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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

     

 

MENSAGEM ABPP

 

2020: um ano para não esquecermos que a luta por democracia não pode parar

 

2020: a year not to forget that the struggle for democracy cannot stop

 

2020: un año para no olvidar que la lucha por la democracia no puede se detener

 

 

Frederico Alves Costa

Presidente da ABPP - Biênio 2019-2020

 

 

Este ano de 2020 será um daqueles anos que recordaremos por longa data. De início gostaríamos de transmitir nossos sentimentos às pessoas que perderam familiares e amigas/os em razão da pandemia da COVID-19.

A COVID-19 percorreu distâncias geográficas, cruzou as fronteiras dos Estados Nacionais e atravessou os desejos autoritários de construção de "muros". Trouxe para a cena do século XXI a necessidade de refletirmos sobre o nosso cotidiano, sobre as formas que nos relacionamos com os outros e com a natureza, sobre os modos que construímos conhecimento, sobre a organização da economia global, sobre os deslocamentos de pessoas no interior de seus países e entre países, sobre a maneira de organizarmos ações coletivas, de reivindicarmos direitos e de lutarmos pela não expropriação de direitos já existentes.

Poderíamos listar muitas outras consequências da pandemia da COVID- 19 para as nossas formas de ser e de viver. Focalizaremos, brevemente, duas consequências e nos concentraremos no contexto brasileiro. A primeira consequência refere-se à ampliação de desigualdades sociais já existentes no Brasil. A segunda consequência diz respeito ao impacto da pandemia no campo da educação, mais especificamente, para a universidade pública. Dois debates circunscritos em um contexto histórico que já se fazia amargo para a democracia brasileira: o golpe de 2016 e a vitória da extrema-direita na eleição de 2018.

No que diz respeito à primeira consequência, os discursos anticientífico e neoliberal presentes na proposta de governo do candidato à presidência da República eleito em 2018 seguiram seu curso mesmo diante da emergência da pandemia da COVID-19. Aqueles discursos já eram produtores de práticas sociais trágicas para a ampliação da democracia no país - e, inclusive, para a manutenção de conquistas democráticas desde a Constituição de 1988 e, mais especificamente, desde os governos do Partido dos Trabalhadores - antes mesmo da pandemia. Atacavam, por exemplo, por um lado, a relevância da ciência brasileira (sobretudo, das ciências humanas e sociais) para o desenvolvimento do país e, por outro, o necessário investimento do Estado em políticas públicas.

A manutenção daqueles discursos no momento da pandemia proporcionou a construção por parte do governo federal e de seus adeptos de uma dicotomia entre economia e saúde, a ponto do presidente da República pronunciar o "E daí?" ao ser questionado em abril de 2020 sobre os mais de cinco mil mortos por COVID-19 naquele momento. Hoje já passamos de 155 mil mortes no Brasil e o mesmo presidente - que já contrariou as recomendações dos cientistas de distanciamento social, de uso de máscaras, "receitou" hidroxicloroquina sem ter a legitimação científica e demitiu ministros da saúde que não compactuavam com o discurso anti-ciência - declara ser contrário a compra de vacinas e à vacinação compulsória contra a COVID-19.

O "E daí?" do presidente da República articulava o discurso anticientífico ao discurso neoliberal de seu ministro da economia na medida em que legitimava que "o Brasil não podia parar". Assim, ao invés do governo se preocupar com a construção de ações que visassem a proteção social, de renda e de saúde da população (principalmente, dos mais pobres), incentivou que as pessoas se colocassem em risco de contaminação nos transportes públicos, nos locais de trabalho, na busca pela garantia do pão de cada dia. Defende medidas de corte de salário dos que ainda se encontram empregados e a contínua retirada de direitos trabalhistas como receita para o combate ao desemprego (condição vivida já por mais de 10 milhões de pessoas). Veta o investimento do Estado em medidas emergenciais para populações indígenas no momento de pandemia. Utiliza do auxílio emergencial, que buscou limitar inicialmente e construiu barreiras para o seu acesso, como medida de ampliação da popularidade. Como enfrentaremos as graves desigualdades sociais ainda mais acirradas pela pandemia? Como desconstruiremos aqueles discursos numa situação de crescimento da popularidade do presidente? Que resultados teremos nas eleições municipais deste ano? Que estratégias políticas organizaremos para a radicalização da democracia?

Em relação à segunda consequência apontada, referente à universidade pública, vivenciamos uma problemática também bastante complexa e relacionada aos discursos anticientífico e neoliberal. A implantação do ensino remoto emergencial no contexto da pandemia acompanhada da redução do debate sobre esta modalidade de ensino ao acesso tecnológico - marginalizando a discussão sobre as condições sociais e psicológicas de docentes, discentes e técnicos, bem como sobre a qualidade e os objetivos da formação acadêmica - contribui para o rompimento do processo de democratização da universidade pública no país ao legitimar práticas de exclusão na universidade. O modo de implantação do ensino remoto emergencial não se encontra descolado do projeto de mercadorização da educação e de cortes de investimento público nas universidades públicas anterior à pandemia. Cortes direcionados tanto ao investimento na graduação quanto na pós-graduação, levando ao risco de retrocedermos ao quadro de décadas anteriores no que se refere à desigualdade regional em termos da política de ciência e de tecnologia diante da eliminação de cursos, sobretudo de Pós-Graduação, nas regiões norte, centro-oeste e nordeste. Como faremos para impedir que a pandemia seja utilizada para "passarem a boiada" no campo da educação e, portanto, para a aceleração da implantação do projeto privatista e elitista de ensino superior? Ademais, não esqueçamos do discurso conservador também defendido pelos adeptos ao governo federal, que se articula com os discursos anticientífico e neoliberal, que visa perseguir o pensamento crítico, principalmente no campo das ciências humanas e sociais, e ferir a autonomia universitária (haja visto a não nomeação pelo presidente da República de candidatos a Reitor que tiveram maior votação na consulta pública à comunidade acadêmica das universidades).

Junto a essas problemáticas, também vivenciamos em 2020 outras situações extremamente graves no país. Para citar apenas algumas: o aumento do desmatamento no país acompanhado por medidas governamentais de enfraquecimento dos órgãos institucionais de preservação do meio-ambiente e de perseguição a Organização Não-Governamentais ambientalistas; manifestações com demandas antidemocráticas, nas quais representantes do Estado se fizeram presentes.

Nessa conjuntura política, a ABPP, ao longo de 2020, atuou junto a outras entidades - através, por exemplo, da participação no Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB), na União Latino-Americana de Entidades de Psicologia (ULAPSI) e nas Marchas Virtuais construídas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) - na construção de estratégias de enfrentamento às problemáticas aqui apontadas. Manteve a publicação periódica da Revista Psicologia Política e do Comunicados ABPP. Construiu o Projeto ABPP e Conjuntura Política no Contexto de Pandemia, de maneira a divulgar pesquisas, ações e reflexões de associadas e associados que contribuem para ampliar o entendimento sobre nosso tempo e a construção da luta por democracia. Tem produzido "Lives preparatórias" para o XI Simpósio Brasileiro de Psicologia Política, o qual teve que ser adiado para o ano de 2021 em razão da pandemia. Realizará a Assembleia Geral da entidade, de maneira online, em dezembro deste ano.

Mesmo diante dos desafios políticos e econômicos presentes na atualidade, a ABPP segue firme nas suas finalidades de promover o ensino e a pesquisa em psicologia política, de ampliar a articulação com outras entidades científicas, de difundir conhecimentos produzidos no campo interdisciplinar da psicologia política. Para isso, contudo, é fundamental contarmos com a filiação de cada um e de cada uma que se identifica com essas finalidades e que, assim, deseja contribuir com a contínua construção da psicologia política brasileira. Fundamental lembrarmos que o início do projeto de institucionalização do campo da psicologia política no Brasil foi no momento da luta contra a ditadura militar e de redemocratização da sociedade brasileira, com a construção do Grupo de Trabalho de Movimentos Sociais (posteriormente, nomeado de Psicologia Política) na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). De lá para cá já conquistamos muitas coisas no processo de afirmação do campo da psicologia política no Brasil. O presente demonstra de maneira explícita o quanto este campo é relevante, pois o combate ao autoritarismo e às desigualdades sociais é fortalecido com a produção de análises teóricas e de intervenções fundamentadas numa perspectiva psicopolítica que não se reduz a áreas disciplinares e que problematiza dicotomias estéreis como agência x estrutura, indivíduo x coletivo; afeto x razão.

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Grande abraço e sigamos firmes na luta constante por democracia!

 

Maceió, 21 de outubro de 2020
Frederico Alves Costa
Presidente da ABPP - Biênio 2019-2020

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