Revista Psicologia Política
ISSN 1519-549X ISSN 2175-1390
RESENHAS
Marxistas no Brasil avaliam Marx hoje
Marxists in Brazil evaluate Marx today
Marxistas en Brasil evalúan Marx hoy
Les marxistes au Brésil évaluent Marx aujourd'hui
Paulo Henrique Furtado de Araújo
Professor da Faculdade de Economia da UFF, membro do NIEP-MARX-UFF e do GEPOC-UFF. phfurtadoa@gmail.com
Obra: Oliveira, Isabel Fernandes de; Paiva, Ilana Lemos de; Costa, Ana Ludmila Freire; Lima, Felipe Coelho & Amorim, Keyla (orgs.) (2016)
Marx hoje: pesquisa e transformação social. São Paulo: Outras
O livro Marx hoje: pesquisa e transformação social, lançado em 2016 pela editora Outras Expressões, com o apoio do CNPQ, e organizado por Isabel Fernandes de Oliveira, Ilana Lemos de Paiva, Ludmila Freire Costa, Felipe Coelho Lima e Keyla Amorim, reúne um conjunto de textos originalmente apresentados no I Seminário Marx hoje: Pesquisa e Transformação social, ocorrido em abril de 2014 na UFRN. O referido Seminário foi realizado pelo Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação (GP&M), do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRN (PPgPsi/UFRN), que tem por objetivo central estimular e amalgamar pesquisadores, docentes e estudantes de graduação e pós-graduação em Psicologia em torno da teoria social marxiana. Os organizadores e autores disponibilizaram a íntegra da obra na página eletrônica do evento (www.marxhoje.com.br) e adotaram a licença de atribuição Creative Commons, dentro do entendimento de que a difusão ampla do conhecimento e a negação de sua transformação em mercadoria é fundamental para qualquer a crítica radical e transformadora da sociabilidade do capital. O conjunto de textos que compõem a obra apresentam diferenças de forma e conteúdo entre si, pois refletem o tipo de intervenção de cada autor no evento. Tendo a unificá-los a reivindicação da necessidade da emancipação humana em relação ao capital e à sua lógica.
O volume vem a público em boa hora, pois vivemos uma quadra da história de reação generalizada das personificações do capital frente às parcas conquistas do proletariado e das classes subalternas brasileiras. Sem deixar de ressaltar que essa reação é urbi et orbi, cobrindo todos os quadrantes do planeta, de norte a sul, o que indica, para os que lutam para resgatar o pensamento do próprio Marx e escoimá-lo de todo um conjunto de imputações que empanam a sua potência intelectual, que há uma ligação entre o padrão de acumulação do capital em escala mundial e as manifestações políticas mais gerais. Portanto, este é um momento em que se exige dos intelectuais comprometidos com a auto-emancipação humana, reflexão teórica de qualidade capaz de desvelar essas ligações e causalidades. Algo distante da vulgata doutrinária que dominou e, em alguns setores ainda domina, os que se reivindicam do marxismo.
Ainda que os artigos que compõem o presente volume, apresentem ideias em alguns casos polêmicas (por exemplo na identificação do proletário com o operário fabril, sendo esse o produtor de mais valor; no entendimento de que a ditadura do proletariado funda o socialismo; de que a luta de classes constitui o momento fundante do modo de produção capitalista; de que capital financeiro é tão somente a associação do capital produtivo com o capital bancário; etc.) e que, no geral, não capturem que a forma específica de dominação da sociedade do capital não é a dominação de classes, mas a dominação das coisas que os homens produzem sobre os próprios produtores. Ainda assim, aqui estão presentes contribuições de marxistas brasileiros que se propõem a pensar e fazer avançar a teoria crítica marxista e o entendimento da realidade para sua transformação emancipadora. Destarte, a obra é uma contribuição incontornável para todos os que, no momento presente, se propõem a tarefa de pensar e contribuir para a emancipação humana da lógica societária do capital.
O livro é constituído por três partes, além de um prefácio de Marcello Musto (York University). Musto, que é um reconhecido pesquisador da obra marxiana, destaca a importância e atualidade do pensamento de Marx, que pode ser constatada a partir do projeto da MEGA II (Marx-Engels-Gesamtausgabe) de apresentar ao público a obra completa de Marx e Engels a partir de seus próprios manuscritos.
A primeira parte intitulada A tradição marxista: pesquisa e transformação social, é composta por cinco artigos. O primeiro artigo de Oswaldo Yamamoto, da UFRN (A atualidade do método de Marx), destaca o poder da teoria marxiana na intelecção da sociedade do capital e na sua superação. Acentuando a importância da adequada articulação entre método, teoria do valor-trabalho e revolução, para os pesquisadores que buscam ultrapassar as tendências relativistas e contribuir para a formação de análises desmistificadoras da realidade do capital.
O segundo artigo é de Ivo Tonet, da UFAL, tendo por título Lukács: trabalho e ser social. Autor afiliado à tradição luckacsiana instaurada pela obra Para uma Ontologia do Ser Social, Tonet trata em seu artigo do trabalho enquanto categoria fundante do ser social, expondo didaticamente as características próprias do trabalho humano que permitem o salto ontológico entre o ser orgânico e o ser social. E finda destacando, a partir da ontologia do ser social, a constituição do pensamento científico, portanto, verdadeiro. O que o leva a explanar sobre a objetividade e a neutralidade científica numa sociedade de classes.
O terceiro artigo (Pesquisa na tradição marxista: método e sua contribuição para as ciências humanas e sociais) é de autoria de Elaine Rossetti Behring, da UERJ. A autora assume a compreensão de que o método de Marx é a "bússola para interpretar o mundo (p. 60) e desta forma reclama a atualidade da afirmativa de Lukács de História e Consciência de Classe de que ortodoxia no marxismo refere-se ao método. Na sequência demonstra como o tema central de sua pesquisa acadêmica ("estudo da lógica da constituição e da alocação do fundo público e sua relação com a política social", p. 62) se desdobra em temas acadêmicos específicos e exige o manejo das categorias de totalidade, da particularidade e suas mediações e da contradição.
O quarto artigo é de autoria de Jane Cruz Prates, da PUCRS, e tem por título O método e a teoria marxiana. O artigo é o resultado da oficina realizada no I Seminário Marx Hoje (ocorrido em Natal, abril de 2014) e sistematiza os principais conteúdos relativos ao método de Marx. Destaca as bases axiológicas, epistemológicas e ontológicas do método de Marx, assinala o trabalho como objeto de investigação e as particularidades que ele assume no capitalismo. Além de ressaltar as categorias dialéticas e as diferenças entre o momento da pesquisa e da exposição dos resultados da pesquisa, em Marx. A partir dessa perspectiva é que o artigo argumenta que a crítica sistemática da sociedade capitalista e o projeto revolucionário de sua superação, exigem investigações que se estruturem a partir destes parâmetros.
O quinto e último artigo desta primeira parte é de autoria de Carlos Montaño, da UFRJ, e tem por título Marxismo e transformação social: tendências e contratendências. Trata-se de uma contribuição em defesa da transformação social que tem na crítica radical ao modo de produção capitalista o momento incontornável para a emancipação humana. O artigo retoma o que seriam os fundamentos do marxismo para a transformação social: a classe trabalhadora e o proletariado ("o trabalhador fabril, produtor de mais-valia", p. 119) enquanto centrais na constituição do sujeito revolucionário, a crise estrutural do modo de produção capitalista e o socialismo enquanto caminho para o comunismo. Trata, rapidamente, da diferença entre emancipação política e emancipação humana em Marx e de guerra de posição e guerra de movimento em Gramsci. E encerra com a chamada para a necessária articulação entre capacidade de indignação e a construção de um conhecimento crítico da realidade capitalista, articulação que aponta para a transformação social.
A parte II do livro, tem por título Questões contemporâneas à luz do marxismo e é composta por quatro artigos. O primeiro deles, de autoria de Mário Duayer, da UERJ, tem por título Capital: a verdade absoluta do ceticismo pós-moderno e adjacências. Partindo das contribuições de Lukács (em particular da obra Para uma Ontologia do Ser Social) e de Roy Bashkar, tem por foco a crítica das posições relativistas tão comum aos filósofos das tradições pós-moderna, pós-estruturalistas, do neo-pragmatismo, etc. Segundo o autor, a atitude básica de todas essas posições advoga "que o conhecimento do mundo jamais pode ser objetivo porque é sempre uma espécie de consenso local (classista, cultural, étnico, etc.)" (p. 138). Desta maneira, tais teorias, críticas do positivismo, "assumem a divisa metafísica do positivismo e negam toda ontologia" (idem). Contudo, trata-se de uma negação nominal. Na verdade, tais teorias possuem "uma ontologia que reduz o mundo social e natural às percepções dos sujeitos", ou seja, "se sustentam em um realismo empírico" (ibid). Tal ontologia leva inevitavelmente ao conformismo do sujeito frente ao mundo instaurado pelo capital. O artigo demonstra que o combate a tais posições exige a crítica da ontologia na qual estão fundadas e tal crítica tem por alicerce insubstituível a ontologia marxiana.
O segundo artigo desta parte é de autoria de Ana Lia Almeida e Roberto Efrem Filho, ambos da UFPB, intitulado Educação, ideologia e práxis. Nele é feita uma análise das relações entre o processo educativo e a construção de formas ideológicas na sociedade capitalista. Tomando como exemplo das possibilidades dessa relação, duas experiências acadêmicas que os autores conduzem no curso de Direito da UFPB. Utilizando-se de Marx, Lukács e Mészáros, buscam uma maior precisão da categoria de ideologia e das formas como a educação participa da formação de consciências no interior da luta de classes.
O terceiro artigo é de Daniel Araujo Valença, da UFERSA (Marxismo e América Latina: história e possibilidades no século XXI). Tem um duplo objetivo: (1) debater sobre marxismo e América Latina, considerando o lugar que a região teve no processo de acumulação primitiva de capital nos primórdios do modo de produção capitalista e as inúmeras revoltas e rebeliões dos subalternos da região, notadamente, indígenas, negros, etc. (2) resgatar, brevemente, a história da filosofia da práxis na América Latina. O artigo critica o marxismo mecânico e dogmático que tentava ou transpor sem mediações os postulados do marxismo vigentes na Europa para a América Latina ou admitia a inadequação do marxismo para a compreensão da região. O artigo avança para a análise dos processos políticos ocorridos nos países andinos, com destaque para a Bolívia e seu Estado Plurinacional e sustenta que o marxismo crítico e não dogmático é a teoria crítica capaz de potencializar os atuais processos políticos experimentados na região.
O quarto e último artigo dessa segunda parte é de autoria de Ricardo Antunes, UNICAMP, e tem por título A era das rebeliões e os desafios do marxismo. O autor destaca que desde 1968, está em andamento uma contrarrevolução burguesa em escala mundial. Tal fenômeno tem como manifestação específica a tríade neoliberalismo, reestruturação produtiva e crescimento do capital financeiro, e está associado às formas de reações populares por todo o planeta que se caracterizam pela heterogeneidade de suas pautas reivindicatórias e pela presença ativa das questões de gênero, etnia, nacionalidade, idade, etc. Na sequência, o artigo discute o proletariado enquanto sujeito revolucionário e a necessidade dos marxistas compreenderem a nova morfologia do proletariado que inclua os trabalhadores do setor de serviços e apreenda o seu lugar no processo revolucionário. A conclusão do autor é a da necessidade de retornar a Marx para melhor compreendermos o século XXI, o proletariado enquanto sujeito revolucionário e as possibilidades de superação do mundo do capital.
A terceira parte do livro tem por título Psicologia e Marxismo e é composta por três artigos. O primeiro deles de autoria de Isabel Fernandes de Oliveira e Ilana Lemos de Paiva (A atualidade do marxismo e sua contribuição para o debate sobre a formação e atuação profissional de Psicologia), as autoras e o Prof. Dr. Oswaldo H. Yamamoto são coordenadoras do GPM&E e do evento que deu origem ao livro que estamos resenhando. O artigo em questão tem por foco pensar o lugar da Psicologia como ciência e profissão que se ponha no rumo da emancipação humana dos constrangimentos impostos pela sociabilidade do capital. Para tanto, apresenta os pressupostos da teoria social de Marx e Engels e a toma como eixo ou parâmetro de pesquisa, de crítica teórica e prática e de atuação profissional militante.
O segundo artigo (Marxismo e pesquisa: apontamentos sobre a experiência de um Grupo de Pesquisa em Psicologia) é de autoria de Raquel Souza Lobo Guzzo, da PUCCAMP. Nesse artigo, a relação entre Psicologia e marxismo é problematizada e são destacados os elementos teóricos e exemplos práticos de uma possível aproximação entre eles. Destacando que a Psicologia tem como uma potencialidade o fornecimento de subsídios tanto para uma ética antípoda à ética do capital quanto para uma vida social humanizadora do homem. O exemplo prático apresentado vem da experiência do grupo de pesquisa o qual a autora coordena e que desenvolve trabalhos sobre a passagem da consciência de si para a consciência de classe.
O terceiro e último artigo é de autoria de Fernando Lacerda Jr., da UFG, e tem por título Marxismo e Psicologia: Notas críticas sobre epistemologismo, emancipação e historicidade. O artigo busca explorar as possíveis relações entre Psicologia, marxismo e transformação social e tem por telos indicar aos estudiosos e profissionais da Psicologia, como o marxismo pode contribuir para interpretar e transformar o mundo. Nele há três destaques sobre "a contribuição do marxismo para a crítica e análise da Psicologia: (a) a crítica ontológica do epistemologismo na Psicologia; (b) a crítica da hegemonia da emancipação política na Psicologia; (c) a ênfase na radical historicidade da essência humana" (p. 255). O artigo recupera a contribuição de Lukács de Para uma Ontologia do Ser Social e enfatiza que a Psicologia tem a ganhar com as contribuições marxistas e luckacsianas em torno da construção de uma nova filosofia da subjetividade, do papel do sujeito na história e da compreensão de que autoconstrução humana é um processo histórico e material.
Referências
Marx, Karl (2013) O capital: Crítica da Economia Política; Livro I. São Paulo: Boitempo [ Links ]
Oliveira, Isabel Fernandes de; Paiva, Ilana Lemos de; Costa, Ana Ludmila Freire; Lima, Felipe Coelho & Amorim, Keyla (orgs.) (2016) Marx hoje: Pesquisa e transformação social. São Paulo: Outras Expressões [ Links ]
Postone, Moishe (2014) Tempo, Trabalho e Dominação Social - Uma reinterpretação da teoria crítica de Marx. São Paulo: Boitempo. [ Links ]
Submetido em: 2018-07-25
Aprovado em: 2018-08-24