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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

     

 

ARTIGOS

 

Análise do discurso sobre gênero e cuidados em saúde de homens internados num hospital

 

Hospitalized men gender and health care discourse analysis

 

Análisis del discurso de género y cuidados en salud de hombres internados en un hospital

 

Analyse du discours sur le genre et les soins de santé des hommes hospitalisés

 

 

Juliana Machado RuizI; Rafael De TilioII

IMestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFTM. Residente Multiprofissional em Reabilitação Física pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)
IIDoutor em Psicologia. Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFTM. Líder da Liga de Sexualidade (LiS/UFTM) e Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Sexualidade e Gênero (HUBRIS/UFTM)

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi compreender as formações discursivas (FD) sobre gênero e cuidados em saúde de homens internados (no setor de urologia) de um hospital. Participaram do estudo sete homens e os dados coletados foram analisados a partir da Análise do Discurso de Michel Pêcheux. Duas FD foram identificadas (Masculinidades hegemônicas; Não-ditos sobre saúde do homem) e destacaram: tradicionalismos e estereótipos de gêneros enquanto norteadores dos discursos e práticas dos participantes pautados em uma Formação Ideológica que prescreve regras de conduta distintas para os gêneros, dentre elas os cuidados em saúde. Enfatiza-se a urgência de investir na mobilização desses sujeitos para o exercício do autocuidado através da prevenção e promoção da saúde, bem como o investimento em espaços institucionais de discussão e formação dos profissionais objetivando garantir os direitos e o reconhecimento desse segmento da população enquanto lócus de cuidado.

Palavras-chave: Gênero; Masculinidade; Saúde; Hospital; Análise do Discurso.


ABSTRACT

The aim of this research was to understand the discursive formations (DF) about gender and health care of hospitalized men (in the urology sector). Seven men participated in this study and the collected data was analyzed in the light of Michel Pêcheux Discourse Analysis. Two DF were identified (hegemonic masculinity; Unsaid about men health) and highlighted: traditionalism and gender stereotypes as guiding the participants' discourses and practices based on an Ideological Formation that prescribes different rules of conduct for the genders, among them health care. Thus, it is emphasized the urgency to mobilize the exercise of self-care through prevention and promotion of health. It is also important to invest in institutional spaces for discussion and professional training, aiming to guarantee the rights and the recognition of this segment of the population as a locus of care.

Keywords: Gender; Masculinity; Health; Hospital; Discourse Analysis.


RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue comprender las formaciones discursivas (FD) de género y cuidados en salud de hombres internados (en el sector de urología) de un hospital. Participaron del estudio siete hombres y los datos recolectados fueron analizados a partir del Análisis del Discurso de Michel Pêcheux. Dos FD fueran identificadas (masculinidad hegemónica; no-dichos sobre salud del hombre) y destacan tradicionalismos y estereotipos de géneros como orientadores de reglas de conducta específicas para hombres y hembras, entre ellas, los cuidados en salud. Siendo así, es urgente intervenir en el ejercicio del auto cuidado a través de la prevención y promoción de la salud, así como en espacios institucionales de discusión acerca de la formación de los profesionales con el objetivo de garantizar los derechos de ese segmento de la población como locus de cuidado.

Palabras-clave: Género; Masculinidad; Salud; Hospital; Análisis del Discurso.


RÉSUMÉ

Cet article à explorer les formations discursives (FD) sur le genre et les soins de santé des hommes hospitalisés (secteur de l'urologie). Sept hommes ont interviewé et les données recueillies ont été analysées dans l'analyse du discours de Michel Pêcheux. Deux Formations Discoursive (FD) ont été identifiées (masculinités hégémoniques; ne-pas-dit en santé) et soulignées les traditionalismes et les stéréotypes de genre guidant les discours et les pratiques des participants dans une idéologie qui prescrit différentes règles de conduite (de sante inclusif) pour les genres. L'accent est mis sur l'urgence d'investir dans la mobilisation de ces sujets pour l'exercice des soins auto-administrés par la prévention et la promotion de la santé, ainsi que dans les espaces institutionnels de discussion et de formation professionnels visant à garantir les droits de ce segment de la population.

Mots-clés: Genre; Masculinité; Santé; Hôpital; Analyse du discours.


 

 

Introdução

O conceito de gênero compreendido como uma maneira de significar relações de poder assentadas nas características biológicas (sexuais) de homens e mulheres é um marcador que organiza as relações entre os sujeitos, ordenando e normatizando práticas sociais através de categorizações distintas para o feminino e o masculino (Butler, 2015; Scott, 1995). Diversas sociedades transformam essas diferenciações em desigualdades sociais que se expressaram, dentre outros, no processo de saúde/doença e na adesão dos sujeitos aos serviços de saúde (Ferraz & Kraiczyk, 2010).

Referente ao campo do cuidado e atenção à saúde podem ser localizadas práticas atravessadas por relações de gênero vinculadas a um processo histórico de aproximação dos cuidados aos aspectos femininos e de distanciamento dos cuidados aos aspectos masculinos, gerando formas distintas de adesão aos serviços e práticas de saúde para homens e mulheres. No tocante à saúde do homem tais práticas encontram-se respaldadas pelos modos de socialização e construção das masculinidades consideradas tradicionais ou hegemônicas (interpeladas por um processo histórico patriarcal e machista) (Lago & Müller, 2010; Tonelli & Müller, 2011). Nesse sentido, destaca-se que os homens alinhados à masculinidade tradicional ou hegemônica no geral se expõe mais frequentemente aos fatores de riscos e são menos propensos a reportarem problemas de saúde aos profissionais e familiares (Figueiredo & Schraiber, 2011; Gomes et al., 2011), bem como utilizam os serviços de saúde principalmente em caráter emergencial, sendo o autocuidado e o cuidado promovido por terceiros percebido como distante e, por vezes, desnecessário (Cavalcanti et al., 2014; Machin et al., 2011; Storino, Souza, Silva, & 2013), pois eles valorizam características como força física, virilidade e independência entre outros (Ribeiro, 2009), cujos estereótipos (de masculinidade hegemônica) servem de referência não apenas para modos como alguns homens/usuários vivenciam os espaços de saúde, mas também para a oferta de serviços por parte dos profissionais da saúde.

Assim, o modo como os profissionais e instituições diferenciam os gêneros pode reforçar padrões normativos considerados adequados ou normais, discriminando os que não aderem às normas e, desta forma, podem deslegitimar outras expressões (as não hegemônicas) de masculinidades e feminilidades (Couto & Gomes, 2012). Por isso, faz-se importante considerar a existência de fissuras nas matrizes delimitadoras da masculinidade hegemônica que possibilitam questionamentos da naturalização do padrão dominante (Medrado & Lyra, 2008). Tais tensões entre aspectos tradicionais e inovadores de gênero e das masculinidades na contemporaneidade sugerem novas demandas aos gestores e profissionais de saúde, sendo necessária uma reorientação dos modelos assistenciais e das práticas de cuidado com o objetivo de reconhecer e contemplar as questões subjetivas e sociais de cada indivíduo (Martins, Gazzinelli, Schall, & Modena, 2014). Portanto, é crucial discutir sobre masculinidades e gênero masculino nos serviços e dentre os profissionais de saúde e usuários, bem como com a população em geral, a fim de responder às necessidades de todos estes grupos (Botton, Cúnico, & Strey, 2017).

No contexto brasileiro a saúde dos homens tem sido lentamente inserida na agenda de saúde pública desde a implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) em 2009, cujo objetivo é:

Promover a melhoria das condições de saúde da população masculina do Brasil, contribuindo, de modo efetivo, para a redução da morbidade e mortalidade dessa população, através do enfrentamento racional dos fatores de risco e mediante a facilitação ao acesso, às ações e aos serviços de assistência integral à saúde. (Ministério da Saúde, 2009, p. 31)

Nesse sentido as políticas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) reconhecem as desigualdades e estereótipos de gênero a fim de respondê-las de forma efetiva para promoção da equidade de saúde (Ferraz & Kraiczyk, 2010; Martins & Malamut, 2013). No entanto, ao considerar o gênero como um determinante do processo saúde/doença são enfatizadas não apenas as particularidades resultantes da diferença biológica entre homens e mulheres, mas fundamentalmente como as atitudes (representações, ações e afetos, construídos socialmente) de feminilidades e masculinidades permeiam tais práticas, possibilitando intervenções efetivas sobre a saúde dos sujeitos (Araújo, Schraiber, & Cohen, 2011; Arilha, 2010; Butler, 2015; Kuhnen, 2013). Nesta pesquisa, parte-se das argumentações de Butler (2015) e Scott (1995) para compreensão do conceito de gênero, entendido não como resultado dos aspectos biológicos diferenciais de homens e mulheres, mas como relações de poder socialmente construídas via reiteração a partir de injunções de referência (normas e ideais) para os sujeitos.

A utilização da categoria gênero para compreender os modos como os sujeitos transitam nos espaços de saúde permite compreender e intervir em situações que não teriam visibilidade sem esse enfoque, naquilo que se convencionou denominar gender blindness (cegueira de gênero) no campo da saúde (Marques, 2010), isto é, considerar que a atenção à saúde estaria imune às particularidades de gênero, pois as ciências médicas (de modo geral) nem sempre consideram os sujeitos como generificados e constituídos pela história, mas somente pela biologia (Carrara, Russo, & Faro, 2009; Leite, 2016). Há de se destacar que essa perspectiva não é unívoca, pois recentemente e motivados pelo ativismo político feminino, gay e transgênero, muitos profissionais e usuários questionam a masculinidade hegemônica nas práticas de saúde.

Diante do exposto esta pesquisa teve como objetivo compreender as formações discursivas (FD) sobre gênero e cuidados em saúde de homens internados no setor de urologia de um hospital. Partir de uma perspectiva que permita uma melhor compreensão do universo masculino em relação à atenção e cuidados em saúde pode favorecer a oferta de serviços condizente com suas demandas e necessidades.

 

Aspectos metodológicos

Tipo de Estudo: Trata-se de um estudo exploratório e qualitativo em Psicologia.

Participantes: Participaram deste estudo sete homens maiores de idade internados nas enfermarias de clínica médica e de clínica cirúrgica de um hospital universitário na região do Triângulo Mineiro sob cuidados da especialidade urologia. A escolha dessas duas enfermarias deu-se pelo fato de o referido hospital não possuir enfermaria específica de urologia, sendo os pacientes com essas demandas alocados nas enfermarias citadas. Optou-se por não fazer restrições quanto ao diagnóstico de internação dos participantes. A Figura 1 fornece informações de caracterização dos participantes (idade, estado civil, profissão, escolaridade, número de filhos, renda individual e familiar).

Caracterização do cenário de pesquisa: Este é um hospital de alta complexidade atendendo 27 municípios pelo SUS da macrorregião Triângulo Sul do Estado de Minas Gerais, possuindo 302 leitos ativos (61 destinados à enfermaria de clínica cirúrgica e 37 à de clínica médica).

Instrumentos: Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado formulado pelos pesquisadores com questões relativas a quatro eixos: caracterização dos participantes; concepções sobre saúde e doença; informações sobre a internação; percepção sobre os cuidados provenientes dos profissionais e serviços de saúde.

Procedimentos de coleta dos dados: Em um primeiro momento (conforme solicitado pela Gerência de Ensino e Pesquisa do hospital) os médicos responsáveis pelos setores foram informados sobre o início da coleta de dados e, em seguida, foi feito contato com os participantes diretamente nas enfermarias. Após informados a respeito dos objetivos da pesquisa, aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as entrevistas foram realizadas individualmente em datas e horários combinados com os participantes. Para a realização das entrevistas foi oferecida a possibilidade de ocorrer ou na sala de atendimento familiar ou beira-leito (observando as devidas precauções para resguardo do sigilo da identidade dos participantes). Ao final da coleta de dados as entrevistas foram transcritas na íntegra (os nomes foram substituídos por fictícios) e a análise foi realizada a partir do referencial da Análise do Discurso (AD) de Michel Pêcheux.

Disposições Éticas: Esta pesquisa observou o disposto nas Resoluções nº 466/2012 e 510/2016 do CNS e foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da universidade dos pesquisadores (CAAE: 62334116.6.0000.5154 na Plataforma Brasil) e pela Gerência de Ensino e Pesquisa do hospital.

Procedimentos de análise dos dados: A Análise do Discurso (AD) de Michel Pêcheux conceitua discurso como efeitos de sentidos produzidos entre interlocutores (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Para compreensão da constituição dos sentidos faz-se importante destacar as condições materiais de produção dos mesmos e as relações entre linguagem e o contexto em que os dizeres foram produzidos (quem, quando e como se diz, o que já foi dito sobre o assunto etc.), ou seja, as condições de exterioridade dos discursos (Pires & Sobral, 2013), que podem ser de classe social e de gênero, dentre outras.

De acordo com Pêcheux (2014) a produção dos sentidos não depende somente das intenções dos interlocutores, pois independentemente deles há uma memória discursiva resultante de processos coletivos, simbólicos e históricos, denominada conceitualmente de interdiscurso. Assim, o que é dito (intradiscurso) comporta um conjunto de sentidos preestabelecidos que antecipam possibilidades de significação aos sujeitos (interdiscurso) a depender se suas posições sociais e de gênero, modalizando a constituição dos sentidos. Todavia, para Pêcheux (2014) os interlocutores acreditam ser o ponto de partida e controladores dos seus discursos, desconhecendo as condições sociais e históricas (resultantes da luta de classes) que possibilitam as significações. Esse desconhecimento é resultado do modo de funcionamento da Ideologia (na linguagem) que segundo Orlandi (2013) não se limita ao conjunto de representações ou visões de mundo de uma classe social (isso seria o ideário de cada classe ou, no caso, de gênero), mas é o próprio processo de imposição (por meio dos aparelhos repressivos e ideológicos do Estado) de um conjunto de representações de uma classe social sobre outra(s), estabelecendo a impressão de naturalização e universalização de determinadas representações e sentidos - outra maneira de se referir a esse processo ideológico de constituição de naturalização é argumentar que, tal como fez Louis Althusser, a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos (Pêcheux, 2014).

Desse processo de interpelação ideológica e de desconhecimento do funcionamento das relações (de luta e conflito) entre as classes sociais e gêneros resultam o que podem e devem dizer os sujeitos - são estabelecidas à revelia dos sujeitos zonas de regularidades discursivas denominadas por Michel Pêcheux (apoiado em Michel Foucault) de Formações Discursivas (FD) (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Desse modo as FD estabelecem possibilidades e impossibilidades de sentidos aos sujeitos - a depender dos seus posicionamentos na luta de classes e, no caso, nas relações de gênero. Assim, as FD possibilitam compreender as regularidades presentes no funcionamento do discurso, ou seja, aquilo que numa formação ideológica dada determina as possibilidades do dizer. Mas devido a interpelação ideológica (processo social e individual inconscientes) e as incidências do interdiscurso no intradiscurso toda FD tem por objetivo dissimular sua dependência com a ideologia e com a luta de classes e de gênero. Assim, os indivíduos são interpelados em sujeitos pelas FD que simulam na linguagem as formações ideológicas (disputas e naturalizações de sentidos) que lhes são correspondentes.

Segundo Pêcheux (2014) a interpelação do indivíduo em sujeito de (seu) discurso ocorre através da identificação (do sujeito) com a FD de classe social e de gênero que o domina: " essa identificação apoia-se no fato de que os elementos do interdiscurso (sob sua dupla forma [...] enquanto 'pré-construído' [memória discursiva, interdiscurso] e 'processo de sustentação' [interpelação ideológica]), que constituem, no discurso do sujeito, os traços daquilo que o determina" (Pêcheux, 2014, p. 163). Tal processo de interpelação ideológica que faz o sujeito desconhecer as condições pelas quais constitui os sentidos viabiliza-se por meio do funcionamento de duas formas de esquecimentos. O Esquecimento Número 1 é o esquecimento ideológico ou a ilusão de autoria, isto é, o apagamento das reais condições de produção dos sentidos resultante da luta de classes que naturaliza determinados sentidos, fazendo acreditar ser o sujeito a origem do que diz; em outras palavras, trata-se da ilusão de ser a origem do que se diz quando na verdade isso é resultado do atravessamento de sentidos pré-existentes formulados coletiva e historicamente. Já o Esquecimento Número 2 é da ordem da enunciação, isto é, a ilusão que o sujeito possui de ser/estar na fonte do sentido quando na realidade ele é interpelado por sentidos pré-existentes na FD da qual participa; disso resulta a crença de que a única maneira de se expressar é através das exatas palavras utilizadas, não havendo quaisquer outras possibilidades. Ambos esquecimentos têm como funcionalidade a ilusão do domínio consciente da linguagem por parte dos interlocutores, quando na verdade ela funciona através dos esquecimentos (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014).

Outro ponto importante a ser destacado para a compreensão das condições de produção dos discursos é o campo imaginário enquanto regulador dos discursos. De acordo com a AD há três Formações Imaginárias (FImag): a antecipação (ajustamento do discurso do sujeito em relação ao efeito que pretende causar no interlocutor), as relações de sentidos (por causa do interdiscurso todo dizer tem relação com outros dizeres) e as relações de força (lugar do qual fala o sujeito que pressiona pela validação do que diz) (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Em suma, as FImag representam as tentativas de controlar a produção dos discursos e promover a estabilização dos sentidos por parte dos interlocutores.

A partir desse dispositivo teórico a função do analista do discurso é compreender o funcionamento da linguagem através da evidenciação dos processos, condições e mecanismos de constituição dos sentidos e dos sujeitos. Por isso, o posicionamento do analista e seus gestos interpretativos são inerentes à construção de seu dispositivo analítico (Orlandi, 2013). Em termos de etapas metodológicas (Gomes, 2007; Pêcheux, 2014) o corpus (material linguístico) desse estudo foi composto pelo conjunto de entrevistas (arquivo de referência discursiva) (Guilhaumou et al., 2016) a partir do qual foram (1) identificadas suas principais FD (realizando a transposição do material linguístico para objeto discursivo através da compreensão do processo discursivo (relacionando as FD com as Formações Ideológicas/FI, Formações Imaginárias/FImag e Esquecimento Número 1).

 

Resultados e Discussão

A apresentação dos resultados está organizada em duas seções. A primeira corresponde à identificação das FD de referência que constituem os discursos dos participantes da pesquisa (FD1: Masculinidade Hegemônica; FD2: Não-ditos sobre saúde do homem), atingindo, assim, o objeto discursivo. A segunda é dedicada ao processo discursivo.

FD1: Masculinidade Hegemônica

Na identificação dessa FD buscou-se evidenciar a forma como os discursos dos participantes são interpelados por cristalizações e regularidades de sentidos concernentes às relações de gênero, bem como entendê-las enquanto determinantes do processo saúde/doença. Ao serem questionados sobre a frequência com que procuram os serviços de saúde ela se caracteriza como reativa, ou seja, buscavam pelos serviços quando já estavam com algum sinal/sintoma ou em casos de emergência:

Quando eu tinha plano de saúde eu até fazia uma prevenção, hoje praticamente nem procuro, só quando é um caso de emergência. O que eu mais procuro é cardiologista e urologista, principalmente, desde os 35 anos sempre procurei, mas tem gente aí com 60 e 70 anos que não sabe nem o que é urologista. (Marcelo, 56)

É só quando eu estou passando mal mesmo e precisando de cuidados, aí eu corro atrás, mas enquanto eu vou aguentando eu vou segurando. Às vezes, eu vou no postinho, mas só quando já está bem forte, só quando eu estou que não aguento mais. (Pedro, 56)

Eu estou com um problema de pedra nos rins, então agora praticamente procuro sempre. Mas normalmente só quando estou com problema. Estando bom a gente deixa quieto, precisando a gente procura. (Vinícius, 64)

Torna-se necessária a presença de um sintoma gerador de dor ou sofrimento para que esses sujeitos procurem por processos legitimados e institucionalizados de cuidados. Tal modo de filiação aos serviços de saúde pode ser entendido como resposta aos ideais de masculinidade hegemônica presente no interdiscurso (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014) que parte de uma recusa à vulnerabilidade dos corpos masculinos, gerando resistência à busca por auxílio e por atividades preventivas ou até mesmo um não reconhecimento dos sintomas.

Outro ponto a ser considerado é a trajetória desses sujeitos até a chegada ao hospital. Todos disseram terem procurado por assistência em saúde por questões emergenciais e, a partir disso, foram encaminhados para o hospital. Dos sete participantes cinco passaram ou estavam aguardando por procedimentos cirúrgicos decorrentes do agravamento das condições de saúde, correspondendo à pouca participação na atenção básica, colocando a ênfase na ação curativista e não na preventiva.

As dificuldades de inserção dos homens nas redes de atenção à saúde estão relacionadas aos aspectos da socialização masculina (engendrada por uma sociedade patriarcal e machista) que tendem a afastar esses sujeitos das atividades de autocuidado e interferem (negativamente) no modo como transitam dentro e dentre essas instituições (Bertolini & Simonetti, 2014; Lima et al, 2017; Moreira, Fontes, & Barboza, 2014). Deste modo, discursos sobre prevenção e promoção de saúde não atingem homens e mulheres de forma equivalente, sendo destinados principalmente ao universo feminino (Lago & Muller, 2010; Strey & Pulcherio, 2010). O afastamento dos homens das estratégias de prevenção está coadunado a um ideário de não-adoecimento e imunidade frente as questões de saúde. A partir da crença da invulnerabilidade dos corpos e da imagem de homens ativos e fortes é dificultada a produção de sentidos que escapem dessas cristalizações de gênero presentes na memória discursiva (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Tais sentidos respondem a um percurso histórico e cultural de formatação sobre os modos de exercer a masculinidade (Butler, 2015; Scott, 1995) que produzem práticas - o que inclui as não-práticas - de autocuidado em saúde diferenciais para homens e mulheres.

Vinculado a essa lógica faz-se significativo ressaltar outra pergunta realizada a respeito das principais diferenças observadas no modo como homens e mulheres cuidam da saúde. De acordo com os relatos são enfatizados os estereótipos de gênero (femininos e masculinos) que destacam os lugares diferentes ocupados por homens e mulheres:

As mulheres cuidam mais né, elas se preocupam mais com a saúde, homem é muito desleixado, acha que não precisa sair, não precisa cuidar, acha que é natural ali e vai resolver. A mulher cuida mais, não só da saúde né, na beleza, na aparência, em tudo, homem é mais relaxado. É justamente porque homem acha que não precisa cuidar da saúde. (Marcelo, 56)

Com certeza no dia a dia a mulher cuida mais né. E se precisar toda hora que precisar elas estão junto com a gente né. (Vinícius, 64)

Parece que a mulher preocupa mais né, o homem enquanto a coisa não apertar ele evita, ele é desligado. Às vezes também é para não ficar faltando muito do serviço, a falta de tempo também né. (André, 55)

Além de todos afirmarem que as mulheres cuidam mais de suas demandas em saúde os participantes ressaltam as justificativas. Marcelo disse que as mulheres não são mais preocupadas apenas com a saúde, mas também com aspectos relacionados aos cuidados estéticos; Vinícius enfatizou a função de cuidadora integral socialmente delegada às mulheres, a suposta identificação das mesmas com as práticas em saúde; e André destacou questões relacionadas às atividades laborais e por consequência destas a falta de tempo que influencia os modos como homens buscam pelos serviços de saúde.

Esses pontos têm em comum discursos hegemônicos que estabelecem padrões de normalidade e de possibilidades (discursivas e atitudinais) de gênero (Butler, 2015). Tais justificativas destacam determinantes que situam homens e mulheres em posições assimétricas, o que pode ser compreendido enquanto efeito do Esquecimento Número 2 (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014), ou seja: as justificativas apresentadas pelos participantes (para o relapso em relação ao autocuidado em saúde) somente poderiam ser as que foram apresentadas, e não outras. Dessa forma, associar o feminino às atividades de cuidados estéticos e à função de cuidadora, assim como associar o masculino às atividades laborais e econômicas, diz respeito à naturalização das funções a serem desempenhadas distintamente por cada um dos gêneros. Tal naturalização é decorrente de (inter) discursos que atribuem aos sujeitos, sejam homens ou sejam mulheres, capacidades e predisposições pautadas em suas características biológicas e que através da reiteração e repetição são naturalizadas (Butler, 2015).

Ainda sobre essa pergunta Ítalo evidenciou essa diferenciação dos lugares de pertencimento para homens e mulheres:

Tem, tem muita coisa diferente, até porque tem a função da mulher e a função do homem. Igual, mulher tem menstruação, homem não tem disso. Mulher tem trompa, homem não tem disso. Várias coisas que mulher tem e homem não tem, porque se ele tivesse complicava. Mulher tem que levar a criança, homem não tem, nisso é bem diferente. Por isso que a mulher fica submissa ao homem, porque o homem é a cabeceira. Ela é a comandante da casa, o homem é o comandante e ela a comandante, os dois comandam, o direito que um tem dentro da casa o outro também tem. Só que tem a separação, a mulher mexe nas coisas da cozinha e os homens mexem nas coisasdo curral, da roça. Então acho que as mulheres cuidam mais da saúde porque elas têm mais motivos, porque elas adoecem mais do que os homens, por causa desses motivos que eu te falei. (Ítalo, 69)

Nesse trecho é possível destacar os deslizamentos de sentidos no discurso e suas tentativas de controle por meio das FImag (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014): num primeiro momento Ítalo enfatizou as diferenças anatômicas entre os corpos femininos e masculinos (correlacionados em sua maioria ao sistema reprodutor) e, em seguida, discorreu sobre as funções sociais supostamente atreladas a essas diferenças. Ao mesmo tempo os sentidos que a priori eram destinados aos modos como homens e mulheres cuidam da saúde passaram a significar o modo como esses sujeitos deveriam se comportar no espaço doméstico (as mulheres tratam da cozinha e os homens tratam do curral e da roça).

Ao final dessa argumentação os efeitos de sentidos produzidos seguem o que de acordo com a AD é denominado de processo parafrástico. A paráfrase é conceituada como retorno aos mesmos espaços de sentidos, produzindo diferentes formulações sobre um mesmo tema. Sendo assim, por mais que Ítalo discorra sobre diferentes espaços em sua argumentação há uma dificuldade de romper com a família parafrástica que delimita o que deve ser performatizado por cada um dos gêneros (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014).

Consonante a isso destaca-se o questionamento a respeito do que os participantes entendem por saúde, cujos principais sentidos se vincularam à suposição de sê-la algo importante para vida, trabalho, aspetos físicos e ausência de doenças:

Saúde é tudo, sem saúde a gente não tem nada. Saudável é aquela pessoa que tem saúde perfeita né, que consegue fazer as coisas, trabalhar. (Marcelo, 56)

Pessoa saudável é não sentir nada, quase não gasta com remédio. A pessoa precisa de saúde, a pessoa que não é saudável é doente, toda hora gastando com médico e remédio. Eu por exemplo trabalho, consigo fazer minhas coisas. A saúde da pessoa é o principal, mas precisa ter dinheiro, tendo saúde consegue dinheiro. (Ítalo, 69)

Uma pessoa saudável é uma pessoa que tem condição de levar a vida trabalhando, divertindo, fazendo as coisas que tem vontade de fazer sem impedimento de coisas como remédio, cirurgia, essas coisas. (Bernardo, 60)

A associação entre estar saudável e trabalhar, bem como ao gasto financeiro relacionado aos problemas de saúde, pode ser entendida enquanto uma forma de organização dos discursos que reafirmam o lugar do homem como provedor financeiro da casa e do papel que ocupam em suas famílias. No entanto, ressalta-se que a maioria dos participantes da amostra é aposentada e relatou não exercer atividade remunerada (isto é, não trabalhavam). Esse movimento discursivo pode ser compreendido enquanto uma denúncia de como a demarcação por determinadas Formações Ideológicas encontra-se presente nas possibilidades de dizer dos sujeitos (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014).

Portanto, no decorrer dessa FD pode-se argumentar que são os tradicionalismos e estereótipos de gêneros (construídos social e historicamente) que norteiam as formulações (intra e inter) discursivas dos participantes. Tais formulações encontram respaldo e são afetadas pelo interdiscurso e pelo Esquecimento Número 2 (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014), portanto, determinados sentidos são permitidos e outros são negados referentes à performatividade de gênero dentro do contexto da saúde.

FD2: Não-ditos sobre saúde do homem

De acordo com Orlandi (2013) e Pêcheux (2014) ao longo dos dizeres existe uma margem (franjas) de não-ditos (compostos pelo que poderia ter sido dito de outra forma e não o foi, pelo que não foi dito por ter sido silenciado e impossível de dizer numa FD específica, e pelo que não foi proferido pelo sujeito e sim por outro que lhe completa o discurso) que também constituem os processos de significação dos discursos e participam do interdiscurso. Assim, existem trechos das entrevistas que revelaram o não-dizer na constituição da discursividade e, entre essas duas instâncias (dito e não-dito), há processos interpretativos (de atribuição de sentidos) nos quais os sujeitos se movimentam. Daí enfatiza-se a importância de evidenciar o que não foi dito em determinados contextos.

Esse apontamento é necessário, pois em vários momentos das entrevistas foram observadas dificuldades dos participantes para discorrerem sobre aspectos de sua saúde, principalmente quando relacionados aos motivos pelos quais estavam internados (problemas urológicos). Mesmo que os participantes não tenham realizado apontamentos referentes aos cuidados fornecidos por outros integrantes da equipe de saúde (eles enfatizaram o papel dos médicos e médicas) durante a hospitalização, quando questionados sobre os motivos da internação e quais foram os exames realizados e como se sentiram ao realizar os mesmos alguns relataram suas dificuldades nesse processo, mas o fizeram de maneira vaga/genérica:

Eu adoeci né, com o problema. Aí passei mal e me encaminharam para cá. Aí passei sonda, essas coisas. Olha, fiz vários exames mas não sei te falar o nome. Fiz eletro, ultrassom, fiz o outro exame, isso tudo já fiz. (Bernardo, 60)

Já fiz os exames tudo, ultrassom, tomografia, esses exames aí do meu problema, já estão todos prontos. (Edgar, 57)

Igual eu, se eu tivesse deixado fazer o toque [retal] da primeira vez não estaria ruim assim, já tinha tratado e não precisava ter operado, entendeu? Quando o médico quis fazer a primeira vez o exame da próstata a quinze anos atrás eu não quis fazer, por preconceito eu não fiz. (Ítalo, 69)

Para mim é normal, mas para muita gente é difícil. Os primeiros exames que eu fiz foram difíceis, mas depois eu fui me acostumando. Agora tem alguns homens que não passam nem na porta. Eu tenho um irmão de 57 anos que nunca fez exame de toque [retal], aí não faz um exame de sangue, não faz nada. Vai saber como ele está, aí na hora que acontecer alguma coisa não adianta mais. (Marcelo, 56)

Nos relatos de Bernardo e Edgar é importante destacar a forma genérica e inespecífica como se referiram aos motivos da internação e ao exame de próstata ("eu adoeci né, com o problema"; "exame aí do problema"; "essas coisas aí"). Como efeito de sentido desse apontamento supõe-se que esses sujeitos esbarram e denunciam os obstáculos (discursivos) (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014) existentes quando homens falam sobre saúde, em específico, das questões sexuais. Já Ítalo e Marcelo discorreram sobre as dificuldades nesse processo, tais como a recusa em realizar exames e o agravamento de sua (Ítalo) condição clínica.

Outra forma de destacar o funcionamento dos não-ditos enquanto constituinte dos discursos e dos sentidos (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014) pode ser exemplificado quando questionados sobre suas práticas de autocuidado - considerada por eles como desleixada e/ou dispensável, resultado do afastamento historicamente condicionado da masculinidade hegemônica das práticas de autocuidados; não raro essas práticas estavam vinculadas aos cuidados dispendidos por mulheres:

Minha esposa me ajuda, ela fica no meu pé, se eu não fizer as coisas ela pega na orelha, ela é firme. Ela me ajuda a controlar essas coisas, eu sozinho é difícil (Vinícius, 64)

Tem sempre a família que as vezes ajuda. Eu não sei muita coisa não, mas tem as filhas que sabem e elas me ajudam. (Pedro, 56)

Minha esposa me auxilia muito, a gente está sempre de olho no que o outro está tomando. (André, 55)

Minha esposa está aqui me acompanhando no hospital, vinte e quatro horas por dia, ela sempre me ajuda. (Bernardo, 60)

É importante destacar que sinalizar esses recortes não sugere a culpabilização ou vitimização desses homens por não aderirem às práticas e serviços de saúde, mas sim destaca a necessidade de compreender (a categoria) gênero de forma performativa e relacional, estabelecendo dinâmicas diferenciais baseadas em binarismos normativos sobre modos de agir de homens e mulheres (Medrado & Lyra, 2008; Butler, 2015). Sob esta perspectiva não seriam apenas os homens que reproduzem discursos que os distanciam de tais práticas, mas também outros interlocutores e instituições.

Nota-se que foram as mulheres (esposas e filhas) quem estiveram em destaque nessas narrativas, sendo necessária uma vigilância por parte delas para que eles seguissem as recomendações médicas e cuidassem de si mesmos. Cabe ressaltar que em duas entrevistas (Vinícius e Bernardo) os participantes estavam acompanhados de suas esposas (as entrevistas foram realizadas durante o horário de visita por preferência dos participantes, mas mesmo quando inquiridos se gostariam de remarcar suas entrevistas disseram não se incomodar com a presença das acompanhantes). Nos casos em que isso aconteceu o espaço ou autoridade discursiva relativa à saúde foi delegada à figura feminina (mulher) tanto por intermédio das menções realizadas por eles no decorrer das entrevistas quanto pela participação delas durante as entrevistas - por muitas vezes respondendo no lugar dos homens ou interferindo quando eles demonstravam dificuldades para articular suas respostas1. Os participantes pareceram não se importar quando isso aconteceu e não ofereceram resistências quando as esposas protagonizavam (suas) as falas. Por isso, o não-dito de um sujeito (condicionado as suas filiações às FD) pode ser dito (materializadas) por outros interlocutores (as mulheres), exemplificando as relações interdiscursivas do discurso (Pêcheux, 2014).

Partindo do pressuposto que de os sentidos não existem isolados, mas são determinados pelas posições imaginárias (FImag) e ideológicas (FI) colocadas em jogo no processo sociohistórico em que as palavras são produzidas e utilizadas (FD e interdiscurso), supõem-se que as palavras mudam de sentido de acordo com as posições (ou FD) daqueles que as empregam - conceito na AD denominado de posição discursiva (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Assim, nos recortes destacados infere-se que foram acionadas diferentes vozes de uma mesma FD (discursos) na construção dos sentidos.

Ao afirmarem que essas mulheres estão sempre presentes quando o assunto é saúde destaca-se que a posição discursiva mulher/feminino possui mais propriedade/habilidade para discorrer sobre a temática saúde do que a posição homem/masculino ("eu sozinho é difícil"; "eu não sei muita coisa não"). Quando fazem isso esses homens (re) produzem um discurso generificado a partir do qual, historicamente, as práticas de cuidado e atenção à saúde são associadas à feminilidade.

Como efeito de sentido desses recortes apresentados para caracterização dessa FD destaca-se que os homens se posicionam (interdiscursivamente) de modo a elaborar estratégias que os afastam do cuidado com a saúde ou até mesmo do espaço discursivo que versa sobre o assunto (não-ditos), pois ao retomar a memória discursiva (interdiscurso) é isso que sobressai devido à repetição parafrástica (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Esse ato de não-dizer - ou dizer de um outro (feminilidade) - para além de deslegitimar o discurso masculino no contexto da saúde corrobora para com a invisibilidade dessa população enquanto protagonista e destinatária de cuidados. É nesse sentido que Pêcheux (2014) aponta a importância dos não-ditos e dos esquecimentos (números 1 e 2) na constituição dos sentidos.

Outro aspecto relevante a ser destacado em relação aos não-ditos é o desconhecimento e/ou a pouca participação dos participantes em campanhas de saúde voltadas em específico para a saúde do homem. Quando questionados a esse respeito apenas três afirmaram terem ouvido sobre o assunto sem, no entanto, terem participado:

Às vezes a gente vê o outubro azul, acho que é isso né? Do câncer, essas coisas, tratamento da próstata. Ultimamente tem essa divulgação sim, mas isso é hoje né, porque um tempo atrás ninguém falava em saúde do homem. (Marcelo, 56)

Eu ouvi aqui dentro do hospital só por causa do problema de próstata né, mas participar eu não participei não. Tem muita gente que é ignorante, tem vergonha e não procura. Vê que tem o mês rosa, o mês azul e já leva para aquele lado né. (Vinícius, 64)

Já ouvi alguma coisa sobre a saúde de prevenção, mas nunca participei. (Ítalo, 69)

Não, nunca ouvi falar e nem participei. (Pedro, 56)

Enquanto efeitos de sentidos desse desconhecimento frente às informações em saúde faz-se pertinente questionar a respeito da efetividade dessas campanhas e de que modo elas capturam a atenção desse público. De acordo com Gomes et al. (2011) essas práticas educativas concernentes à saúde do homem apresentam um caráter pontual por muitas vezes serem realizadas em mutirões e/ou eventos comemorativos. Esse processo acaba por favorecer a invisibilidade desses sujeitos e suas demandas no processo saúde/doença.

 

Processo Discursivo

Após a identificação das principais FD componentes do corpus partiremos para a compreensão do processo discursivo relacionando as FD com as Formações Ideológicas (FI), Formações Imaginárias (FImag) e Esquecimento Número 1. Ambas FD1 e FD2 se encontram atravessadas por tradicionalismos de gênero, apontando para uma FI binária de gênero enquanto estruturante dos dizeres dos sujeitos (Butler, 2015; Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014).

A partir disso e considerando as relações de sentidos dos discursos (todo dizer tem relação com outros dizeres possíveis ou imaginados, contemporâneos ou passados) entende-se que os sujeitos são interpelados por diferentes discursos que lhe são preexistentes e que através de regras de conduta prescrevem aos membros de uma sociedade maneiras de agir, dentre as quais o exercício de (auto) cuidados e atenção em saúde (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Tal prática de autocuidado dos homens quase sempre encontra obstáculos ao esbarrar nos estereótipos de gênero, pois são reconhecidas como atributo das mulheres. Ao se aproximarem das ações de autocuidado os homens assumem um papel contraditório ao esperado da masculinidade hegemônica tradicional (invulnerabilidade, virilidade, força física e capacidade de trabalhar entre outros) e correm o risco de terem questionada sua masculinidade (Lago & Muller, 2011; Martins & Modena, 2016; Tonelli & Muller, 2011).

Por mais que essa associação esteja comumente baseada em traços anatômicos dos corpos, na verdade essa divisão de gênero do cuidado se justifica por vias da reiteração de condutas constituída socialmente e internalizadas pelos sujeitos em suas práticas (Butler, 2015). É nesse sentido que a AD aponta para os discursos enquanto estruturantes dos sujeitos (interpelação) e dos processos de naturalização (ideologia) dos efeitos de sentidos que pela repetição parafrástica assumem caráter de evidente verdade (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014).

Por meio do Esquecimento Número 1 e das relações de força (FImag) esses discursos produzidos (no coletivo) são individualizados pelos/para os sujeitos (por meio da interpelação ideológica) como se fossem o ponto de partida do que dizem quando na realidade são determinados pelas formas como eles se inscreveram na história, e é por isso que significam. Sendo assim, através do efeito de dominância dos discursos (Pêcheux & Fuchs, 2014) adquirem maior relevância e distinção em detrimento de outros discursos que versam sobre diferentes possibilidades de expressões de gênero (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Por isso, determinados sentidos são permitidos e outros vetados aos homens dentro do contexto da saúde, sendo esses sentidos sedimentados no interdiscurso e determinantes à revelia dos sujeitos da produção discursiva imediata (intradiscurso, via FD).

Para compreensão dos mecanismos de produção dos sentidos utilizados pelos participantes é necessário enfatizar que os discursos de atribuição de distinções de gênero para homens e mulheres (Butler, 2015), bem como as normatizações observadas sobre como esses homens devem se comportar no contexto de saúde, não correspondem às habilidades empíricas desses participantes, mas sim ao campo imaginário alicerçado pelas posições discursivas que eles ocupam em determinada FI. Dizer isso implica em reconhecer que ao serem interpelados pela Ideologia as possibilidades de produção de sentidos são naturalizadas e assumem o caráter de verdade através da ilusão de transparência da linguagem (Esquecimento Número 1) (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014). Exemplo disso pode ser visto nas falas dos participantes que supõem haver uma habilidade natural das mulheres para exercerem o autocuidado e o cuidado de outrem (dos homens) ao mesmo tempo em que se afastam do cuidado do próprio corpo e da busca por serviços de saúde motivados pela crença de que homens são naturalmente desleixados.

De acordo com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (Ministério da Saúde, 2009) e Barbosa (2014) para além das barreiras sociais que afastam o público masculino da temática da saúde existiriam barreiras institucionais que corroboram para que os homens não se sintam acolhidos nas instituições de saúde, tais como: horário de funcionamento das unidades de saúde que coincidem com o expediente de trabalho; contexto do trabalho não receptivo às manifestações de doenças; precarização dos serviços prestados; dificuldade de agendamentos de consultas e de disponibilidade de leitos; despreparo, por parte dos profissionais, para lidar com as demandas da população masculina. Assim, é importante destacar que se por um lado as políticas públicas de saúde são constituinte da exterioridade (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014) dos efeitos de sentidos e das práticas reais referentes à assistência e autocuidado em saúde masculina por outro lado alguns estudos (Couto et al, 2010; Gomes et al., 2012; Knauth, Couto & Figueiredo, 2012) apontam que a implantação da PNAISH embarra em obstáculos para sua efetivação enquanto proposta que abarque a totalidade das demandas e necessidades masculinas e das masculinidades. Ademais, ao analisar as práticas dos profissionais de saúde Marques (2010) e Machin et al. (2011) evidenciaram que elas são atravessadas pelas questões (e relações) de gênero e por discursos e ideologias que refletem uma cultura generificada. Portanto, essas representações de e sobre gênero certamente implicam e modalizam o planejamento, gestão, organização e execução dos serviços de saúde e do cuidado prestado (Figueiredo & Schraiber, 2011), sendo forçoso que o gênero seja considerado como elemento estruturante dos programas de saúde e das práticas dos profissionais (Schraiber, 2012).

Dito isto, enfatiza-se a necessidade de compreender o contexto da saúde de forma abrangente, haja vista que não são apenas os usuários ou os profissionais e gestores que fazem parte das vivências em saúde. Por mais que existam diferentes posições discursivas e que determinados discursos sejam priorizados baseados nas relações de poder estabelecidas nesse cenário, todos os indivíduos são interpelados em sujeitos de seu discurso pelas FD que representam, na linguagem, FI (formações ideológicas) que lhe são correspondentes (Orlandi, 2013; Pêcheux, 2014).

 

Considerações finais

Na busca em compreender as formações discursivas (FD) sobre gênero e cuidados em saúde de homens internados no setor de urologia de um hospital observou-se a urgência de investir na mobilização desses sujeitos para o exercício do autocuidado alicerçada em atividades de prevenção e promoção da saúde. No entanto, além dessa mobilização, faz-se necessário o investimento em espaços institucionais para discutir sobre a formação dos profissionais das equipes de saúde, bem como dos princípios e diretrizes da PNAISH e do SUS, objetivando garantir os direitos da população masculina na saúde.

Compreender as barreiras sociais e institucionais que no geral afastam muitos homens dos serviços de saúde é condição essencial para o reconhecimento das singularidades e especificidades das masculinidades, servindo como munição às novas práticas e modos de agir em saúde que sejam atrativos e que promovam o fortalecimento de vínculos entre esses sujeitos e os serviços de saúde. Outro ponto a ser destacado é que abordar a saúde do homem sob a perspectiva de gênero resulta em considerar as diferentes possibilidades de exercício das masculinidades, e não apenas da hegemônica ou tradicional - apesar desta ser a mais típica.

Quanto às limitações do presente estudo há de se considerar o número de participantes e a importância de explorar diferentes discursos (incluindo os institucionais) constituintes do contexto e das práticas de saúde, pois outras posições discursivas e outros espaços de produção de sentidos (por exemplo: outras enfermarias) podem colaborar na construção do conhecimento nesta temática. Ademais, faz-se necessário destacar a influência de outras variáveis interseccionais (que participam das determinantes do processo saúde/doença, tais como raça/etnia, localização geográfica, escolaridade e renda etc.) que impossibilitam a generalização das análises propostas.

Isto posto, os resultados do presente estudo apontaram para alguns desafios institucionais concernentes à vivência dos homens no contexto da saúde, bem como demonstraram que a perspectiva de gênero possibilita outras compreensões desse complexo cenário e dos modos pelos quais os usuários (homens) transitam nesse espaço e serviços. Considerou-se também o contexto de saúde (hospital) enquanto (re) produtor de tradicionalismos de gênero respaldado por formações discursivas, ideológicas e imaginárias que constituem e naturalizam sentidos produzidos por estes participantes.

 

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Recebido em: 17/10/2018
Aprovado em: 11/09/2019

 

 

1 Optamos por evidenciar a participação dessas mulheres em decorrência de sua relevância nos efeitos de sentidos produzidos nos discursos em apreço. Mesmo que isso possa ser considerado um obstáculo metodológico é preciso considerar a pertinência dessa decisão em sua dupla incidência na AD: a primeira é em relação ao fato de os homens terem espontaneamente franqueado espaço de fala e autoridade discursiva às esposas e não se opuseram, quando inquiridos, a utilização dessa "interferência" na pesquisa - haja vista que o sujeito não é o dono/controlador do discurso; a segunda diz respeito aos próprios pressupostos da AD, pois os discursos e os sentidos nunca são formulados nem dominados exclusivamente pelo sujeito individualizado, mas sim pelas condições reais e materiais de sua produção (expressas pelos interdiscurso, FD, FI e interpelação ideológica e pelo caráter coletivo da linguagem), ou seja, pelos efeitos de sentidos entre interlocutores (estando ou não estes presencialmente na interlocução) (Pêcheux, 2014). Ademais, na AD a autoria do discurso (no caso, pelos homens) sempre implica considerar a inserção do sujeito na cultura e no contexto social e histórico das suas relações materiais imediatas, ou seja, o autor sempre é um autor-em-relação com outro(s) (Orlandi, 2013) - no caso, ao que se refere às relações de/entre gêneros. Portanto, entende-se essa participação das mulheres não como fator que altere os discursos formulados pelos participantes, mas sim como elemento constitutivo dos sentidos produzidos pelos mesmos (através dos ditos e não-ditos).

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