes théoriques et techniques des Groupes Opératifs de Pichon-Rivière. Ce groupe de sujets de la recherche comportait : 80 éleves âgés de 14 à 16 ans, l'équipe pédagogique et les professeurs du lycée. Par moyen de l'analyse de contenus émergents en situation de groupe, les thémes abordés par les sujets ont été : le conflit responsabilité X plaisir ; la méfiance des adults à l'égard des adolescents ; la sexualité ; les drogues ; le respect et les stéréotypes. La libre expression des adolescents a rendu possible une plus grande adhésion aux propositions et possibilités de reflexion, encouragée par la méthode du groupe et a contribué à une possible modification de concepts préétablis.

Mots clés: Adolescence, Drogues, Vulnérabilité, Réduction de Risques, Groupes.


 

 

Introdução

A Psicologia Política busca o debate sobre o comportamento político da sociedade contemporânea, interligando questões objetivas e subjetivas das ações coletivas, através de temas como a participação social, políticas públicas, movimentos sociais, entre outros (Prado, 2001; Silva, 2012). Enfatizamos a importância dessa perspectiva teórica, para uma análise da dimensão da participação popular na construção de Políticas Públicas; da utilização de recursos/instrumentos que permitam a percepção e conscientização das contradições sociais; e da importância do sujeito como produtor de sentidos e transformador de sua própria história. Assim, o sujeito em foco nesse trabalho, deixa de ocupar um lugar passivo, como beneficiário de um programa, para ocupar um lugar ativo, reflexivo e crítico sobre a sua própria realidade social.

Com base nessas proposições, esse artigo propõe a reflexão acerca da importância da participação social de adolescentes na construção de Políticas Públicas de conscientização, prevenção e minimização de danos decorrentes do uso abusivo de drogas, que contemplem sua realidade social, potencialidades e recursos. Levamos em conta que o adolescente produz sentidos e significados à sua realidade cotidiana e sua interlocução pode contribuir para o conhecimento das necessidades dessa população, subsidiando programas de saúde e de educação mais eficazes.

Propomos apresentar as reflexões sobre os resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica, que teve como objetivo compreender as implicações existentes entre a adolescência, as situações de risco e vulnerabilidade e o uso abusivo de drogas. Partimos da perspectiva da Redução de Danos no âmbito da prevenção ao uso de drogas, que procura favorecer a autonomia nas escolhas, priorizando o respeito à liberdade e a participação democrática (Machado & Boarini, 2013; Sodelli, 2011).

De acordo com a pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, foi constatado que aproximadamente 50 mil usuários de crack e/ou similares no Brasil, são menores de 18 anos, o que representa 14% do total de usuários (Fundação Oswaldo Cruz & Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 2013). Cabe ressaltar que, no grupo de menores de 18 anos, estão inclusas crianças de 0 a 8 anos que possuem consumo bem reduzido, portanto, grande parte desse grupo se encontra na fase da adolescência. Além disso, os levantamentos realizados em 1987, 1989, 1993, 1997 e 2004, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), identificaram uma constância em relação ao uso frequente de drogas (exceto álcool e tabaco), na faixa etária entre 10 a 18 anos, crescendo esta frequência após os 18 anos de idade (Carlini e cols., 2005; Fundação Osvaldo Cruz & Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 2013).

Os últimos dados epidemiológicos nacionais sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio apontam uma redução em bebidas alcóolicas e tabaco, entre os anos de 2004 e 2010, tanto para os parâmetros de uso na vida quanto uso no ano. Esses parâmetros são utilizados para identificar diferentes padrões de uso de substância psicoativa, de acordo com as normas da Organização Mundial de Saúde. O uso na vida é quando a pessoa faz referência ao uso de qualquer droga psicotrópica, pelo menos uma vez na vida; o uso no ano, quando a pessoa utilizou qualquer droga psicotrópica pelo menos uma vez nos doze meses que antecederam a pesquisa; o uso no mês, quando a pessoa utilizou qualquer droga psicotrópica pelo menos uma vez nos trinta dias que antecederam a pesquisa; o uso frequente, quando a pessoa utilizou qualquer droga psicotrópica seis ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa; e uso pesado, quando a pessoa utilizou qualquer droga psicotrópica vinte ou mais vezes nos trinta dias que antecederam a pesquisa (Carlini e cols., 2010).

Em 2004, o uso na vida entre estudantes era de 65,2%; em 2010, esse índice alcançou 59,3%. No entanto, na faixa etária dos 16-18 anos, encontramos semelhantes índices de uso na vida de álcool, 81,8% em 2010 e 80,8% em 2004. Para as outras substâncias psicoativas (inalantes, maconha, ansiolíticos, anfetamínicos e crack) também foi observada redução de consumo de uso no ano, com exceção da cocaína e anfetaminas, com um aumento da situação de uso. Um dado importante a ser levado em conta nos programas de prevenção é a diferença nos padrões de uso entre as escolas públicas e privadas. Nas escolas privadas, o uso na vida revela 30,7%; o uso no ano, 13,6%; e o uso no mês, 6,2%; sendo que nas escolas públicas, os índices são menores, respectivamente, 24,2%; 9,9%; e 5,3%. A situação é diferente no padrão de uso pesado, nas escolas privadas, encontramos o índice de 0,8% e nas públicas, o índice alcança 1,2% (Carlini e cols., 2010).

Observamos por esses índices que, apesar da diminuição do uso entre jovens, a faixa etária de 16-18 anos teve poucas alterações, demonstrando a importância de ações preventivas e de cuidado a essa população, além de ações que possam favorecer uma compreensão dos fatores de risco e proteção às situações de uso abusivo e dependente de drogas.

A caracterização da fase do desenvolvimento humano chamada adolescência é muito complexa, com diferentes parâmetros para sua definição. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), essa fase é compreendida dos 12 até os 18 anos de idade. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) diferencia adolescência e juventude, a primeira compreende a faixa dos 10 aos 19 anos, e a segunda se estende dos 15 aos 24 anos (Brasil, 2010). Essas definições de faixa etária das fases do desenvolvimento são delimitadas por uma concepção médica e biológica, no entanto, devemos levar em conta, as significações sociais que contribuem nos processos de subjetivação, valorando os aspectos biológicos e as transformações desse período.

Este período da vida e do desenvolvimento humano, historicamente e socialmente, apresenta conflitos, instabilidades, rebeldia, sendo que o adolescente nesta fase passa por mudanças físicas, psicológicas, sexuais, emocionais e sociais. Segundo Osório (1992), rebeldia e contestações fazem parte desta fase. Rappaport (2011) considera que as tarefas na adolescência fazem parte de um processo para que o adolescente tome decisões e escolhas a fim de atingir sua maturidade. A caracterização da adolescência atual está pautada nos valores e códigos culturais da sociedade contemporânea. Osório (1992) cita uma linha histórica da juventude contemporânea, apresentando como os diferentes movimentos juvenis como a "juventude transviada", "movimento hippie" e "movimento punk" estiveram sempre pautados na desesperança e angústia, relacionadas à identidade e projeto de vida, tendo o consumo de drogas como componente.

Por sua vez, essas concepções sobre a fase da adolescência revelam uma tendência naturalizante e patologizante, anulando as contradições sociais, as "marcas" e significações construídas nas relações intersubjetivas. Enfatizamos uma compreensão da adolescência construída socialmente, com significados atribuídos pelos grupos de pertencimento. A adolescência pode ser considerada um período de latência social constituída a partir da sociedade capitalista, que vincula a extensão do período escolar com a necessidade do preparo técnico, com questões geradas pelo ingresso no mercado profissional e o distanciamento do trabalho de um determinado grupo social (Ozella, 2011). Nessa perspectiva, a adolescência não é homogênea para os sujeitos de diferentes classes e a condição de sofrimento poderá ser compreendida de diferentes formas.

Portanto, para a compreensão da fase do desenvolvimento da adolescência devemos levar em conta esse sujeito histórico e social, assim como suas vulnerabilidades. Segundo Schenker e Cavalcante (2015), a vulnerabilidade deve ser compreendida não somente por condições de desigualdade social ou falta de recursos materiais, mas também diversas modalidades de desvantagens enfrentadas por alguns grupos, como fragilização dos vínculos de pertencimento, violência, perda dos direitos fundamentais, alto índice de reprovação escolar, falta de perspectivas profissionais e de projetos para o futuro, inserção precoce ao mundo do trabalho, entre outros aspectos. Enfatiza-se, desse modo, que esses aspectos são estabelecidos pelas relações intersubjetivas e não por condições "naturais".

Outra consideração necessária ao escopo teórico desse trabalho, diz respeito aos conceitos de vulnerabilidade e risco. No campo da saúde, a noção de risco compreende o conhecimento e a experiência acumulada sobre o perigo de um indivíduo ou de uma coletividade ser acometida por doenças e agravos, envolvendo as situações reais ou potenciais na produção de efeitos adversos. Nas situações de uso de substâncias psicoativas entre adolescentes, os fatores considerados de risco envolvem fatores individuais, interpessoais, sociais e culturais (Paiva & Ronzani, 2011).

Consideramos que o quadro de vulnerabilidade é articulado em três eixos: o componente individual, que diz respeito à qualidade e capacidade de elaborar a informação de que os indivíduos dispõem sobre o problema; o componente social, relacionado ao acesso à informação e serviços de saúde/educação pelos sujeitos, considerando os diferentes segmentos populacionais e suas especificidades; e o componente programático (político-institucional) refere-se aos financiamentos de programas preventivos, ao planejamento das ações, à formação de redes e coalização interinstitucional para atuação (Ayres, França Júnior, Calazans & Saletti Filho, 2009).

Esses três elementos integrados e articulados evidenciam a condição de vulnerabilidade como um estado e não vinculados à natureza de determinados sujeitos e/ou grupos específicos, além disso, desconstroem a concepção de comportamento de risco individual ampliando para a complexidade das ações coletivas. Essas considerações geram um questionamento sobre alguns programas preventivos pontuais informativos ao uso abusivo/dependente de drogas, porque são pautados apenas no problema específico, desconsiderando as dificuldades para superar alguns obstáculos materiais, culturais e políticos, que tornam esses grupos vulneráveis a determinados problemas (Sodelli, 2015).

Sendo assim, o adolescente que se encontra na condição de vulnerabilidade e risco, poderá buscar o alívio e/ou proteção relacionados à situação de estresse, ansiedade ou angústia vivenciadas nesta fase, com a utilização de substâncias psicoativas, podendo desenvolver uma relação de dependência ou um uso abusivo. No entanto, os programas preventivos deveriam ir além do controle de situações de uso de drogas, deveriam considerar o sujeito como capaz de estabelecer suas próprias escolhas, através de práticas reflexivas para buscar formas e apoio na redução de suas vulnerabilidades (Sodelli, 2015).

Nesse trabalho, o conceito de dependência utilizado considera a perda da liberdade de escolha na relação estabelecida entre sujeito e a droga. Esse fenômeno deverá levar em conta três fatores associados: a droga, que como substância psicoativa traz a alteração da consciência e da realidade; o individual, que seriam as características específicas e subjetivas; o momento sociocultural, ou seja, o meio social em que este indivíduo está inserido, as condições de direitos sociais disponíveis a ele, os vínculos emocionais, entre outros aspectos (Silveira Filho, 1996; Sodelli, 2011).

O consumo abusivo e dependente de drogas em adolescentes é complexo e envolve uma multiplicidade de fatores, um deles em destaque é o papel da família, que tem sido alvo de constante discussão na atualidade, por exemplo, sobre a forma como os pais enfrentam a passagem dessa fase de desenvolvimento dos filhos. Mas, há que se ter certo cuidado com um discurso culpabilizador e discriminatório, valorizando certos modelos familiares em detrimento de outros, inseridos em diferentes contextos culturais, sociais e econômicos. Nos últimos anos, a família ocupa um importante cenário nas discussões sobre o seu papel vital para a humanidade, no que diz respeito, ao acompanhamento no processo de crescimento, proteção, desenvolvimento, transmissão de valores e normas culturais entre seus membros (Paiva & Ronzani, 2011).

No que se refere ao uso regular de drogas entre adolescentes, entre os fatores de risco, encontramos a falta de relações empáticas, de apoio familiar e a violência doméstica, lembrando que esse fator deve ser associado aos outros fatores de risco e vulnerabilidade já mencionados (Paiva & Ronzani, 2011). Ainda, podemos destacar os seguintes fatores parentais de risco: ausência de investimento nos vínculos que unem pais e filhos; envolvimento materno insuficiente; práticas disciplinares inconsistentes ou coercitivas; excessiva permissividade, dificuldades de estabelecer limites aos comportamentos infantis e juvenis e tendência à superproteção; educação autoritária associada a pouco zelo e pouca afetividade nas relações; monitoramento parental deficiente; conflitos familiares sem desfecho de negociação; expectativas incertas com relação à idade apropriada do comportamento infanto-juvenil. Cabe ressaltar que a família é uma das fontes primárias de socialização, juntamente com a escola e o grupo de amigos, que cumprem um papel importante na criação de condições para os fatores de proteção e risco às situações de uso problemático de drogas (Schenker & Cavalcante, 2015).

Outro elemento importante na composição dos aspectos teóricos desse trabalho, diz respeito ao modelo de Redução de Danos. Na década de 80, surge como uma nova forma de tratamento e prevenção ao uso de drogas, atuando nas situações de riscos e prejuízos para o indivíduo. Essa concepção visa favorecer a escolha e o respeito à liberdade do indivíduo, investiga a relação que o sujeito estabelece com a droga e problematiza a hegemonia dos princípios da abstinência, como única alternativa nos programas de prevenção, tratamento e cuidado (Machado & Boarini, 2013; Sodelli, 2011).

Podemos dividir as abordagens de programas de prevenção, grosso modo, em duas posturas: a proibicionista e a de redução de danos. A primeira tem como base o modelo e a política norte-americana de Guerra às drogas e pauta-se em ações de prevenção contra o uso de drogas e pela abstinência. No entanto, a partir da noção de vulnerabilidade, os conceitos de grupo de risco e comportamento de risco começam a ser questionados e o trabalho de prevenção amplia seu único objetivo de promover a abstinência para ações que procuram a diminuição dos possíveis danos ocasionados pelo consumo de drogas. Na década de 90, o conceito de vulnerabilidade e a abordagem de redução de danos tem uma convergência, possibilitando um novo direcionamento para a área de educação preventiva (Sodelli, 2011).

A Redução de Danos parte do pressuposto de que substâncias psicoativas sempre existiram na sociedade, e não é possível ignorá-las, portanto, suas ações em diferentes níveis de atenção, busca minimizar seus efeitos prejudiciais, priorizando o bem estar dos indivíduos. Assim sendo, as ações de prevenção primária procura atender as seguintes diretrizes: as drogas não são apontadas a priori como algo danoso ou benéfico, mas a partir da compreensão da relação com o homem; as ações são desenvolvidas com base no conhecimento científico; as ações são desenvolvidas sistematicamente, com duração de médio ou longo prazo; objetiva promover o fortalecimento da autonomia e o respeito aos direitos humanos (Moreira, Silveira & Andreoli, 2006; Sodelli, 2011).

A utilização desta abordagem com adolescentes, segundo Albertani (2011), deve abranger várias dimensões implícitas desta fase da vida, estabelecendo um processo de reflexão sobre sua vida em geral, não tendo como foco as drogas e seus efeitos. Segundo a autora, a realização de projetos de prevenção em ambientes escolares, por exemplo, deve pautar-se no auxílio ao educando a compreender sua liberdade de escolha, atrelado às consequências resultantes, e que estas priorizem a diminuição de riscos e prejuízos à saúde do jovem. Para tanto, Albertani (2011) aponta ações que estimulem a participação ativa dos adolescentes, promovendo reflexão e a construção de conhecimento. É fundamental que as ações promovam o autoconhecimento e o desenvolvimento da autoestima, a autonomia e responsabilidade, por esta razão, é importante o envolvimento da escola, dos educadores e dos adolescentes.

Com base nas considerações teóricas, o projeto de pesquisa em Iniciação Científica priorizou a abordagem da redução de danos como estratégia de prevenção diante da problemática do uso de drogas em adolescentes no ambiente escolar. O projeto de pesquisa teve como objetivo, a investigação sobre os efeitos da abordagem da Redução de Danos sobre as escolhas e percepção de risco em relação ao uso abusivo de drogas, entre adolescentes em situação de vulnerabilidade. Portanto, o objetivo desse trabalho é apresentar as reflexões sobre os resultados das ações desenvolvidas nesse projeto.

 

Método

O projeto foi realizado em uma instituição pública de ensino em um município da região Sudeste no Estado de São Paulo, na Serra da Mantiqueira, com uma população de 146.744 habitantes (IBGE, 2011). De acordo com a Secretaria de Educação e Diretoria de Ensino do município, a rede municipal de ensino atualmente conta com o programa de prevenção de drogas "Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência" (PROERD) realizado pela Polícia Militar, e a rede estadual trabalha com o programa "Prevenção também se ensina", coordenado pela Secretaria de Educação do Estado, que desenvolve temas como drogas, DST's, entre outros. A instituição de ensino da pesquisa foi escolhida por estar localizada em um território de alto índice de vulnerabilidade social e tráfico de drogas.

Foram participantes do projeto cerca de 80 estudantes de ambos os sexos, na faixa etária entre 14 e 16 anos; os professores do ensino médio; a equipe pedagógica e diretor da instituição de ensino.

Após a primeira etapa de aprovação, foram realizadas reuniões com diretor para a aprovação do projeto na instituição de ensino e assinatura da carta de autorização institucional. Em seguida, foi realizada uma reunião junto aos professores da escola, a fim de esclarecer os objetivos e coletar informações sobre as dificuldades encontradas na relação cotidiana com os adolescentes. A título de convite aos adolescentes das cinco oitavas séries da escola, com a presença e participação de 75 adolescentes em média, foi realizada uma apresentação interativa com duração de 20 minutos em período de aula, em que as pesquisadoras, através da utilização do recurso musical, explicaram a proposta e os objetivos do projeto de pesquisa.

No entanto, não houve adesão ao projeto por parte dos adolescentes, nesse primeiro momento. Durante o primeiro semestre da pesquisa, foram organizados grupos de discussão com presença espontânea, mas com pouca adesão dos estudantes. A coleta de dados e uma maior aproximação com os grupos de adolescentes aconteceram nas atividades recreativas e de intervalos das aulas.

A partir do segundo semestre, as pesquisadoras organizaram uma nova estratégia para realização dos encontros, em função das dificuldades para a formação dos grupos, considerando a não adesão dos adolescentes, em período de contra turno escolar. Após acordo realizado com a direção da escola, os encontros passaram a ser realizados em período de aula, em dias e horários alternados, previamente agendados na secretaria, com o intuito de não prejudicar o currículo escolar.

No primeiro semestre, as atividades realizadas foram: uma reunião com dez professores; uma apresentação do projeto em cinco salas de 8ª série, com média de quinze alunos cada uma; cinco visitas à escola para integração com os alunos; e três encontros com os alunos, em período de contra turno escolar. No segundo semestre, os encontros foram pré-agendados com a coordenação pedagógica, com onze encontros em três salas de 8ª série.

Nos encontros, os grupos foram constituídos a partir da escolha dos alunos e todos os encontros tiveram duração de 50 minutos. Os temas eram apresentados com a utilização de recursos metodológicos diversos, sendo eles: discussão verbal, confecção de cartazes, dinâmicas, histórias, figuras, encenações teatrais e jogos. As discussões eram feitas nos pequenos grupos de alunos e depois partilhadas e novamente discutidas com toda a sala. Os temas trabalhados durante os encontros foram: Vantagens e Desvantagens de Ser Adolescente, Carnaval, Sexualidade, Drogas e Liberdade de Expressão.

Logo após as atividades, as pesquisadoras registraram de forma descritiva, os conteúdos de cada encontro com os adolescentes e com os professores. Os conteúdos emergentes da cadeia associativa grupal foram identificados e analisados em reuniões semanais com professor-orientador e grupo de alunos orientandos, considerando os temas emergentes e omitidos, conflitos, líderes e papéis, clima grupal, comunicação verbal e pré-verbal, medos e ansiedades, tendo como base a metodologia dos grupos operativos (Pichon-Rivière, 2009; Saidon, 1986).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética (CEP) da Universidade São Francisco, através do Parecer Consubstanciado nº 408.146. Os sujeitos envolvidos concordaram com a participação na pesquisa e estavam cientes dos seus objetivos, receberam orientação sobre o anonimato, voluntariedade e a liberdade em desistir a qualquer tempo. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo diretor da escola.

 

Resultados e Discussão

Os resultados foram divididos nos seguintes tópicos: a perspectiva da equipe pedagógica da instituição de ensino; as primeiras impressões dos alunos; e o desenvolvimento das ações nas Salas 1, 2 e 3, respectivamente.

Equipe pedagógica

Nas reuniões com o diretor em que foram tratadas as propostas do projeto, foi possível notar que este se mostrou sempre interessado e receptivo, à medida que aprovou rapidamente a execução e todo seu desenvolvimento.

Entretanto, na reunião com os professores foi percebida descrença na possibilidade de mudança de postura dos alunos e resistência à proposta apresentada: "Eles não vêm nem para realizar os esportes, imagina para isso [o projeto]"; "Reflexão? Eles não sabem pensar... não dá para fazê-los pensar"; " Se vocês não trouxerem algo espetacular não vai vir nem um". Por meio do discurso dos docentes, podemos perceber a percepção negativa e depreciativa dos alunos, percepção que configura as relações na instituição de ensino, atribuindo lugares e papeis a cada um dos envolvidos. Segundo Albertani (2011), um dos pontos favoráveis ao processo de diminuição de fatores de risco e aumento de fatores de proteção para a vulnerabilidade dos alunos ao uso abusivo de drogas, é a alta expectativa dos educadores perante os estudantes, que consiste na valorização dos alunos e na crença de possibilidade de seu crescimento e desenvolvimento. Podemos supor, através desses relatos, uma dificuldade da equipe pedagógica em se constituir como um dos fatores de proteção.

Sobre a problemática das drogas, um dos professores relatou:

"Drogas, porque hoje esta é a realidade deles. E não podemos falar que eles não podem usar não, viu, tem que falar para eles não usarem na escola, deixar para depois, porque senão é pior";

"E eles não entendem que a droga não é boa para eles";

"Quem disse que a droga não é boa? Claro que é boa";

"Não é boa para a vida deles".

Observa-se, através desses relatos, a compreensão dos docentes sobre a temática das drogas. Ao mesmo tempo em que, sentem-se impotentes diante do problema, pois preferem "deixar para depois, porque senão é pior", também percebem o conflito, vivido pelos adolescentes, do que é bom ou ruim para a vida deles. Não se trata, portanto, de escolher pelo outro, mas provocar uma reflexão crítica sobre as relações que podem estabelecer com os diversos elementos de sua realidade. Com base nos princípios da Redução de Danos, não se trata da droga ser benéfica ou danosa, mas da relação que o homem estabelece (Sodelli, 2011).

Sobre a percepção da realidade social pelos adolescentes, os professores relataram:

"[...] sobre a questão de drogas, temos uma policial que trabalha com o PROERD aqui, vocês podiam conversar com ela também sobre isso, porque eles não respeitam nem os policiais gente...";

"[...] essa é a realidade deles, porque eles veem os traficantes como ídolos, e às vezes até os pais deles trabalham com isso, como vamos dizer que isso não é bom?"; " Uma vez, um aluno me disse: 'professora, eu ganho em uma semana, o mesmo que você ganha aqui em um mês', e ele era aviãozinho";

"[...] um aluno falou para mim: 'Professora, olha que injustiça, eu estava passando em frente à farmácia, para comprar remédio para o meu irmão, a polícia me parou e levou meus R$ 115,00 reais, olha que injusto?!' Daí eu perguntei: 'o que você estava fazendo com R$ 115,00 reais?' E então, ele disse: 'ah, professora, eu estava comprando o remédio, mas é que eu estava na hora errada e no lugar errado'. E então, você já percebe as coisas, se nem a gente tem R$ 115,00 no bolso, porque esse aluno tinha R$ 115,00 no bolso?"

Supomos que a temática desse diálogo entre os professores revela as contradições sociais sobre as figuras de autoridade e a impossibilidade da relação de confiança entre professoraluno. As desconfianças permeiam todas as relações professor-aluno, professor-pais, alunopolicial. Além disso, através desse discurso, percebemos as contradições sociais em uma sociedade capitalista e consumista, em que o trabalho tem valor pelo seu "lucro", as atividades ilícitas são melhores remuneradas do que as atividades de ensino. Portanto, revelase um conflito sobre a entrada no mercado de trabalho, uma das exigências à fase de latência na adolescência (Ozella, 2011).

Sobre os procedimentos adotados no projeto, um dos professores comentou:

"Vocês deviam mesmo vir em um dia para observá-los, mas tinha que ser na aula de artes ou de educação física, porque na minha aula, vocês vão ver todos quietinhos copiando, porque quem não fica assim, eu mando para fora";

"[...] mas se vocês deixarem tudo muito solto assim, vocês não vão conseguir controlar eles."

Através desse discurso, observa-se a necessidade de um controle disciplinar e punitivo dos estudantes, como uma única forma de manter a ordem. Nessa situação, a adolescência é concebida como um momento de irresponsabilidade e rebeldia, vista como um desviante dos padrões normativos sociais e representada como perigosa (Piccolo & Leal, 2011).

Diante do exposto, indica-se um trabalho com os educadores, propondo situações de reflexão sobre a sua prática, de análise de sua própria atuação e concepções pré-estabelecidas. Devemos levar em conta os preconceitos e visões distorcidas sobre o tema das drogas, proporcionando uma reflexão sobre o papel da escola e dos educadores nas ações de prevenção (Albertani, 2011).

 

Primeiras Impressões dos Alunos

Na etapa de apresentação da proposta aos alunos, as pesquisadoras notaram por parte deles curiosidade e identificação com frases da música utilizada: "Ninguém tá escutando o que eu quero dizer! Ninguém tá me dizendo o que eu quero escutar! Ninguém tá explicando o que eu quero entender! Ninguém tá entendendo o que eu quero explicar!", pois relatavam que, frequentemente, suas opiniões não eram consideradas.

A partir da mudança de estratégia do projeto, em uma das salas de aula, utilizou-se uma música para a discussão, e a partir dessa atividade os adolescentes relataram as dificuldades diante da falta de confiança por parte dos adultos, sendo explicitadas situações em que os pais não acreditavam neles. O grupo discutiu sobre alguns motivos relacionados à falta de confiança dos pais, sendo eles: o jovem ser visto sempre como alguém que se interessa apenas por "curtir a vida" e que os adultos acabam se esquecendo de que eles também têm opinião; a generalização e estereótipos, em função de seus gostos e interesses, como por exemplo, o gosto musical e a identidade: "É, o pessoal acha que quem gosta de funk é P... [palavra de baixo calão], mas isso não diz nada". Supomos que, os adolescentes fazem referência à dificuldade na desconstrução dos estereótipos sociais. Em função disso, as relações são estabelecidas de forma superficial, favorecendo o distanciamento e a existência de "guetos".

Como no discurso dos professores, observamos a percepção dos adolescentes sobre a falta de confiança entre as diferentes gerações e apontamos como um possível fator de risco, identificado com a falta de relações familiares empáticas (Paiva & Ronzani, 2011). Um conteúdo importante apontado no discurso dos adolescentes refere-se às relações estabelecidas a partir dos estereótipos. A adolescência e a juventude são vivenciadas e significadas de diversas maneiras, dependendo do contexto cultura, do gênero, da classe social e outros fatores socioculturais. Dessa forma, a juventude pode ser pensada como um processo, um valor ou, ainda, como um "problema social", a partir das demarcações de grupo e desagregação social (Piccolo & Leal, 2011). A queixa aqui expressada revelam as modalidades de relações, a partir de categorias de sujeitos socialmente construídas.

Associado ao tema anterior, outro ponto discutido foi a dificuldade de aceitação das diferenças:

"Ah, porque quando vai fazer alguma coisa a gente nunca faz, festinha por exemplo. Cada um tem o seu grupinho e gosta cada uma das suas coisas";

"É porque eu acho que é difícil aceitar que um gosta de outra coisa, mas precisa respeitar".

Consideramos que é uma característica da adolescência a relação entre os pares e a manutenção de um grupo homogêneo, mas, essa característica se acentua, impedindo o relacionamento e a construção de projetos em comum. E ainda revela uma forma de relacionamento social pautada na segregação dos grupos, como apontamos anteriormente.

Em outra sala de aula, um dos temas apresentados foi a necessidade de exposição por parte do jovem, ou seja, a vontade de ser popular faz com que se exponham a qualquer custo, conforme relatado por um adolescente: "Ah, o próprio facebook, o pessoal posta as coisas lá para se aparecer, meu, as manifestações que aconteceram [manifestações populares que ocorreram no Brasil em 2013], que o jovem vai, é só para se aparecer". Supomos que o valor social e cultural para a visibilidade como única possibilidade de existência, também atinge o imaginário e a subjetividade dos adolescentes, marcados pela lógica imperiosa do "apareço, logo existo". Essa lógica impede, em diversas situações, uma reflexão sobre os riscos e danos de algumas ações.

O uso de drogas como problema para os adolescentes foi outro tema discutido:

"É, mas às vezes, o próprio jovem acaba passando esta imagem [sem seriedade] porque muitos ficam aí usando droga. O lago mesmo [ponto turístico da cidade], já foi um lugar que era bom de ir passear, agora você passa lá e leva uma baforada de maconha na cara."

Através desse discurso, podemos observar uma visão preconceituosa, em relação à situação de uso de drogas, revelando um ambiente social hostil e sem possibilidades de convívio. Segundo Albertani (2011), o parâmetro de que qualquer uso de drogas é indevido e traz apenas riscos e prejuízos, contribui para o desenvolvimento de uma visão preconceituosa dos jovens, não os auxiliando na escolha por atitudes responsáveis e conscientes em ambientes reais em que as drogas estão presentes.

Sala 1

Na Sala 1, o primeiro encontro abordou o tema "Vantagens e Desvantagens de ser adolescente". Através dessa atividade, os adolescentes apresentaram conteúdos opostos e contraditórios. Um exemplo pode ser observado, no tema "Vantagens de ser adolescente", com os elementos contraditórios: "não ter responsabilidades" e "trabalhar". Além disso, em outro momento da discussão grupal, um dos adolescentes solicita à outra adolescente: "coloca aí [se referindo à lista de vantagens] puxar uma macoinha". No entanto, este conteúdo é relacionado na lista de desvantagens, identificados como "Fumar" e "Beber". Esta contradição, observada nas atividades, sugere a existência de um conflito relacionado à dificuldade em conciliar responsabilidades com divertimento e prazer, além de caracterizar um receio ao julgamento social, à medida que demonstraram o uso de drogas como algo prazeroso em suas falas, mas formalmente, ao apresentar a lista escrita às pesquisadoras, essa informação foi omitida. Podemos ressaltar também que a compreensão da fase da adolescência é uma construção social (Ozella, 2011) e que as ações "valorizadas" e "condenadas" são transformadas, a partir das experiências em diferentes grupos sociais.

Outro ponto trazido pelos grupos foi a "Sexualidade", entretanto, os adolescentes, inicialmente, hesitaram em expor abertamente este ponto como vantagem, demonstrando dificuldades em relatar o que realmente pensam. Através do incentivo das pesquisadoras, demonstrando que podiam se expressar livremente, um dos grupos decidiu inserir este tópico como vantagem. Sobre as dificuldades com esse tema, Vitalle (2011) aponta que a família continua sendo a principal reguladora da sexualidade e suas orientações são indicadoras de proibição. Os pais não estão dispostos à troca de experiências e limitam-se à explicação de regras de conduta. Supomos que os estudantes reproduzem as indicações de proibição da família, e enfatizamos a necessidade de criação de espaços sociais (escola, comunidade e etc.) que favoreçam o autoconhecimento e a reflexão sobre as experiências (Albertani, 2011).

Em relação ao tema "Drogas", notou-se intensa resistência em falar sobre o assunto, através de expressões como: "Ah, não tem outro assunto não?" ou "Não queremos falar sobre isso", ou ainda com silêncio quase absoluto. Além disso, demonstraram posicionamentos cristalizados negativamente, com expressões próprias do senso comum, como: "Drogas são uma m. [palavra de baixo calão], porque vicia e acabam com a sua vida." Também relataram que este assunto não era debatido pelos professores na escola e configurava um assunto "proibido". O tema drogas pode ser tratado como um tabu em algumas instituições de ensino, justificada por uma dificuldade em discutir o assunto de forma mais aberta e espontânea. Apesar da preocupação com a problemática, as formas de enfrentamento e resolução adotadas pelas instituições de ensino são a eliminação de qualquer uso de substâncias; ações acríticas e improvisadas, pautadas no medo, na desinformação e no preconceito, procedimentos considerados ineficazes (Albertani, 2011).

A partir dessa dificuldade com o tema "Drogas", no encontro seguinte, as pesquisadoras abordaram o tema "Liberdade de Expressão", utilizando-se das figuras dos "Três Macacos Sábios", com intuito de refletirem sobre os sentimentos e dificuldades em se expressarem em relação a assuntos considerados "proibidos". Nesta ocasião, foi observado como se sentiam desestimulados e intimidados em expressarem sua opinião devido ao julgamento, a opressão e o desrespeito do outro (adultos, autoridades e entre os próprios adolescentes):

"[...] às vezes, nós estamos certos, mas eles [adultos] não percebem, acham que estão sempre certos, e para convencê-los do contrário, precisa colocar as provas na mesa, leva muito tempo e aí acabo desistindo.";

"É eles não acreditam na gente, nos rebaixam [...] quando a gente tem um sonho, quer muito alguma coisa, eles falam que não vai dar certo, colocam para baixo.";

"Eles acham que estamos brincando, não nos levam a sério."

Observamos que a falta de confiança no adolescente por parte dos adultos foi muito presente no discurso, provocando uma diminuição de sua participação, uma vez que serão previamente desacreditados ou desvalorizados, aspectos que também podemos observar nos relatos dos professores. Entre os fatores de proteção em ambiente escolar para a vulnerabilidade dos alunos ao uso indevido de drogas, encontramos a participação, o envolvimento e responsabilidade dos jovens nas tarefas e decisões da escola, sendo que em determinados momentos todos podem ser ouvidos. Dessa forma, a escola prepara os alunos para as escolhas que devem fazer e as responsabilidades que devem assumir (Albertani, 2011).

Sala 2

Na Sala 2, o tema "Carnaval" foi apresentado para discussão e os adolescentes apresentaram cartazes expressando sua opinião, sendo trazidos os temas sexualidade e também o uso abusivo de drogas.

Um dos cartazes produzidos pelos alunos apresentava uma mulher grávida em uma festa de Carnaval; e um homem e uma mulher seminus com fantasias. Ao redor dessas figuras estavam cigarros e bebidas, e também expressões escritas como: "Carnaval é uma m... [palavra de baixo calão]", "Esse é o lixo do Carnaval. Todo mundo acredita nessa b... [palavra de baixo calão]". Em relação à mulher grávida, encontramos expressões como: "Lepo, lepo"; " Feto, feto"; " Vai no cavalinho, vai, vai, agora se f... [palavra de baixo calão] sozinha".

Ao discutir os desenhos dos cartazes produzidos, muitos adolescentes apresentam a festa do Carnaval, relacionando ao uso de bebidas, drogas e sexo, sempre de forma negativa. No decorrer da discussão, afirmavam a prática do sexo irresponsável nesta época, identificando as mulheres como as mais prejudicadas devido à gravidez indesejada e situações de abuso e violência sexual. A partir desse discurso, supomos que essas ideias estão vinculadas a uma moral heteronormativa e sexista, atribuindo às mulheres, exclusivamente, a responsabilidade pelos atos, inclusive, pelas situações relacionadas ao abuso e violência sexual. Também podem indicar a ausência de uma reflexão sobre o tema sexualidade e gênero na instituição escolar. Nesse sentido, consideramos importante uma reflexão sobre as concepções atreladas à lógica e dominação masculinas. A partir de uma perspectiva crítica, ou "crítica feminista", seria possível reconhecer as diferentes formas de sensibilidade, de intimidade, de relações e de sexualidades (Adorno & Fernandez, 2015).

Entretanto, observou-se abertura para discussão de ideias contrárias, de modo que uma adolescente defendeu os pontos positivos que pensava sobre o Carnaval, como um local para a manifestação artística, através dos carros alegóricos e fantasias. Consideramos que esse espaço para a emergência de concepções opostas, para o debate e para a reflexão, é provocado pelo dispositivo de grupo e dos grupos operativos, que tem como princípio, provocar a emergência das contradições e contribuir para uma transformação das preconcepções rígidas e estereotipadas (Pichon-Rivière, 2009).

Em outro encontro, em que foram tratados diretamente os conflitos relacionados à sexualidade, os adolescentes participaram de forma interessada. A dinâmica utilizada consistia na apresentação de estórias, sem as finalizações, para a elaboração do desfecho pelos grupos. Foi possível observar, nos temas sobre o início da vida sexual, sobre a gravidez na adolescência e sobre a orientação sexual, conteúdos emergentes que reproduziam o julgamento social. Os desfechos evidenciaram uma visão moral e punitiva, representando a realidade vivida por este grupo.

Um dos episódios demonstra esta condição:

"Estória: Marcos tem 14 anos e namora Ana, também de 14 anos. Eles se conheceram na escola e estavam namorando há seis meses, sem seus pais saberem. No sétimo mês de namoro, ambos decidem iniciar as relações sexuais. Após um tempo, Ana descobre que está grávida e conta para Marcos que decide contar para seus pais. Ao contar para seus pais, eles..."

Desfecho da história construída pelos adolescentes: "Eles não aceitaram, porque ela é muito nova para ter um filho, mas Marcos aceita. Depois do nascimento do filho, ela tem necessidades e Marcos não consegue arrumar serviço, porque ele é muito novo".

Na construção do desfecho dessa estória, os estudantes revelam a própria realidade, com a ausência de apoio da família, diante de uma gravidez precoce e a falta de orientação sobre a vida sexual que vivenciam em seu cotidiano. Demonstram uma ausência de informação e de apoio dos grupos de pertencimento social (Schenker & Cavalcante, 2015).

Em relação ao tema da orientação sexual, o grupo apontou que o adolescente sofre com o preconceito e enfatizou que ninguém deve ser julgado pela sua sexualidade: "Não podemos julgar ninguém pela sua aparência ou sexualidade, isso pode levar à morte causando sofrimento a muita gente, família e amigos". Os conteúdos observados, através desta atividade, sugerem que os adolescentes sentem que serão julgados por sua conduta sexual, e internalizam um discurso moralista, afirmando não ser correto, o início da vida sexual muito cedo. Devemos considerar também, um medo do julgamento das pesquisadoras, diante de suas escolhas sexuais e, portanto, uma maior dificuldade em se expressarem livremente. Uma das adolescentes procurou as pesquisadoras no final do encontro, para contar uma situação pessoal relacionada a um caso de gravidez na adolescência em sua família. Ressaltamos a importância da criação de espaços de acolhimento e confiança, onde o adolescente poderá expressar e elaborar situações conflituosas de seu cotidiano (Albertani, 2011).

Ao tratarmos do tema "Drogas", foi possível observar uma dinâmica grupal com ideias bastante rígidas, estereotipadas e negativas, com posturas repressoras às concepções mais compreensivas. Além disso, os adolescentes demonstraram ter muitas dúvidas em relação aos efeitos e características das drogas. Esta dinâmica grupal estabelece relação com a concepção trazida por Zimmerman e Osório (1997), de que a possibilidade de mudanças, por exemplo, nas ideias pré-estabelecidas e estereotipadas, provocam medos, ansiedades e ataques frente ao desconhecido, que podem interferir negativamente. Essas resistências diante do novo são identificadas como pré-tarefa, na perspectiva teórica e técnica dos grupos operativos (Pichon-Rivière, 2009).

A partir dessa dificuldade inicial, foi realizada uma encenação, através de personagens de um(a) adolescente e a relação com as drogas, os diálogos e as cenas foram criados pelos estudantes. Com o andamento da encenação, as pesquisadoras inseriram novos personagens para que outros adolescentes participassem e experimentassem as situações conflitivas, em especial os adolescentes que mostraram uma postura bastante rígida. A partir de uma circulação de papéis, foi possível notar que, para alguns desses adolescentes, houve incômodo ao assumir determinados lugares, como por exemplo, a estudante que fez uso de drogas: "Ah, me deixa sair, não quero fazer a adolescente". Ela solicitou inúmeras vezes que, ao invés de fazer esse papel, gostaria de interpretar os personagens como "sociedade" ou o "medo", e nestas ocasiões, utilizou expressões como: "Quem mandou você fazer isso, agora você vai morrer [...]" ou "Olha só como você está!". Uma postura proibicionista favorece atitudes discriminatórias e o isolamento social das pessoas com uso problemático de drogas, é fundamental que as instituições escolares possam favorecer novos enfrentamentos dessa problemática (Albertani, 2011).

Sala 3

Na Sala 3, foi discutido o tema "Sexualidade", com o envolvimento e participação dos estudantes, contudo não houve aprofundamento no conteúdo apresentado. Além disso, demonstraram certo desconforto com as expressões "relações sexuais" e"transa", através de comportamentos não verbais como risos e olhares entre eles. No entanto, houve espaço para a abordagem de questões como preconceito e o sofrimento relacionado à temática, considerando a homossexualidade e as consequências de uma gravidez indesejada.

Sobre o tema "Drogas", desenvolvido nesta sala, foi observado um ambiente de discussão espontânea, aprofundada e compreensiva, à medida que os adolescentes puderam expressar várias dúvidas relacionadas aos efeitos e características das substâncias psicoativas, em indagações como: "O que é overdose?", "É verdade que usam a maconha para aliviar a dor do câncer?", e puderam ainda compartilhar com o grupo experiências próprias, relacionadas ao uso de drogas, contribuindo para a desconstrução de mitos sobre o tema: "[...] eu já usei uma vez. Só uma vez. [...] me deu dor de cabeça, enjoo e fiquei na brisa. [...] eu usei e não viciei".

Posteriormente, foi realizado um encontro com a Sala 3, onde foi proposto um jogo de curiosidades sobre drogas, uma vez que, no encontro anterior, observou-se que os adolescentes traziam muitas dúvidas acerca do tema. O jogo trazia afirmações sobre drogas, sendo que os adolescentes deveriam dizer se concordavam ou não com a afirmação e os motivos de sua resposta. A atividade possibilitou um diálogo entre os participantes e livre expressão de suas ideias, algumas vezes, através de relatos de experiências vividas por eles mesmos, ampliando suas concepções acerca dos efeitos, características e mitos sobre as drogas.

Supõe-se que a abertura dos participantes pode ser proporcionada devido ao clima estabelecido no grupo, onde a atuação do coordenador precisa propiciar uma comunicação grupal, em que cada membro possa identificar que existem diferenças de opiniões. Este movimento grupal favorece o processo de autoconhecimento e a abertura ao outro (Zimmerman, 2000).

É importante ressaltar que as salas se diferenciaram entre si na dinâmica e relação grupal. A Sala 1 demonstrou maior resistência à mudança, mantendo-se em maior período no momento de pré-tarefa, conforme apresentado por Zimmerman e Osório (1997), onde se entende que predominam os medos e as ansiedades, obstruindo o aprofundamento dos conteúdos. A Sala 2, apresentou-se com maior abertura para discussão e reflexão, entretanto, ao abordarmos o tema "Drogas", foi possível notar concepções mais rígidas e preconceituosas, relacionadas ao uso e ao usuário de drogas. Na Sala 3, em um primeiro momento, não houve maior aprofundamento no assunto tratado, entretanto, na discussão sobre

o tema "Drogas", foi possível notar maior participação, interesse e espontaneidade na comunicação grupal, além do clima ter se configurado como cooperativo, permanecendo respeito às opiniões uns dos outros.

A partir dessa percepção das diferenças entre a dinâmica grupal estabelecida nas salas, a utilização da metodologia elegida, pode justificar-se pelo fato de ela permitir flexibilidade de acordo com as demandas e características específicas. Além disso, segundo Zimmerman e Osório (1997), os grupos operativos de Pichon-Rivière têm por finalidade a mobilização de estruturas estereotipadas e identificação dos obstáculos que impedem o desenvolvimento, como também, a possibilidade de expressão e exploração dos medos e ansiedades dos indivíduos, através da comunicação e da ação destes.

 

Considerações Finais

Frente aos conteúdos e discussões apresentadas, conclui-se sobre a importância dos espaços construídos para a emergência das contradições sociais, das discussões e reflexões sobre o cotidiano. As ações desenvolvidas na pesquisa científica mostraram-se eficazes como um estudo exploratório sobre as demandas e necessidades do público adolescente, sobre a problemática do uso de drogas e sobre as estratégias de prevenção em ambiente escolar.

No desenvolvimento das ações, foi possível notar que os adolescentes se mostraram interessados em discutir conflitos vivenciados, com a participação da maioria, expondo seus pontos de vista e sentimentos. Além disso, é importante ressaltar que houve aprofundamento nas discussões e à medida que notaram que poderiam se expressar sem sofrer censura, foi observado um aumento gradual na adesão às propostas. A construção de um vínculo de confiança, a escuta sem julgamento e envolvimento nas atividades escolares podem propiciar a livre expressão e uma reflexão sobre o cotidiano.

A partir dos resultados obtidos, indicamos como necessária uma formação intersetorial de educadores para a atuação no campo da prevenção ao uso problemático de drogas, pois diferentes campos do saber acadêmico e da atuação profissional podem contribuir para o desenvolvimento de temas com adolescentes, atendendo a perspectiva da integralidade e da promoção de saúde.

Ainda, indicamos a necessidade de outros estudos que possam aprofundar alguns aspectos do tema abordado nesse trabalho, no intuito de contribuir com o conhecimento científico e as atuações nessa área.

 

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Recebido em 07/01/2015.
Revisado em 31/03/2015.
Aceito em 16/05/2015.

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