Revista Psicologia Política
ISSN 1519-549X ISSN 2175-1390
ARTIGOS
"Ideologia de gênero": estratégia argumentativa que forja cientificidade para o fundamentalismo religioso
"Gender Ideology": argumentative strategy that forges scientificity for religious fundamentalism
"Ideología de género": estrategia argumentativa que forja cientificidad para el fundamentalismo religioso
"L'idéologie du genre": stratégie argumentative qui forge la scientificité pour le fondamentalisme religieux
Tatiana LionçoI; Ana Clara de Oliveira AlvesII; Felipe MattielloIII; Amanda Machado FreireIV
IProfessora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília; Coordenadora do Núcleo de Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares/UnB; tlionco@gmail.com
IIMestranda em Psicologia Clínica e Cultura na UnB e ex-bolsista de Iniciação Científica - Edital PIBIC/UnB 2016/2017; aclaraalves94@gmail.com
IIIGraduando em Psicologia na UnB e aluno de Iniciação Científica - Edital PIBIC/UnB 2016/2017; mattiello.felipe@gmail.com
IVGraduanda em Psicologia na UnB e aluna de Estágio Bacharel em Psicologia no período letivo 2017/1; amandamachadof94@gmail.com
RESUMO
A "ideologia de gênero" tem sido o principal argumento de fundamentalistas religiosos/as e extremistas conservadores/as para a ofensiva contra direitos sexuais no Brasil, com ênfase para o cerceamento da educação sobre gênero e sexualidade nas escolas. Este projeto de pesquisa propõe mapear as estratégias argumentativas adotadas em livros publicados sobre "ideologia de gênero" e nas proposições legislativas que visam censurar o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas a partir deste argumento. Analisa uma amostra de publicações disponíveis no mercado editorial brasileiro sobre "ideologia de gênero", bem como as proposições legislativas apensadas em torno do projeto Escola Sem Partido. Por meio deste mapeamento que delineia os principais argumentos presentes nestes materiais, visa subsidiar novos projetos de pesquisa que venham contribuir para a consideração crítica dos argumentos que têm sido adotados por fundamentalistas religiosos/as em uma ofensiva contra direitos sexuais em curso no país.
Palavras-chave: diversidade sexual; fundamentalismo religioso; ideologia de gênero; homofobia; transfobia.
ABSTRACT
"Gender ideology" has been the main argument for religious fundamentalists and conservative extremists for the offensive against sexual rights in Brazil, with an emphasis on curtailing gender and sexuality education in schools. This research project proposes to map the argumentative strategies adopted in published books on "gender ideology" and in the legislative proposals that aim to censor the debate on gender and sexuality in schools from this argument. It analyzes a sample of publications available in the Brazilian publishing market on "gender ideo-logy", as well as the legislative proposals appended around the project School Without Party. Through this mapping that outlines the main arguments in these materials, it aims to subsidize new research projects that will contribute to the critical consideration of the arguments that have been adopted by religious fundamentalists in an offensive against sexual rights in progress in the country.
Key words: sexual diversity; religious fundamentalism; gender ideology; homophobia; transphobia.
RESUMEN
La "ideología de género" ha sido el principal argumento de fundamentalistas religiosos y extremistas conservadores para la ofensiva contra derechos sexuales en Brasil, con énfasis en el cercenamiento de la educación sobre género y sexualidad en las escuelas. Este proyecto de investigación propone mapear las estrategias argumentativas adoptadas en libros publicados sobre "ideología de género" y en las proposiciones legislativas que pretenden censurar el debate sobre género y sexualidad en las escuelas a partir de este argumento. Se analiza una muestra de publicaciones disponibles en el mercado editorial brasileño sobre "ideología de género", así como las propuestas legislativas apensadas en torno al proyecto Escuela Sin Partido. Por medio de este mapeo que delinea los principales argumentos presentes en estos materiales, pretende subsidiar nuevos proyectos de investigación que vengan a contribuir a la consideración crítica de los argumentos que han sido adoptados por fundamentalistas religiosos en una ofensiva contra derechos sexuales en curso en el país.
Palabras clave: diversidad sexual; fundamentalismo religioso; ideología de género; homofobia; transfobia.
RÉSUMÉ
L'"ideologie du genre" a été le principal argument en faveur de les fondamentalistes religieux et les extrémistes conservateurs pour l'offensive contre les droits sexuels au Brésil, en mettant l'accent sur la limitation de l'éducation sexuelle et sexiste dans les écoles. Ce projet de recherche propose de cartographier à partir de cet argument les stratégies argumentatives adoptées dans des ouvrages publiés sur l'"ideologie du genre" et dans les propositions législatives visant à censurer le débat sur le genre et la sexualité dans les écoles. Il analyse un échantillon de publications disponibles sur le marché de l'édition brésilien sur l'"ideologie du genre", ainsi que les propositions législatives annexées autour du projet Ecole San Parti. Cette cartographie qui présente les principaux arguments de ces documents vise à subventionner de nouveaux projets de recherche qui contribueront à la prise en compte critique des arguments adoptés par les fondamentalistes religieux dans le cadre d'une offensive contre les droits sexuels en cours dans le pays.
Mots-clés: diversité sexuelle; fondamentalisme religieux; idéologie de genre; homophobie; transphobie.
Introdução
A ofensiva antigênero desencadeada pela Igreja Católica, desde os anos 2000, por meio de documentos eclesiásticos que afirmam a naturalização da sexualidade e da família tradicional é uma estratégia de poder organizada em torno do sintagma "teoria/ideologia de gênero", tal como analisado por Rogério Diniz Junqueira em artigo neste dossiê, bem como em entrevista e publicações anteriores (Junqueira, 2017a, 2017b, 2018a, 2018b; Lowenkron & Mora, 2017).
Nesse registro, a "ideologia de gênero" é nada mais que um dispositivo retórico para mobilizar uma estratégia reacionária (Junqueira, 2017a, 2018a), e, por que não dizer, fundamentalista, já que se apoia em preceitos doutrinários de fé religiosa para paralisar o debate público democrático, promovendo uma cruzada moral antigênero.
Como propõe Junqueira (2018a), a "teoria/ideologia de gênero", tal como formulada nessa ofensiva, carece de legitimidade acadêmica, consistindo no reducionismo de um campo complexo de estudos a uma suposta conspiração global antifamília e antinatureza humana. Tal como proposto, o sintagma "teoria/ideologia de gênero" reúne um conjunto de slogans políticos que se prestam mais à mobilização política do que à análise crítica da realidade social em sua complexidade e diversidade.
Neste sentido, este artigo tem dois objetivos principais. Primeiramente, são examinadas estratégias argumentativas adotadas em uma amostra da produção discursiva sobre "ideologia de gênero" hoje disponível no mercado editorial brasileiro. Esse exame evidencia como argumentos originalmente eclesiásticos tem sido traduzidos em elaborações pretensamente científicas como estratégia para conferir legitimidade argumentativa a preceitos de fé religiosa num contexto secular e para influenciar instituições que deveriam primar pela laicidade como princípio ético e político. Em seguida, são apresentadas e analisadas estratégias argumentativas adotadas nas proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, apensadas em torno do Projeto Escola Sem Partido, bem como nas audiências públicas realizadas para discutir "ideologia de gênero" e assédio ideológico na educação, associadas aos projetos de lei em questão.
Nosso objetivo, portanto, é evidenciar como as narrativas de discriminação e intolerância contra LGBTs e feministas, expressas nos materiais bibliográficos disponíveis no mercado editorial brasileiro, estão em consonância com os argumentos adotados no âmbito legislativo para a censura e criminalização do ensino sobre gênero e sexualidade nas escolas. Esperamos assim contribuir para o enfrentamento ao fundamentalismo religioso na política nacional, bem como para a defesa da laicidade do Estado e na Psicologia. Trata-se, porém, de um exercício exploratório e preliminar, cujos resultados podem e devem ser aprimorados por novas pesquisas que aprofundem as análises por ora consolidadas.
Aspectos contextuais
A noção de "ideologia de gênero" tem sido absorvida pelo senso comum e largamente utilizada nas polêmicas morais em torno de pautas políticas relacionadas a gênero e sexualidade. É uma construção retórica utilizada para atacar os direitos sexuais e a produção sobre gênero e sexualidade no âmbito acadêmico. A presunção de que o mundo assiste à propagação de uma "ideologia de gênero" foi originalmente acionada por autoridades eclesiais católicas para promover um clima de pânico moral em torno a uma iminente ruína moral da civilização humana, tendo sido, em seguida, apropriada por fundamentalistas religiosos/as neopentecostais. Dessa confluência resultou uma ação coordenada dessas/es atrizes/atores para incidir em debates sobre proposições legislativas e de políticas públicas no campo da educação pública.
No Brasil, a primeira grande erupção do termo "ideologia de gênero" se deu entre 2013 e 2014, quando a linguagem relativa a gênero e sexualidade foi repudiada pelas lideranças e fiéis evangélicos envolvidos nos debates do Congresso Nacional sobre o Plano Nacional da Educação. Embora naquele momento o recurso à "ideologia de gênero" fosse percebido, pelo público em geral, como uma pauta do neopentecostalismo fundamentalista, já em 2014 fizemos uma pesquisa de discursos propagados na internet que revelava a origem católica da terminologia (Lionço, 2014; Rodrigues, 2015). Nessas matérias digitais, essas vozes católicas já argumentavam que "a ideologia de gênero é uma imposição totalitária, ditatorial, visando uma sociedade marxista, revolucionária, atéia, nefasta, perversa e iníqua por meio de concepções falsas, artificiais, antinaturais e esdrúxulas, que tornam a vida doente, aberrante e imoral".
Desde então, essa suposta imposição da "ideologia de gênero" passou a ser mobilizada, recorrentemente, para desqualificar estratégias de educação sobre gênero e sexualidades que resultariam na supressão dos termos gênero, orientação sexual e identidade de gênero não apenas do Plano Nacional de Educação em 2014 (Reis & Eggert, 2017), como também em inúmeros planos municipais.1
Nos debates sobre o Plano Nacional de Educação, em 2013, o argumento contra a "ideologia de gênero" foi usado como instrumento estratégico para atacar diretamente práticas educativas sobre gênero e sexualidade nas escolas. Tais ofensivas desconsideram que a inclusão do ensino sobre gênero e sexualidade nas escolas consiste em política estatal, constituindo um dos volumes dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em vigência desde 1997. Mais ainda, a exclusão da menção à orientação sexual e à identidade de gênero dos planos de educação desconsidera o processo democrático de recomendação de proposições decorrentes das conferências municipais, estaduais e nacional de educação (Klein, 2015; Reis & Eggert, 2017).
A partir de 2014, vilipendiando-se os ritos democráticos de deliberação sobre a política nacio-nal de educação nacional, multiplicaram-se proposições legislativas que visam, por força da lei, minar a política de Estado na área de educação sobre gênero e sexualidade. Essa nova estratégia se apoiaria nos projetos de lei intitulados "Escola Sem Partido", elaborados a partir de uma minuta disponibilizada pelo Movimento Escola Sem Partido na internet, que foram apresentados em câmaras legislativas municipais, em assembleias legislativas estaduais e na Câmara das/os Deputadas/os, no Congresso Nacional. A "ideologia de gênero", tal como propagada pelo conservadorismo extremista dos/as legisladores/as, é o principal argumento do projeto Escola Sem Partido para censurar o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas (Lionço, 2016).
Em 2015, por pressão da bancada religiosa sobre a Presidência da República, o nome do Comitê de Gênero instituído pelo Ministério da Educação para qualificar as estratégias de prevenção às violências de gênero nas escolas foi alterado para Comitê de Combate à Discriminação, suprimindo-se a palavra gênero, apenas doze dias após sua oficialização (Reis & Eggert, 2017). Na sequência, os termos orientação sexual e identidade de gênero também foram suprimidos da versão do texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) encaminhado pelo Ministério da Educação em 2017 para a análise do Conselho Nacional de Educação.
Muito embora, esses embates tenham claramente se intensificado entre os anos 2013 e 2015, a saga da censura de conteúdos relacionados a gênero e sexualidade nas escolas, de fato, havia começado antes. Em maio de 2011, tão logo se iniciou a gestão presidencial de Dilma Roussef, por efeito da pressão política da bancada religiosa o conjunto de vídeos produzidos pelo Ministério da Educação para subsidiar a atuação docente no enfrentamento da homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia nas escolas de ensino médio, foi vetado pela presidenta (Vital & Lopes, 2013). Na sequência, deflagra-se uma perseguição política contra ativistas e professoras/es que defendem publicamente a necessidade de intervir sobre a estas discriminações por meio da educação. A partir do IX Seminário LGBT da Câmara das/os Deputadas/os intitulado Respeito à diversidade se aprende na infância, ocorrido em 2012, o bloco religioso conservador no Congresso estabeleceria a associação esquemática e artificial entre pedofilia e militância por direitos sexuais no Brasil.2
Contextualizando a "ideologia de gênero" em livros publicados no Brasil
Em 2011 foi traduzido para o português o livro do argentino Jorge Scala (2011). Ideologia de gênero - o neototalitarismo e a morte da família, conta com prefácio do Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, Presidente do Pró-Vida de Anápolis (GO). Jorge Scala é professor honorário da Universidade Ricardo Palma em Lima, Peru, bem como professor de Bioética no Mestrado em Desenvolvimento Humano da Universidade Livre das Américas (ULIA). Recebeu o Prêmio João Paulo II em defesa da vida pela Universidade Fasta da Argentina. É autor e coautor de diversos livros e artigos sobre direitos humanos, aborto, direito à vida, família, matrimônio, divórcio, sexualidade, gênero e bioética.
Na mesma linha argumentativa, o livro de Justino Vero (2016) intitulado Por falar em preconceito de gênero... oferece argumentos contra os riscos do que o autor denomina marxismo cultural, homossexualismo político e feminismo de gênero. O autor adotou um pseudônimo alegando que estaria assim protegido em sua privacidade. Mas menciona seu currículo como mestre em Direito Internacional e Doutor em Relações Internacionais com pós-doutorado em Islamologia.
O terceiro livro analisado é A ideologia de gênero na educação - como essa doutrinação está sendo introduzida nas escolas e o que pode ser feito para proteger a criança e os pais, de autoria de Marisa Lobo (2016). A autora ganhou bastante visibilidade pública por defender abertamente as terapias de reversão da orientação sexual e por ter sido objeto de questionamento ético de parte do Conselho Federalde Psicologia (CFP) por associar a fé religiosa ao exercício profissional.
A análise qualitativa dos conteúdos dessas três publicações permite mapear o sentido do termo "ideologia de gênero" como um alerta para o "risco social" decorrente da agenda de direitos sexuais e reprodutivos e da atuação dos movimentos feministas e LGBT. Esse alerta é construído com base em duas linhas argumentativas: os determinantes históricos da "ideologia de gênero" e o risco social que a "ideologia de gênero" implica para a família e para a infância.
Segundo Jorge Scala (2011, p. 11) a "ideologia de gênero" é a ideologia"mais radical da história, já que, se fosse imposta, destruiria o ser humano em seu núcleo mais íntimo e simultaneamente acabaria com a sociedade". Concebendo-a como uma "pseudoantropologia feminista com pretensões à reengenharia social planetária" (p. 46), o autor define o termo da seguinte maneira.
Concebida pelo movimento feminista radical, cuja visão de mundo é a de que o homem teria dominado a mulher ao relegá-la à vida doméstica e privada, reservando para si a exclusividade da vida pública, profissional e política. Para obter a igualdade dos sexos, não teria sido suficiente dar direitos políticos e civis às mulheres - primeiro e segundo feminismo -, mas seria necessário algo mais radical: disputar o poder político em igualdade de condições com os homens, para o qual a mulher deveria ser incorporada ao mundo do trabalho e à vida pública com igualdade absoluta com o homem. Ora, este objetivo não pode ser conseguido mágica ou instantaneamente. Implica a luta contra o homem e, portanto, é necessário elaborar uma estratégia para ser aplicada adequadamente, um instrumento eficaz de luta. Esse instrumento é a ideologia de gênero (Scala, 2011, p. 62).
Scala também interpreta a "ideologia de gênero" como uma "ferramenta de poder global para um novo autoritarismo" (Scala, 2011, p. 134). Segundo o autor, as perspectivas feminista e homossexual tem como estratégia a adoção da linguagem dos direitos humanos, cidadania e direitos sexuais e reprodutivos para ocultar uma agenda nefasta que visa arruinar a família e a sociedade numa conspiração articulada com a Organização das Nações Unidas e as agendas de governos imperialistas. Essa pauta, segundo o autor, incita abortos, a homossexualidade, o "sexo sem bebês" o aliciamento de crianças nas escolas para a prática do aborto, a "eliminação dos direitos dos pais, de forma que estes não possam impedir as crianças de fazer sexo, educação sexual, anticoncepcionais e abortos". Nesse marco, a agenda feminista é também nefasta quando reivindica "cotas iguais para homens e mulheres", pois tanto a equidade de gênero quanto o ingresso de "todas as mulheres na força de trabalho" constituem um grave risco civilizatório (Scala, 2011, p. 18).
Para Scala, ao destruir a diferença natural entre homens e mulheres, a "ideologia de gênero" também desencadearia o fim do casamento, da família e consequentemente da própria sociedade. Em tal registro, o conceito de violência familiar é inaceitável, pois, segundo o autor, o termo seria o mais apropriado para se referir a violências que ocorrem em domicílios que não constituem verdadeiras famílias, muito embora não apresente evidências empíricas para fundamentar esta afirmação. Segundo Scala, a violência familiar é própria de lares que não estão "baseados no casamento heterossexual intacto", sugerindo que divórcio e novo casamento, maternidade solteira e conjugalidade homossexual estariam fora da definição de família. O autor também contesta a definição feminista de violência de gênero, usando como como referência um estudo norte-americano segundo o qual mulheres são tão ou mais agressivas do que os homens e as principais responsáveis pela violência contra crianças. O mesmo capítulo também alega que os movimentos feministas e LGBT omitiriam sistematicamente a violência perpetrada por casais de pessoas do mesmo sexo (Scala, 2011, p. 90- 91).
Sobretudo, Scala argumenta que a "ideologia de gênero" visa suprimir quaisquer limites no âmbito das práticas sexuais, legitimando assim a pornografia, a promiscuidade, as danças eróticas, o exibicionismo, a masturbação (individual, a dois ou em grupo), as orgias, a pedofilia, a zoofilia e a necrofilia (Scala, 2011, p. 66-67). Nesse registro, práticas sexuais tão díspares como a masturbação ou mesmo a dança são tratadas como equivalentes aos crimes de abuso sexual contra crianças, contra animais não humanos e mesmo cadáveres. Subjacente a essas ilações está sempre ativa a concepção convencional da doutrina católica segundo a qual a sexualidade humana só é legítima no matrimônio monogâmico para fins de reprodução da espécie. Ou seja, todas as formas de viver a sexualidade sem fins reprodutivos, sejam lícitas ou ilícitas, significam, nesse registro, a degradação dos valores e a ruína da sociedade.
Contra esse pano de fundo, acordos internacionais relacionados a direitos sexuais e direitos reprodutivos, bem como ao direito à educação, são entendidos como efeito de uma ofensiva totalitária que visa impor para todo o conjunto da sociedade valores que não se coadunam com a defesa da natureza humana. Segundo Scala, para atingir seu objetivo de "distorcer a natureza", a "ideologia de gênero" lança mão da propaganda e tem investido na pauta da educação:
Por ser uma antropologia falaz, o gênero só pode ser imposto pela força bruta e não pela razão. A chave para isso é o sistema educativo formal. E quanto menor a idade das crianças doutrinadas, mais promissores são os resultados. Para implementá-la, foi realizado em muitos países - especialmente os menos desenvolvidos - uma reforma educativa integral. No caso dos países pobres, foi devidamente financiada por organismos multilaterais de crédito (Scala, 2011, p. 181).
Embora o autor não recorra a argumentos religiosos em sua análise, sua associação com a ortodoxia católica pode ser inferida pela trajetória do Padre Lodi que redigiu o prefácio do livro, bem como pelo vínculo orgânico da editora Katechesis com as estruturas da igreja católica. Scala manifesta repulsa ao pensamento feminista e seus efeitos sobre a agenda dos direitos humanos universais e as pautas de política públicas dos governos nacionais, argumentando que esse pensamento viola a leis da natureza e promove desvio moral no marco de um projeto totalitário de destruição da sociedade.
A mesma linha de argumentação é adotada pelo heterônimo Justino Vero (2016), segundo quem, a "ideologia de gênero":
mostra a incubação e normatização de um estilo de vida no plano interno estadunidense para subsequente projeção na ONU e irradiação pelo mundo afora via maquinaria internacional dos Direitos Humanos (...) O papel do feminismo antimaterno na formulação do corpo conceptual de base, bem como a contribuição da teoria desconstrutivista no processo de elevação do aborto ou da sodomia e costumes afins a estatuto de direitos fundamentais, são postos em paralelo com a carona na noção de minoria então providencialmente disponibilizada na campanha para a igualdade civil dos negros norte-americanos (Vero, 2016, p.4).
Na sequência, o livro analisa os métodos de militância feminista, suas estratégias de lobby legislativo, a conquista de espaço na imprensa audiovisual e escrita, a influência sobre a produção fílmica de Hollywood, bem como na penetração nas escolas e nos programas educacionais. Nessa seção, o autor arrola exemplos de supostas práticas de amedrontamento acadêmico, assédio judiciário, perseguição administrativa, cristofobia e outras práticas que são por ele denominadas como "homofascismo". Segundo Vero, o alvo central da ofensiva feminista é o macho e seu objetivo final é a "desvirilização do macho com dramáticas sequelas para o resto da vida" (Vero, 2016, p. 62). O autor também enfatiza que a "perspectiva de gênero" carece de cientificidade e, sobretudo, que a terceira onda do feminismo, referida como "feminismo de gênero" é sustentada por mulheres que são:
(...) masculinas e agressivas. Não casam, não querem filhos e detestam a família. São geralmente lésbicas - pelo menos, as ideólogas de destaque. Hostilizam o macho heterossexual com o apoio da população gay. E o que idealizam, muito sugere uma ditadura LGBT. (...) Qualquer seguidor da fé LGBT deve decorar essas linhas e recitá-las de cara virada para Meca cinco vezes ao dia, porque expressam a quintessência do credo do gênero (Vero, 2016, p. 68).
Assim como Scala (2011) para quem as consequências antropológicas e sociais da "ideologia de gênero" são o fim do casamento, a eliminação de interditos sobre a sexualidade humana e a perda da autoridade familiar entendida como pátrio poder, Vero afirma que "o pensamento LGBT é do tipo dogmático, desprovido de fundamento científico sendo, portanto, uma forma de "doutrina religiosa". Com relação à homossexualidade, seu argumento é o de que homossexuais monopolizaram, de modo oportunista, o conceito de minoria, posicionando-se no lugar de vítimas e conseguindo a adesão da retórica biomédica. Seu argumento central é que essa estratégia ofusca a "relativização do que é ilícito sob a capa de diversidade forjada" com vistas ao "gozo de excessos moralmente repugnantes" (Vero, 2016, p. 152).
Reiterando a tese de Scala, Vero também afirma que as estratégias feminista e homossexual são muito bem organizadas, envolvendo acordos internacionais, em especial as convenções da ONU sobre direitos das mulheres, com impacto avassalador sobre a agenda estatal de políticas públicas,
sobretudo no campo da educação. Entretanto, essa influência, ao seu ver, não se limita às instituições de governança global e nacional, mas também está presente na indústria do entretenimento e nos campos de produção científica em biomedicina, psicologia e teoria jurídica, configurando, portanto, uma "conspiração" que visa "desarmar o senso de pudor e o reflexo de rejeição por supressão de referências léxicas a uma conduta considerada abjeta e moralmente ofensiva" (Vero, 2016, p. 43). Ao revisar a história da sexologia, Vero alega que a conversão da homossexualidade em objeto do conhecimento deslocou essa conduta do campo da justiça criminal, ou seja abolindo leis de sodomia e levando à gradual aceitação, ou mesmo imposição, de uma prática que seria moralmente abjeta. E, ao abordar a discussão contemporânea sobre transexualidade, o autor considera que ela constitui um passo à frente desse mesmo projeto pois: "(...) o homossexual em si já não é mais sensação. A bola da vez é o trans em todos os matizes, tamanhos, coloridos do catálogo" (p. 128).
Quanto à associação entre homossexualidade e pedofilia, Justino Vero é menos categórico do que Jorge Scala, mas seu livro conta com toda uma seção do capítulo intitulado "A construção ideológica" para tratar do tema. Nela, apesar de não estabelecer uma relação linear entre homossexualidade e pedofilia, o autor afirma que "com ou sem parentesco, a pedofilia segue hoje a trajetória passada do homossexualismo e compartilhará o mesmo futuro na falta de uma reversão radical de curso" (Vero, 2016, p. 54), e que "o mundo já institucionalizou a sodomia entre adultos. Mais uma campanha bem-sucedida lançará sem problema a moda para a criança. Basta banalizar a coisa, apresentando pedófilo cômico ou simpático em novelas televisivas e organizar paradas" (p. 55). Essa associação constitui um dos elementos centrais das campanhas difamatórias contra ativistas pelos direitos sexuais no Brasil, assim como em episódios recentes de censura de obras e performances artísticas.
Nos livros de Scala e Vero, predomina, portanto, uma construção discursiva sobre movimentos sociais de direitos humanos, direitos sexuais e reprodutivos, movimento LGBT e movimento feminista como um risco social para a família e para as crianças. Nessa moldura, o próprio Estado, especialmente no caso das políticas educacionais, é descrito como agente de risco (Scala, 2011; Vero, 2016; Lobo, 2016). Essa mesma tese está presente nos escritos de Marisa Lobo, uma profissional-missionária evangélica que se autodenomina psicóloga cristã, sobre "ideologia de gênero".
Lobo, porém, desenvolve uma crítica direta do próprio processo democrático como fator de risco social para as crianças e para as famílias. Segundo a autora, os debates e mudanças legislativas, ocorridos no Brasil nas últimas três décadas seriam meros efeitos do "marxismo cultural, da doutrinação ideológica, do totalitarismo de esquerda e ditadura cultural" (Lobo, 2016). Nesse mesmo registro, as disputas por uma educação laica e democrática, com ênfase nas questões de gênero e sexualidade, que transcorreram ao longo do processo de democratização, são retratadas como uma conspiração mundial com o objetivo de ocupar escolas e fazer a lavagem cerebral de professoras/es e alunas/os para promover uma nova ordem mundial organizada em torno à destruição das famílias. Nessa mesma clave, a diversidade social e cultural é definida como desordem ameaçadora (Lobo, 2016).
Embora essas associações discursivas não tenham consistência teórica, é recomendável não menosprezar os efeitos dessa retórica sobre percepeções e mentalidades. Marisa Lobo é um caso emblemático de propagação da cruzada antigênero, entre outras razões, porque seus discursos e visbilidade conferem legitimidade às demandas de profissionais que reivindicam o direito ao exercício profissional da psicologia baseado na fé religiosa. Da sua atuação tem se desdobrado iniciativas de cursos de formação em psicologia cristã e, mais especialmente, ações judiciais que pugnam pela revogação do veto da associação da fé religiosa ao exercício profissional tal como expresso pelo Código de Ética Profissional. Marisa Lobo tem realizado cursos de formação sobre os riscos da "ideologia de gênero" em diversas cidades brasileiras, cujo público é formado, sobretudo, por profissionais que atuam em dispositivos voltados para a garantia de direitos de crianças, como a escola.
Assim como nos textos de Scala e Vero, há nos textos de Lobo (2016) um vasto conteúdo sobre a conspiração, a nova ordem mundial ou complôs globais que visam impor a "ditadura da ideologia de gênero" (Lobo, 2016, p. 30). Esse artigo também identifica a ONU como um aparato crucial na promoção da "ideologia de gênero", pois, segundo a autora, é um sistema que: "(...) tenta convencer os países membros a adotar a clara política de 'desconstrução da heteronormatividade', descartando a normalidade do masculino e feminino e também da família formada por homem, mulher e filhos". A acusação se estende à União Europeia, onde, segundo ela, já se propõe a "inclusão do comportamento pedófilo na normalidade sexual" (Lobo, 2016, p. 39 e p. 49, respectivamente).
A autora também alega que "a busca desenfreada por prazer, provocada conscientemente por essas/es ideólogas/os, estariam na origem de conflitos na escola, da crescente a evasão escolar, do aumento no uso de drogas e da infecção de DST, inclusive a AIDS" (Lobo, 2016, p. 35). Lobo também afirma que a Organização Mundial da Saúde "ensina e incentiva" a masturbação, o sexo, o aborto, a homossexualidade e a prostituição para crianças de 0 a 15 anos. Segundo ela, os manuais dessa agência: "misturam a aceitação social da pedofilia, sexualização precoce, indução a convicções homossexuais, apologia ao aborto, perseguição e intolerância religiosa, desconstrução da autoridade dos pais e conflitos familiares" (Lobo, 2016, p. 50).
Outras versões dos mesmos argumentos
A literatura acima analisada, embora recente, tem antecedentes que precisam também ser mencionados. Em 1998, por exemplo publicou-se o livro O movimento homossexual - sua história, suas tramas e ações, seu impacto na sociedade, seu impacto na igreja, escrito pelo pastor Júlio Severo. Embora o texto não use o termo "ideologia de gênero" podem ser identificadas várias analogias com as narrativas contemporâneas examinadas na seção anterior, sobretudo no que se refere a uma conspiração de aliança entre movimentos sociais e Estado na destruição moral e degradação humana. O autor se refere a si mesmo como um servo do Senhor Jesus Cristo que foi exilado do país pela pressão do movimento gay, que, segundo ele, representa pessoas envolvidas em práticas abjetas como trocas de saliva, fezes, sêmen e sangue com dezenas de homens por ano, beber urina, ingerir fezes e experimentar traumas retais regularmente (Severo, 1998, p. 43).
O livro já denunciava a suposta estratégia educacional dos homossexuais como risco moral para crianças. Contudo, a semântica então utilizada difere do tom secular e cientificista que caracteriza os textos atuais sobre "ideologia de gênero" . Ao contrário, Severo, recorre explicitamente e reincidentemente a citações bíblicas e dedica boa parte de seu livro a considerações sobre o cristianismo e a missão das igrejas no combate ao movimento homossexual.
Outro livro escrito no mesmo tom e que tampouco recorre à retórica da "ideologia de gênero" é A Estratégia - o plano dos homossexuais para transformar a sociedade, escrito pelo reverendo norte-americano Louis P. Sheldon, que foi traduzido para o português pela Editora Central Gospel, empresa do pastor Silas Malafaia, figura pública aliada à bancada fundamentalista no Congresso Nacional, e publicado em 2012. O livro foi objeto de um Inquérito Civil por parte do Ministério Público Federal3, no qual o pastor proprietário da editora foi responsabilizado por danos morais à coletividade, pois o texto associa abertamente homossexualidade à pedofilia incitando ao ódio.
Embora Severo (1998) e Sheldon (2012) não recorram ao sintagma "ideologia de gênero", em vários aspectos suas teses argumentativas convergem com as acusações desenvolvidas por Scala, Vero e Lobo, em particular, a retórica acerca de uma conspiração global feminista e homosexual cuja meta é a destruição da família e da orden social tal como estabelecida.
A "ideologia de gênero" no debate legislativo sobre educação
A escola utiliza estratégias de dominação que podem controlar crianças e adolescentes pela via do chamado construtivismo ou do "conhecimento relativista", que nega o ensino objetivo. Assim, sob o controle dos ativistas da ideologia de gênero, vão induzindo a criança ao erro e à crença em filosofias que prometem igualdade, fraternidade e principalmente liberdade. (Lobo, 2016, p. 54)
No Brasil, assim como em outros países, a escola se converteu num campo de batalha em torno à "ideologia de gênero". No contexto nacional, o ataque ao gênero nas escolas tem forte relação com as pautas propostas pelo Movimento Escola Sem Partido4. A mobilização conjunta das forças religiosas antigênero e dos grupos envolvidos com o Escola Sem Partido, está na origem do Projeto de Lei n. 867/2015 denominado "Escola Sem Partido", apresentado pelo deputado federal Izalci Lucas (PSDB/DF) à Câmara Federal em 23 de março de 2015. Esta proposição legislativa foi, de imediato, apensada a projeto anteriormente apresentado, o PL 7180/2014, que propunha que as convicções familiares teriam precedência em relação à educação escolar no que se refere à educação moral, sexual e religiosa, propondo inclusive a inclusão de tal prerrogativa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Tão logo propôs o Projeto de Lei Escola Sem Partido, o mesmo deputado apresentaria uma nova proposição, o PL 1859/2015, em cujo texto, por primeira vez, aparece o termo "ideologia de gênero", o qual seria apensado ao PL 867/2015. Embora essa nova proposta tivesse como único objetivo a inclusão de um parágrafo sobre a precedência das convicções familiares, seu autor apresentou uma justificação de motivos de 14 páginas, na qual discorre amplamente sobre sobre os riscos da "ideologia de gênero". Entre outras elucubrações, o deputado afirma que "o conceito de 'gênero' está sendo utilizado para promover uma revolução cultural sexual de orientação neomarxista com o objetivo de extinguir da textura social a instituição familiar" e que, portanto, haveria aí uma contradição constitucional, pois nesse caso o sistema educacional teria sido concebido "com o objetivo específico de destruir a própria família como instituição" (PL 1859/2015, p. 16-17).
No quadro que se segue oferece-se uma lista, em ordem cronológica, das muitas proposições legislativas posteriormente apresentadas que usam a linguagem da "Escola Sem Partido" e que, de distintas maneiras, também incluem menções à "ideologia de gênero"5:
Como pode ser visto no quadro, em 2016 um novo projeto de lei foi apresentado com o objetivo de vedar o uso, por parte do Ministério da Educação, de livros que versem sobre diversidade sexual para a educação de crianças e adolescentes. Nesta proposição, o termo "ideologia de gênero" foi acionado na justificativa, na qual se afirma que devem ser retirados os termos gênero, orientação sexual e "todas as citações relativas à ideologia de gênero" do Plano Nacional de Educação.
Em 2017, o deputado federal Pastor Eurico (Patri-PE) apresentou o PL 8933/2017 propondo que, na forma da lei, deveria ser requerida autorização dos pais ou responsáveis a participação de estudantes em disciplinas de educação sexual. Sua argumentação não aciona o termo "ideologia de gênero", mas afirma que "é notável que o que o mundo tem apresentado como modelo de educação sexual - e que tentou ser adotado pelos últimos governos - é uma distorção, quando não uma completa negação, do plano que a maioria das famílias brasileiras cristãs entende como correto para a sexualidade humana" (PL 8933/2017, p. 1).
Em 2018, três proposições de mesmo teor foram apresentadas. O PL 9957/2018, reafirma a necessidade de determinar, por meio da LDB, que o docente "não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero" (p. 1), bem como que "os Sistemas de Ensino devem incluir dispositivos que prevejam sanções e ou penalidades previstas em códigos de ética funcional ou similares que possam garantir a efetividade desta norma." (p. 1).
Esta proposição, embora relacionada, difere do Projeto de Lei 1411/2015 de autoria do deputado federal Rogério Marinho (PSDB), que visava tipificar penalmente o crime de "assédio ideológico" na educação e que foi retirado de pauta pelo autor em 2017. O dissenso sobre a pertinência ou não de remeter o ilícito da doutrinação ideológica para a esfera penal tem sido objeto de discussão pública. Cabe recuperar aqui que até mesmo o professor Bráulio Tarcísio Porto de Matos, aliado do Movimento Escola Sem Partido e participante da audiência pública realizada em 6 de Outubro de 2015 para "debater a respeito do Assédio Ideológico nas Escolas Brasileiras de Educação Básica" (Requerimento 93/2015), expressou ao referido deputado discordância em relação à sua proposta de tipificar penalmente o crime de assédio ideológico. Outra proposição retirada pelo mesmo autor foi o PL 2731/2015, que também estabelecia medidas severas para o descumprimento do veto à doutrinação, em especial a doutrinação da "ideologia de gênero": o não repasse de recursos públicos à instituição de ensino e a perda de cargo por parte de professora/or.
As duas outras proposições apresentadas em 2018 incluem o termo "ideologia de gênero" em suas ementas. O deputado federal Cabo Daciolo (Patriota-RJ), no PL 10577/2018, propõe vedar todas atividades que "tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo gênero ou orientação sexual" (p. 1). Como pode ser visto na citação a seguir, na justificativa dessa proposição legislativa, o deputado não omitiu argumentos religiosos, destoando, portanto da maioria das proposições legislativas, que se atém a argumentos legalistas:
"Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou, e lhes disse: ́Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra ́", Gênesis 1:27,28. A ideologia de gênero é um dos grandes engodos para perverter a família natural e com isso permitir ao Estado um papel que não lhe cabe: impor a sua filosofia autoritária sobre a população. É fato sobejamente conhecido, mediante dados científicos comprovados e espiritual, que a suposta orientação sexual é comportamento adquirido por falta de referencial paterno ou materno ou mesmo pela influência do meio, bem como resultado de atitudes adultas de pedófilos que tentam perverter crianças indefesas. Assim que é nosso dever preservar a família natural e não permitir nenhuma brecha legal para que a malfadada ideologia de gênero prospere em nosso país. (PL 10577/2018, p. 2).
Conjuntos argumentativos: uma analise preliminar
Além de analisar o teor das proposições legislativas, apresentadas desde 2014 nossa equipe de pesquisa observou duas audiências públicas6 na Comissão de Educação nas quais essas proposições foram debatidas, para mapear melhor os argumentos utilizados pelos legisladores que pretendem vetar a suposta doutrinação ideológica, em especial a proibição da "ideologia de gênero" nas escolas. Essa observação associada à analise dos conteúdos dos projetos permitiu agrupar esses argumentos em cinco conjuntos de questões que podem ser analisadas isoladamente, mesmo quando sejam complementares. São eles: a tese da democracia das maiorias versus ditadura das minorias; a tensão entre liberdade de consciência/expressão e censura; a concepção da escola "técnica" versus a noção de família moral; aspectos relacionados à retórica cientificista e legalista desses argumentos e da retórica em torno a "ideologia de gênero".
Democracia das maiorias versus ditadura das minorias
No que diz respeito ao argumento amplamente utilizado pelas/os detratoras/es da "ideologia de gênero" de que essa moldura significaria uma imposição da "ditadura das minorias" sobre a democracia das maiorias, é importante sublinhar que concepção de democracia veiculada por essas/es atrizes/atores parte de uma premissa majoritarista esquemática, segundo a qual a opinião da maioria deveria prevalecer sobre a minoria. Nesse registro, como pode ser visto na citação a seguir, as diretrizes educacionais em gênero e sexualidade são consideradas como uma imposição das minorias, pois supostamente divergem das concepções da maioria da população brasileira que "é cristã":
Essa agenda de gênero, que tenta ser imposta de todas as formas dentro do nosso país, dentro da educação principalmente, é algo muito preocupante, porque vem sendo colocado de forma impositora. Não está sendo realizado de forma democrática, ouvindo todos os lados, ouvindo a população em geral, e principalmente ouvindo o parlamento, que já se posicionou referente à essa matéria (Deputado Izalci, na Audiência Pública de 06/10/2015).
Nessa mesma audiência, o deputado federal Flavinho (PSC-SP), usou um argumento similar:
A população Brasileira foi estimada em 201 milhão de pessoas, no último censo. Desses 201 milhões, a população que se disse católica 57%, 114 milhões, evangélicos pentecostais 38 milhões, evangélicos neopentecostais 18 milhões. O total daqueles que se dizem cristãos no Brasil 170 milhões. De 201 milhões, 170 milhões realmente têm esses valores que o doutor Miguel Nagib nos dizia. Tem no seu cotidiano, na sua conduta e na sua defesa esses valores. Partindo desses números, nós temos que tentar entender o que tá acontecendo no nosso país. Um país laico, como já foi muito bem explicado aqui, mas que tem a sua maioria esmagadora pessoas que defendem esses valores (Deputado Federal Flavinho, na Audiência Pública de 06/10/2015).
A diversidade ou a pluralidade social e moral é vista por essas/es atrizes/atores como ameaça aos valores tradicionais que seriam amplamente endossados pela maioria da população brasileira. Além do ataque à "ideologia de gênero" essas vozes parlamentares também fazem uma associação recorrente entre posicionamentos de esquerda e desvios morais das e dos propositoras/es de projetos de lei e políticas voltadas para educação em gênero e sexualidade. Nesse sentido, esses grupamentos também combatem o que denominam como viés marxista do ensino e dos livros didáticos adotados pelo MEC:
Erlando da Silva Reses, professor da Universidade Brasília que também esteve na Audiência pública de 06/10/2015, enfatiza, por exemplo, o evidente viés antipetista das argumentações desenvolvidas pelos defensores do Escola Sem Partido e examina as características ideológicas do Movimento Escola Sem Partido tais como sua ênfase na meritocracia e em tentativas de criminalização de práticas docentes comprometidas com a redução das desigualdades sociais. Da mesma forma, o presidente da Confederação Nacional das/os Trabalhadoras/es da Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, que também participou da audiência, se contrapôs a essas visões reafirmando o lugar da escola como espaço de mobilização social e política.7 Essas visões foram, porém, contestadas pelo deputado federal Diego Garcia (PHS-PR) na audiência pública convocada especificamente, em 10/11/2015, para debater a "Inclusão da ideologia de gênero e orientação sexual no Plano Nacional de Educação". Segundo ele, as iniciativas nesse campo não estavam ouvindo nem a sociedade nem o parlamento.8
Assim sendo, a garantia de direitos de grupos socialmente vulneráveis por meio de políticas educacionais que levem em conta suas existências e aspirações é descrita como medida antidemocrática e de doutrinação ideológica, ou seja uma ditadura das minorias. Nussbaum (2008) nos oferece reflexões que permitem questionar criticamente o argumento de majoritarismo, em especial de caráter religioso. A autora ressalta a importância da liberdade religiosa, mas também salienta que este atributo da democracia é, frequentemente, distribuído desigualmente. Segundo a autora, quando um governo adota uma ortodoxia religiosa como definidora da identidade nacional, o faz em prejuízo da igualdade e da liberdade de consciência. Mesmo quando tal ortodoxia não é imposta coercitivamente, emergem na sociedade um endogrupo (que comparte essa visão religiosa) e um exogrupo (que não comparte), os quais não contam com a mesma base de equanimidade para participar da esfera pública. Isso compromete a equidade, pois as minorias têm sua liberdade moral e religiosa subordinada à da maioria.
O crescimento do conservadorismo moral e religioso não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. A análise de Nussbaum (2008), de fato, diz respeito aos Estados Unidos onde, há algumas décadas, o evangelismo político também pleiteia que seus valores sejam as únicas referências éticomorais da nação. Essas formações evangélicas buscam o reconhecimento do deus cristão como guardião nacional e preconizam a subalternização de cidadãos que não compartilham de sua fé. Segundo Nussbaum, essa visão política recusa a ideia de que todos os cidadãos, independente de suas crenças, podem viver juntos em igualdade.
Liberdade de expressão Vs. Censura
No que diz respeito a essa tensão, a maioria dos projetos de lei acima listados, assim como suas/seus autoras/es, advogam a incompatibilidade entre a liberdade de ensinar e a liberdade de expressão. Nos textos dos projetos de lei e nas discussões observadas, a liberdade de expressão é vista como sendo imprópria ao exercício da atividade docente, sendo descrita como a anulação da liberdade de crença e consciência das/os estudantes e de suas famílias.
Há, no entanto, no interior dos movimentos contrários à "ideologia de gênero" e vinculados ao Movimento Escola Sem Partido dissensos quanto à aplicação da censura às práticas educativas. As propostas de criminalização de professoras/es, como já se viu, são motivo de discordância entre as/os atrizes/atores envolvidas/os nesses debates. Prevalece nesses grupos a proposta de vigilância das e dos docentes por estudantes e familiares e de afixação compulsória de cartazes nas salas de aula que condenam o que é por eles denominado como "doutrinação ideológica na prática educativa".
É importante lembrar que essas medidas de coerção e vigilância das/dos professoras/es fere os princípios constitucionais da liberdade de expressão do pensamento (art. 5º, IX, CF 1988). Também está em contradição aberta com a perspectiva educacionalde Paulo Freire, segundo a qual, bom senso educacional só pode ser alcançado por meio da indagação, do pluralismo, do debate, da explicitação de tradições diferentes de concepções de pertencimento e existência (Freire, 1996). Para Penna (2017), o texto do projeto de lei Escola Sem Partido omite a reafirmação dos princípios constitucionais de liberdade de ensinar e de pluralidade de concepções pedagógicas, constituindo, portanto, um retrocesso na política educacional e na garantia do direito à educação.
Como indicam Mattos e cols. (2017) privilegiar a liberdade das/os que aprendem em detrimento da liberdade de quem ensina é uma fórmula questionável, pois abre espaço para censura e repressão. Sendo a escola um espaço de convivência, compartilhamento e debate aberto a prática educativa deve ser calcada no intercâmbio entre contrários não antagônicos, na produção de consensos e numa lógica de compreensão. Na mesma perspectiva, Pierucci (2006) sublinha que nos espaços públicos, como a escola, pode haver conflitos, mas as convicções devem ser apresentadas e confrontadas em termos argumentativos, produzindo consensos provisórios e de convivência equânime entre os envolvidos.
A escola técnica que difere da educação moral familiar
A concepção de educação endossada pelos movimentos antigênero e propositores do Escola Sem Partido é estritamente "técnica". Os docentes são vistos como instrutores que transmitem o conhecimento e técnicas e não como educadores. Nessa moldura, as/os profissionais da educação são desprovidas/os da atribuição de formar crianças e jovens para cidadania e de debater valores morais, ficando a formação ética e moral dos indivíduos confinada à esfera familiar. O fundador do Movimento Escola Sem Partido, Miguel Nagib, deixou claro durante a audiência pública realizada em 10/10/2015, que o movimento luta pela desideologização da sala de aula e concomitantemente pela primazia do direito da família sobre a educação moral das/os filhas/os. Busca-se justificar esse posicionamento alegando que, hoje em dia, no Brasil, "agendas minoritárias" estão em conflito com valores morais tradicionais e, portanto, violariam a liberdade de consciência do estudante.
Nesse paradigma, crianças e jovens devem aderir sempre às convicções e valores morais e sexuais de seus pais, impossibilitando a crianças e adolescentes um papel ativo na construção do conhecimento e se suas vidas, como preconizam as principais teorias psicológicas do desenvolvimento infantil, como a de Piaget (Moro, 2002). Da mesma forma, a concepção de que crianças e adolescentes devem ser assujeitadas ao controle exercido por professoras/es e/ou familiares se contrapõe às perspectivas de desenvolvimento cognitivo e psicológico segundo as quais a constituição do saber infantil não decorre do mero registro de informações, mas está vinculada à descoberta de significados e à construção de sentidos por ela mesma (Pino, 2002).
O projeto Escola Sem Partido defende uma concepção supostamente "neutra" de educação, em que os conteúdos devem ser apresentados em todas as suas vertentes, excetuando-se aqueles de viés ideacional ou moral. Ademais, alunas e alunos são vistos como sujeitos passivos do conhecimento e a/o professora/or mera/o transmissora/or de conhecimento, uma visão que Freire (1987) denominou como sendo a "educação bancária", que se apoia numa relação verticalizada e assimétrica entre educadora/or e educanda/o, em que a/o educanda/o é visto como um "saco vazio" a ser preenchido e não como sujeito ativo. Essa é formação que prioriza a memorização mecânica e a absorção acrítica de conhecimento, remetendo às antigas visões de subserviência, submissão, relação de opressão entre educadoras/es e educandas/os.
Outro aspecto crucial é que, nesse marco, a educação é, sobretudo, um produto a ser consumido. Miguel Nagib, declarou inúmeras vezes ter se inspirado no Código de Defesa do Consumidor para elaborar o projeto Escola Sem Partido. A lei, tal como proposta, visaria proteger a/o "consumidora/or", no caso, a/o estudante, de infrações cometidas por professoras/es e pelo próprio estado. Ademais, os discursos de Nagib, também sugerem que o valor do conhecimento adquirido na escola deve ser medido em termos de seu potencial monetário, ou seja, de inserção no mercado de trabalho. Nussbaum (2015) é uma referência importante para se contrapor a essa lógica utilitarista, que reduz a educação aos interesses do mercado. Isso por que ressalta a importância do ensino das humanidades, do incentivo ao pensamento crítico e da convivência com posições divergentes e modos de vida diferenciados, para formar-se subjetividades abertas à vida democrática.
A pretensa neutralidade educacional defendida pelo Escola Sem Partido também pode ser questionada a partir de Arroyo (2012), para quem uma educação neutra invisibiliza a existência e resistência de outros sujeitos sociais, perpetuando a replicação de teorias pedagógicas hegemônicas. Hooks (2013) também critica o entendimento de educação como mera transmissão de conhecimento, argumentando que as escolas acabam formando especialistas em conhecimento livresco e inaptas à interação social. Segundo a autora, nas estruturas educacionais burguesas, a professora é ela mesma objetificada quando compartimentaliza mente e corpo, público e privado, as práticas da vida e a prática da docência.
Retórica legalista e cientificista
É fundamental compreender que a retórica adotada nas proposições legislativas e nas audiências públicas é legalista e cientificista. Tanto os textos dos projetos de lei quanto os discursos dos que os propõe fazem referência constante à Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Organização dos Estados Americanos, 1969) que, em seu artigo 12, define a liberdade de consciência e de religião nos seguintes termos: "os pais, e quando for o caso, os tutores têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". Vale lembrar, contudo, que a Convenção comporta princípios de proteção dos direitos individuais, da privacidade e da família contra intervenções inadequadas do Estado. Nesse sentido, os pais têm o direito de educar no espaço doméstico seus filhos de acordo com seus próprios valores, no entanto, como expressa Penna (2017), isto não habilita uma usurpação do espaço público pelas vontades privadas estabelecidas em lógicas culturais e políticas hegemônicas. Para Penna (2017), a interpretação desse marco normativo internacional, tal como feita pelos propositores do Escola Sem Partido é tendenciosa, pois:
(...) realmente o pai, a família tem o direito de educar, no espaço privado, seus filhos de acordo com os seus valores. Agora, qual o equívoco aqui? É que quando você pega algo que foi pensado para proteger o espaço privado contra a intervenção do poder público e habilita uma invasão do espaço público, da escola pública, pelas vontades privadas. Este é o equívoco, aqui está o erro. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos não está tratando de prestação de serviços. (Penna, 2017, p. 47).
Além disso, Junqueira (2018b) observa que:
Não por acaso, ao mencionar a Convenção da OEA, os cruzados do "Escola Sem Partido" e seus aliados não informam o título do artigo ("Liberdade de consciência e de religião") e elidem que se trata de uma normativa relativa à esfera da intimidade, voltada, portanto, a proteger a formação não-formal e informal da intervenção indevida do Estado, em vez de constituir um dispositivo que permita às famílias definirem, segundo seus propósitos e valores privados, a educação formal, a política pública de educação e o mundo da escola. Além disso, esses cruzados parecem cuidadosamente ignorar normativas mais recentes e pertinentes ao tema, dentre as quais o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 17 de novembro de 1988, que, em seu artigo 13, não por acaso intitulado "Direito à educação", ao definir o papel da educação escolar, faz prevalecer uma concepção democrática, pluralista e inclusiva, oposta à avocada por esses movimentos (Junqueira, 2018b, p. 189).
Em importante referir, ainda, que a lei antibullying (Brasil, 2015), é apontada pelas/os proponentes do Escola Sem Partido como sendo suficiente para coibir discriminações e violência no ambiente escolar. Contudo, segundo vários analistas, a lei antibullying é insuficiente para combater essas práticas e, com frequência, invisibiliza as particularidades das vítimas de violência machista, lesbofóbica, homofóbica, transfóbica, racista no ambiente escolar.
Arroyo (2012) lembra que a presença nas escolas e universidades de sujeitos de coletivos populares e movimentos sociais, como quilombolas, movimento feminista, negro, da diversidade sexual e indígenas, interroga as teorias pedagógicas dominantes e abre espaço para novas abordagens. Ainda segundo o autor, a teoria pedagógica se revitaliza no encontro com os próprios sujeitos da ação educativa. Paulo Freire (1987) em sua obra Pedagogia do Oprimido destaca que os diversos movimentos de libertação trazem à tona outros sujeitos pedagógicos que não precisam de métodos distintos para serem educados, mas sim de uma pedagogia sensível aos seus saberes e aos processos de desumanização a que são submetidos socialmente.
Não menos importante, as/os defensoras/es do Escola em Partido e promotoras/es dos ataques ao gênero recorrem a princípios gravados na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) de maneira descontextualizada. Segundo Penna (2017), essa defesa oculta, intencionalmente, os conteúdos da Constituição Federal sobre o pluralismo de concepções pedagógicas e da liberdade de ensinar. Esse também é o entendimento do Ministério Público Federal (2016) quando, numa nota técnica, arguiu a constitucionalidade do Projeto de Lei do Escola Sem Partido, nos seguintes termos:
O PL subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: (i) confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado; (ii) impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III); (iii) nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206, II); (iv) contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares.
No que diz respeito à retórica cientificista, as/os militantes do Movimento Escola Sem Partido alegam que os estudos de gênero são uma pseudociência. Essa desqualificação está, em geral, associada ao que essas/es atrizes/atores entendem como viés ideológico de esquerda:
O Marx e os marxistas sempre operaram com um conceito obscuro de ideologia. Marxismo vulgar, e inútil para a boa capacitação de professores (Braulio Tarcísio Porto, vice-presidente do Movimento Escola Sem Partido, na Audiência sobre assédio ideológico realizada em 06/10/2015).
Por outro lado, o ataque a "ideologia de gênero"se baseia em críticas rasas e esquemáticas dos estudos e pesquisas sobre as relações de poder entre os gêneros, a heterossexualidade compulsória e a lesbofobia, homofobia e transfobia que permeiam a sociedade (Mattos e cols., 2017). Essas críticas caracterizam o campo dos "estudos de gênero" como estratégias de erotização precoce de crianças e adolescentes e estímulo à homossexualidade e, sobretudo, como instrumento de destruição da família. No entanto, como aponta Mattos e cols. (2017), alegar que os temas gênero e sexualidade seriam impostos à escola revela amplo desconhecimento do ambiente escolar, uma vez que nele, diariamente, manifestam-se conflitos relacionados ao gênero e à sexualidade, desafiando docentes em suas práticas pedagógicas. Nesse sentido, a crítica propagada pelos proponentes do Escola Sem Partido, de fato, apenas insufla uma atmosfera de pânico moral (Miskolci & Campana, 2017). Isso pode ser exemplificado pela intervenção de Miguel Nagib, em uma das audiências públicas, quando afirma que a suposta "ideologia de gênero" seja difundida nas escolas como instrumento de uma nova engenharia social:
Então, o que é que se pretende quando se pensa, quando se fala, em incluir a teoria de gênero, ou esses enfoques com perspectiva de gênero, no ensino fundamental e no ensino médio, no que que se pensa? Pra mim é evidente, isto é engenharia social. O que se quer fazer é moldar o juízo moral dos estudantes de, de, de seres imaturos, em processo de formação, é... indivíduos que estão ainda absorvendo a, o conhecimento, são vulneráveis, extremamente vulneráveis, e estão ali como uma audiência cativa. Nenhum estudante vai para a escola porque quer, ele é obrigado a ir. Os pais são obrigados a mandar os seus filhos para a escola. (Miguel Nagib, na Audiência Pública de 10/11/2015).
Este tom alarmista em relação a riscos graves decorrentes da "ideologia de gênero" também comporta fantasias a respeito do que se passa em sala de aula, as quais também mobilizam proposições de vigilância intensificada. Na mesma audiência, por exemplo, Nagib se declarou favorável à instalação de câmaras de vídeos nas salas de aula.9
Finalmente, mas não menos importante, recorre-se, sistematicamente à ideia de natureza ou e ordem natural para atacar a "ideologia de gênero", tal como ilustrado pela intervenção do deputado Victorio Galli, por exemplo, na audiência pública de 10 de novembro de 2015: na qual ela afirmou que essa inovação educacional (o gênero) viola as leis da natureza, estabelecendo livres associações com um vasto conjunto de questões que, não necessariamente, estão vinculadas ao gênero e à sexualidade:
O desrespeito à natureza do ser humano. A natureza não se prova cientificamente, ninguém nasce gay, não existe cromossomo gay, não existe isso. Agora, existe mudança de comportamento, aí é outra coisa, aí é outro campo do debate, tá? A questão da cultura, a cultura está inferior à natureza. No princípio não foi assim, como a professora Lia usou, citou, a Bíblia, também posso citar a bíblia. No começo, a natureza começou foi com o homem e com a mulher, não foi com dois macho nem com duas fêmea, não foi com dois barbudo e nem com duas cara lisa, foi com um homem e com a mulher. E o que essa situação tá querendo fazer, daqui 10, 20 vocês vão ver acontecer com nosso futuro. Está aumentando cada vez mais prisão. Os presídio super lotado, governos desgovernados, cada vez mais se praticando a, a, a corrupção. A corrupção daqui um dia tá pra ficar legalizada no país. E aí? Então, nós temos que zelar pela nossa Constituição, já garante, no artigo quinto, todos nós somos iguais. Agora veja cá, essa questão da, da, da pseudo ideologia de gênero, é, é,... de repente, lá no colégio, a, a, tua menina, a tua adolescente, encontra, encontra com um homem que se diz se, se, não agora mudei de sexo, o meu gênero agora mudou, de repente tá no banheiro e ele, manipulando o pênis pra fazer, pra urinar, e a menina do lado. Que, que, que vexame é esse? Que desrespeito é esse? (Deputado Federal Victorio Galli, Audiência pública de 10/11/2015).
Propagação da "ideologia de gênero" no contexto brasileiro: uma resposta possível
A "ideologia de gênero" é uma fórmula retórica, um significante vazio, desenvolvida no campo da ortodoxia católica desde os anos 1990 (Garbagnoli, 2016; Junqueira 2018a) e hoje apropriada por igrejas neopentecostais. Sua propagação tem tido inúmeros impactos no campo legislativo, na política educacional e na política ela mesma.
Segundo os autores e as autoras, os textos dos projetos de lei e os debates aqui analisados, a "ideologia de gênero" constitui um grave risco para a civilização, implicando risco para as famílias, especialmente para as crianças, e para a nação. A retórica em torno a "ideologia de gênero" evoca uma conspiração feminista e homossexual global, associada ao chamado "marxismo cultural". Seu efeito tem sido a propulsão do pânico moral e de um clima de caça às bruxas, especialmente no ambiente escolar.
Responder a essa retórica e a seus efeitos implica, entre outras coisas, contra-argumentar as muitas acusações de não ciência, dogmatismo e risco social associado ao campo de estudos e intervenções em gênero, sexualidade e diretos humanos. É fundamental, por exemplo, diferenciar, com precisão, as propostas do Movimento Escola Sem Partido e o que propõem movimentos sociais, associações de docentes e centros acadêmicos envolvidos com os estudos de gênero.
A fragilidade argumentativa que pode ser identificada nos livros que atacam os estudos de gênero é notória, sobretudo porque carecem de contextualização e evidências empíricas. De maneira geral, os estudos de gênero buscam evidenciar, com base em indicadores quantitativos e qualitativos a desigualdade, a discriminação e violência que decorrem das construções de gênero. Já detratoras/es da "ideologia de gênero" desenvolvem seus argumentos em base a visões de mundo que prescindem de evidência e facticidade.
A principal diferença, no entanto, é político-epistemológica. Diz respeito como se identifica, como se descreve e se significa a diferença social. Os fundamentalistas religiosos cujas visões antidemocráticas se apoiam em argumentos contra a "ideologia de gênero" tem como projeto a sacralização da dita normalidade (da natureza, da ordem social, dos sexos). Em contraste, as perspectivas seculares e laicas alinhadas à epistemologia feminista e comprometidas com a democracia e os direitos humanos, recusa, criticamente, a subalternização de grupos e pessoas a normas socioculturais construídas que implicam violência, exclusão e discriminação. Também valorizam o dissenso e a diferença radical como fundamentos dos projetos de democracia.
Referências
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Recebido em: 01/04/2018
Aprovado em: 01/10/2018
1 Como por exemplo os municípios de: Campo Mourão/PR (Ribeiro, Pátaro & Mezzomo, 2016), Blumenau/SC (Bolda & Souza, 2018), Chapecó/SC (Vargas, Cavagnoli & Cattani, 2016), Campo Grande/MS (Zarbato & Queiroz, 2017), Passo Fundo/RS (Santos & Grandin, 2018) e Santa Maria/RS (Silva, 2018).
2 A perseguição política contra ativistas de direitos sexuais com atuação na docência pode ser conhecida por meio do vídeo documentário No Brasil de Cris e Tati a luta pela liberdade, recuperado de: https://youtu.be/DTGaLlPGmrk. Ainda, em 2017, essa associação entre gênero, sexualidade e pedofilia se desdobraria a censura a exposições e performances artísticas, desencadeando amplo debate na mídia e decorrendo em episódios de agressão física e moral. A notícia sobre a agressão em protesto de repúdio a uma performance no MAM, associando-a à pedofilia, pode ser recuperada em http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,protesto-contra-performance-no-mam-termina-em-agressao,70002022348.
3 A notícia sobre o inquérito civil pode ser recuperada em http://spressosp.com.br/2012/09/13/mpf-abre-inquerito-civil-sobre-livro-que-incita-odio-aos-homossexuais/#.UFJAt-1qJeF.wordpress
4 Escola Sem Partido é uma organização não governamental de ultradireita que defende a prática de denúncia de professoras/es por parte de estudantes e ataca frontalmente a liberdade de cátedra. Esse grupo se articula na cruzada antigênero no Brasil. Para mais detalhes, ver: Penna (2016, 2017) e o artigo de sua autoria neste Dossiê.
5 A tabela inclui quase todos o projetos de Lei apensados ao "Escola Sem Partido", na ordem cronológica de apresentação. Todos podem ser acessados por meio da árvore de apensados ao PL 867/2015 que institui o Escola Sem Partido, com exceção dos PL retirados pelos autores. Também foram excluídos dois projetos cujo conteúdo contesta as demais proposições.
6 Audiência Pública para debater a respeito do assédio ideológico nas escolas brasileiras de educação básica, realizada em 06/10/2015; Audiência Pública para debater a inclusão da "ideologia de gênero" e orientação sexual no Plano Nacional de Educação, realizada em 10/11/2015; as duas Audiências Públicas para discutir o PL 7180/2014 realizadas em 07/02/2017 e 15/02/2017. As audiências públicas realizadas em 2018 não foram ainda analisadas, sendo, portanto, incompleta a amostra alcançada por meio desta pesquisa.
7 Nas palavras de Leão: "Todos nós defendemos a participação no grêmio estudatil da escola; como crianças, os jovens e os adolescentes devem se organizar e discutir a questões que dizem respeito a eles e à escola" (Roberto Franklin Leão, Audiência Pública de 06/10/2015).
8 Segundo o deputado: "Nós estamos vendo que essa agenda, essa agenda de gênero, que tenta ser imposta de todas as formas dentro do nosso país, dentro da educação principalmente, é algo muito preocupante, porque vem sendo colocado de forma impositora. Não está sendo isso sendo realizado de forma democrática, ouvindo todos os lados, ouvindo a população em geral, e principalmente ouvindo o parlamento, quando já se posicionou referente à essa matéria. Então, há um descrédito com o parlamento brasileiro, com o Congresso Nacional, fazendo com que esse tema volte à tona, agora nos planos municipais e planos estaduais de educação" (Deputado Federal Diego Garcia, Audiência Pública de 10/11/2015).
9 "(...) Vamos instalar câmeras de vídeo nas salas de aula. É uma ideia, é uma ideia, eu sou a favor, eu sou a favor de que se coloquem câmeras de vídeo nas salas de aula, pra saber se... áudio e vídeo, vamos gravar as aulas. Isso, certamente, trará mais, mais é, é calma, mais tranquilidade às famílias. Eu não sei se os professores, se vão concordar com isto. Eu sou favorável, eu sou favorável" (Miguel Nagib, na Audiência de 10/11/2015).