Revista Psicologia Política
ISSN 2175-1390
ARTIGOS
Diálogos entre gênero e as experiências com a população de rua
Dialogues between gender and experiences with the street population
Diálogos entre género y las experiencias con las personas sin hogar
Dialogues entre les questions de genre et les expériences avec la population sans-abri
Anderson Luis SchuckI; Marivete GesserII; Adriano BeirasIII
IMestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC / anderson_schuck@hotmail.com
IIMestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC / mariveteg@gmail.com
IIIDoutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Deficiência (Dept Psicologia/ UFSC) / adriano.beiras@ufsc.br
RESUMO
Este artigo buscou compreender a relação entre as experiências da população de rua - articuladas com o Movimento Nacional da População de Rua em Santa Catarina (MNPR/SC) - e as questões de gênero. Para tanto, realizamos uma pesquisa qualitativa com base na cartografia, através do acompanhamento das reuniões e ações do Movimento. A análise crítica destas informações aliou-se aos estudos feministas, com ênfase no pensamento de Judith Butler. Os resultados apontam que as discussões de gênero tem se constituído elemento de problematização e configuração de pautas de luta, principalmente frente às demandas das mulheres na rua. Analisamos que a dimensão de gênero atua como uma categoria implicada na produção de relações binárias e corrobora a manutenção de privilégios dos homens sobre as mulheres e a população LGBT+. Ainda, consideramos que a normatividade de gênero produz efeitos nas condições de reconhecimento, (in)visibilidade e apreensão das vidas nas ruas, intensificando sua condição precária.
Palavras-chave: População de rua; Gênero; Cartografia; Feminismo; Precariedade.
ABSTRACT
This article sought to understand the relation between the experiences of the street population - articulated with the Street Population National Movement in Santa Catarina (MNPR/SC) - and gender issues. To this end, we carried out a qualitative and cartography-based research, accompanying the Movement's meetings and actions. The critical analysis of these information was allied with feminist studies, with emphasis on Judith Butler's thoughts. The results indicate that gender discussions have become an element of problematization and setting political fight agendas, especially regarding the demands of homeless women. We analyzed that the gender dimension acts as a category implicated in the production of binary relations and corroborates to the maintenance of male privilege over women and the LGBT+ population. Furthermore, we consider that the gender normativity produces effects on the conditions of recognition, (in)visibility and apprehension of lives on the streets, intensifying their precarious condition.
Keywords: Street population; Gender; Cartography; Feminism; Precarity.
RESUMEN
Este artículo buscó comprender la relación entre las experiencias de personas sin hogar, relacionadas con el Movimiento Nacional de Población sin Hogar en Santa Catarina (MNPR) y las cuestiones de género. Para eso, realizamos una investigación cualitativa basada en la cartografía, a partir de un seguimiento de las reuniones y acciones de este colectivo. El análisis crítico de estas informaciones se alió a los estudios feministas, con énfasis en el pensamiento de Judith Butler. Los resultados apuntan que las discusiones de género se constituyen como elementos de problematización y configuración de pautas de lucha, principalmente frente a las demandas de las mujeres en la calle. Analizamos que la dimensión de género actúa como una categoría implicada en la producción de relaciones binarias y corrobora el mantenimiento de privilegios de los hombres sobre las mujeres y la población LGBT. Además, consideramos que la normatividad de género produce efectos en las condiciones de reconocimiento, (in) visibilidad y aprehensión de las vidas en las calles, intensificando su condición precaria.
Palabras clave: Población sin hogar; Género; Cartografía; Feminismo; Derechos humanos.
RÉSUMÉ
Cet article a pour but de comprendre la relation entre les expériences de la population sans-abri - articulées au Mouvement National de la Population sans-abri de Santa Catarina (MNPR / SC) - et les questions de genre. Pour cela, nous avons mené une recherche qualitative basée sur la cartographie, à travers le suivi des rencontres et des actions de ce Mouvement. L'analyse critique de ces informations a été réalisée à partir des études féministes, en mettant l'accent sur les propos de Judith Butler. Les résultats montrent que les discussions sur le genre ont été un élément de problématisation et de configuration des programmes de lutte, en particulier face aux demandes des femmes sans domicile fixe. En effet, notre conclusion montre que la dimension de genre agit comme une catégorie impliquée dans la production de relations binaires et corrobore le maintien des privilèges des hommes sur les femmes et la population LGBT +. En outre, nous considérons que la normativité de genre présente des effets sur les conditions de reconnaissance, de (in)visibilité et d'appréhension des vies de ceux/celles qui appartiennent à cette population, intensifiant leur précarité.
Mots-clés: Population sans-abri; Genre; Cartographie; Féminisme; Précarité.
Introdução
Este artigo procura realizar diálogos entre as experiências da população de rua e as questões de gênero. Essa proposta integra recortes das análises da pesquisa de mestrado em psicologia realizada junto ao Movimento Nacional da População de Rua no Estado de Santa Catarina/Brasil, especificamente na região da Grande Florianópolis1. Para tanto, foi realizada uma pesquisa cartográfica a qual considera os acontecimentos, as estratégias de produção de conhecimento, as possibilidades para gerar rupturas e a emergência de outras singularidades na relação com a população de rua2.
O processo de pesquisa compreendeu os objetivos de caracterizar as experiências de da população de rua, de registrar discursos sobre os itinerários da população de rua pelas políticas públicas, em espaços organizados de luta e demais contextos urbanos, e de contribuir com reflexões sobre a dimensão de gênero na apreensão destas vidas e nas possibilidades de enfrentamento das condições precárias que intensificam a vulnerabilidade destes sujeitos.
Como destacam Costa, Mizoguchi e Fonseca (2004), as existências nas ruas precisam afirmar sua diferença aos olhos de todos, como um movimento simples de transgressão do espaço urbano, visto que o "louco e andarilho que se expressam à revelia do educado pacto de silêncio entre estranhos, logo colocando em público toda a sua intimidade que fere os corpos pouco acostumados com outros corpos" (p. 189).
Esse outro chama nossa atenção para a cidade e suas demandas, que abre "uma lona a céu aberto, permeada por um público fugaz, sempre a passar, mas que, quando para por um instante, encontra algo, talvez alguém" (Costa; Mizoguchi; Fonseca, 2004, p. 189). E como aponta Sousa e Bechler (2008), a cidade que é carne, corpo de quem a habita, também é espaço e resistência, do andarilho, da prostituta, do mendigo que choca o homem comum, entediado. Território dos sem-lugar que buscam itinerários e criam labirintos por temer o fim. Moradores que carregam consigo seus pertences, como os antigos povos nômades, que fazem da rua o lugar do encontro e acontecimento possível, de formas inéditas de trabalho e luta.
Ao falar de corpos, dos fluxos e caminhos nas cidades, das possibilidades de lutas e organização social, desenhamos a proposta de pesquisa buscando interrogar sobre como a constituição destes sujeitos e suas experiências nas ruas são reguladas pelos efeitos de gênero. Butler (2014) defende que não só o poder, mas o gênero requer e institui o seu próprio regime regulador e disciplinar, uma vez que o gênero enquanto norma não define o que o sujeito é ou o que ele tem, mas o aparato de normalização que institui as formações anatomo-fisiológicas (masculino e feminino) e performativas que o gênero assume.
Como propõe Butler (2014), precisamos estabelecer uma crítica da norma, uma vez que, ao conferir inteligibilidade e normatização no campo social, reconhece unicamente matrizes binárias e de imperativo heterosexual, produzindo e também promovendo a exclusão de outras permutações de gênero. A análise crítica da normatividade é um caminho que aponta para uma convergência e diálogo com a apreensão das vidas da população de rua, auxiliando na compreensão dos modos de exclusão e acirramento de suas vulnerabilidades.
Considerar a humanidade do outro, como no caso da população de rua, é uma tarefa fundamental para o pensamento crítico. Tarefa que possibilita modos de visão e escuta dentro da esfera pública que questionam os esquemas normativos que conferem inteligibilidade sobre o que será tido como humano, como vida vivível e morte lamentável. Devemos, portanto, nos atentar aos mecanismos de poder pela qual a vida é produzida e, quais as condições que tornam possível apreender uma vida como precária, compreendendo que o "ser" do corpo está sempre entregue a outros, as normas, organizações sociais e políticas que se desenvolvem historicamente para potencializar ou diminuir a precariedade para outros, e que igualmente regulam nossa capacidade de discernir e reconhecer o ser (Butler, 2014).
Tomando a precariedade como uma condição compartilhada e a condição precária como condição politicamente induzida, em que determinados sujeitos serão reconhecidos, ou seja, protegidos contra a violação e violência, Butler (2015b) argumenta sobre o dever ético de investir em contextos em que a vida não tem chance de florescer e envolver nossa responsabilidade política para oferecer condições de sustentação para uma vida possível.
Pautados nestas propostas de análises e de crítica, buscamos compreender as possibilidades de luta e resistência constituídas pelo MNPR/SC frente aos contextos que intensificam a precariedade, no qual a dimensão de gênero atua nas possibilidades de reconhecimento (apreensão das vidas) da população de rua.
"Nada sobre nós, sem nós": a população de rua em movimento
No contexto brasileiro, as ações e lutas promovidas pelo Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) se constituíram a partir dos anos 2000, sendo resultante de uma crescente indignação com a violência e negação de direitos a esta população, uma resposta aos episódios do "Massacre da Sé" em 2004 na cidade de São Paulo/SP e, de ações como o III Festival do Lixo, realizadas em Belo Horizonte/ MG3. Dentre as suas bandeiras de luta ressalta-se: o resgate da cidadania por meio do trabalho digno, salários suficientes para o sustento, moradia digna, atendimento à saúde e o direito a vida das pessoas na rua.
Daniel L. R. Costa (2007) aponta que o "massacre da população de rua" possibilitou o nascimento do MNPR e contribuiu com um horizonte político e reivindicatório. Para o autor, as lutas do movimento social abarcam a ambiguidade do signo rua, que por vezes caracteriza as experiências da população de rua como lugar de carência dor e sofrimento, mas que também assume publicamente um lugar de potência, criação e experiência única. Além de que, o MNPR além de buscar contribuir possibilidades para a saída das ruas, igualmente precisa lidar com embates diários para que inúmeras pessoas não sofram com a violência e intervenção de agentes legais ou não legais, para que tenham o direito à rua.
No tocante as definições da legislação brasileira, registramos o Decreto 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências, que compreende a população em situação de rua como um "grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular," que faz da rua (enquanto logradouro público, área degradada) espaço temporário de moradia e trabalho e que pode se utilizar de Serviços de Acolhimento para pernoite. O mesmo Decreto ainda estabelece as diretrizes, princípios e objetivos para a garantia de direitos, e define as responsabilidades dos entes federativos no desenvolvimento e execução de projetos que beneficiem esta população.
Para auxiliar a compreender as características associadas à população de rua, destacamos a Pesquisa Nacional Censitária e por Amostragem da População em Situação de Rua, realizada em 2007 realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social - MDS4. Dentre os dados da pesquisa, temos o seguinte perfil sócio demográfico: 82% seriam homens e 18% mulheres; a renda de 52,6% dos entrevistados era de R$ 20,00 e R$ 80,00 semanais, 39,1% das pessoas entrevistadas se declararam pardas, 29,5% brancas e 27,9% pretas. Sobre os motivos de estarem em situação de rua, 35,5% referem problemas relacionados ao alcoolismo e/ou drogas; 29,8% desemprego e 29,1% desavenças com pai/mãe/irmãos. As conclusões deste estudo apontaram que as características desta população revelam a pobreza extrema, a fragilização e ou rompimento dos vínculos familiares e a ausência de moradia convencional regular, havendo necessidade de se promover esforços para restabelecer vínculos familiares fragilizados ou criação de outros arranjos familiares e redes de apoios comunitários.
Na região da Grande Florianópolis, local em que foi feito este estudo, pesquisa semelhante foi formulada e executada pelo MNPR, em conjunto com o Instituto Comunitário da Grande Florianópolis - ICOM, objetivando construir o Diagnóstico Social Participativo da População em Situação de Rua na Grande Florianópolis, entre os anos de 2016 e 2017. Dentre os resultados do Diagnóstico, destacamos o total de 1000 respondentes, sendo: 32 de Biguaçu, 141 de São José, 265 de Palhoça e 499 de Florianópolis; 63 questionários foram perdidos, roubados e/ou descartados. Referente à realidade apresentada pela população que vive nas ruas: (a) 47% se consideram brancos e 45% negros ou pardos; (b) 77,8% se identificam como homens, 20,6% como mulheres e 1,6% sem gênero; (c) 65% tem entre 20 e 49 anos e quase 70% vivem nas ruas há menos de 5 anos; (d) 92% sabem ler e escrever e 70% exercem atividade remunerada (construção civil, flanelinha, vendedor ambulante, catador...); (e) 41% não possuem vínculo familiar e/ou afetivo; (f) 88% consumem ou já consumiram drogas (álcool, maconha e crack como preferência); (g) 65% já passaram por casa de acolhimento, 55% faz mais de 3 refeições por dia e 75% tem acesso ao Centro POP5; (h) 60% referem ter sofrido alguma violência na rua, sobretudo violência institucional (exercida pelos próprios serviços públicos, por ação ou omissão)6. De forma provisória, podemos analisar que as pessoas em situação de rua exercem atividades remuneradas, mantém certos vínculos familiares e não estabelecem relação direta entre o uso ou abuso de substâncias com o estar na rua, questões que permitem contrastar com perfis comumente expressos em contextos sociais de que tais pessoas seriam "vagabundas", "drogadas" e "criminosas".
Os dados obtidos no Diagnóstico (ICOM/MNPR-SC, 2017) ainda evidenciam a importância de estudos qualitativos para a compreensão ampliada dos processos psicossociais vivenciados por essa população, o que pode ser útil para qualificar as políticas sociais destinadas a esse público, uma vez que são veiculadas informações pela mídia e governos que não abarcam realidades que extrapolam as ações ofertadas pelo poder público. Na região da Grande Florianópolis, apesar dos municípios, em sua maioria, contarem com serviços e programas específicos a população de rua, como Centro POP, Abordagem Social, Casas de Acolhimento e Casa de Passagem e, Consultório na Rua, ainda são muitas as pessoas atendidas e acompanhadas por organizações ligadas a igrejas e entidades beneficentes, com ênfase para a oferta de alimentação e o encaminhamento para Comunidades Terapêuticas.
Foi considerando este contexto que envolve as definições, dados e diagnósticos de realidade, como também do campo de ação do movimento social de rua, que buscamos configurar nossa pesquisa de mestrado. Para tanto, é válido registrar o posicionamento de constituir um processo que não se pautasse pelo esvaziamento das vidas nas ruas, argumentando pelo seu desaparecimento nos amontoados de carros, entre as figuras abstratas agitadas e os altos muros acinzentados das cidades (higienismos). Nossa aposta foi na direção da potência dos corpos que habitam as ruas, em sua disposição na produção de acontecimentos e movimentos de resistência e no entendimento da rua com lugar das experiências, um cruzamento sem fim de saberes, práticas sociais, relações institucionais, processos de objetivação e subjetivação, dos encontros entre os sujeitos.
Poderiamos seguir muitos caminhos ao pretender escrever sobre esses corpos que (r)existem na rua, o que provoca inúmeras inquietações, confusões e dificuldades em ousar traduzir fragmentos da vida que é do outro. Optamos pela produção de conhecimentos que estivessem aliadas as experiências com os sujeitos que estão na rua, e deste modo que chegamos ao MNPR/SC, e nesse contato que começar a pensar sobre a dimensão de gênero e as articulações com as suas pautas de luta, problematizações e campo de ação. Acompanhamos um movimento crescente envolvendo a dimensão de gênero, que foi se intensificando nos debates, nas possibilidades de participação e planejamento das ações do Movimento. Temas como a representatividade e demandas das mulheres na rua, machismo, preconceitos, vivência da sexualidade, entre outros, passaram a ser abordados e enfrentados.
Para relacionar nosso propósito de discutir sobre gênero nos contextos de vida da população de rua, registramos o relato de um dos integrantes do MNPR, que promove uma reflexão necessária a ser percorrida ao longo desse artigo. O mesmo, ao lembrar de uma colega de rua que há poucos dias havia falecido, relata que constantemente a convidava para as reuniões do Movimento, e ela sempre afirmava: "se estou na rua é porque não quero seguir normas". Certamente, muitos significados poderiam ser defendidos pela autora da frase, mas nos apropriamos dela com a intenção de interrogar como a norma (e sua relação com o gênero) pode se configurar um caminho necessário para pensar as condições ou não de reconhecimento - apreensão da vida destes sujeitos.
Mas de que sujeitos pretendemos falar? Como a análise de gênero, da norma, pode nos oferecer elementos para pensar suas vidas? Como a normatividade atua sobre a precariedade da população de rua? E, principalmente, como resistir à norma pode se configurar uma ação política de reinvindicação de certas formas de existência e práticas de liberdade? Com base nestas interrogações que nos movimentamos a acompanhar o histórico de lutas e as ações políticas do MNPR/SC pela garantia de direitos, bem como, os contextos precários que configuram a vida da população de rua, nos fazendo pensar sobre que experiências eram importantes ser aprendidas/registradas/pesquisadas. Nesse sentido, a dimensão de gênero se tornou uma estratégica para o diálogo com as experiências dos sujeitos que estão na rua, interligando-se às possibilidades de captura de intensidades, do registro dos acontecimentos e das implicações dos sujeitos (dentre eles o "pesquisador") com o território e contexto percorrido junto com o MNPR/SC.
E falando em experiência com a população de rua, vale a ressalva feita por Joan Scott (1998) de que não prescindimos da experiência e devemos abandoná-la quando esta serve para essencializar e ratificar os sujeitos. Para a autora, a experiência é sempre imediatamente algo interpretado e algo que precisa de interpretação (não sendo auto evidente ou direta), apontando para o caráter social, político e em contestação dessa categoria, uma vez que ela desconstrói os processos de naturalização reproduzidos nos diversos espaços sociais. Ao considerar o contexto de pesquisa, ressaltasse que o pesquisador está implicado com o seu objeto de estudo, desconstruindo uma suposta ideia de neutralidade, uma vez que não se refere à origem de nossa explicação, mas o que queremos explicar.
Conforme Scott (1998) a experiência se refere a acontecimentos em determinados processos históricos, e desta forma, ao falarmos de corpos que estão nas ruas, dos fluxos e caminhos nas cidades, das lutas e organização social e das políticas públicas, precisamos estabelecer relações que compreendam sobre quem estamos falando, de modo contextualizado, não essencializando determinadas identidades ou ratificando os sujeitos, abrindo caminhos para que os sujeitos interpretem suas experiências e que as análises dos pesquisadores invistam em movimentos de apreensão das vidas na rua.
Método: construindo caminhos com a população de rua
Para pensar formas de acompanhar as experiências com a população de rua, utilizamos como base a perspectiva cartográfica, enfatizando a intersecção com as questões de gênero. Sobre a cartografia, Kleber Prado Filho e Marcela Montalvão Teti expõem que a mesma se configura a partir das proposições de Foucault sobre a arqueologia do saber e genealogia do poder, sendo proposta por Gilles Deleuze como uma análise crítica e estratégia política que "acompanha e descreve relações, trajetórias, formações rizomáticas, a composição de dispositivos, apontando linhas de fuga, ruptura e resistência" (Prado & Teti, 2013, p. 47). Na cartografia, método, instrumento e processo são ligados à problematização de uma história do presente, possibilitando enfrentar dispositivos, enquanto relações de força que se sustentam e são sustentados por tipos de saber e que produzem subjetividades.
Como aponta como Tania Galli Fonseca et. al. (2006), o objetivo da cartografia não é o de catalogar ou quantificar as diversidades e formas de vida, mas de tornar visível o que está avesso as aparências, fazer durar o objeto, através de procedimentos que posicionem os sujeitos e objetos, de modo a "perseguir sua duração através das tendências múltiplas que o marcam e traçar sua continuidade e diferenciação contínuas" (2006, p. 660). Ao compartilharmos relatos e vivências com os sujeitos que estão nas ruas das cidades, abordamos outros tempos, ritmos, linhas, texturas e posições no mundo. Tais compreensões sobre os acontecimentos e afecções presentes nesta proposta nos acompanharam no processo de pesquisa, tensionando nossos olhares e a maneira de pensar o que vivenciamos.
Acredita-se que a utilização de uma estratégia cartográfica pode corroborar para tecer problema-tizações de gênero com as experiências com a população de rua uma vez que essa se caracteriza como um modo de abordar as "relações, jogos de poder, enfrentamento de forças, lutas, jogos de verdades, enunciações, modos de objetivação, subjetivação, de estetização de si mesmo, práticas de resistência e de liberdade" (Prado & Teti, 2013, p. 47). Ademais, como mencionam os mesmos autores, a cartografia não se estabelece pela imposição de procedimentos ou roteiros de pesquisas, mas tem como destaque a análise crítica e a ação política que acompanha e descreve relações, processos e formas de saber/poder, e que aponta linhas de fuga, rupturas e resistências.
O território cartografado, nesta pesquisa, contemplou os relatos das experiências da população de rua, a partir de fragmentos da participação nas reuniões semanais do MNPR/SC, entre setembro de 2015 e maio de 2017. As reuniões do MNPR/SC ocorrem em locais cedidos por seus apoiadores e/ou instituições parceiras, não sendo incomum a necessidade de buscar constantemente por novos espaços. Os encontros seguem certa estrutura de funcionamento (com pauta, discussão e encaminhamentos), no entanto, não possuem um processo rígido e pré-determinado. Estes acompanham um movimento da rua, com mudanças constantes de seus participantes e dos assuntos abordados, observando também o cuidado às particularidades apresentadas pelos presentes (tempo para fumar e para o lanche - almoço de muitos, acolhida de demandas pessoais). Entre os temas tratados, estão os problemas com o acesso e qualidade das políticas públicas, as representações em espaços de controle social (assistência social, segurança alimentar, saúde...), denúncias de abuso e agressões (geralmente envolvendo a segurança pública), estratégias de diálogos e mobilização com quem está na rua, projetos em parceria com Organizações Não Governamentais - ONGs e Universidade).
Especificamente sobre os temas relacionados com gênero que circulam nas ações do MNPR/SC, registramos que no ano de 2015 estes surgiam de forma paralela e desarticulada, envolvendo principalmente a compreensão acerca das demandas e opressões vivenciadas pelas mulheres na rua. A partir de 2016, com a participação mais ativa de mulheres nas reuniões do Movimento, a presença de apoiadores (em sua maioria estudantes de graduação) que integram movimentos feministas e o interesse de muitos homens em refletir sobre as desigualdades que acontecem na rua, as questões de gênero ganharam maior atenção, tornando-se frequentes nos debates, no planejamento das ações e no cuidado com os contextos de representação do Movimento.
Destacamos que todos os momentos registrados em diários de campo e que configuram a escrita deste artigo intentaram um conhecimento em consonância com a heterogeneidade do viver, pautado por uma ética, estética e política subversivas do que aparece como verdade natural e aprisiona as diferenças. Assim, visou-se o rompimento com as estratificações e com as certezas acadêmicas que amortecem os movimentos da multidão, criando com isso conhecimentos que nascem das próprias multidões, no qual "a vida atinge a sua potência máxima porque pode transformar-se segundo as suas próprias prerrogativas e não mais segundo os autoritarismos do Estado ou do capital" (Regis & Fonseca, 2012, p. 282).
É nesse contexto das possibilidades de problematizações da dimensão de gênero que nossa escrita se constrói, através de costuras, rasgos e remendos dos diversos relatos, histórias vividas e compartilhadas, afecções e análises críticas que apontam para diversos caminhos e devires. Para tanto, as informações produzidas com a pesquisa e escritas no presente artigo se articularam em três pontos principais de análise transversal: o primeiro deles aborda as histórias contadas pela população de rua, ressaltando como as questões de gênero podem intensificar os contextos de vulnerabilidade (condição precária); o segundo aponta para a construção das masculinidades e feminilidades, a instabilidade destes conceitos, e a proble-matização dos sistemas de privilégios (binarismos) estabelecidos na relação cotidiana da população de rua e no espaço do MNPR/SC; o terceiro aponta para a necessidade de ampliar os debates sobre a população LGBT+ na rua, e as possibilidades de reinvindicação destas vidas que resistem às margens da norma.
A título de informe cabe registar que o projeto de pesquisa foi desenvolvido conforme as diretrizes da Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), para pesquisas realizadas em seres humanos, cumprindo as exigências da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, sendo aprovado pelo parecer número 1.619.721.
Resultados e discussões
Gênero e contextos de vulnerabilidades na rua: histórias de (e sobre) mulheres
Como primeiro ponto de nossa análise, destacamos o diálogo sobre as condições das mulheres em situação de rua. Ponto que se apresentou intensamente desde o início de nossa inserção das reuniões do MNPR/SC, estabelecendo-se como um primeiro contexto para pensar a dimensão de gênero. Tal questão pode inicialmente ser apreciada nas falas de Luís Carlos (apoiador do movimento) ao argumentar que "a mulher sofre mais opressão que o homem, que tem tido mais visibilidade", e de Jorge7 ao apontar que "As mulheres não aguentam! Há machismo, e tem a questão da menstruação que é difícil cuidar".
Registramos que estes alertas envolvendo as questões da saúde, autocuidado e opressões, embora sejam primeiramente feitos por sujeitos que se identificam como homens, foram progressivamente apontados a partir da participação de mulheres nas reuniões do MNPR/SC, sendo que foram os relatos de suas experiências que proporcionam novos olhares e lugares para compreender os desafios enfrentados em seu cotidiano na rua. Nesse sentido, o diálogo com Marlene foi o disparador de muitos questionamentos dos pesquisadores, como aponta o excerto do diário de campo da reunião no MNPR/SC de 21.11.2015:
Conheci Marlene e seu companheiro Michel, que tinham comparecido à reunião para conversar com uma das apoiadoras, buscando auxílio para conseguir trabalho e residência. ... Aproveitando a saída de Michel para fumar, questionei Marlene sobre como era o processo de estar na rua, sendo a mesma enfatiza um contexto de violência às mulheres. Relata que chegou a ir para a delegacia denunciar Michel por agressão, tendo ficado alguns dias no Abrigo, mas que ao retornar para a rua voltou para o parceiro, uma vez que ter um companheiro impede que outros homens possam "mexer" com a mulher. Relata um episódio em que, ao acordar, ainda com efeito do uso de álcool e drogas, precisou de ajuda para se livrar de um cara que estava com a mão sobre sua calcinha. Outra questão apontada foi a falta de oportunidade para as mulheres, seja de trabalho ou das pouquíssimas vagas em albergues, o que dificulta ainda mais a saída da rua.
Encontramos Marlene apenas uma vez posteriormente a este momento, ao acaso, na última reunião do MNPR/SC em 2015, realizada na rua. Brevemente nos contou que estava no abrigo municipal, e que, durante aquela semana, uma equipe de TV havia comparecido ao local para realizar entrevistas e entregar doações, visto que "as pessoas ficam mais sensíveis no Natal". Conta que, ao ser questionada pelo repórter sobre o seu desejo para o ano novo, recordou de nossa conversa e argumentou que queria mais respeito às mulheres na rua.
É a expressão dessa ideia de respeito que nos convoca, impacta e faz pensar em responsabilidades, possibilitando igualmente, como no caso de Marlene, acompanhar processos de produção de outros conhecimentos sobre sua realidade. Tal movimento de cartografar acontecimentos, como menciona Fonseca et. al (2006), implica em uma posição teórica e política de desnaturalização e ruptura com lógicas lineares, abrindo caminhos para (re)pensar os contextos de vida das mulheres na rua, assim como, promovendo a emergência e conexão com outras singularidades.
No que tange a questão do respeito, apontada por Marlene, também se relaciona a uma necessária problematização das experiências de violência em que muitas mulheres estão submetidas no contexto de rua. Violências que se apresentam de todas as ordens: pela ausência e/ou ineficiência de políticas públicas, como abrigos para mulheres; pelas relações ambíguas de conflito e proteção com o companheiro e pela possibilidade iminente de agressão/assédio por outros homens. Relacionando essas experiências com a crítica de Butler (2015b), pode-se afirmar que o enquadramento atribuído às mulheres em situação de rua, a medida que as torna menos inteligíveis e dignas de políticas sociais, produz e intensifica a condição precária de suas vidas, ou seja, viver na rua se caracteriza como uma condição de vulnerabilidade a qual é ainda maior para as mulheres.
Outros contextos e experiências das mulheres na rua podem ser observados a partir dos registros dos relatos das reuniões do MNPR/SC em 25.04.2016 e de 10.10.2016, respectivamente:
Em 25.04.2016 discutiu-se a questão do uso dos banheiros aos finais de semana, quando os serviços municipais estão fechados. Jorge destaca que para o homem é mais fácil achar um lugar para fazer suas necessidades e se limpar (fala do uso de uma mangueira na Rodoviária de Florianópolis), mas para muitas mulheres a questão é mais complicada devido a exposição e assédio, e que soube inclusive de algumas mulheres que, apesar de estarem menstruadas, tiveram que aguardar até a abertura do Centro POP para usar os banheiros. Sobre essa questão, Graça relata que naquele domingo precisou fazer uso do banheiro, pagando para entrar no Terminal Urbano, e que alguns funcionários homens entraram para fazer a limpeza e, ao perceber sua presença não se retiraram, e ainda começaram a fazer ameaças e ofensas, por ser moradora de rua e negra. Como encaminhamento para esse ponto, foi emitido Nota à Prefeitura Municipal informando esses episódios de assédio de gênero e raça e cobrando a disponibilização de banheiros públicos e gratuitos para a população em situação de rua.
Em 10.10.2016, durante a construção do Diagnóstico Social Participativo (ICOM e MNPR/SC), um das questões que nos chamou atenção envolveu os comentários sobre as gestantes em situação de rua. (...) Gislane expõe sobre a perda da guarda de seus filhos, sobre o medo que tinha em fazer o pré-natal, pois os profissionais avisavam o CT, e estes vinham tirar a criança. Traz ainda que, em uma das vezes, acabou tendo o bebê na ambulância, pois não queria ir ao hospital, sabia que viriam retirar, mas a enfermeira do SAMU acabou informando, e que antes de ter alta hospitalar, dois policiais vieram e a ameaçaram de morte caso não entregasse o filho. Após esses relatos, por sugestão nossa, decidiu-se que um dos pontos do questionário contemplaria a saúde da mulher.
As histórias contadas por Marlene, Graça e Gislane, vividas e interpretadas na singularidade de suas experiências, são também acontecimentos possíveis (não necessariamente determinantes) na vida de outras tantas mulheres na rua. Apontam para as relações de poder e a constituição de práticas sociais que regulam relações institucionais, a convivência com os homens, a escolha (ou não) pela gestação e maternidade e, o cuidado com seu próprio corpo. Ao serem compartilhadas nos encontros do MNPR/ SC, provocaram movimentos que percorreram saídas, constituindo possibilidades de ações e modos de resistência. Exemplos disso foram as atividades do dia da Mulher (em 2016) preparada pelas militantes do Movimento (de embelezamento, sessão de fotos e jantar), e a campanha permanente que arrecadou e distribuiu produtos para higiene e autocuidado para as mulheres.
Estas e outras ações que integraram as pautas e o planejamento do MNPR/SC demonstram a preocupação com as condições das mulheres e colocam a dimensão de gênero como um ponto importante no cenário de lutas da população de rua. Analisamos, no entanto, que muitas pautas não partiram do engajamento direto das mulheres, mas de propostas feitas aos "berros" pelos homens (apoiadores e integrantes), aspecto que envolve problematizações sobre gênero, lugar de fala e representação, políticas de localização e machismo.
Binarismos e seus efeitos nas relações na rua
Para discutir este ponto de análise, incialmente propomos considerações sobre o contexto das práticas políticas e teorizações de gênero. Sandra Harding (1993) aponta sobre a necessidade de questionar teorias que estabelecem uma única e verdadeira versão da história e da experiência humana, sem considerar a infinidade de mulheres e homens intricados em complexos históricos de classe, raça e cultura. O que se relaciona com a análise proposta por Joan Scott (1990), de que abordar gênero não remete a querer explicar as desigualdades persistentes entre homens e mulheres (diferença sexual), reforçando o caráter fixo e permanente da oposição binária ou atribuindo uma causalidade para as experiências. Envolve o entendimento de gênero como uma forma de significar as relações de poder, elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos.
Desdobrando as proposições acima, podemos fazer com que a dimensão de gênero nos ajude a pensar sobre o poder normativo, a constituição das desigualdades sociais (marcadas em sua intersecção), até mesmo nas condições de precariedade de certas vidas. No caso das ações do MNPR/SC, além de contribuir para evidenciar e propor ações voltadas às mulheres, o debate de gênero tem tensionado, mesmo que de uma forma não tão contundente, as implicações dos sujeitos que se identificam como homens. Dessa forma, apresentamos dois momentos dos diários de campo que demostram tal questão:
Em 16.02.2016 foi proposto um encontro para planejamento e formação de lideranças do Movimento, sendo que em determinado momento do debate Luís Carlos (apoiador) destacou a necessidade de ter mais mulheres para falar de suas vivências e participando do Movimento, coisas que os homens só conseguem apontar, mas não sabem de fato como é, e questiona: O que é ser mulher na rua? Nesse instante, formou-se um grande debate sobre a questão do risco de estupro de mulheres e travestis, do machismo do homem e como algumas mulheres reproduzem essa questão. Observamos inúmeras vezes as estudantes de direito pedindo vez para as mulheres da rua que estavam presentes, frente às vozes masculinas exaltadas. Um ponto polêmico envolveu o relato de Jorge e uma suposta agressão a sua companheira, sendo que Aldmir apontou que existem muitas mulheres que se aproveitam dessas situações, fato que gerou várias falas problematizando essa concepção, como a de Luís Carlos sobre ser incomparável a violência do oprimido com a do opressor, a de uma estudante sobre a desigualdade entre homens e mulheres, e a nossa, questionando o uso da violência como forma de dominação.
Em 29.08.2016, durante uma discussão mais acalorada envolvendo a ocupação de espaços urbanos na cidade de Florianópolis, Jorge traz que os homens acabam falando mais alto, sendo instantaneamente interpelado por Carmem, que questiona se o que vale na rua é a lei do homem. Prontamente este argumenta que apesar da violência, os homens têm se organizado para proteger as mulheres, inclusive dando preferência para elas nas filas para almoço e nas doações de roupas.
Esses fragmentos, no contexto de nossa análise, expõem tanto a heterogeneidade dos discursos e práticas quanto às possibilidades de sua contestação, colocando em debate questões envolvendo a violência contra as mulheres, os privilégios masculinos e, dilemas sobre a representação e a reinvindicação da experiência (homens falando sobre mulheres). São aspectos que produzem questionamentos sobre como os homens participam e se relacionam com a sociedade, como também sobre os espaços que ocupam e de que maneira o fazem. Quanto a isso, compartilhamos os entendimentos de Juan Carlos Ramirez Rodriguez e Griselda Uribe Vázques (2008) ao defender visões pró-feministas para abordar os estudos sobre homens e masculinidades, contribuindo para tornar visível os privilégios e a dominação masculina, e para a busca de cenários alternativos para as relações sociais.
Considerando a promoção de novas práticas sociais, as informações obtidas evidenciam a necessidade de ações transformativas, como propõe Nancy Fraser (1997), voltadas à desnaturalização dos binarismos que reproduzem as desigualdades de gênero. Binarismos que definem a produção dos que contarão como sujeitos, do que se considera humano e de quais vidas serão protegidas (Butler, 2014). Ciente que os contextos da rua constroem a ideia de homens fortes e protetores e de mulheres que são frágeis e precisam ser protegidas, questionamos como é possível ter agência em meio a reiteração de normas de gênero que mantêm posições binárias que desqualificam as mulheres?
Na perspectiva de desconstrução dos binarismos, Michael Flood (2008) argumenta que a maioria dos homens não exerce diretamente a violência, mas que acabam tolerando-a, como efeito da norma e do processo de dominação masculina. Frente a isso, algumas possibilidades de enfrentamento consistem em evidenciar as políticas de exclusão vivenciadas por certos homens, e na importância de investir na potência de muitos na promoção de ações locais compromissadas com a não violência e com a transformação social. Noções estas que se apresentam nas falas de Jorge e nos debates com o MNPR/SC, e que aos poucos compreendem esforços para repensar posturas, denunciar atitudes machistas, potencializar o respeito às mulheres, e promover deslocamentos nas relações que acontecem na rua.
Ainda nesse processo de discussão sobre gênero, outro ponto também apontado na experiência com o Movimento refere-se ao lugar político de fala e da representação. Ao considerarmos que a grande maioria dos participantes nas reuniões são homens, sejam eles apoiadores ou que estão na rua, que conduzem as ações e decisões e, como dito anteriormente "falam mais alto", faz-se necessário pensar os desdobramentos dessa questão. As anotações do relato da atividade de 10.10.2016 contribuem para a análise desse contexto:
Em meio ao debate envolvendo a aplicação do questionário do senso da população de rua Alexandre questionou como seria feita a abordagem às mulheres, e argumentou que muitas perguntas sobre menstruação e exames preventivos poderiam gerar constrangimentos ou reforçar atitudes machistas. Comento sobre os cuidados éticos dos homens ao abordarem as mulheres, sendo que Alexandre intervém trazendo que a fala foi machista ao pressupor que só homens aplicariam o questionário. Bruno (apoiador) traz o quanto fica implícito que os homens iriam aplicar o questionário, sendo que eles são os que mais acessam os serviços e representam o MNPR/SC, e que são os mesmos que estão construindo o questionário, sem a presença de mais mulheres, de travestis, homossexuais. Apesar das conversas que se instalaram no momento, Aldmir faz afirmações de entender as necessidades e como lidar com as mulheres, sendo prontamente interpelado por algumas estudantes presentes. O mesmo reage apontando o fato de estar morando na rua e que quase apanha para vir as reuniões, e os outros não, e que não estava sendo ouvido, ficando mais a fala dos apoiadores.
Sem pretensões de tecer avaliações sobre as motivações nas falas de Aldmir, ou de propor desculpas para as nossas, interessa-nos colocar em contestação nossas experiências enquanto pesquisadores e as políticas de localização que regulam os olhares e muitas vezes reafirmam a naturalização de lugares sociais. Como coloca Passos e Eirado (2009), na cartografia não somos meros observadores das experiências, nem imunes a ela, isso porque somos responsáveis pelo mundo que se abre diante dos nossos olhos, e, portanto, "se surgimos das experiências é muito menos para nos entronizar no eu, e muito mais para vivermos nossa existência como um processo de cuidado de si e do mundo" (2009, p. 126).
No tocante as políticas de localização, reafirmamos os apontamentos de Donna Haraway (1995) sobre o feminismo e a urgência de pautarmo-nos por uma perspectiva parcial da objetividade, de localização limitada, compreendendo que nossos olhos são ativos na construção de traduções e modos específicos de vida, uma vez que somos responsáveis pelo que aprendemos a ver. Tendo como base o exposto acima, podemos colocar em evidência os processos que podem desconsiderar e/ou invisibilizar certas experiências nas ruas, como de mulheres, pessoas trans (travestis e transexuais), negras, de orientação sexual não heterossexual, com diferentes capacidades físicas.
Esse debate envolvendo a política de localização também se relaciona como a questão da representação, em que podemos problematizar os limites e a legitimidade para abordar a experiência que é do outro. Alguns contextos que expõem as fragilidades dos processos de representação estão presentes em lógicas como: homens brigando com homens para falar das demandas e direitos das mulheres, ou de apoiadores do MNPR/SC pautando modos de vida de pessoas que estão na rua, mas voltam para suas casas ao final das reuniões. Butler (2015a) nos ajuda a pensar sobre esse ponto quando discute sobre o sujeito do feminismo, apontando que o fundamento político não está em sua identidade, mas em como o sujeito é formado em um campo de poder regulado e encoberto pela afirmação desse fundamento. Temos com isso a possiblidade de compreensão de que a discussão não excluí a construção com os sujeitos de determinada demanda e/ou ação, mas interroga condutas de pré-julgar, tomar para si, de determinar quem ou como é, e de falar pelo outro (representá-lo).
Vidas que (r)existem às margens da norma
Pensando na aproximação com o outro de quem se fala, os integrantes do MNPR/SC durante o processo de pesquisa fomentavam reflexões sobre identidade de gênero e sexualidades e a necessidade de ampliar espaços de representação no Movimento para pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e outros - LGBT+. Apesar do pouco contato com este público nas reuniões do Movimento ou nas ações, alguns comentários surgiam e evidenciam um contexto de demandas a ser abarcado, servindo de argumento para que apostássemos compreensões teóricas e políticas nesta escrita, que podem servir como futuro estudos e/ou pautas de reinvindicação e luta do MNPR/SC.
Registramos que os temas ligados principalmente à diversidade sexual e de gênero geralmente são permeados de risos e burburinhos entre os participantes das reuniões, a exemplo de quando um dos coordenadores propôs o convite para a representação de uma pessoa homossexual com "visão militante" no Movimento, ou no relato de um integrante que comenta seu trabalho na pista para pagar algumas dívidas e usar drogas, ou no processo de construção do senso da população de rua em que se pautou a possibilidade de autodeclaração dos entrevistados quanto à identidade de gênero e raça. No entanto, são situações que proporcionam conjeturar criticamente sobre os binarismos e o padrão normativo heterossexual que impactam nas violências contra a população LGBT+ na rua, e que podem contribuir para ampliar movimentos que acolham tais demandas, dialoguem com as experiências destas pessoas e promovam engajamento na defesa dos direitos e na liberdade sexual e de gênero.
Como exemplo das inserções destes debates nas reuniões do MNPR/SC, destacamos o relato de um episódio, ocorrido no Albergue Municipal de Florianópolis, que intensificou a abordagem das questões sobre identidade de gênero e interrogou sobre as possibilidades de ação do Movimento. Na ocasião, um dos funcionários do local caiu próximo a um grupo de pessoas que lá pernoitavam, e estes riram, sendo que o mesmo se dirigiu unicamente a uma das integrantes do grupo, uma mulher trans, ofendendo e ameaçando-a. Posterior ao fato houve registro de boletim de ocorrência, e a pessoa ofendida está processando a prefeitura municipal da cidade pela situação vivenciada.
Apesar de muitos integrantes do MNPR/SC argumentarem sobre a necessidade de aproximação com a demanda vivenciada pelas pessoas trans em situação de rua, registramos os seguintes comentários: "a pop rua não respeita essa diferença entre as pessoas", "não quer dizer que a pessoa vai ser acolhida na rua", "preconceito dos companheiros quando se aproxima de uma trans ou travesti, acham que tem interesse", "a rua pratica essa violência isolando", "você é mulher, não acha que vai aguentar o chute de um homem vestido de mulher". Oportunamente, as reuniões em que participamos se caracterizaram como um contexto propício para debatermos com os presentes sobre: a diferença entre orientação sexual e identidade de gênero, as políticas de masculinidades (cumplicidade para manutenção dos privilégios) e, os enquadramentos que impedem o reconhecimento e a vinculação com a população LGBT+, em especial transexuais e travestis.
Alguns trabalhos científicos, como os de Marcos Roberto Vieira Garcia et al. (2010), e Garcia (2013), enfatizam sobre a escassez de estudos sobre a realidade das pessoas LGBT+ nas ruas. Os autores ressaltam, dentre vários pontos: o caráter nômade (migração) dos sujeitos em busca de liberdade pessoal e prosperidade como uma linha de fuga à captura identitária; os conflitos familiares em suas trajetórias de vida devido ao rompimento com o padrão heteronormativo, agravado pela situação econômica, pelo sexismo na escola e no trabalho e pela relação da sexualidade com o uso de drogas; as vulnerabilidades com o HIV/A7DS; o mercado sexual; o uso de drogas favorecido como forma de diminuir a autocensura da orientação sexual e do ideal normativo; o estupro corretivo de mulheres lésbicas, entre outros.
Embora as ações do MNPR/SC ainda estejam caminhando para abarcar estes contextos de reflexão, gostaríamos de apoiar nosso olhar para essa questão da busca da rua como prática de liberdade, como neste caso da população LGBT+. Ao fazer isso, não deixamos de constantemente revelar as relações de poder e a intensificação de vulnerabilidades, mas de imaginar a rua se configurando como um lugar de contestação, espaço de resistência para muitos corpos abjetos (não passíveis de reconhecimento) que fracassaram em materializar a norma. Movimento de contestação que contemplam todos os modos de vida que não se conformam com normas que violentam e que impedem um governo de si, a exemplo daqueles que desejam viver sua sexualidade e/ou identidade de gênero.
Apoiamo-nos em Foucault (2002) para analisar que o poder só existe em ato, que torna o sujeito a, com capacidade de, e que por vezes se inscreve sobre estruturas permanentes. Para tanto, as relações de poder são sempre ações sobre um campo de possibilidades, que igualmente se estabelecem através do antagonismo das estratégias (resistência). Sendo assim, apesar dos modos de sujeição e de controle das condutas dos sujeitos (leis e condições de aplicação), há também um espaço para a liberdade, condições para outras relações éticas e estéticas, em que os sujeitos possam permanecer livres de qualquer escravidão, constituindo práticas de liberdade e atingindo modos de ser definidos pelo pleno gozo de si e a soberania de si sobre si mesmo (Foucault, 2014).
Frente as possibilidade de resistência e de governo de si, compreendemos que as práticas de liberdade são contextualizadas, inseparáveis dos jogos de força que operam como condição de possibilidades para tal. Nesse sentido, mesmo que incipientes e contraditórias, as discussões promovidas pelo MNPR acabam incidindo sobre estas condições de possibilidades, promovendo seu alargamento no sentido de abarcar um leque maior de modos de vida para a população de rua, reconhecendo e visibilizando a população LGBT+ na rua.
Ainda pensando sobre esse campo de possibilidades, Butler (2006) traz que ninguém deveria ser forçado a ocupar uma norma de gênero na condição de uma violação. Para tanto, precisamos de uma ética que se relacione com a transformação social, mantendo aberto o nosso conceito do que é humano, e do que circunscreve a esfera do que é humanamente inteligível. Com isso, ao nos voltarmos para a população em de rua, o que inclui as pessoas LGBT+, precisamos apostar politicamente nas possiblidades de estes sujeitos afirmarem seus direitos a uma vida vivível, sem uma autorização prévia ou a dependência constante e reiterada de interesses, decretos e "boas intenções" que a possibilite.
Considerações finais: entre experiências, aprendizados e potência de luta
Nossa aposta de escrita deste artigo se estabeleceu considerando a apreensão das vidas na rua e das condições para que estas sejam habitáveis, reconhecendo nos corpos urbanos potencialidades de resistência e de promoção de outras relações sociais. A estratégia da cartografia almeja uma escrita política e de uma ética entrelaça com "as possibilidades do olhar que analisa, com a liberdade do corpo sensível e pensante e com a astúcia da inteligência que fabrica instrumentos e meios para obter resoluções exitosas e auto-organizativas em meio às problematizações das situações conflitivas do existir (Fonseca et. al., 2006, p. 660).
Para tanto, os diálogos sobre gênero nesse contexto de ações do MNPR/SC possibilitaram conhecer mais as experiências da população de rua, e a aproximação com as perspectivas feministas auxiliaram na tarefa de análise crítica para apontar os binarismos, os sistemas de privilégios, as políticas de localização, o direito à vida dos que estão fora da norma. Devemos considerar, portanto, que a normatividade de gênero atua na apreensão das vidas na rua e se relaciona com a condição precária desta população.
Ainda foi possível acompanhar condições de possibilidades da dimensão de gênero se articular com outros acontecimentos, evidenciando contradições, revendo posturas e atitudes com o outro, e fomentando ações em relação a contextos ainda mais subalternas de existir na rua. Condições que possuem a força de conduzir mudanças nos contextos das relações sociais, afinal, um conjunto de desejos foram se interligando de modo a configurar debates necessários sobre a realidade de muitas mulheres na rua, para questionar relações machistas que podem encobertar certos privilégios, da importância de pensar sobre a representação do e entre o Movimento, e da abertura para demandas relacionadas à identidade de gênero e às sexualidades. As questões acima se conectam a muitas outras demandas e ações a serem propostas pelo MNPR/SC, e se articulam com a reivindicação da garantia de direitos pelas políticas públicas e a transformação das relações (desiguais e violentas) com a sociedade.
Dentre as muitas coisas que temos aprendido com as experiências da população em situação de rua, uma delas se refere a capacidade de resistir às normas que constantemente tentam aprisionar os corpos e que insistem em "varrer" da cidade àquelas subjetividades e modos de vidas que não importam. Outro ponto fundamental é a necessidade de pautar o debate sobre nossa capacidade de se vincular eticamente com esse outro, do reconhecimento de suas condições precárias de vida, pois, no fim das contas, há um processo violento de desumanização que precisa ser denunciado. Nesse sentido, precisamos apostar nas possibilidades de agenciamento da população que busca existir e resistir na rua, e nos engajarmos com àqueles que se movimentam para a luta.
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Recebido em: 27/04/2019
Aprovado em: 13/09/2019
1 Esta região compreende os seguintes municípios e respectivo contingente populacional (conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico - IBGE, 2010): Florianópolis, 421.204 habitantes; Biguaçu, 58.206 habitantes; São José, 209.804 habitantes; e Palhoça, 137.334 habitantes.
2 Considerando a diversidade de possibilidades de nomear e identificar o público envolvido na pesquisa, a exemplo do exposto na legislação nacional que caracteriza "população em situação de rua", optamos pela terminologia adotada pelo próprio Movimento: "população de rua". Tal propósito expressa o diálogo com os participantes do estudo e o intuito de que o processo de escrita do artigo fosse aliado às pautas de luta e reivindicações do MNPR.
3 Maiores informações sobre os contextos que precederam a organização e a formulação das bandeiras e princípios do MNPR podem ser encontrado na cartilha do Ministério da Saúde: Saúde da população em situação de rua - um direito humano (2014). Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_populacao_situacao_rua.pdf
4 Importante registrar que a Pesquisa contribuiu para a formulação da Política Nacional de Inclusão Social da População em Situação de Rua, a partir da articulação de muitos atores sociais, partindo de um grupo de trabalho interministerial do governo federal, articulado com o Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), a Pastoral do Povo da Rua e o Colegiado Nacional dos Gestores Municipais da Assistência Social (CONGEMAS), representando a sociedade civil organizada. A pesquisa foi realizada a partir de uma amostra de 71 municípios e aproximadamente 32 mil pessoas envolvidas. Informamos que no ano de 2019 o MDS passa a integrar o Ministério da Cidadania.
5 Os Centros POP são serviço especializado a população de rua, referência para o convívio social e grupal, de participação social. São vinculados a política de assistência social regulamentados pela Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS nº 109, de 11.11. 2009, que dispõe sobre a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.
6 Mais dados podem ser obtidos no site: www.icomfloripa.org.br
7 Os nomes apresentados foram alterados de modo a não identificar os participantes da pesquisa. Foram escolhidos a partir de reportagens (jornais, revistas e blogs) de pessoas na rua que foram assassinadas e/ou encontradas mortas. Nomes que precisam ser lembrados e que tornam visíveis as relações que intensificam as condições precárias das vidas na rua.