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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

     

 

ARTIGOS

 

Práticas interseccionais de discriminação contra mulheres negras: Um estudo sobre vergonha e humilhação

 

Intersectional practices of discrimination against black women: A study on shame and humiliation

 

Prácticas interseccionales de discriminación contra las mujeres negras: Un estudio sobre la vergüenza y la humillación

 

Pratiques intersectionnelles de discrimination à l'égard des femmes noires : Une étude sur la honte et l'humiliation

 

 

James Ferreira Moura JrI; Vilkiane Natercia Malherme BarbosaII; Jorge Castellá SarrieraIII; Damião Soares de Almeida SegundoIV; Antonio Ailton de Sousa LimaV

IDoutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB) e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) / james.mourajr@unilab.edu.br
IIDoutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) / vilkimalherme@outlook.com
IIIDoutor em Psicologia Psicologia Social pela Universidad Autonoma de Madrid e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) / jorgesarriera@gmail.com
IVDoutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) / damiao.soares@gmail.com
VMestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) / ailtonlimah12@gmail.com

 

 


RESUMO

Práticas discriminatórias podem acarretar sentimentos de vergonha pelo indivíduo ser reconhecido em uma determinada identidade social estigmatizada. Dependendo dos marcadores de raça e gênero, esse processo de estigmatização e de violência adquire características singulares. Assim, tem-se como objetivo analisar práticas de discriminação dirigidas a mulheres negras em situação de pobreza de forma interseccional. Essa investigação foi desenvolvida em uma capital do Nordeste e outra do Sul do Brasil. Foram entrevistadas seis mulheres negras em situação de pobreza com o uso da técnica de Entrevista Narrativa Episódica, tendo como procedimento analítico a análise temática narrativa. Observa-se um forte discurso de estigmatização e de culpabilização da pobreza. Articulada a essa estigmatização, há casos de humilhação e sentimentos de vergonha vinculados à questão de gênero. A questão racial não é identificada como uma articulação evidente, mas pode ser base para os casos de humilhação relacionados com a pobreza ou o gênero.

Palavras-chave: Discriminação; Interseccionalidade; Gênero; Raça; Pobreza.


ABSTRACT

Discriminatory practices may lead to feelings of shame as the individual is recognized in a particular stigmatized social identity. Depending on the markers of race and gender, this process of stigmatization and violence acquires unique characteristics. Thus, the study aims is to analyze, in a intersectional way, the discrimination practices directed at black women in situation of poverty. This research was developed in a capital city of the Northeast and another of the South of Brazil. Using the Episodic Narrative Interview technique and having as analytical procedure the narrative thematic analysis, six black women in situation of poverty were interviewed. It is observed a strong discourse of stigmatization and scapegoating of poverty. Articulated to this stigmatization, there are cases of humiliation and feelings of shame linked to gender issues. The racial issue is not identified as an obvious articulation, but may be the basis for cases of humiliation related to poverty or gender.

Keywords: Discrimination; Intersectionality; Gender; Race; Poverty.


RESUMEN

Las prácticas discriminatorias pueden acarrear sentimientos de vergüenza por el individuo ser reconocido en una determinada identidad social estigmatizada. Dependiendo de los marcadores de raza y género, este proceso de estigmatización y de violencia adquiere características singulares. Así, se tiene como objetivo analizar prácticas de discriminación dirigidas a mujeres negras en situación de pobreza de forma interseccional. Esta investigación se desarrolló en una capital del Nordeste y otra del sur de Brasil. Se entrevistaron seis mujeres negras en situación de pobreza con el uso de la técnica de Entrevista Narrativa Episódica y teniendo como procedimiento analítico el análisis temático narrativo. Se observa un fuerte discurso de estigmatización y de culpabilización de la pobreza. Articulada a esta estigmatización, hay casos de humillación y sentimientos de vergüenza vinculados a la cuestión de género. La cuestión racial no se identifica como una articulación evidente, pero puede ser base para los casos de humillación relacionados con la pobreza o el género.

Palabras-clave: Discriminación; Interseccionalidad; Genero; Raza; Pobreza.


RÉSUMÉ

Les pratiques discriminatoires peuvent entraîner des sentiments de honte pour l'individu qui est reconnu dans une certaine identité sociale stigmatisée. Selon les marqueurs de race et de sexe, ce processus de stigmatisation et de violence acquiert des caractéristiques uniques. Ainsi, l'objectif est d'analyser de manière intersectionnelle les pratiques de discrimination à l'égard des femmes noires en situation de pauvreté. Cette recherche a été développée dans une capitale du Nord-Est et une autre dans le Sud du Brésil. Six femmes noires en situation de pauvreté ont été interviewées en utilisant la technique de l'interview narrative épisodique, ayant comme procédure analytique l'analyse thématique narrative. Un discours fort de stigmatisation et de blâme de la pauvreté a été observé. A cette stigmatisation s'ajoutent des cas d'humiliation et des sentiments de honte liés à la question du genre. La question raciale n'est pas identifiée comme un lien évident, mais peut être à la base de cas d'humiliation liés à la pauvreté ou au sexe.

Mots-clés: Discrimination; Intersectionnalité; Genre; Race; Pauvreté.


 

 

Introdução

As práticas discriminatórias estão baseadas em processos de estigmatização de determinadas identidades sociais estigmatizadas (Goffman, 2008; Zavaleta, 2007). Isso ocorre porque há uma forma de reconhecimento específica e opressora de um marcador social estigmatizado chamada de reconhecimento perverso (Lima, 2010). Mulheres negras em situação de pobreza recebem tratamentos injustos e humilhantes em serviços de saúde (Codeiro & Ferreira, 2009), em diversas políticas públicas e em espaços comunitários e domésticos (Riscado, Araújo, & Brito, 2010). De acordo com Moura, Ximenes, e Sarriera (2014), às pessoas em situação de pobreza geralmente têm essa perspectiva de reconhecimento baseada em aspectos depreciativos e culpabilizatórios da sua condição. De acordo com Campbell (2015), a situação de pobreza pode ser um forte preditor de práticas de discriminação de pessoas inseridas nessa situação, devendo ser reconhecida em uma perspectiva interseccional a partir da raça e do gênero.

De acordo com Crenshaw (2002), dependendo dos marcadores de raça e gênero, esse processo de estigmatização e de violência adquirem características singulares e opressoras. Nesse sentido, deve-se observar o racismo entrelaçado à situação de pobreza no contexto brasileiro, na qual há uma influência do mito da ideologia da democracia racial. Parte constituinte da formação social brasileira refere-se à crença de que há uma convivência racial pacífica e justa pautada numa amistosa miscigenação da população negra, indígena e branca (Guimarães, 2012). Contudo, esse processo de miscigenação foi uma política consciente de dominação racial (branqueamento) e não uma mera inter-relação respeitosa ditada pela afeição (Fanon, 2008; Munanga, 2017).

Entende-se, dessa maneira, que há uma matriz de dominação entrecruzada vinculada à classe e à raça, pois à população negra é reservado o estrato subalternizado na hierarquia social brasileira. No entanto, as mulheres negras podem ser identificadas como inseridas em uma posição de estigmatização mais intensa (Bernardino-Costa, 2015). Assim, há articulação racial que produz gêneros subalternizados, onde homens e mulheres brancas alcançam posições privilegiadas frente a homens e mulheres negras (Ribeiro, 2017). Nesse processo, as mulheres negras passam por práticas de discriminação específicas em situação de pobreza (Davis, 2016).

Nesse sentido, numa perspectiva interseccional, Anibal Quijano (2005) pontua que a própria criação da ideia de América a partir do processo de colonização propôs um novo sistema mundo-moderno/colonial que passa a classificar as pessoas a partir da ideia de raças, tornando-se central nas questões hierárquicas e de organização social. Tal proposição reverbera até a organização social e política atual e constrói, ao longo do tempo, identidades historicamente marginalizadas. Assim, a população negra é posicionada em determinados lugares e papéis sociais subalternos por conta desse viés colonial (Spivak, 2010).

Oliveira e Amâncio (2017) discorrem que historicamente os padrões de dominação geram assimetrias que são resultantes da intersecção de gênero, raça, classe, dentre outros marcadores, assim estabelecendo lugares de privilégio e de opressão. Dessa maneira, os processos de dominação que embasam as discriminações devem ser concebidos como vinculados a políticas de identidade (Alcoff, 2016). Deve-se igualmente entender que os estigmas que são bases do preconceito têm uma raiz colonial, fundamentados por meio de práticas cotidianas de humilhação (Bandeira & Batista, 2002). A colonialidade constitui as relações de poder em que o colonizador é posicionado com parâmetros valorativos, sendo classificados como positivos apenas os marcadores eurocentrados de branquitude, masculinidade, heterossexualidade, cristandade e riqueza (Miglievich-Ribeiro, 2014). De acordo com Grosfoguel (2016), a sociedade ocidental está constituída de uma série de epistemicídios que formaram as bases do processo de estigmatização da raça, do gênero, da classe social, da condição sexual e do território.

As práticas de humilhação são percebidas como embasadas por essas formas de reconhecimento depreciativo da pobreza junto a outros marcadores sociais. Assim, entende-se a humilhação como um tratamento desrespeitoso. O indivíduo humilhado é posicionado de forma injusta em uma posição inferior ao patamar onde está localizado o agente da prática de humilhação (Shick, 1997). Assim, essa atitude discriminatória é concebida como uma ação violenta que pode ser desenvolvida por gestos, atitudes e palavras de rebaixamento moral de outrem. Há, assim, a destruição do limite da fronteira moral da intimidade de forma pública e violenta (La Taille, 2002a, 2009).

Zavaleta (2007) e Walton (2011) compreendem que os atos de humilhação podem desenvolver a vergonha e, consequentemente, o isolamento social das pessoas em situação de pobreza. Há, então, a construção de um círculo vicioso e opressor, pois as pessoas em situação de pobreza que mais necessitam buscar as políticas públicas e formas de interação positiva passariam a não ter a motivação para acessar espaços de fortalecimento. Então, a vergonha é uma das principais consequências de uma realidade de pobreza envolta de discriminação (Raditloaneng, 2009).

A partir de um estudo qualitativo realizado Appio, Chambers e Mao (2013) com pessoas em situação de pobreza e da classe trabalhadora em processo psicoterápico, identifica-se que esse público passa por uma série de processos discriminatórios constituídos pelas estigmatização. Assim, relações baseadas na desigualdade social podem trazer sentimentos de vergonha que geram isolamento (Walton, 2011). Então, a vergonha estaria ligada a uma "boa imagem" que o indivíduo tem de si e está sendo alvo de julgamento depreciativo, tornando-se distante desse ideal (Harkot-de-la-Taille, 1999). É importante igualmente salientar que essa imagem pode estar relacionada a diferentes tipos de conteúdo e juízo, podendo vincular-se a valores hedonistas, egoístas e individualistas, como também a valores morais e éticos (La Taille, 2007).

A vergonha utilizada neste trabalho geralmente é sentida em conjunturas envolvendo depreciação e práticas de humilhação causadas pela situação de pobreza em intersecção com outros marcadores. Isso ocorre porque o ser humano - tanto criança, como adulto - busca ter um valor positivo de si, existindo, então, um temor pela ocorrência da vergonha depreciativa. Quando há esse medo por sentir vergonha, Harkot-de-la-Taille (1999) concebe que é uma vergonha prospectiva - que se refere à antecipação do sentimento. Igualmente, há a vergonha retrospectiva, que é desencadeada a partir de um evento específico. No entanto, os dois tipos de vergonha estão relacionados a um autoconceito depreciativo e a uma exposição imaginada.

Esse sentimento constitui-se como uma avaliação global de fracasso desenvolvida pelo próprio sujeito envergonhado. Para ocorrer essa avaliação negativa, o indivíduo tem que legitimar um juízo negativo reproduzido socialmente (La Taille, 2002b). Então, como o Brasil pode ser concebido como uma sociedade extremamente violenta, preconceituosa e hierárquica, identifica-se a existência de um reconhecimento estigmatizado da pobreza em suas intersecções desde o período colonial (Moura, Ximenes & Sarriera, 2014; Souza, 2017). Adiciona-se a isso o machismo cotidiano recorrente alicerçado por uma estrutura patriarcal e igualmente fundada na colonização (Saffioti, 2017). Ademais, articulando pobreza e gênero, identifica-se também a existência de uma sociedade pautada no racismo estrutural e ambivalente (Munanga, 2017). Este último é a representação do mito da democracia racial brasileira em que há um discurso falacioso de harmonia e boa convivência entre as raças, pois o que ocorre de fato é um maior número de homicídios entre jovens negros e mais violência contra as mulheres negras (Cerqueira et al., 2017).

Com isso, pode haver a existência de um forte sentimento de vergonha relacionada à situação de pobreza em intersecção com gênero e raça (Ribeiro, 2017; Saffioti, 2017). De acordo com Henning (2015), essa intersecção produz identidades específicas que são constituintes de violências e estratégias de resistências singulares. Grzanka (2018) afirma que a visibilidade dessas trajetórias interseccionais de mulheres negras em situação de pobreza terceiro mundistas devem ser evidenciadas como práticas de resistência e de denúncia a esse racismo estrutural que permeia a sociedade ocidental. Assim, tem-se como objetivo analisar práticas de discriminação a mulheres negras em situação de pobreza de forma interseccional.

 

Método

A abordagem metodológica segue uma perspectiva qualitativa que se baseia no entrelaçamento da compreensão histórica e particular dos fenômenos investigados a partir das diferentes formas de manifestações discursivas dos indivíduos participantes (Chizzotti, 2006).

Técnica Utilizada

A técnica utilizada foi a Entrevista Narrativa Episódica. Ela tem como objetivo captar a experiência dos indivíduos a partir do relato narrativo de episódios marcantes em suas vidas. É importante salientar que a experiência e a realidade são constituídas a partir de uma estruturação narrativa (Bruner, 1997; Harré, 1998). Assim, a técnica foi escolhida por ser considerada como uma forma de entrevista semi-estruturada com profundidade enriquecida narrativamente (Jovchelovitch & Bauer, 2002).

 

Locais e Procedimentos de Realização da Pesquisa

Essa pesquisa foi realizada em duas capitais, sendo uma do Nordeste e uma no Sul do Brasil. Assim, para realizar este estudo, primeiro foi desenvolvido um levantamento de caráter quantitativo com 437 pessoas sobre diversas dimensões psicossociais da pobreza nessas duas cidades em bairros com altos índices de pobreza. Foram realizadas visitas domiciliares para aplicação desse questionário quantitativo a partir da parceria com as Unidades Básicas de Saúde. Após essa etapa, as pessoas que marcaram forma positiva no questionário uma questão sobre vergonha por conta da situação de pobreza foram convidadas a contribuir na fase qualitativa que ocorreu no ano de 2015. As entrevistas foram realizadas em locais que as mulheres se sentiram confortáveis. Foi identificado que a maioria das pessoas que se encaixavam nesse perfil eram mulheres negras. O que não era a priori um objetivo da pesquisa guarda-chuva, sendo demanda que emergiu do campo e por esse motivo, este artigo foi desenvolvido a partir da evidência dessa intersecção raça, classe e gênero. É importante salientar que a equipe de produção desse artigo conta como uma pesquisadora negra e um pesquisador negro, desenvolvendo as análises de forma dialógica e crítica para não posicionar as mulheres participantes como objetos de estudo. As análises foram realizadas somente com o aval das representatividades negras presentes na produção desse estudo. O projeto de pesquisa mais amplo faz parte da chamada Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sobre os impactos da vergonha e da humilhação na vida de pessoas em situação de pobreza com alguns resultados publicados (Cidade, Esmeraldo, Moura, & Ximenes, 2018; Moura & Sarriera, 2017; Ximenes, Moura, Cruz, Silva, & Sarriera, 2016).

 

Participantes

As mulheres entrevistadas estavam marcadamente em situação de pobreza, pois se referiam ao estudo mais amplo informado anteriormente. Concebe-se a pobreza em uma perspectiva multidimensional. Dessa maneira, as mulheres participantes tinham privações nos indicadores educação, trabalho, saúde e habitação, compondo uma perspectiva de pobreza que não se baseia somente na deficiência monetária (Cidade, Moura, Nepomuceno, Ximenes, & Sarriera, 2015). No entanto, tinham características distintas referentes a questões de gênero e de raça. Apenas uma das participantes das entrevistas era branca, não tendo sido incluída no presente estudo. As entrevistas utilizadas referem-se a seis mulheres com as seguintes características:

Tabela 1

É importante salientar que foram utilizados nomes fictícios para preservar as entrevistadas. A escolha dos nomes foi realizada a partir da seleção de figuras importantes de movimentos de resistência contra-hegemônicos e de cunho popular no Brasil. Não houve relação estrita entre as histórias das personagens históricas e as narrativas das participantes da pesquisa. A generalização que poderia ser feita é que tanto as figuras históricas, como as participantes da pesquisa foram mulheres negras imersas em lugares de marginalização.

Plano de Análise de sentidos

As entrevistas foram transcritas pelo pesquisador responsável no programa Word. Foi utilizado o software de análise de dados qualitativos Atlas.ti. Com isso, foi realizada a análise temática narrativa para realização dos procedimentos analíticos. Ocorreu, dessa maneira, a redução gradual das narrativas em unidades de sentido, configurando categorias de análise (Jovchelovitch, & Bauer, 2002). Essas categorias tiveram as perspectivas indutivas ou dedutivas (Gibbs, 2009) referentes as explicações sobre a origem da pobreza, as práticas de humilhação vinculadas a pobreza e as consequências dessas práticas de discriminatórias.

Os procedimentos éticos foram contemplados, desde o respeito pelas participantes da pesquisa, como pelos aspectos formais da pesquisa científica como a aplicação do termo de consentimento esclarecido próprio para a fase qualitativa e a aprovação do projeto no Comitê de Ética da Instituição de Ensino Superior correspondente.

 

Resultados e Discussão

A prática de culpabilização das pessoas em situação de pobreza está ligada ao esvaziamento da responsabilidade estatal e social no combate dessa privação e a responsabilização por esse fenômeno como somente vinculado ao indivíduo (Moura & Ximenes, 2016). Esse processo é chamado de atribuição causal da pobreza. Essa atribuição geralmente é realizada por pessoas que não estão situadas nesse contexto e pelas próprias pessoas inseridas nessa situação, desenvolvendo uma visão culpabilizatória das pessoas pobres (Vazquez & Panadero, 2009). Esse processo de culpabilização também pode ser observado no machismo, em que há uma dinâmica de submissão do gênero feminino ao masculino, supervalorizando este em detrimento daquele (Grossi, Schendeilwein, & Massa, 2013). Assim, de forma interseccional, pode ser sentido de forma ainda mais intensa pelas mulheres em situação de pobreza, porque há uma série de pressões e culpabilizações históricas do corpo feminino (Glucksmann, 2007). Essas atribuições causais da pobreza baseadas na responsabilização individual também podem ser efetuadas pelas próprias mulheres, pois esse processo de dominação masculina pode estar presente de forma geral independente do gênero (Rego & Pinzani, 2013). Assim, a entrevistada Luísa Mahin afirma que:

A sociedade acha que se tu não tem é porque tu é incompetente. A culpa é da pessoa. Ah tu não tem. Ah tu não tá trabalhando, porque tu não quer. Ah porque oportunidade tem, né? Serviço tem. É tem muito isso. Ah tu não tá trabalhando, porque tu não quer. Ah tu não tá trabalhando, porque tu foi incompetente. Tu não sabe guardar teu dinheiro. Tu não sabe ganhar dinheiro. Tu não sabe.

Essas estratégias de culpabilização também podem ser reproduzidas pelas próprias mulheres em situação de pobreza (Rego & Pinzani, 2013). De acordo com Bandeira e Batista (2002), o preconceito contra pessoas em situação de pobreza constitui um processo de subjetivação que afeta o modo de vida, não necessitando de outrem para existir. Pode ocorrer uma "camuflagem", reproduzindo posturas e atitudes da classe dominante como forma de enfrentamento de uma realidade adversa e estigmatizante:

As pessoas olham muito pelo que tu tem e não pelo que tu é, porque, por exemplo, se tu chegar numa loja assim, mal arrumadinha, eles vão ficar te olhando. A vendedora já vai chegar assim. Agora se tu chegar bem arrumada, no salto, de nariz empinado, aquela vendedora, ela vai te tratar melhor, né? mas ela também tá sendo humilhada. [...] É a minha mãe que dizia: 'come feijão e arrota peru'. A minha mãe dizia isso, porque tu tem que passar aquela imagem que tu tem mesmo que tu não tenha, mas pros outros é necessário. Tu come arroz e feijão em casa, mas tu sai, no salto, toda chiquérrima, pra não ser humilhada. (Luísa Mahin)

Isso ocorre porque a pessoa oprimida igualmente pode portar atitudes de dominação. A díade dominador-oprimido não é dicotômica e excludente, podendo constituir tanto dominadores, como oprimidos em um mesmo indivíduo (Góis, 2008). Prova que essas atitudes de dominação também estão constituindo as mulheres negras em situação de pobreza é um discurso de uma das participantes: "já quer humilhar só porque ganha cem a mais já quer humilhar aquele que ganha cem a menos" (Marielle Franco). Dessa maneira, é necessária somente uma diferença pequena de renda para haver a reprodução de práticas de humilhação. De acordo com Ribeiro (2017), as práticas de opressão podem ser usadas por mulheres que são vítimas desse sistema de dominação quando não há a compreensão crítica de sua posição na sociedade e o resgate histórico das questões vinculadas à gênero, à raça e à classe, em intersecção.

Assim, segue-se uma lógica social de separação de ambientes para pessoas em situação de pobreza e em situação de riqueza. Olga explica: "Aí eu tenho amigos que nunca vão em teatro, em museu, em nada. E aí conversando assim, né? As pessoas comentam isso 'ah, é que lá é coisa pra rico, eu não tenho dinheiro'. Então, as pessoas sempre se colocam pra baixo 'ah, lá não é pra mim". Assim, junto com a estigmatização da pobreza, há um processo de invisibilidade da questão racial no Brasil a partir do mito da democracia racial (Munanga, 2017), mas as pessoas negras, principalmente, as mulheres sentem de forma concreta essas discriminações (Ribeiro, 2017). Continuando com Marielle Franco, ela afirma:

As pessoas passam a não te enxergar, não te respeitar, ser invisível. Pode notar que as pessoas mais humildes são invisíveis. Só enxerga a tia da faxina quando tem que limpar alguma coisa, quando precisa. Só enxerga o guarda quando precisa. O gari tu nem enxerga. Eles são todos iguais com aquela roupa laranja, né?

Juntando pobreza, gênero e raça, há um processo de silenciamento e de controle desses corpos dessas mulheres negras (Davis, 2016). O mais perverso nessa dinâmica de estigmatização é a conversão dessas práticas presentes na sociedade para identidade dessas mulheres. Prilleltensky (2008) comenta que pode haver um processo de conversão dessas regras sociais de estigmatização. Dessa maneira, como demonstrado, pode ocorrer tanto os sentimentos de vergonha que representam aceitações desses juízos sociais depreciativos pela própria mulher. Igualmente, as mulheres negras em situação de pobreza podem atuar como discriminadoras de pessoas com uma renda um pouco mais baixa que elas:

Acham que as pessoas por ser mais ignorantes, por ser mais pobre, menos instruídas, serem mais pobres, acham que é por isso que eles se sentem no direito de fazer isso. Parece que podendo, no direito, como se fosse uma coisa normal pra eles. Porque o dinheiro compra isso, digamos, compra o respeito, compra a superioridade deles. Acho que é por isso. (Marielle Franco)

De acordo com Fanon (2008), pode ocorrer um processo de violência entre a própria população negra, assumindo posturas daqueles que originalmente praticam atos discriminatórios. Além disso, elas podem sentir-se culpadas pela sua situação, compreendendo que são as únicas responsáveis pela sua condição. As construções machistas, racistas e classistas dessa sociedade podem posicionar as mulheres negras em espaços de isolamento e solidão, porque as agressões e microagressões são cotidianas no corpo e no modo de vida dessas mulheres (Grzanka, 2018). Essas práticas de estigmatização podem incidir no desenvolvimento do sentimento de vergonha e na sua capacidade de agenciamento, como também ser o alicerce das práticas de discriminação.

Humilhação está ligada a uma prática realizada por outrem com fins de diminuição de uma pessoa ou grupo (Alencar & La Taille, 2007). Assim, a participante Olga enfatiza que são ações concretas relacionadas ao tratamento impetrado por outra pessoa: "Claro que tem situações específicas, né? De alguém te tratar mal ou alguém te discriminar, né?". A humilhação pode ser entendida como uma agressão simbólica pública a partir de uma diferença de um reconhecimento verticalizado do outro discriminado (Shick, 1997). "Pra mim, é quando as pessoas querem subir em cima de nós pra se sentirem melhores. Eu achouma humilhação [...] querer apontar teus pontos fracos, assim, publicamente que maltrata frente a outras pessoas" (Aqualtune). Neste último trecho, fica evidente a ilustração da humilhação como um ato de poder de rebaixamento e inferiorização do outro com a presença de uma audiência. Essa dinâmica também foi vivida por Olga. Ela afirma: "Mas eu acho que esse é o tipo de situação quando alguém se acha superior assim, destrata os outros, né?"

Assim, quando perguntadas quem seriam os principais responsáveis pelos atos de humilhação contra elas, foram indicados os "patrões e empresários" (Teresa de Benguela). Uma das participantes tenta explicar os motivos das pessoas que tem mais dinheiro humilharem aquelas que estão em situação de pobreza:

Porque eu acho que na cabeça de quem tem muito dinheiro eles se acham melhor. Por isso, podem ser menos felizes, menos realizados do que quem tem menos, mas eles se sentem melhor por algum motivo e precisam pisar em cima de quem não tem. Acho que é por isso. Não vejo outra explicação, não vejo motivo. (Marielle Franco)

É importante situar que nesses casos são homens que desenvolvem essas práticas de humilhação. Evidencia-se as posições de gênero e de classe junto à raça nessas relações, construindo hierarquias presentes no cotidiano das mulheres negras em situação de pobreza. Assim, compreende-se que a estigmatização da pobreza pode fomentar outras práticas discriminatórias (Moane, 2003; Narayan, 2000; Raditloaneng, 2009). De acordo com Marielle Franco, as pessoas com melhores condições financeiras são os principais autores dos casos de humilhação contra as pessoas em situação de pobreza: "Só humilha os pobres aquelas pessoa que se acha que tem muita coisa. Se acha que tem muito, entendeu? Que ganha bem aí se acha que pode tá humilhando as pessoas que ganha mais menos" (Marielle Franco). Outra participante concorda com esse último relato:

Ou porque elas tem medo de ser pobre; ou porque talvez elas não conseguissem lidar com isso. Então, elas tem medo. Então, elas escorraçam. Acho que, talvez, além de ter medo, acho que é assim: elas têm medo de ficar pobre um dia e não saber lidar com isso. Ou porque elas são orgulhosas. (Carolina de Jesus)

Outra entrevistada igualmente afirma que as pessoas de classe mais alta são as principais autoras dos casos de humilhação, não evidenciando as diferenças de gênero: "Ah, existe, assim, eu trabalho num lugar que é de classe alta, né? Tem muitas pessoas assim!" (Marielle Franco). Teresa de Benguela também sintetiza a humilhação como uma prática motivada pela desigualdade social: "Tem pessoas que tem muito. Aí humilha as outras que julgam ser inferiores a ela, né? Só por causa de algumas coisas financeira". Marielle Franco enfatiza que alguns vendedores não respondiam suas perguntas por conta da sua situação de pobreza: "É humilhação pra mim, porque a pessoa chega perguntar, e a pessoa nem de responder! Fazer de conta que não tá nem aí, porque eu não tenho muito dinheiro." Apesar dessa falta de diferenciação do gênero envolvendo as situações de humilhação, esses casos podem ser desenvolvidos tanto por homens e mulheres, pois no próprio movimento feminista há processos de silenciamento e questionamento do espaço das mulheres negras (Nogueira, 2017).

Então, os atos de humilhação podem ser identificados quando há uma situação concreta em que um indivíduo se relaciona com outro de forma desrespeitosa, posicionado em um patamar inferior e o considerando como sem humanidade (Moura, Ximenes, & Sarriera, 2014). No caso dos discursos presentes neste estudo, a ausência de reconhecimento das mulheres negras em situação de pobreza como humanos faz com que o recorte interseccional seja central nos atos de humilhação. Contudo, o debate interseccional se torna significativo à medida que este dá ênfase às problemáticas das populações estigmatizadas, considerando os marcadores de desigualdade e possibilitando uma análise dos fenômenos sociais que visibilize as discriminações vivenciadas pelos diferentes sujeitos (Crenshaw, 2002). Os agentes da discriminação são posicionados como aqueles indivíduos com maior poder aquisitivo, humilhando as mulheres mais pobres por conta da sua condição social e racial de forma interseccionada. Uma das participantes exemplifica um ato de humilhação pautada pela estigmatização da pobreza:

Eu me lembro que eu estava trabalhando em casa de família. Eu estava vendo uma revista da Avon. Faz uns 8 anos atrás que eu trabalhava lá. Eu estava vendo uma revistinha da Avon. Daí eu estava vendo assim, nada a ver. Ela me pagava o salário na época. Meu salário era 200 pilas, 300. Não me lembro. Sei que dava pra comprar as comidas pras crianças. Eu estava olhando assim, mas daí ela [patroa] falou assim na frente de todo mundo, né? 'O que é que tu quer olhando? Isso aí tu nem tem condições de comprar. Essas coisas tu nunca vai ter nada na vida.' Ela falou bem assim pra mim. Daí eu comecei a chorar. 'Isso aí é pra mim que tenho dinheiro.' Humilhou, pisou em cima de mim. Aí, eu comecei a chorar e chorar. Ela me maltratando mais. Aí 'tu não vai ter isso, não vai ter aquilo. (Dandara)

Outra entrevistada passou por uma situação semelhante em seu trabalho como empregada doméstica:

Isso é uma coisa forte pra mim: a humilhação no trabalho. Eu trabalhei numa casa que a minha patroa era boa, me tratava muito bem. Aí a mãe dela foi morar com ela, e a mulher não me chamava pelo meu nome. Me chamava por todos os outros nomes e não me chamava pelo meu nome. Ela dizia: Fátima, Amélia, qualquer outro nome, menos Luísa Mahin. E aí eu me incomodava. Tá primeiro. Segundo dia, tudo bem, mas aí a mulher continuou. [...] Sabe? E eu me senti muito humilhada, porque era, poxa, só porquê eu tava lá limpando o chão dela, ela me chamava por qualquer nome eu tinha que responder? Como se eu fosse qualquer um nome? E não tivesse o meu nome, a minha identidade (Luísa Mahin)

Essa situação demonstra a violência simbólica que os atos de humilhação podem incidir sobre as mulheres humilhadas. No caso de Luísa Mahin, ela se indigna pela mãe da patroa não nomeá-la com seu nome. De acordo com Ciampa (1984), o nome próprio é o atributo que nos diferencia dos outros, que fornece singularidade. Então, o fato dela não ser nomeada pelo seu nome é ação que não a reconhece como pessoa no mundo, sendo um caso de humilhação por não colocar no patamar de humana com unicidade. É importante salientar que isso somente ocorre, porque ela é reconhecida como subalterna por sua condição social. Segundo Spivak (2010), a mulher negra em situação de pobreza é geralmente não reconhecida, sendo invisibilizada e violentada das mais diversas formas por sua posição social interseccionada.

Djamila Ribeiro (2017), ao fazer uma leitura sobre o papel da mulher na sociedade, pontua que a mulher é colocada em uma situação de submissão diante do homem, ou seja, a mulher ocupa o lugar de "outro". E, dentro de uma perspectiva interseccional, a autora discorre sobre o conceito utilizado por Grada Kilomba, "outro do outro". Conceito que se refere às mulheres negras, que são colocadas em última instância em uma escala de reconhecimento e visibilidade social, tendo que enfrentar uma "supremacia" machista, sexista e racial. Além disso, Bernardino-Costa (2015) pontua que o Brasil é o país com o maior número de trabalhadoras domésticas e que tal situação se justifica também pela desigualdade social e pelo desinvestimento de políticas públicas. As pessoas que contratam este serviço, na sua grande maioria, possuem renda familiar entre os mais ricos do país, e, não por acaso, a maior parte das pessoas que são contratadas para este serviço são mulheres e negras (cerca de 61%). Esse contexto fomenta a geração de desigualdades persistentes a estas mulheres. Segundo Crenshaw (2002), elas sofrem mais discriminação dentro de um processo de articulação de marcadores sociais (e.g. raça/classe/gênero).

No entanto, essas situações de humilhação motivadas pelo reconhecimento depreciativo da pobreza não estão restritas às relações de trabalho no âmbito doméstico. Outra participante ilustra uma prática discriminatória em seu emprego em uma lanchonete:

Uma vez eu trabalhei num café, eu tinha dezesseis,.. dezessete anos. E aí eu trabalhava num café, aquela coisa, garçonete e tal. Então, eu lembro de uma cena que pra mim foi uma coisa humilhante. Que um cara tinha comprado um cafezinho, um pão de queijo, uma coisinha barata. Só que tinha vários clientes e eu e ele. Acho que alguém ligou, ele saiu meio correndo assim 'ah, quanto que deu?' Aí eu tava calculando, e ele tirou do bolso um punhado de moeda, jogou no balcão e saiu assim. Então, pra mim aquilo foi uma atitude de humilhação assim, porque ele se sentiu superior. 'Ah, não precisa, eu tenho dinheiro.' Aí, pegou o dinheiro e jogou assim. (Olga)

Moutinho (2014) aponta que a divisão social de classes na sociedade brasileira é balizada pelas questões raciais e de gênero. Desta forma, a condição de mulher negra, nesse cruzamento de preconceitos raciais e de gênero, está baseada historicamente nesse processo de discriminação e desigualdades sociais. Reconhecer a interseccionalidade neste âmbito, dentre outras coisas, permite pontuar que esse sentimento de inferioridade por ser pobre se dá a partir desta experiência singular de ser mulher negra. Individualmente representam distintas opressões e discriminações coletivas que se singularizam nas identidades das mulheres que possuem esses marcadores (classe, gênero, raça) (Akotirene, 2019). Uma das participantes afirma:

Para minha tia, se tu não tem dinheiro, tu não tem, tu não é nada pra ela. Se tu não trabalha, tu não é nada pra ela. Se tu não estuda, tu não é nada pra ela. Entendeu? Tu tem que ta, tu tem que ter status. Tu tem que ter nome, tu tem que ter um trabalho, tu tem que ta, sabe? Sempre na atividade pra ela. Se tu não tiver, tu não presta. [...] Ela quis desprezar mesmo, quis pisar." (Carolina de Jesus)

Assim, entende-se que os atos de humilhação vinculados ao gênero e classe são os mais evidentes nas mulheres negras. No entanto, identifica-se que há falta de visibilização dessas discriminações a partir da intersecção com a raça. Há somente um discurso entre as interlocutoras da pesquisa que vincula concretamente os casos de humilhação à questão racial. Dandara foi discriminada pela família de seu namorado. Ela aponta: "A família dele não me aceita, porque eu sou negra e já tinha três filhos, né? Eles não gostam de mim. Eles me odeiam, porque são tudo alemão, tudo gringo do interior. Ele me levou lá, mas eles me humilharam". Dessa maneira, observa-se que a humilhação está relacionada por ela ser mulher, mãe, negra e pobre. Conforme afirma Brah (2006), a violência interseccional é difícil de ser separada, pois a discriminação ocorre por conta dos distintos marcadores articulados. Nesse sentido, Piscitelli (2008) aponta que há um reconhecimento da mulher negra como sexualmente perigosa em que os homens são seduzidos por elas. E ainda se deve pontuar a evidência da questão racial com a família do namorado sendo branca. Articula-se a isso a identidade social vinculada à pobreza em que as pessoas são encaradas como preguiçosas e culpadas pela sua situação (Moura & Ximenes, 2016). Há, assim, uma forte experiência de humilhação vivida por Dandara ocasionada por essa articulação interseccional em que ela não teve seu desejo, seu corpo e sua trajetória de vida respeitada.

No entanto, o caso de Dandara foi o único a visibilizar processos de humilhação baseados de forma evidente na articulação dos marcadores a partir da questão racial. De acordo com Ribeiro (2017), quando não há a consciência de um pertencimento étnico-racial, essa intersecção pode não ser identificada pelas vítimas dessas agressões. Uma das causas dessa invisibilidade é que o racismo à brasileira é considerado cordial nos momentos de interação, sendo manejado a partir de brincadeiras, piadas e silenciamentos (Lima & Vala, 2004). Igualmente, em virtude do mito da democracia racial, há um processo de ocultamento da violência histórica vivida pela população afrodescendente escravizada, repercutindo na construção de uma sociedade fundada no racismo estrutural (Almeida, 2018).

Dessa maneira, as relações sociais podem estar permeadas por símbolos e representações do estigma, transpassando diferentes contextos sociais. Compreende-se a humilhação como um ato de rebaixamento moral por não reconhecer a pessoa como passível de humanidade (La Taille, 2002a). Assim, verifica-se que a invenção da classificação racial teve como objetivo legitimar o processo de colonização e de escravização das populações indígenas e negras, considerando que essas pessoas não eram humanas e, portanto, passíveis de toda forma de violência e aniquilação (Grosfoguel, 2016).

Então, pode-se compreender que os racismos cordial, estrutural e epistêmico, podem ser a base para a manifestação dos casos de humilhação e de vergonha vinculados à articulação da pobreza com o gênero. Essa violência simbólica pode ter sido mais intensa por conta da articulação desses racismos. O racismo cordial está baseado em não necessariamente mencionar a cor para humilhar (Lima & Vala, 2004). O racismo estrutural já delimita historicamente os espaços da sociedade para brancos e negros. E o racismo epistêmico não permite que essas mulheres sejam passíveis de voz, como se seu lugar de enunciação não existisse inclusive para elas próprias de acordo com Spivak (2010). Observa-se que a pobreza pode funcionar como uma realidade opressora, mas que agregada com outros recortes interseccionais de racismo e de machismo, há uma repercussão mais grave dessas consequências negativas. Uma das participantes explica como se sente com as situações de humilhação: "Sim, machuca muito, né? E faz a gente sofrer demais" (Dandara). Essa mesma participante explica igualmente como se sentiu depois de um ato de humilhação causado pela situação de pobreza: "Dolorida, incapaz, um lixo, né?"

O fenômeno da pobreza junto ao racismo e ao machismo podem acarretar práticas de humilhação, desencadeando um ciclo perverso de sentimento de vergonha e de inferioridade. Assim, outra participante também demonstra sentir-se inferior por conta da vergonha do trabalho. Ela afirma:

Que tu tá triste, que tu não tem motivação, sentir envergonhado porque até às vezes se sente incapacitado, né? Quando eu trabalhava de faxina tu tem que trocar toda a roupa, né? Ai, o meu sonho era ir trabalhar e não precisar trocar de roupa, e voltar com a mesma roupa, e não ter que lavar a mão mil vezes pra poder tirar aquele cheiro, né? Então isso me envergonhava bastante de ter que procurar emprego e dizer que eu não tinha estudo. Parece que me deixava pra baixo assim, uma coisa que te fazia se sentir mal mesmo. Sim, deixava eu me sentir, eu me sentia inferior. (Luísa Mahin)

Carolina de Jesus confirma esse sentimento: "Foi uma situação que eu me senti bem diminuída assim". Uma das participantes também explica esse modo de vida de sentir-se inferior: "É [...] a pessoa não ter confiança nela mesma também, porque se tu não confia em ti. E tem uma pessoa que as vezes tu acha que pode falar um pouco melhor que tu; que se veste melhor que tu, então tu fica com vergonha de ti." (Carolina de Jesus). Esse sentimento de inferioridade pode estar relacionado à incapacidade de falar. A linguagem é a possibilidade de pronunciar uma forma de visão pessoal acerca do mundo. Uma das participantes apresenta esse sentimento depois de ter sentido vergonha: "Tu num podia falar. Então, naquele momento, eu me senti diminuída, porque eu não podia falar." (Carolina de Jesus). Percebe-se que a humilhação poderia também ser considerada uma situação em que o indivíduo não se percebe na possibilidade de emitir sua opinião, ou seja, de dar vazão a sua voz como cidadão e ser digno de respeito (Rego & Pinzani, 2013). Rego e Pinzani concebem que uma das principais repercussões da pobreza na vida das mulheres é a dificuldade da pessoa em situação de pobreza expressar suas ideias. Há, então, a construção de um círculo vicioso de discriminação e silenciamento das mulheres que estão em situação de pobreza. Uma das participantes explica como funciona essa dinâmica:

Um pouco de julgamento dos outros atrapalha as pessoas, porque, às vezes, as pessoas tem dificuldade pra falar, e o outro julga: 'ah não sabe falar hahahaha E a não sabe num sei o que. Hahahaha' E a pessoas vai se diminuindo, e vai ficando presa dentro de si. E não fala nada. E isso é uma coisa que eu vejo, às vezes, que as pessoas falam uma coisa errada. Todo mundo ri, todo mundo. Não só de falar errado, também de se expressar, de ter a sua ideia e não compartilhar. Aí todo mundo vai rir, porque não compartilha com aquela outra. E aí isso é ruim. E aí eu vejo assim que a gente deveria ter liberdade mais de expressão. (Carolina de Jesus)

Assim, compreende-se que há a existência de um significativo sofrimento por ter passado por essas situações de humilhação e cerceamento da voz. De acordo com Bourdieu (2002), a sociedade está constituída de uma estrutura dominante masculina em que os espaços privados estão construídos para mulheres, e os espaços públicos voltados para o agenciamento dos homens. Nesse contexto adverso, de acordo com Spivak (2010), as mulheres negras pobres são ainda mais invisíveis nesses espaços de reconhecimento e, quando emitem suas opiniões e posicionamentos, podem estar passíveis de sanções, criminalizações e violências. Uma das participantes afirma que as usuárias dos serviços de saúde geralmente não são escutadas pelos profissionais das unidades básicas. Ela expõe: "É tipo o que ela fala não é ouvida. É falar por falar. Pronto, ela não é ou... realmente ela não é ouvida, né? Então, isso já gera um impacto, e esse impacto ele já vai... ele vai gerando constrangimento praquela pessoa." (Teresa de Benguela). Ela também explana de como se sente quando está envergonhada: "Eu fico mais calada aí... não sei".

Esses sofrimentos causados pela humilhação e a vergonha relacionada à pobreza, ao machismo e ao racismo podem desenvolver o isolamento social (Zavaleta, 2007). Geralmente, as práticas de humilhação são por palavras e gestos que têm repercussões avassaladoras nas mulheres humilhadas: "foi pior que levar um tapa na cara. Tem palavras que machucam mais que apanhar, muito mais." (Dandara). Essa dinâmica causa sofrimentos cotidianos e históricos na vida dessas mulheres (Grzanka, 2018). Teresa de Benguela também passou por experiências de humilhação, sentindo-se angustiada: "acho que angústia. Dava vontade até de chorar".

No entanto, identifica-se que esse isolamento social e esse sofrimento podem ser facilmente enfrentados com acolhimento e reconhecimento positivo dos indivíduos em situação de pobreza (Moura & Ximenes, 2016; Ximenes, Paiva, Moura, & Costa, 2018). Por exemplo, Dandara passou por várias situações de humilhação por conta da pobreza. Igualmente, vive uma realidade de privação extrema. Quando foi questionada se havia se sentido incomodada, com alguma parte da entrevista, ela respondeu contrapondo a uma situação de isolamento social que vivencia:

Não tenho amigos, pessoas pra eu colocar pra fora. E, às vezes, fica trancada. Fica doendo um pouco ficar com coisa presa assim. Às vezes, eu gosto de colocar pra fora, pra ficar um pouco mais leve, né? Pra mim foi bom, muito bom, poder conversar, poder falar da minha vida. (Dandara)

Assim, foi identificado que níveis moderados de suporte social podem funcionar como amortecedoras das consequências negativas da discriminação (Perry, Pullen, & Oser, 2012).

É pelo atravessamento dos marcadores de gênero, raça e classe que se percebe a relevância de um olhar interseccional. Entende-se que há uma estrutura social dominante vinculada à estigmatização da pobreza que em intersecção com as questões de raça e de gênero fomentam os atos de humilhação e, consequentemente, de vergonha. Dessa maneira, há uma dinâmica de promoção de sentimentos de inferioridade, sofrimento e isolamento social, debilitando a capacidade de agenciamento dessas mulheres, mas que pode haver um processo de fortalecimento com atitudes de reconhecimento e de suporte a essas trajetórias.

 

Considerações finais

A partir das intersecções entre pobreza, gênero e raça, estrutura-se uma sociedade baseada em pilares de injustiça e de relações hierarquizadas de forma dominante. Essa constituição social funciona como alicerce para o exercício de atitudes de humilhação contra mulheres negras em situação de pobreza. Essas mulheres, além de viverem uma situação de privação monetária e multidimensional, também são alvos de práticas de humilhação e de culpabilização pela sua situação. Esses atos podem gerar sentimentos de vergonha relacionados à pobreza, angústia e sofrimento. É necessário questionar essa realidade de dominação e sua estratégia de manutenção com a inviabilização de sofrimentos e de vozes de mulheres negras em situação de pobreza. A interseccionalidade pode funcionar como uma lente de compreensão aprofundada e crítica dessas realidades de sofrimento e de estigmatização, devendo ser usada para estratégias de fortalecimento de questionamento dessa realidade machista, racista e classista.

 

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Recebido em: 22/04/2019
Aprovado em: 07/10/2019

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