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Revista Psicologia Política

 ISSN 1519-549X ISSN 2175-1390

     

 

ARTIGOS

 

A configuração das práticas de cuidado da saúde mental juvenil em Medellín e Porto Alegre: uma narrativa de si1

 

The configuration of youth mental health care practices in Medellín and Porto Alegre: a narrative of self

 

La configuración de las prácticas de cuidado de la salud mental juvenil en Medellín y Porto Alegre: una narrativa de sí

 

La configuration des pratiques de santé mentale des jeunes à Medellín et à Porto Alegre: un récit de soi

 

 

Jose Camilo Suaza BoteroI; Cristianne Famer RochaII

IPsicólogo, Universidad de Antioquia, Colômbia. Mestre em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Brasil. jcamilo.botesua@gmail.com
IIDoutora em Educação. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Brasil. cristianne.rocha@ufrgs.br

 

 


RESUMO

O artigo reflete sobre as maneiras de produção da saúde mental juvenil, desde uma visão coletiva, sistêmica e interdisciplinar, nas cidades de Medellín (Colômbia) e Porto Alegre (Brasil). O objetivo foi compreender como se configuram as práticas de cuidado da saúde mental de jovens nos cenários das duas cidades. A narrativa de si foi a perspectiva metodológica utilizada e o processo analítico compreendeu o arco hermenêutico proposto por Paul Ricoeur. Os resultados mostram que as práticas de cuidado da saúde mental juvenil se configuram como processos em rede, na dimensão estrutural e na dimensão micropolítica. A disponibilidade, a cotidianidade e a continuidade são atributos dessa rede de relações. Discute-se o conceito de saúde mental como tensão de forças individuais e coletivas, assim como a potência da resistência e das noções de cuidado de si e dos outros.

Palavras chave: Saúde Mental, Narrativa, Juventude, Medellín, Porto Alegre.


ABSTRACT

This paper discusses the ways in which mental health takes place, from a collective, systemic and interdisciplinary point of view, in the cities of Medellin (Colombia) and Porto Alegre (Brazil). The goal of the study was to comprehend how youth mental health care practices are configured in both cities. The narrative of the self was used as methodological perspective, and the analysis consisted of Paul Ricoeur's hermeneutic arc. The results show that youth mental health care practices are configured as network processes, in structural and micropolitical dimensions. Availability, continuity and daily happenings are attributes of the network. Mental health as a concept is discussed as a tension of individual and collective forces. Also, the power of resistance and the notions of care of the self and care of the others are examined.

Key words: Mental health, Narrative, Youth, Medellin, Porto Alegre.


RESUMEN

El artículo reflexiona sobre las maneras en que se produce la salud mental juvenil, desde una visión colectiva, sistémica e interdisciplinar, en las ciudades de Medellín (Colombia) y Porto Alegre (Brasil). El objetivo fue comprender como se configuran las prácticas de cuidado de la salud mental juvenil en los escenarios de las dos ciudades. La narrativa de si fue la perspectiva metodológica utilizada y el proceso de análisis comprendió el arco hermenéutico propuesto por Paul Ricoeur. Los resultados muestran que las prácticas de cuidado de la salud mental juvenil se configuran como procesos en red, en la dimensión estructural y en la dimensión micropolítica. La disponibilidad, la cotidianidad y la continuidad son atributos de esa red de relaciones. Se discute el concepto de salud mental como tensión de fuerzas individuales y colectivas, así como la potencia de la resistencia y de las nociones de cuidado de si y de los otros.

Palabras clave: Salud Mental, Narrativa, Juventud, Medellín, Porto Alegre.


RÉSUMÉ

L'article se penche sur les moyens de produire la santé mentale des jeunes, dans une perspective collective, systémique et interdisciplinaire, dans les villes de Medellín (Colombie) et de Porto Alegre (Brésil). L'objectif était de comprendre comment sont configurées les pratiques de soins de santé mentale des jeunes dans les scénarios des deux villes. Le récit de luimême était la perspective méthodologique utilisée et le processus analytique comprenait l'arc herméneutique proposé par Paul Ricoeur. Les résultats montrent que les pratiques des soins de santé mentale des jeunes sont configurées comme des processus de réseau, dans la dimension structurelle et dans la dimension micropolitique. La disponibilité, le quotidien et la continuité sont les attributs de ce réseau de relations. Le concept de santé mentale est discuté comme la tension des forces individuelles et collectives, ainsi que le pouvoir de résistance et les notions de prise en charge de soi et des autres.

Mots clés: Santé mentale, Récit, Jeunesse, Medellín, Porto Alegre.


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, a utilização de abordagens narrativas tem ganhado força na compreensão de fenômenos complexos que atravessam a experiência subjetiva nos campos da Saúde Mental, da Saúde Coletiva e das Ciências Sociais e Humanas (Onocko-Campos e cols., 2013; Fonte, 2006). Assim, uma visão mais ampla se coloca sobre a construção de objetos de estudo que problematiza as metodologias e as lógicas tradicionais de produção científica. Entre essas problematizações, questionam-se discursos positivistas e biologicistas nas áreas da saúde, principalmente na realização de pesquisa, pela pretensão de neutralidade e objetividade do pesquisador em relação ao tema e os procedimentos utilizados para acessar o conhecimento (Onocko-Campos & Furtado, 2008).

As narrativas são caminhos interessantes para se apropriar daquilo que a ciência deixou muito tempo de lado pela sua obsessão pela objetividade, ou seja, olhar para a particularidade, a diferença e a subjetividade.

Nos estudos da saúde mental dos jovens, se faz necessário uma visão que consiga compreender as complexidades e os múltiplos cenários de determinação, próprios desse momento vital. Além disso, os contextos de vida dos jovens variam em todo o mundo e requeremos respostas sintonizadas com as problemáticas que experimentamos.

Nas cidades de Medellín, na Colômbia, e Porto Alegre, no Brasil, existem condições semelhantes que contribuem para a reprodução de violências e problemas na saúde mental da população jovem, como acontece em quase todas as grandes cidades da América Latina (Téllez, 2014; PNUD, 2014; Brasil, 2014; Colombia, 2014). A exclusão social, a falta de oportunidades de educação e emprego, o tráfico e consumo problemático de substâncias psicoativas e as medidas exclusivamente policiais e coercitivas por parte dos governos, são algumas das principais causas do incremento ou permanência das violências (Duque, Montoya & Restrepo, 2011; Neto, 1999; PNUD, 2014).

O combate da delinquência como principal paradigma de trabalho e de orientação dos recursos públicos nas duas cidades tem sido insuficiente e contraproducente; enquanto continuam os cortes de verbas para programas sociais e de saúde (Melchionna & Becker, 2015; Núñez, 2017). Essa falta de investimento repercute a curto e longo prazo no aumento da população carcerária, maior percepção de insegurança e perda de motivação para gerar planos de futuro por parte dos jovens (Silva, 2015).

Os espaços de atenção psicossocial e cuidado da saúde mental, como dispositivos de produção de vida, convivência e exercício de cidadania, são cada vez mais restritos em ambos os contextos. Neste cenário, aparece a necessidade de promover um conceito ampliado de saúde mental coerente com a potência que se percebe nas juventudes. Esse conceito, deve contemplar a interdisciplinaridade, a intersetorialidade, a complexidade e uma perspectiva coletiva de expressão (Escóssia & Kastrup, 2005; Junqueira, 2000; Morín, 1996).

Igualmente, o conceito de resistência se torna importante para estabelecer as maneiras como os jovens tramitam sua saúde mental em cenários de violência e fragilidade institucional (Arias, 2014). Existe uma significância ética, estética e criativa na resistência e na maneira como ela conduz para reconhecer capacidades, habilidades e talentos nas juventudes e coletivos, assim como sua possibilidade de recompor fios cortados no tecido social e mobilizar produções ligadas à arte, à educação e à emergência de sujeitos políticos (Scott, 2004; Arias, 2014; Merhy, 2002).

Na atualidade, alguns elementos da perspectiva ampliada da saúde mental se vinculam em práticas de cuidado formais e informais tanto em Medellín como em Porto Alegre. Contudo, é necessário buscar uma compreensão mais ampla do fenômeno que permita estabelecer elementos chave para a gestão de políticas públicas no campo da saúde mental, e ao mesmo tempo, favorecer processos cotidianos de cuidado e convívio nos cenários naturais onde acontece a vida dos jovens, ou seja, famílias, escolas, bairros, grupos, coletivos, etc.

Em coerência com os elementos anteriores, esse estudo busca compreender como se configuram as práticas de cuidado da saúde mental de jovens nos cenários das duas cidades, entre os anos 2014 e 2016.

 

Metodologia

A abordagem epistemológica dessa pesquisa é hermenêutica, visto que procura dar sentido e compreender a experiência vivida e as manifestações do particular e subjetivo na esfera que vai desde o individual até o coletivo. O método utilizado é o narrativo, segundo as conceituações do filosofo francês Paul Ricoeur (2004).

A narração é uma maneira penetrante e singular de dar conta da experiência e das ações humanas no cotidiano, convertendo as problemáticas sociais em acontecimentos vitais que atravessam a vida das pessoas, e que por sua "intensidade" - usando o conceito de Rolnik (2007) - são susceptíveis de serem transformados em textos. Assim, o valor e relevância estão explicados pela riqueza da produção subjetiva e discursiva, numa tensão constante entre a realidade dos fatos e a ficção da narração (Bolívar & Domingo, 2006). No entanto, como se descreveu na introdução do artigo, a ficção aqui não significa mentira, pelo contrário, é a possibilidade de esclarecer que, de fato, a realidade é uma construção social e a produção de discursos, seja qual for, está mediada pelas nossas instituições, crenças e vivências (Onocko-Campos et al, 2013).

O tipo de narração que aqui interessa é de uma natureza diferenciada, sendo que se trata de uma narrativa de si e não de uma narração sobre experiências de outros sujeitos. Dessa maneira, todas as considerações, reflexões e achados surgem da minha experiência como jovem, profissional e pesquisador2 implicado com cenários, sujeitos, coletivos e dispositivos que versam sobre o cuidado da saúde mental dos jovens em Medellín e Porto Alegre. Em Medellín, analisaram-se as experiências de trabalho psicossocial e de pesquisa junto à Universidade de Antioquia e à Secretaria de Juventude da cidade, principalmente no "Proyecto Icaro", que era uma estratégia para a promoção da resiliência e a saúde mental, durante os anos 2014 e 2015. De outro modo, tomaram-se as experiências de pesquisa e voluntariado em Porto Alegre, enquanto estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e participando em alguns projetos de extensão e estágio no ano 2016, como o Acompanhamento Terapêutico na Rede Pública e o Programa de Educação Tutorial, os dois com interfase na juventude e a saúde mental.

Além disso, Foucault (1992) sugere que toda escrita é uma escrita de si, nesse caso surgiu a possibilidade de expressar as minhas manifestações vitais sobre o tema por meio de técnicas que procuram ao mesmo tempo rigor e potência da subjetividade.

As técnicas de pesquisa usadas foram o biograma e o diário de campo. O biograma é uma estrutura geral e cronológica do percurso do sujeito que vincula principalmente acontecimentos vitais (Sanz, 2005). Essa ferramenta, recolhe pontos importantes da própria trajetória de vida nos campos individual, profissional, familiar e coletivo; depois, a partir desses pontos acrescentar dimensões de tempo, modo e lugar, assim como a intensidade do acontecimento, sua relação com os temas do estudo e capacidade de produzir afetações. Dessa maneira, o biograma serve para dar ênfase, estrutura, ordem e sequência na produção narrativa (Sandín, 2003).

Por sua vez, o diário de campo, que é uma ferramenta comumente usada na pesquisa social, permite um registro permanente do processo de observação. É especialmente útil na análise e interpretação dos dados primários, assim como na construção em tempo real de ideias que podem ser debatidas com considerações posteriores ou fontes secundárias (Hernádez, Fernández & Baptista, 2010).

A rota de análise ou de leitura usou os três momentos miméticos do arco hermenêutico propostos por Ricoeur (2004). A Mimesis I ou prefiguração da conta dos antecedentes da narração, o ponto inicial e a "bagagem" com a qual o narrador chega para localizar os acontecimentos. Seguidamente, a Mimesis II ou configuração procura as relações lógicas e de sequência da narração, por meio da identificação dos núcleos fortes da mesma e a trama discursiva da narração. Por último, a Mimesis III ou refiguração aponta a identificar o sentido e a referência do texto, ou seja, descobrir o eixo condutor da narração, que para os fins desse artigo são os achados principais comentados no apartado da discussão (Ricoeur, 2004).

 

Resultados

O momento da Mimesis I ou prefiguração procura responder às perguntas: como se chega à narração? Quais os antecedentes do narrador? Nesse sentido, posso dizer que sou um jovem psicólogo colombiano implicado com as possibilidades e desafios das juventudes na América Latina. Trabalhei em projetos de intervenção e pesquisa, em diferentes temas, relacionados com a saúde mental de jovens em Medellín. Como morador dessa cidade, experimentei os conflitos sociais e as dinâmicas de injustiça e exclusão social, assuntos que também evidenciei em Porto Alegre, durante meus estudos de mestrado, e que são marcadores comuns nas vivências das juventudes na América Latina.

Nos últimos anos, minhas questões de interesse experimentaram uma transição fundamental, desde os assuntos mais sólidos, estáveis e rígidos a elaborações mais leves e flexíveis. Assim, tenho me permitido olhar outras visões do mundo e de produção de ciência, que permitem a compreensão e a complexidade, num mundo onde a saúde dos coletivos se produz desde inúmeras determinações sociais, políticas, culturais e ambientais.

Chego nessa narração tentando me colocar numa posição de mutua permeabilidade entre as minhas crenças, valores e práticas e os entornos que vou descobrindo nessa caminhada teórico-prática no campo da saúde mental. Vou procurando novos olhares sobre os mesmos temas com o intuito de transcender discursos dogmáticos, e encontro, mais que oposições ou dicotomias, pontos de conexão entre as diversas manifestações que se apresentam nas juventudes de Medellín e Porto Alegre.

O percurso da existência individual e coletiva aparece como uma experiência irredutível, singular e complexa, mas ao mesmo tempo, emerge uma possibilidade de produção de experiências compartilhadas e semelhantes sem importar o lugar. De modo que, existe uma dimensão da universalidade no relato que apresento, tanto que estas experiências são compartilhadas com outros jovens, e a ressonância dos cenários sobre as nossas subjetividades produz desfechos comuns na vida psicológica, social, política, cultural e institucional.

A partir desse lugar, e com o intuito de desvelar alguns aspetos dessa dimensão universal na experiência do cuidado da saúde mental, passo ao momento da Mimesis II ou configuração, onde apresento as produções narrativas sobre os dois contextos do estudo, mas também, das configurações similares que aparecem nas práticas de cuidado da saúde mental dos jovens.

a) Medellín: o devir resistente das juventudes em meio a desafios

Primeiro, é importante dizer que a Colômbia tem um sistema de saúde baseado no asseguramento, com a adoção obrigatória por parte da população de planos de saúde privados, desde uma perspectiva mercantil, que dificulta o acesso das pessoas sem recursos econômicos ou excluídos historicamente das centralidades físicas e simbólicas. Isso faz que a produção de saúde seja um desafio, e a saúde mental aparece ainda mais relegada.

Nesse cenário, existem dificuldades para gerar processos intersetoriais e interdisciplinares na negociação de conceitos e estratégias na saúde mental. Então, os discursos e práticas são muitas vezes mediados pelas perspectivas psiquiátrica ou psicopatológica que se constitui em hegemônica. Isso faz que a experiência de cuidado seja restrita, centrada nos problemas e transtornos mentais e produtora de estigma.

Em Medellín, a situação não é muito diferente em relação ao resto do país, embora, uma parte de nós, trabalhadores psicossociais e da saúde, tentamos produzir discursos diferentes ao hegemônico e práticas de cuidado conectadas com o território, possibilitando a geração de vínculo, solidariedade mútua, escuta aberta, convívio, compartilhamento de experiências e ampliação de sentidos. Isso acontece num clima de insegurança laboral e terceirização da força de trabalho dos profissionais que, sem dúvida, afeta negativamente a nossa saúde mental e a dos usuários. Aparece a figura de prestador de serviços como uma maneira mercantil de nomear os trabalhadores psicossociais e da saúde; essa figura é comumente difundida nos serviços, programas e projetos com uma clara tendência neoliberal de organização do trabalho, que possibilita contratos por poucos meses ou ainda por horas, fragmentando assim os processos de cuidado, a geração de parcerias duradoras e a memória institucional.

Experimentei essa lógica de trabalho e os tipos de relações que produz, os retrocessos e a duplicidade nas ações, e a luta constante de corpos "esquizofrênicos", que por um lado apostamos pelo planejamento, transversalidade e trabalho em rede; mas de outro lado, colapsamos ante as contingências do instituído e a materialidade das precariedades nas condições de trabalho. Contudo, esse contexto também me permitiu perceber o poder das mobilizações subterrâneas, das grandes ações de pequenas equipes e do meu próprio poder de resistência na invenção de cuidado na alteridade. O cuidado da saúde mental e o trabalho psicossocial não conseguem se acomodar à gestão do trabalho sob a lógica de produtos estimáveis e terminados para entregar a uma parte contratante, quando realmente o que interessa é a construção de um processo subjetivo e dinâmico que requer continuidade, disponibilidade e cotidianidade.

As afetações da saúde mental em Medellín são múltiplas e profundas. Os desenraizamentos e violências da década do 90 e começo do milênio têm gerado marcas que são perceptíveis nos jovens de hoje. Também, sentimos de perto, nós jovens dessa cidade, as feridas no tecido social, decorrentes do acionar de múltiplos grupos armados em disputa (força pública, guerrilhas, paramilitares e bandas criminais), e as implicações que tudo isso origina sobre uma cultura da ilegalidade e o medo, assim como as restrições em direitos básicos como o livre trânsito pela cidade. Algumas das marcas e feridas continuam abertas em muitos casos e ambientes; e a emergência de uma saúde mental, caracterizada por forças em tensão, se visualiza de maneira clara em nós. Emerge uma tensão fundamental entre agressividade e produção de práticas de cuidado nos jovens, o que coloca a perspectiva de risco psicossocial como superada, porque não se trata de alguns problemáticos e outros saudáveis, mas da potência de sujeitos com heterogeneidades dentro e fora de si e com construções sobre o ético e moral em constante confronto.

Nesse panorama de tensões, a família, os amigos e o bairro se situam como cenários básicos para as práticas de cuidado da saúde mental. O transitar por espaços de cuidado imersos no cotidiano me permitiram sentir o poder reparador do diálogo e a escuta; nas conversas com colegas psicólogos brincávamos dizendo que "não existe melhor psicoterapeuta que um bom amigo ou um taxista velho", essas palavras fazem cada vez mais sentido, sendo que as vias naturais de do cuidado da saúde mental são talvez as mais potentes, e as ações mais especializadas, só são necessárias quando as anteriores faliram. Os dispositivos informais de cuidado se configuram em redes de relações que geram afeto, identificação, convívio e suporte. Nesse sentido, se estabelece uma micropolítica do cuidado, ou seja, uma negociação de sentidos, discursos, corporalidades e práticas em contextos vinculares abertos, relativamente estáveis e próximos que mantêm vivas as tensões geradoras de potência da saúde mental.

O caso da proliferação de coletivos de jovens em Medellín é uma mostra clara dos efeitos na saúde mental ligados à riqueza dos vínculos, em espaços mediados pela arte, pela dança, pela escrita, pela música, pelos grafites. Também, existem fortes mobilizações sobre reivindicações políticas pela vida e uma renúncia a esquecer os mortos. Esses coletivos emergem de forma espontânea, configurando respostas resistentes ante as violências e desafios da cidade. Compartilhar espaços com líderes desses grupos constituiu uma possibilidade de repensar meu rol político e posição como profissional jovem, focando nas nossas necessidades apreendidas e não necessariamente naquelas que aparecem em manuais de atenção psicossocial trazidos de outros contextos e realidades.

Por outro lado, os cenários formais de cuidado da saúde mental na cidade (serviços de saúde, escola, programas e projetos) se tornam uma estratégia para ajudar no trânsito pela juventude e para lidar com tensões psicológicas e coletivas. Esses espaços ainda são pensados fortemente desde a lógica de "estilos de vida saudáveis", o que sugere uma teleologia, do cuidado relativamente, rígida e esperável, ou seja, uma construção delimitada de sujeitos possíveis, um dever ser. Contudo, nesses espaços entre os jovens encontramos linhas de fuga, estabelecendo a possibilidade de produção de "modos de vida" singulares na relação entre o trabalhador da saúde ou psicossocial e os participantes. Nesses espaços, ganhamos principalmente oportunidades de geração de vínculos, socialização e diversidade; deixamos de ser o centro, reconhecemos a nós mesmos e aos outros, identificamos e fortalecemos os recursos (próprios e coletivos) e aprendemos a conectarmos com as oportunidades e desafios que oferece a cidade. Resumindo, os cenários formais de cuidado da saúde mental procuram duas mudanças ou movimentos principais, movimentos que eu mesmo experimentei como trabalhador junto a outros jovens no "Proyecto Icaro": pretendem mobilizar a juventude da solidão para a dimensão do convívio e a pluralidade, e transitar da desesperança à esperança na construção e vivência da cidade.

Porém, é possível que o aprendizado mais importante, que poderia favorecer um serviço formal, é que um jovem consiga se reconhecer como sujeito político em interação com cenários complexos, onde a produção de resistências próprias e coletivas se convertem em maneiras de transitar na cidade, se sobrepor ante as injustiças e de viver a saúde mental. Meu próprio reconhecimento como sujeito político não veio da formação acadêmica, senão que emerge da prática profissional em equipes de trabalho e processos de intervenção junto a jovens.

b) Porto Alegre: as tensões na emergência de uma saúde mental coletiva

O Brasil conseguiu gerar o Sistema Único de Saúde (SUS) estabelecido a partir da Constituição Federal de 1988. Essa foi uma vitória de múltiplos movimentos sócias e dos trabalhadores da saúde. O SUS apresenta maneiras renovadas da gestão e planejamento do trabalho, produção de práticas de cuidado e controle social em saúde. Entretanto, as promessas do SUS permanecem ainda em construção e apresentam barreiras para que o direito à saúde seja uma realidade plena. Além disso, existem fortes ameaças decorrentes da mudança abrupta no modelo de governo do país no ano 2016, depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Quando cheguei em Porto Alegre, no ano 2015, achei desafios importantes e rapidamente percebi que eram compartilhados por outros jovens imigrantes que vieram no Brasil para estudar. No meu caso, pensar o tema da saúde mental juvenil a partir de outra cultura, outros símbolos e outro idioma foi assustador, mas ao mesmo tempo se abria a possibilidade excitante de interagir com toda essa alteridade e que fosse produtiva.

Na procura de algum serviço, espaço ou coletivo que trabalhasse com jovens na cidade, para me inserir nele como uma ação importante para meu processo de pesquisa, evidenciei os cortes de investimentos públicos para programas sociais e de saúde. Projetos que trabalhavam com populações fortemente afetas pela violência na cidade foram deficientemente financiados, por exemplo o Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomodê que tem uma proposta artística e cultural com juventudes negras.

De outro lado, os dispositivos contemplados pelo SUS para o cuidado da saúde mental apresentam para mim dinâmicas interessantes, comparado com a Colômbia, onde não existem dispositivos semelhantes. Os Centros de Atenção Psicossocial, o Consultório na Rua e a estratégia de redução de danos sobressaem pela sua potência na criação de maneiras de cuidado e produção de vínculos. Todos eles são pensados como estratégias coletivas, situadas no território e que possibilitam práticas de cuidado de si e dos outros, porque promovem a autonomia, a liberdade e a responsabilidade, ainda que na realidade existam grandes desafios para manter esses valores. Todavia, tive a oportunidade de conhecer alguns desses dispositivos em ação, nos meus recorridos curiosos pela cidade e nas conversas com profissionais inseridos nesses serviços, e se percebe ainda a presença dos discursos psiquiátricos nas práticas de cuidado, principalmente em relação à medicalização.

Da mesma forma que em Medellín, em Porto Alegre as práticas de cuidado da saúde mental estão mediadas também pela arte, a música, a dança, o diálogo e a invenção constante de novos dispositivos de trabalho e teorização. Talvez esse processo tenha a ver com a forte presença de instituições acadêmicas em Porto Alegre que pensam, pesquisam e intervém em temas de saúde mental a partir de uma perspectiva interdisciplinar e intersetorial, produzindo práticas de cuidado ampliadas, focados na geração de vínculos e na reflexão constante das ações. Um exemplo disso são os programas em Saúde Coletiva na graduação e pós-graduação, as Residências Multiprofissionais em Saúde Mental Coletiva, a Escola de Saúde Pública e múltiplos projetos de extensão universitária como os Programas de Educação Tutorial e o Acompanhamento Terapêutico na Rede Pública. Nesses dois últimos projetos tive a oportunidade de participar como voluntario, foi uma experiência de imersão em alguns cenários de trabalho com jovens. No Acompanhamento Terapêutico observei como um grupo de jovens estagiários de psicologia se aproximavam de uma clínica da saúde mental coletiva, no sentido de estabelecer uma relação terapêutica nos espaços naturais das pessoas, algumas delas com sofrimento psíquico importante, e perceber dois mecanismos utilizados que acredito potentes: o uso da rua como um dos espaços de contato terapêutico e a possibilidade de se vincular com os usuários a partir do afeto e a confiança, assuntos que numa clínica psicológica tradicional são indesejáveis ou restritos.

Para sintetizar, um dos assuntos mais interessantes das práticas de cuidado da saúde mental juvenil na cidade é a gênese do que chamo de moralidade da multiplicidade. Essa orienta um olhar sobre o cuidado desde o acolhimento, a heterogeneidade, a diversidade e a produção de vida; que se coloca como diferente às perspectivas morais baseadas na salvação (a culpa, a abnegação, a renúncia) ou coercitivas (a polícia, a lei, a punição). Contudo, essas perspectivas morais interagem de maneira constante e estão em permanente tensão.

Numa cidade como Porto Alegre, em que os jovens experimentam fortes cenários de exclusão social, a emergência de uma moralidade da multiplicidade permite gerar discursos voltados a reivindicar direitos das juventudes. No meu descobrimento da cidade me deparei com uma divisão fundamental entre centralidade e periferia, não só na dimensão espacial senão também, e principalmente, na simbólica. Os jovens da centralidade acessam serviços de saúde, emprego e educação de qualidade; enquanto os jovens da periferia, com uma porcentagem significativa da população negra, sofrem múltiplas violências e discriminação. A moralidade da multiplicidade é um fio condutor para me movimentar pela cidade, que permite subverter discursos como "bandido bom é bandido morto", frase que se espalha fortemente e contribui com a perpetuação das violências. Nesse sentido, a formação de resistências se converte num atributo importante para favorecer a saúde mental dos jovens.

Uma experiência valiosa aconteceu na ocupação de escolas e depois de faculdades na capital e outras cidades do Rio Grande do Sul, durante o ano 2016, principalmente em resposta à Proposta de Emenda Constitucional 55 de 2016 sobre o teto dos gastos públicos. Visitei uma ocupação numa escola pública de Porto Alegre e foi interessante como os jovens se uniram numa ação coletiva compacta que exigia melhor financiamento e qualidade na educação, entre muitas outras questões. Em definitivo, isso se coloca como uma expressão privilegiada das tensões da saúde mental dos jovens e sua potência, logo, a educação se converte num artefato de diminuição das desigualdades e exclusões mencionadas.

Pontos de encontro para o cuidado da saúde mental juvenil

Para finalizar o momento da Mimesis II da narração, é relevante pensar em pontos de encontro que, em ambos os contextos, operam como atributos constituintes das práticas de cuidado da saúde mental juvenil.

A principal conexão é que as práticas de cuidado da saúde mental que produzem vida e potência se configuram como processos em rede, conforme apresentado na Figura 1. Isso acontece em dois sentidos, por um lado está a dimensão estrutural, que conecta aos atores nos níveis intersetorial, inter-disciplinar e a rede de serviços formais de cuidado em saúde mental. Por outro, está a dimensão micropolítica, que se refere ao vínculo, às redes de apoio, aos espaços de socialização, ao encontro terapêutico, à diversidade, a vivência junto à família, os coletivos, aos grupos, à escola e ao bairro. Essas duas dimensões são interdependentes e na experiência concreta de cuidado elas podem se apresentar simultaneamente. Através de minha vivência, percebo que em Porto Alegre a dimensão estrutural está mais fortalecida, enquanto em Medellín a dimensão micropolítica é uma tendência marcada e envolve múltiplas práticas cotidianas que favorecem o cuidado da saúde mental.

 

 

Além disso, existem três características ligadas ao sucesso na geração dessas práticas e que são transversais nas duas dimensões mencionadas: a disponibilidade, a cotidianidade e a continuidade. Essas características não impõem um desenvolvimento esperável ou um dever ser, pelo contrário, são atributos flexíveis que fazem referência à forma e não ao conteúdo das práticas. Disponibilidade significa que a prática de cuidado da saúde mental se apresenta aberta, ampla, accessível em tempo e lugar e comtempla a multiplicidade. Isto implica que os dispositivos formais e informais de cuidado devem ser acolhedores, como se espera que ocorra na escola, na família e nas estratégias ligadas a políticas públicas no campo da saúde mental.

De outro lado, a cotidianidade refere a relação com a experiência, a reflexão e a produção sobre o mundo, assim como o cenário próprio para o cuidado de si e dos outros como uma construção situada. Na dimensão estrutural como que na dimensão micropolítica devem existir uns contatos diretos com o cotidiano da vida, as realidades e necessidades dos jovens e a utilidade pratica das ações de cuidado. Finalmente, a continuidade assegura uma relativa permanência, estabilidade, sustentabilidade e conexão com outros níveis e ofertas de cuidado. Por exemplo, a instabilidade laboral dos trabalhadores no campo da saúde mental, as rupturas na coesão social de um bairro ou a falta de coerência nas trocas de governos municipais, são assuntos que afetam a continuidade do cuidado da saúde mental juvenil.

Em Medellín, assim como em Porto Alegre, a saúde mental juvenil está atravessada pela geração de vínculos que se convertem em redes de cuidado. As práticas de cuidado de si e dos outros, nas quais estamos imersos, originam uma ética e estética do cuidado, porque procuram o belo e o bom, mediante artefatos múltiplos (simbólicos, culturais, materiais) que são inventados constantemente. Nessa perspectiva, o âmbito mental não é uma parte ou segmento de um todo, mas um acúmulo de relações que refere a uma unidade corpórea. Então, não existe uma ferramenta que cirurgicamente intervenha só o mental, sendo que a afetação do mental se produz por práticas que atravessam as corporalidades.

Assim, a saúde mental juvenil se experimenta como uma tensão constante, mas não entre elementos que são opostos ou dicotômicos, como saúde-doença, risco-proteção; senão entre modos de vida e interações sociais, culturais e políticas, o que origina processos singulares, diferentes e múltiplos de experiência sobre a saúde mental. Isso traz a emergência do coletivo e do ambiente como cenários primordiais para serem pensados, como lugares que mantêm vivas em nós as forças em tensão e a sua potência.

Finalmente, e como comentei em cada uma das cidades, a resistência que mostram as juventudes é fundamental para lidar com as tensões da vida e as violências. A resistência nos ajuda a fortalecer as iniciativas coletivas, favorece nosso trânsito pelas cidades com suas ofertas de cuidado e suas adversidades, e possibilita a construção do sujeito político. Todos esses elementos são fundamentais para compreender uma saúde mental situada.

 

Discussão

O último momento do arco hermenêutico que propõe Paul Ricoeur (2004), a Mimesis III ou refiguração, procura conectar os fios da narração com outras para gerar referência e sentido. Então, proponho uma conversa com outros autores para procurar alguns lugares de encontro.

A saúde mental se insere numa rede de relações que emerge e gera complexidades. A configuração das práticas de cuidado da saúde mental juvenil dependerá de dispositivos que atuem em rede no sentido que expôs Michel Foucault (1985), como um conjunto de instituições, discursos, estruturas, espaços, enunciados, o dito e não dito, perspectivas filosóficas e moralidades. Esses elementos em rede estão na base das formas que propiciam as práticas de cuidado na saúde mental nas duas cidades analisadas.

Na produção narrativa desse estudo, experimentei duas dimensões, que realmente operam mais como elementos de explicação e compreensão do que como realidades fáticas separadas. A dimensão estrutural se refere à geração de relações em um nível que compreende as instituições no sentido formal e material, o que leva a concluir que os vínculos e as relações de poder entre atores estatais, não governamentais, coletivos e privados, são os responsáveis de determinados arranjos na oferta dos serviços de cuidado da saúde mental, das práticas e interesses intersetoriais e das possibilidades de um verdadeiro diálogo de saberes entre esses atores (Junqueira, 2000; Morín, 1996). Essa rede complexa de relações conduz a efeitos difíceis de estimar ou medir, mas, na experiência concreta da vida, gera potências ou debilidades nos serviços de saúde, na interface entre direitos sociais e as condições de saúde e na visão que tem uma sociedade sobre assuntos como o sofrimento mental e as suas terapêuticas (Bang, 2014), mencionando só algumas questões.

Também, a produção de redes no cuidado da saúde mental se apresentou numa dimensão micropolítica. Aqui o micropolítico não significou pequeno ou menos importante, não é uma questão de escala, senão de outro cenário no qual se dá a produção de subjetividades (Merhy, 2002; Feuerwerker, 2014). Emerson Merhy (2002) enfatiza sobre a importância do trabalho em saúde como uma experiência micropolítica de negociação de sentidos, afetações mutuas, discursos, confianças, etc.; e como um processo que se produz em ato, ou seja, no encontro. Expandindo essa possibilidade, é plausível pensar em um cuidado da saúde mental que vivenciamos não só nos serviços formais, mas também, e como cenário básico, no convívio espontâneo nos grupos sociais, coletivos e instituições como a família, a escola, a igreja, e outras. Assim, as práticas que cuidam da saúde mental se expressam principalmente como tecnologias leves, porque estão baseadas no vínculo próximo e visam uma experiência ética e estética do encontro (Merhy, 2002; Feuerwerker, 2014).

Em conclusão, são três as características dessas redes produtoras de práticas de cuidado da saúde mental em Medellín e Porto Alegre: a disponibilidade, a continuidade e a cotidianidade. Os dois primeiros têm muita relação com os conceitos orientadores dos sistemas nacionais de saúde no mundo, especialmente aqueles focados na Atenção Básica/Primaria em Saúde (Dimenstein, 2013; Seixas, Merhy, Baduy & Junior, 2016). Contudo, nos achados desse estudo, esses dois conceitos significam mais que estratégias de qualidade da atenção nos serviços de saúde, sendo que se referem também a cenários informais e às lógicas de geração de redes na dimensão estrutural; quer dizer, por exemplo, que as relações intersetoriais também requerem disponibilidade e continuidade.

Além disso, a cotidianidade é uma caraterística fundamental para pensar em uma saúde mental situada. Os dispositivos, que por muito tempo têm produzido práticas e terapêuticas fora da cotidianidade, como o hospital psiquiátrico, mostram as prejudiciais lógicas de assujeitamento e controle no campo da saúde mental (Foucault, 2001). Antônio Lancetti (2006), em seu livro Clínica peripatética, apresenta a força de outras terapêuticas que têm sua gênese na cotidianidade e se referem a ela como cenário natural das práticas de cuidado da saúde mental, ao final, essas práticas produzem seus efeitos na vida, nos acontecimentos e na experiência individual e coletiva. Igualmente, a potência da cotidianidade na saúde mental juvenil vive em espaços de socialização muito diversos e não exclusivos ao campo das terapêuticas; também o bairro, a família e o "parche" (como se diz na Colômbia a um grupo de jovens que se sentem vinculados e identificados entre eles) são cenários fundamentais de cuidado.

Como se comentou anteriormente, a saúde mental se insere numa série de práticas de cuidado de si e dos outros, o que necessariamente refere aos últimos escritos de Foucault, e principalmente a seu livro História da Sexualidade (1991). Ali, o autor se remonta à antiguidade greco-romana e começo do cristianismo para explicar as operações (tecnologias do eu) que o cidadão usava para se transformar e se construir como sujeito (Foucault, 1991,1996). Essas operações não aludem somente a atividades individuais, mas são especialmente coletivas e mediadas por dinâmicas de poder. Sob essa ótica, as práticas de cuidado da saúde mental são dispositivos que delimitam uma visão do mundo, uma relação com os outros e umas operações sobre si (Foucault, 1991,1996). Então, existem algumas práticas de cuidado de si e dos outros que são produtoras de subjetividades, autonomia e modos de vida singulares, permitindo uma perspectiva de fuga para pensar a potência da resistência no plano da saúde mental.

Dessa forma, o conceito de resistência é central para pensar a saúde mental juvenil como plano de tensão de forças, produções coletivas e invenção de subjetividades. Para Beatriz Arias (2014), a resistência opera como uma possibilidade de confronto com as relações de poder, mas não somente às relativas ao Estado, senão todas aquelas manifestações que espalham forças de poder, múltiplas e difusas na vida cotidiana. Além de grandes revoluções, as resistências nesse nível permitem explorar ações comuns e potentes no sentido de tecer mundos compartilhados e tensões respeito às grandes desigualdades sociais (Arias, 2014). Em coerência, essa interdependência entre saúde mental juvenil e resistência origina uma rica expressão de sujeitos políticos e uma implicação com a justiça social e a transformação (Scott, 2004).

 

Considerações Finais

Finalmente, para motivar futuras narrações e interlocuções se apresentam dois temas em aberto para que a conversa se expanda. Um deles está relacionado com as moralidades no cuidado da saúde mental juvenil, por ser uma área de reflexão indispensável para pensar questões que estão na base das configurações sociais, culturais, políticas e históricas que produzem um tipo de práticas e não outras. O segundo tema é a saúde mental do imigrante jovem. A importância desse tema é fundamental num mundo que vive fortes fluxos migratórios de populações que, por múltiplos motivos (entre eles violência, exclusão social e perda de possibilidades de futuro), se deslocam dos lugares onde têm construído suas redes de relações e experimentam sofrimento mental e angústia.

 

Referências

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Recebido em: 2018-07-14
Aprovado em: 2018-07-14

 

 

1 Esse artigo se deriva da pesquisa entitulada "Prácticas de cuidado de la salud mental juvenil: experiencias desde Porto Alegre, Brasil y Medellín, Colombia", dissertação do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 O autor principal foi quem construiu e configurou as narrativas apresentadas no artigo sobre a sua própria experiência, por isso o texto aparece em primeira pessoa. A professora Cristianne (autora secundaria) foi a orientadora da dissertação de mestrado e participou da escrita da introdução, a metodologia, a discussão e as considerações finais

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