Revista Psicologia Política
ISSN 1519-549X ISSN 2175-1390
ARTIGOS
Política Pública Habitacional: desafios da equipe social com a interdisciplinaridade
Public Housing Policy: challenges of social team with the interdisciplinarity
Política Pública de Vivienda: retos de la equipo social con la interdisciplinaridad
Politique de Logement Publique: les défis de l'équipe sociale en interdisciplinarité
Ana Lucia Ribeiro da Rosa
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. analurosa.psico@hotmail.com
RESUMO
O objetivo desse artigo é refletir e debater sobre as relações interdisciplinares envolvendo diversos profissionais, tais como psicólogos, assistentes sociais e sociólogos que estão inseridos na equipe social responsável pela execução da Política Nacional de Habitação. As argumentações estão embasadas nas entrevistas realizadas, posteriormente fundamentadas e analisadas através da luz do referencial teórico interdisciplinar do autor Edgar Morin, objetivando motivar a reflexão sobre os desafios encontrados por esses profissionais levando em consideração a legislação, o meio institucional e a população beneficiada. O artigo também aborda o relacionamento desses profissionais com a comunidade, compreendendo na perspectiva interdisciplinar quais são os reflexos que essa atitude acrescenta junto a Política Nacional de Habitação.
Palavras-chave: equipe; interdisciplinaridade; entidade; organizadora; habitação.
ABSTRACT
The objective of this article is to reflect and debate on the interdisciplinary relationships involving several professionals, such as psychologists, social workers and sociologists, who are part of the social team responsible for the implementation of the National Housing Policy. The arguments are based on the interviews conducted, later substantiated and analyzed through the light of the interdisciplinary theoretical framework of the author Edgar Morin's, aiming to motivate reflection on the challenges encountered by these professionals taking into consideration the legislation, the institutional environment and the beneficiary population. The article also addresses the relationship of these professionals with the community, understanding in an interdisciplinary perspective what are the reflexes that this attitude adds to the National Housing Policy.
Keywords: team; interdisciplinarity; entity; organizer; housing.
RESUME
El objetivo de este artículo es reflexionar y debatir sobre las relaciones interdisciplinarias involucrando a diferentes profesionales, tales como psicólogos, asistentes sociales y sociólogos, que están insertos en el equipo social responsable de la ejecución de la Política Nacional de Habitación. Las argumentaciones se basan em las entrevistas realizadas, posteriormente fundamentadas y analizadas a través por la luz del referecial teórico interdisciplinario del autor Edgar Morin, con el objetivo de motivar a la reflexión sobre los desafíos que enfrentan los profesionales, teniendo en cuenta la legislación, el entorno institucional y la población beneficiaria. El artículo también discute la relación de esos profesionales con la comunidad, complendiendo en perspectiva interdisciplinaria cuáles son los reflejos que esta actitud se suma la Política Nacional de Habitación.
Palabras clave: equipo; interdisciplinariedad; entidad; organización; viviendas.
RÉSUMÉ
Le but de cet article est de réfléchir et de débattre des relations interdisciplinaires entre plusieurs professionnels, tels que des psychologues, des travailleurs sociaux et des sociologues, qui font partie de l'équipe sociale chargée de la mise en œuvre de la politique nationale du logement. Les arguments s'appuient sur des entretiens menés, puis étayés et analysés à la lumière de la référence théorique interdisciplinaire de l'auteur Edgar Morin, dans le but de motiver la réflexion sur les défis rencontrés par ces professionnels compte tenu de la législation, du cadre institutionnel et de la population bénéficiaire. L'article traite également de la relation de ces professionnels avec la communauté, en comprenant dans une perspective interdisciplinaire quels sont les réflexes que cette attitude ajoute à la politique nationale du logement.
Mots-clés: équipe; interdisciplinarité; entité; organisateur; le logement.
Breve histórico da política pública habitacional brasileira
As questões ligadas à habitação para a população de baixa renda são de ordem social e histórica advindos de uma sociedade massivamente excludente e que reproduz desigualdades derivadas de uma série de fatos históricos como a promulgação da lei de terras, a abolição da escravatura, a política de imigração exploratória e o crescimento desordenado das cidades com urbanização acelerada e desigual do território. Cada um desses fatores contribuiu para que o problema habitacional torna-se a questão urbana de mais importância no Brasil desde a década de 30.
Entrementes na década de 60 foi quando se intensificou os movimentos sociais urbanos no Brasil com debates sobre política urbana, onde reivindicavam o direito à moradia e à cidade através de caminhadas, manifestações, caravanas e ocupações de imóveis públicos vazios, entretanto, devido ao golpe militar de 1964, os movimentos viram suas ações serem postergadas, mas passado esse momento autoritário e com início do período democrático no Brasil ainda transcorreram-se décadas até que chegasse a aprovação da lei que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e seu fundo (FNHIS), atendendo em parte a demanda dos movimentos organizados, onde vale ressaltar a importante participação da ala progressista da Igreja Católica no apoio a mobilização popular por moradia.
Com aprovação da lei, instituiu-se um marco histórico na legislação brasileira, pois, foi a primeira vez que o país viu uma iniciativa popular aprovada como lei, sendo assim, a Lei nº 10.257 de 2001 instituiu o Estatuto da cidade onde criou mecanismos que possibilitaram o cumprimento da função social da propriedade, Maricato (2015) afirma em seus relatos o grande avanço dessa lei, mesmo pouco aplicado na prática.
Subsequente em 2003 criou-se o Ministério das Cidades e em 2004 foi a vez do surgimento do Conselho Nacional das Cidades que propiciou a Política Nacional de Habitação onde nesse mesmo ano foi elaborado o Plano Nacional de Habitação (PLANHAB), levando o Brasil a ter um avanço no âmbito da política urbana.
Porém, segundo Ferreira (2012, p. 127), "a implementação desses marcos legais, contudo, ainda é bastante frágil e não suficiente para alterar de fato a realidade excludente das cidades brasileiras". Maricato (2014) alerta para a importância do combate ao analfabetismo urbanístico, onde é preciso ampliar o conhecimento da realidade de onde vai ser implantado a política e que mesmo promovendo um amplo debate na sociedade a fragilidade ainda consiste na autonomia dos movimentos para ter acesso como agente proponente e executor da política nacional de habitação.
Com a inserção de três programas de habitação de interesse social voltado para a autogestão: Programa Crédito Solidário em 2004, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), Ação de Produção Social da Moradia (APSM) em 2008 e o Programa Minha Casa Minha Vida - Entidades (PMCMV-E) em 2009, a situação melhorou após a pressão dos movimentos, promovendo-se as cooperativas, associações, sindicatos e entidades da sociedade civil organizada como entidades organizadoras.
Nesse momento se viu uma atuação mediadora dos movimentos de moradia e de reforma urbana junto ao Estado através dos projetos habitacionais, no entanto, a política habitacional abrange funções maiores do que somente construir e financiar casas, envolve também uma política urbana, fundiária, tributária entre outras várias questões sociais onde o Estado deve atuar na transformação dos interesses individuais para os coletivos, diminuindo os conflitos de classes.
Mas, infelizmente isso não ocorre. O foco na provisão habitacional ainda é, nos dias atuais, a produção capitalista e a concepção mercadológica, pressionado pela crise econômica mundial que chegou no Brasil em 2008. Rolnik (2015) relata que no início de 2009 se viu o Ministério das Cidades e o Conselho das Cidades enfraquecido e prestes a lançar um pacote habitacional sem a participação dos movimentos, consequentemente a transformação do PMCMV em uma modalidade específica de autogestão ficando centrada no financiamento e no subsídio. Sabe-se através dos estudos de Tatagiba e Teixeira (2016) que o Ministério das Cidades e os movimentos sociais pouco se envolveram no desenvolvimento do PMCMV, sendo criado pela Casa Civil com o Ministério da Fazenda junto aos empresários, o que deixou enfraquecida a luta contra o clientelismo e a manipulação do poder público.
Mesmo os programas autogestionários serem demandas dos movimentos sociais urbanos onde o foco é a moradia, o que se percebe historicamente que a luta envolve muito mais que uma casa e sim o processo de luta pelo direito à moradia que levou à luta pelo direito a cidade com poder de decidir os caminhos que a cidade vai tomar e poder acessar os espaços de oportunidades que ela proporciona, em suma luta-se pelo direito à cidade e pela gestão coletiva dessa cidade.
Entidades organizadoras - instituição habitacional proponente da política pública habitacional
Ao fazer o levantamento sobre os dados históricos, legislativos e quantitativos dessa pesquisa ficou bem claro que o foco da maioria das pesquisas envolve mensuração e quantificação. Claro que essas pesquisas contam com um valor irrefutável, mas a ressalva está nos poucos estudos sobre os que promovem a Política Nacional de Habitação e seus enfrentamentos que derivam de vários conflitos, desde as classes dominantes que insistem em manter o desenvolvimento urbano sob seu domí-nio até com os que lucram com as necessidades básicas, (Harvey,1982, p. 6):
O arranjo resultante do encontro desses agentes envolve, evidentemente, muitos conflitos. Como conflito básico, podemos citar o interesse daqueles que precisam de uma moradia para viver e aqueles que lucram com sua provisão. Mas outros conflitos internos e externos a esse arranjo ou a esses agentes podem aparecer. Por exemplo: conflitos entre promotores e construtores, conflitos entre a força de tra balho e os construtores, conflitos entre todos os agentes que compõem o capital imobiliário e a política macroeconômica. Enfim, estamos tratando de antagonismos que podem acontecer ou não, dependendo de uma dada correlação de forças defi- nida historicamente e dos arranjos que podem ocorrer entre esses agentes.
O trabalho social desenvolvido pelas entidades organizadoras foi ganhando espaço e reconhecimento dentro dos programas habitacionais. O que no início era de forma voluntária ou clandestina, pois não havia um recurso especifico para esse fim, foi se tornando obrigatório no PMCMV que designou os recursos para a efetivação do trabalho social.
A responsabilidade de articular uma Política Habitacional perpassa por diversas funções, destacando-se as fundamentais que estão contidas na seleção de beneficiários para os programas, elaboração de projetos pleiteando recursos para sua execução, realização de contatos constantes com a população e o poder público local para verificar suas necessidades e deficit habitacional, produzir um Plano Estadual e municipal de Habitação de Interesse Social, acompanhada da criação de um sistema de informações sobre necessidades habitacionais da região.
Para atender todas essas funções a equipe técnica precisa ser formada por diversos profissionais, na prática é possível observar essa composição de profissionais de diversas áreas, atentando para seu funcionamento e integração entre essa equipe de profissionais com a instituição.
Equipe social atuante na política pública habitacional
Dado o histórico de luta pelo direito a cidade e a moradia, conforme já mencionado, obteve-se um grande passo de uma caminhada que não pode cessar, por isso, mesmo tendo uma política estruturada é preciso implementar estudos sobre quem promove na prática a política habitacional e essa assistência técnica é um ponto de fragilidade segundo Ferreira (2014), podendo estar ausente na estrutura da entidade organizadora ou quando formada a equipe apresenta falta de qualificação e manejo quando o assunto é autogestão, essas dificuldades às vezes são amenizadas com parcerias com o poder público, universidades ou ONGs.
A proposta do Estatuto da Cidade introduziu uma nova concepção de política pública na área habitacional, onde as equipes de profissionais precisam se adequar às novas orientações, tanto na busca da interdisciplinaridade entre seus colegas e no meio institucional inserido, como também na aplicação da interdisciplinaridade que incluísse a população, pois, a nova Lei prevê o envolvimento da participação popular nas decisões do rumo em que as cidades tomarão.
A equipe técnica social está muito bem definido nas ações, programas e projetos de habitação de interesse social pelo Ministério das Cidades, onde preconiza que o trabalho social deve ser realizado por equipes multidisciplinares, ou seja, envolvendo as diferentes disciplinas integrantes do ambi-ente em que se está atuando e essas diferentes disciplinas colaborem com as atividades, pois, trazendo questionamentos, ponderações e trocas interdisciplinares, deixará extremamente enriquecedora para qualquer área de atuação.
Sendo assim, os programas e projetos inseridos na Política Pública Habitacional estão apoiados em colaborações multidisciplinares de diversas profissões, inseridas no contexto apregoado. Todavia as colaborações multidisciplinares são cooperadoras de um projeto, mas cada profissional trabalha um ponto de vista do objeto com seu próprio método. Já a interdisciplinaridade busca que o trabalho seja integrado, prosseguindo com as visões individualizadas das profissões, mas nessa linha de trabalho existe a necessidade do diálogo, da interação, da troca, do entendimento entre as equipes.
Essa equipe de trabalho social fica diante de vários desafios ao desenvolver a interdisciplinaridade, ao enfrentar de certa forma as classes dominantes que tentam manter o controle do desenvolvimento urbano, ao seguir o aparato regulatório onde orienta por manuais técnicos elaborados pelo Ministério das Cidades, através da Secretaria Nacional de Habitação e Caixa Econômica Federal, ações obrigatórias que por sua vez seguem as recomendações das agências multilaterais, onde mantém formatos poucos maleáveis, isso sem contar com a Regulamentação da Profissão e o Código de Ética Profissional que regulamenta técnica e legalmente as categorias profissionais.
Reconhecendo as afirmações da autora, Pimentel (2012) onde diz que seguir as normativas e orientações técnicas, não é uma tarefa fácil, pois, sabe-se que as elaborações desses instrumentos foram produzidas e conduzidas de modo verticalizado, recebendo ordens de cima para baixo, sem ao menos uma discussão com as entidades e conselhos profissionais.
Um exemplo sobre isso fica transparecido na prática, onde existe a imposição das normativas e orientações técnicas sobre a homogeneização dos Trabalhos Técnicos Sociais, ou seja, a regulamentação dos eixos a serem trabalhados como todo o corpo metodológico dos projetos são padronizados para todo o país, sem levar em conta as particularidades de cada região.
A matriz técnica e operativa proposta para o trabalho social demonstram a endogenia do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de Habitação, bem como da Caixa Econômica Federal (CEF). Além de estipularem um modelo interventivo padrão para variados campos do trabalho social no eixo habitacional - reassenta mento, urbanização, regularização fundiária, construção de novas unidades hab itacionais - acabam por incitar a homogeneização do trabalho social em diferentes regiões do país. (Pimentel, 2012, p. 26).
O que se vê nas equipes de profissionais atuantes na Política Nacional de Habitação são condições de trabalho precários, vínculos de trabalho vulneráveis, embate diante da proposta técnica de intervenção social imposta pelo Poder Público, defrontando-se com os construtos legais da sua própria profissão. Num cenário como esse, fica difícil para não dizer impossível, desenvolver uma equipe hegemônica com atitudes interdisciplinares, como exigir ações de diálogo e interatividade se o próprio Poder Público não o faz com as categorias profissionais, não se preocupa em discutir as normas de um trabalho que será desenvolvido por profissionais regidos por um Código de Ética, infelizmente é uma Política Pública às avessas, pois, pregam a democracia participativa, mas não age de tal maneira.
A desestruturação da prática profissional pode causar alienação nos trabalhos desenvolvidos pelas equipes de profissionais, engessa e padroniza realidades diversificadas, minimiza a riqueza cultural e popular, tudo sendo mantido em relatórios mensais e registros de atividades minuciosamente enquadrados e moldados como condicionante para recebimento dos pagamentos e liberações dos projetos, ou seja, nada pode ser diferente do proposto pelas normativas, portanto, o que resta é seguir o que foi imposto sem a opção de adaptá-lo a realidade. "A articulação dos profissionais (assistentes sociais, sociólogos e outros) é amortizada pelo discurso da interdisciplinaridade [...]" (Pimentel, 2012, p. 28). De acordo com a autora, apesar dos aspectos negativos, não se busca fazer estudos para achar os culpados e muito menos fazer denúncias justificadas, o que se almeja é conhecer a realidade e traçar caminhos mais produtivos com avanços na Política Pública Brasileira.
Enquanto o conteúdo do trabalho social na habitação de interesse social for de massificação da sociedade sem levar em conta as particularidades, a Política Pública Brasileira não seguirá condizente aos preceitos da democracia participativa, nem participativa com a comunidade e muito menos participativa para com os profissionais, precisando deixar a extrema necessidade do controle, metas e bu-rocracia características de um banco para trás, para que assim desenvolva ações empáticas com a comunidade.
Em algumas equipes estão sendo inclusos outros profissionais nas atividades do trabalho social e na execução dos programas e projetos na habitação de interesse social, firmando a perspectiva multidisciplinar que uma equipe deve ter, assim, hoje existem instituições promotoras da Política Pública Habitacional que estruturaram suas equipes sociais com profissionais de psicologia, sociologia e serviço social. Deixando claro que essas profissões também apresentam seu histórico contributivo na área social com diferencial de visão do homem, mas muito significativo para a sociedade. Com isso o trabalho social ganha um caráter interdisciplinar e intersetorial. Segundo a autora, "[...] o trabalho interdisciplinar demanda a capacidade de expor com clareza os ângulos particulares de análise e propostas de ações diante dos objetos comuns a diferentes profissões [...]" (Raichelis, 2009, p. 8).
Por fim, o trabalho social prioriza ações completas de antes, durante e pós intervenção do Poder Público, tem função primordial em todos os aspectos do programa ou projeto, devendo ser bem elaborado e praticado por uma equipe de profissionais conscientes de suas ações diante da comunidade e de todas as famílias a serem atendidas.
Portanto, a equipe de profissionais tem como desafio enfrentar e atender as demandas historicamente excluídas socialmente, em especial, a população de baixa renda sedenta por moradia adequada e regulamentada, alcançando o atendimento das necessidades sociais através da política habitacional, tendo assim, seus direitos sociais contemplados.
A interdisciplinaridade tem sido inserida pela Política Pública Habitacional Brasileira na tentativa de inclusão das normas internacionais, através de leis e normativas promulgadas pelo Ministério das Cidades, as instituições executoras dessa política vêm se adaptando ao novo contexto, porém, a característica interdisciplinar continua sendo mais comum nas Políticas Públicas voltadas para a Educação e Saúde, a interdisciplinaridade ainda é um desafio para a maioria das Políticas Públicas, são ações que exigem mudança de atitude do profissional e da instituição.
No contexto brasileiro a interdisciplinaridade busca a realização do ser humano, estimulando ações integradoras na concepção afetiva. Com a intenção de manter um equilíbrio entre a lógica e a subjetividade, na tentativa de deixar de lado a competitividade e a setorização para estimular a criatividade coletiva com cooperação. Contudo, uma mudança tão profunda como essa encontra resistência, principalmente pelo fato de surgirem questionamentos quanto às ações profissionais levados para o lado pessoal. Essas resistências podem levar ao aumento do custo da gestão, através de ações ineficientes, contribuído pela não aceitação do profissional da sua própria falha, talvez pela ausência da visão interdisciplinar ou pelo embaraço em discutir com sua equipe, seus colegas de profissão, os conflitos encontrados, nesse cenário ainda existe a questão institucional, nada propício para inclusão de ações interdisciplinares.
A literatura realça a importância do trabalho interdisciplinar e intersetorial como crucial e estratégico, tanto para ampliar visões profissionais, como para transparecer as riquezas diversificadas das organizações da sociedade civil e governamental. Ampliar visões e produzir conhecimento perpassa pela interdisciplinaridade, principalmente pela característica dialética da realidade social, no momento que se fragmenta um estudo do objeto de uma determinada realidade, reduzindo a limitação de observação por apenas um ângulo, abre-se mão de conhecer infinitas características que não estão a olho nu de qualquer profissional, sendo extremamente necessário requerer o olhar amigo do profissional especialista.
É preciso expandir a inserção da interdisciplinaridade na área habitacional, onde o trabalho social das equipes profissionais seja contemplado e superem o ponto antagônico que envolve questões relativas à disputa de valores e visão de mundo, além da restrição de compartilhamento de conhecimento, sem interesse algum no envolvimento com os demais profissionais.
Problematizar esses desafios levando em consideração as atribuições individuais e perfil do cargo, juntamente a articulação entre esses profissionais em meio institucional delimitou o direcionamento das entrevistas realizadas com parte desses profissionais que atuam diretamente na execução da Política Pública Habitacional, sendo possível dimensionar a realidade e compor os motivos da interdisciplinaridade ter se tornado um desafio, pontuando que nesse momento a instituição deve intervir e fornecer meios estimulantes para inserir e fortalecer a interdisciplinaridade entre seus funcionários, demonstrando que essa atitude não diminui a capacidade de nenhum profissional, muito menos menospreza as identidades e saberes de cada profissão, muito pelo contrário, busca integrar, refletir e compartilhar tais conhecimentos. A proposta de expandir o conceito de interdisciplinaridade para a Política Pública Habitacional vem da concepção do bom desenvolvimento do trabalho em equipe e melhoria no atendimento a sociedade.
Método e discussão
A metodologia utilizada nessa pesquisa apoiou-se em levantamentos bibliográficos sobre o assunto, como também foi realizada uma pesquisa in loco através de questionários semiestruturado. O questionário foi aplicado juntamente aos profissionais da equipe social, responsáveis pelo exercício prático da Política Pública Habitacional inseridos numa entidade organizadora.
A pesquisa empregou uma amostra de cinco entrevistados num universo de 37 profissionais vinculados a essa instituição, onde foram entrevistados dois profissionais com formação em serviço social, dois profissionais com formação em psicologia e um profissional com formação em ciências sociais. A seleção ocorreu seguindo o critério de tempo de serviço prestado, dentre os entrevistados existiam profissionais com menos de 5 e até 31 anos de experiência, assim como profissionais de variadas formações, onde verificou e analisou-se a postura e atuação profissional no que diz respeito à interdisciplinaridade entre os grupos profissionais e com a própria instituição, justificando a compreensão das ações realizadas na habitação social criando um contraponto de efetividade dessas ações.
Foi em busca desse contraponto que a pesquisa in loco veio complementar esse estudo, com a contribuição analítica do referencial teórico da proposta de Edgar Morin, através das suas ideias sobre o conhecimento que vem através das experiências de pesquisa, do conhecimento e da sabedoria proveniente do compartilhamento dessas experiências em seu meio, afirmando que no decorrer das experiências o inesperado surge, como também as habilidades para lidar com o inesperado, ou seja, o método cresce junto a iniciativa e competência, literalmente aprender com os erros. O que faz um trabalho ter sentido para uma pessoa dentro de uma complexa rede de profissionais segmentados?
As discussões ficaram em torno da importância do estímulo à interdisciplinaridade, mas, infelizmente, pouco profissionais tem compreensão sobre esse conceito, posicionando o teórico e o prático numa ação de desempenho do dia a dia, conforme Morin (2001) menciona a interligação da teoria com o método, investigando a praticidade de toda a teoria interdisciplinar. A simbiose da teoria com a prática torna-se muito relevante, uma vez que o entendimento sobre a interdisciplinaridade não seja tão completo e internalizado, a ação fica defasada.
Já com relação ao meio institucional, o fato se confirma através da ação compartimentalizada e setorizando os profissionais, mesmo o isolamento sendo explícito em algumas situações existe a necessidade da predisposição dos profissionais em praticar a interdisciplinaridade para que assim, diminuía a falta de comunicação que se torna um fato pontual. Com a falta de diálogo e a setorização, vêm às particularidades de cada profissional dificultando a articulação com as demais categorias, esses são os desafios encontrados nos discursos dos entrevistados.
Dialogar, ampliar os canais de comunicação, conhecer o outro profissional, suas ações, facilita o enfrentamento dos desafios que são encontrados no dia a dia, na prática da interdisciplinaridade, ao mesmo tempo em que os benefícios aparecem tanto para a população usuária da Política Pública Habitacional, como para o profissional, a instituição e o Poder Público.
Considerações finais
O estudo alcançou o objetivo, pois, conseguiu compreender como se desenvolve a interdisciplinaridade no interior da equipe social de uma entidade organizadora. Essa visão panorâmica e apro-fundada através das falas trouxe a possibilidade esmiuçar e levantar a temática ao nível de debate aberto e explícito, mesmo as normativas propondo avanços com equipes multidisciplinares, ainda falta muito para conquistar patamares de interdisciplinaridade, exatamente por isso tocar no assunto, realizar estudos e propostas de ações se torna tão importante, a experiência diz que quanto mais se aprofunda no assunto, mais se exercita tal ação desejada.
Infelizmente, a inclusão da interdisciplinaridade na entidade organizadora ainda é algo muito incomum, muitas vezes cabe ao indivíduo quanto profissional carregar consigo essa característica e ampliar para os demais colegas e para a própria instituição.
Os discursos dos profissionais entrevistados deixaram descobertos que as ações dos profission-ais não estão pautadas na interdisciplinaridade e que muitas vezes até desconhecem o assunto, portanto, aplicam muito pouco no seu dia a dia, mas muitos estudiosos e até mesmo os entrevistados concordam que no momento em que se insere a interdisciplinaridade a população usuária da Política Pú-blica só tem a ganhar com melhoria no atendimento e esclarecimento sobre as ações, e claro, os profissionais estarão mais cientes de suas ações, sobre o objetivo de seu trabalho, trazendo mais clareza e conhecimento de área.
A concepção de superficialidade das relações profissionais que comprometem o exercício interdisciplinar pode ser derivada de atitudes pessoais ligadas à personalidade ou profissionais ligadas pela instituição ou formação, foram entendidas após as entrevistas que as falhas se apresentam em ambos, tanto pessoal como profissional. Porém, existe certo declínio para um deficit na área de formação e nas instituições, dois campos formadores de profissionais que pouco estimulam a interdisciplinaridade. Infelizmente as instituições que formam e empregam esses profissionais numa equipe social não estimulam a interdisciplinaridade nas ações diárias, pelo contrário estimulam a competição através de seus congressos e revistas que estabelecem territórios isolados.
O presente artigo nunca teve a intenção de apresentar fórmulas ou caminhos que facilitassem a promoção da interdisciplinaridade na equipe social, mas afirma que quanto mais estudo, pesquisas e debates tiverem sobre o assunto, mas a interdisciplinaridade estará nas vidas dos estudantes e profissionais, afinal ela nasce da comunicação.
Sendo assim, a problemática investigada que envolvia os desafios encontrados pelos profissionais da equipe social, responsáveis pelas ações práticas da Política Pública Habitacional deixa reflexões, não haverá proposta de receita pronta ou caminhos a serem seguidos, o que se propõe é uma reflexão. Reflexão sobre o diálogo, a troca de experiências, repensar os fatores que influenciam a interação dos profissionais inclusos em equipes e essa equipe diretamente em contato com a comunidade. Pensar nessa equipe como um porta-voz uno e acolhedor das famílias beneficiárias da Política Pública Habitacional, restringir as atitudes dogmáticas e individualistas se faz necessário não somente na concepção interdisciplinar, mas como em qualquer relação humana.
Por fim, estimular atitudes empáticas, cooperativas, comunicativas e principalmente aper-feiçoar a escuta, trará revolução no meio profissional em que se está inserido, mesmo que a instituição não promova tal ação.
Referências
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Submetido em: 04/01/2017
Aceito em: 21/11/2018