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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

     

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Novíssimas direitas, pós-verdade e "estética da zoeira"

 

Newest rights, post-truth and "aesthetics of noise"

 

Nuevíssimas derechas, posverdad y "estética del ruido"

 

 

Pablo Ornelas RosaI; Tatiane BragaII; Vitor de ÂngeloIII

IProfessor permanente nos Programas de Pós-Graduação em Sociologia Política e em Segurança Pública da Universidade Vila Velha, Vila Velha/ ES, Brasil. pablorosa13@gmail.com
IIMestre em Sociologia Política pela Universidade Vila Velha, Vila Velha/ ES, Brasil. tatianembraga@gmail.com
IIIDoutor em ciências sociais pela Universidade Federal de São Carlos, com estágio sanduíche no Institut DÉtudes Politiques de Paris e pós-doutorado em sociologia política pela Université de Paris Quest-Nanterre La Défense. É professor da Universidade Vila Velha, Vila Velha/ES, Brasil. vitor.angelo@uvv.br

 

 


RESUMO

O artigo apresentado decorre da intersecção de duas pesquisas distintas sobre a emergência das novíssimas direitas brasileiras e as tecnologias mobilizadas para difundir suas visões de mundo. Utilizamos a noção de novíssimos movimentos sociais apresentada por Richard Day para propor o que estamos chamando de novíssimas direitas brasileiras, tendo em vista as limitações contextuais e conceituais apresentadas por Antonio Flávio Pierucci acerca das novas direitas brasileiras a partir de suas análises decorrentes do contexto brasileiro pós-constituinte, iniciadas nos anos 1980. O artigo apresentado buscou investigar as estratégias utilizadas por membros destas novíssimas direitas, a partir de uma pesquisa etnográfica - que contou com entrevista realizada com três membros do Movimento Brasil Livre (MBL), sendo dois deles os seus fundadores, Kim Kataguiri e Alexandre dos Santos, além do Arthur do Val, conhecido como "Mamãe falei" -, visando compreender as formas de construção e difusão de seus discursos, bem como a sua capilarização na política brasileira através do que chamaram de "estética da zoeira".

Palavras-chaves: Direita; Novíssimos movimentos sociais; MBL; Fake news.


ABSTRACT

This article derives from the intersection of two different researches on the emergence of the Newest Brazilian Right movements and the technologies mobilized to spread their worldview. We adopt the notion of newest social movements presented by Richard Day (2005) to address what we are calling newest Brazilian rights, in view of the contextual and conceptual limitations presented by Antônio Flavio Pierucci (2000) about the New Brazilian Right based on his analyses arising from Brazilian post-constituent context, which began in the 1980s. This article sought to investigate the strategies used by members of these Newest Right movements, based on ethnographic research - which included an interview with three members of the 'Movimento Brasil Livre' (MBL), two of them being their founders, Kim Kataguiri and Alexandre dos Santos, in addition to Arthur do Val, known as "Mamãe Falei" -, aiming to understand the forms of construction and diffusion of their speeches, as well as their capillarization in Brazilian politics through what they called "aesthetics of noise".

Keywords: Right-wing; Newest social movements; MBL; Fake news.


RESUMEN

El artículo presentado deriva de la intersección de dos investigaciones diferentes sobre el surgimiento de la nuevíssima derecha brasileña y las tecnologías movilizadas para difundir sus cosmovisiones. Usamos la noción de nuevíssimos movimientos sociales presentada por Richard Day para proponer lo que llamamos nuevíssimas derechas brasileñas, en vista de las limitaciones contextuales y conceptuales presentadas por Antonio Flávio Pierucci sobre las nuevas derechas brasileñas a partir de sus análisis derivados del contexto post-constituyente, que comenzó en la década de 1980. El artículo presentado buscó investigar las estrategias utilizadas por los miembros destas nuevíssimas derechas, a partir de una investigación etnográfica - que incluyó una entrevista con tres miembros del Movimento Brasil Livre (MBL), siendo dos de ellos sus fundadores, Kim Kataguiri y Alexandre dos Santos, además de Arthur do Val, conocido como "Mamãe Falei" -, con el objetivo de comprender las formas de construcción y difusión de sus discursos, así como su capilarización en la política brasileña a través de lo que llamaron "estética" del ruido".

Palabras clave: Derecha; Nuevíssimos movimientos sociales; MBL; Noticias falsas.


 

 

INTRODUÇÃO À ERA DA PÓS-VERDADE

O século XXI foi marcado por mudanças radicais jamais presenciadas nas distintas histórias das civilizações que viveram neste planeta e essa afirmação pode ser evidenciada na medida em que constatamos a emergência de novas formas de interações humanas que escapam àquelas recorrentemente presentes nos séculos anteriores. Até o final do século XX, a grande maioria da população era alvo passivo das informações difundidas pela grande mídia corporativa, ao passo que com a emergência da internet e, sobretudo, de canais como o Youtube, criado em 20051, deixamos de ser apenas receptores de informações selecionadas por essas empresas - que no caso brasileiro operam por meio de concessões estatais, conforme ocorria em momentos precedentes -, na medida em que passamos a produzir e difundir conteúdos nos espaços virtuais, que operam quase que como um canal de televisão através do ciberespaço. É por isso que "a internet tornou-se hoje o símbolo do grande meio heterogêneo e transfronteiriço que aqui designamos como ciberespaço" (Lévy, 2000, p. 12).

Contudo, se por um lado essa nova possibilidade info-comunicacional pode ser supostamente benéfica para a sociedade, uma vez que amplia liberdades, possibilitando uma maior produção e difusão de conteúdos além de supostamente horizontalizar o fluxo de circulação de notícias, promovendo outros níveis existenciais que passaram a ocorrer virtualmente; por outro, ela pode gerar tamanha confusão na difusão de suas informações, já que se torna bastante difícil conferir sua veracidade, tendo em vista a insuficiência de filtros que garantam certa qualidade em sua circulação. A dificuldade em tratar da veracidade destas informações e fatos decorrentes da ausência ou escassez de filtros acerca da circulação destes dados, chamados hodiernamente de fact-checking2, passou não apenas a comprometer a qualidade do que é produzido ou difundido, como também permitiu o nascimento daquilo que passou a ser chamado de pós-verdade.

As manifestações ocorridas a partir de junho de 2013 em praticamente todas as capitais brasileiras dentre outras demais cidades do país, acontecimentos estes que passaram a ser chamados de "jornadas de junho", não se apresentaram apenas como o início das polarizações cada vez mais intensificadas entre as chamadas esquerdas e as direitas brasileiras, incidindo diretamente no impeachment no ano seguinte da então presidente do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff; como também se apresentaram como estratégia de continuidade de uma nova era comunicacional inaugurada com a crise financeira estadunidense de 2008, que incidiu nas decisões políticas de praticamente todos os países ocidentais através de uma tecnologia inovadora de controle populacional e, principalmente de domínio informacional, que só foi possível em decorrência da fragilidade institucional encontrada nas democracias liberais modernas. Esta era foi chamada não apenas por Matthew D'Ancona (2018), mas antes pelo próprio Dicionário Oxford, de pós-verdade.

Vivemos em uma era de fragilidade institucional. As instituições da sociedade agem como anteparos. São os órgãos que encaram seus valores e suas continuidades. Lançar luzes sobre seus fracassos, sua decadência e seu colapso absoluto é intrinsecamente perturbador. Mas isso não é tudo. A pós-verdade floresceu nesse contexto, quando os firewalls e os anticorpos (misturando metáforas) se enfraqueceram. Quando os supostos fiadores da honestidade vacilam, o mesmo acontece com a verdade. O filósofo A.C. Grayling talvez tenha razão ao identificar a crise financeira com o momento germinal que levou, em questão de anos, à era da pós-verdade. "O mundo mudou depois de 2008", ele disse à BBC, em janeiro de 2017 - e assim foi3. (D'Ancona, 2018, p. 45)

A partir dos desdobramentos destes distintos eventos pudemos constatar que as decisões políticas passaram cada vez mais a serem não apenas influenciadas, mas orientadas por informações produzidas através da manipulação de conteúdos e até mesmo pela modulação comportamental por meio de certas plataformas digitais como o Facebook, que acabam por confundir aqueles que estavam à procura do acesso às notícias sobre certos acontecimentos ocorridos no campo da política institucional, promovendo uma enorme confusão baseada no deslocamento das emoções que passaram a tomar o lugar dos fatos e da forma que tomou o lugar do conteúdo. Assim, hoje podemos encontrar "a política da pós-verdade em seu estado mais puro: o triunfo do visceral sobre o racional, do enganosamente simples sobre o honestamente complexo" (D'Ancona, 2018, p. 29)

Ao analisarmos a instrumentalização das chamadas fake news, presente tanto nas eleições estadunidenses que resultaram em Donald Trump como presidente eleito naquele país, quanto o chamado Brexit que teve como consequência a saída da Inglaterra da União Europeia, ambos eventos ocorridos em 2016; D'Ancona (2018, p. 30) constatou que "a pós-verdade, como veremos, não é sinônimo de mentira". Pois, embora as mentiras, as manipulações e as falsidades políticas não sejam o mesmo que a pós-verdade, a "novidade não é a desonestidade dos políticos, mas a resposta do público a isso. A indignação dá lugar à indiferença e, por fim à conveniência. A mentira é considerada regra, e não exceção, mesmo em democracias" (D'Ancona, 2018, p. 34).

Certamente foi essa condição de retirada de cena da verdade através de apelos emotivos ao invés de fatos realmente evidenciáveis que possibilitou a emergência daquilo que chamaremos doravante de novíssimas direitas. Também é importante destacar que, no caso brasileiro, assim como no estadunidense, as novíssimas direitas potencializaram incessantemente o descrédito da verdade, o que decorre da desvalorização de conteúdos de dados e de demais elementos verificáveis através de métodos, teorias e conceitos que configuram um olhar mais próximo da ciência moderna, na medida em que, no lugar da veracidade, passaram a enfatizar apenas a forma e toda a sua capacidade de ser difundida por meio de elementos de marketing presentes no plano de negócio destas plataformas digitais que não apenas incidiram, mas definiram elementos cruciais tanto acerca de políticas públicas e movimentos sociais legítimos, quanto na adesão a uma crença inquestionável e quase que religiosa sobre as supostas benesses do livre mercado - conforme argumentou o ex-candidato à presidência da república no Brasil em 2018, Flávio Rocha (PRB), ao afirmar no "Simpósio Brasil 200", em Vitória/ES, que "a mão invisível do mercado é a mão de Deus".

Desse modo, tanto a ênfase da forma no lugar do conteúdo, quanto a crença no livre mercado, podem ser encontradas nos discursos de boa parte dos representantes das novíssimas direitas, a exemplo de elementos por nós encontrados na pesquisa etnográfica que realizamos no lançamento da pré-candidatura de Flavio Rocha (PRB) à presidência nas eleições de 2018, ocorrida no dia 23 de abril de 20184. É importante destacar que esse evento, chamado "Simpósio Brasil 200", também contou com a presença de diversos empresários que compõem o Movimento Brasil 200 anos, bem como as principais lideranças do Movimento Brasil Livre - MBL, Kim Kataguiri, Arthur do Val e Alexandre Santos, conhecido pelo apelido de "Salsicha" - que foram entrevistados por nós.

Inclusive, foi por meio de uma resposta dada por Kim Kataguiri5, nessa entrevista que realizamos com os membros do MBL durante o "Simpósio Brasil 200", que pudemos verificar a incidência daquilo que D'Ancona (2018) chamou de pós-verdade, justamente quando, após perguntado sobre a expansão de seus perfis nas redes sociais e o porquê de toda essa repercussão, ele respondeu: "É o foco do nosso trabalho. A gente trabalha a forma e não só o conteúdo. A gente deixa a parte de conteúdo para os think thanks lá, dos institutos liberais, tipo Mises etc... e trabalha a melhor linguagem possível pra fazer não só com que as pessoas entendessem, mas também entendessem porque valia a pena sacrificar um pedaço da vida delas para lutar por aquilo" (Kataguiri, 2018).

No entanto, o que mais nos chamou a atenção em nossa pesquisa foram as estratégias utilizadas pelo MBL na difusão de seus conteúdos que passaram a serem fundamentados na pós-verdade. Isso pode muito bem ser evidenciado em um relato proferido por um de seus ex-integrantes, que também é participante do grupo Estudantes pela Liberdade, Fábio Ostermann, que em uma entrevista concedida ao programa Autenti-Cidade6, relatou que a escolha do nome do vereador paulista e liderança do MBL, Fernando Holiday (DEM), não ocorreu porque sua mãe adorava a cantora Billie Holiday, conforme argumenta recorrentemente em entrevistas, mas foi inspirado no autor do livro intitulado Acredite, estou mentindo: Confissões de um manipulador das mídias, escrito por Ryan Holiday. Nessa entrevista, Ostermann7chega a afirmar que este era o livro de cabeceira dos integrantes deste movimento e que este escrito circulava recorrentemente entre eles.

se especializaram na arte de manipular a mídia, de mentir, de tentar parecer ser muito maiores do que realmente são. E, de certa maneira, quando a gente fica dando esse excesso de atenção a eles, a gente acaba jogando o jogo deles. E a esquerda tem feito isso com uma primazia incrível, uma maestria incrível em fazer o MBL parecer ser muito maior do que realmente é. O MBL é um bando de moleque. Uma meia dúzia de oportunistas. E estão lá hoje, enfim, especialmente os irmãos metralha [Renan e Alexandre Santos] que tem uns duzentos processos trabalhistas nas costas. (Ostermann, 2017)

Embora o nosso objetivo não seja debater sobre o suposto nome utilizado pelo vereador paulistano representante do MBL, Fernando Holiday (DEM), mas sim problematizar acerca da instrumentalização de certos fatos na construção de uma narrativa que opera como verdade, nos limitaremos apenas a apresentar essas duas perspectivas ou hipóteses acerca de seu nome. Contudo, mesmo o nome tendo advindo supostamente da cantora Billie Holiday, ainda assim, é importante considerar a influência do livro de Ryan Holiday, tendo em vista que Fábio Ostermann afirmou no vídeo mencionado a relevância deste autor para os integrantes deste movimento de jovens que estão compondo o que estamos chamando de novíssimas direitas e, principalmente de seu livro, já que esses coletivos políticos acreditam veementemente no livre mercado do ponto de vista econômico, mas também recorrem eventualmente ao controle estatal para lidar com a normalização daqueles costumes orientados exclusivamente pela cultura ocidental construída a partir da tradição judaico-cristã, do direito romano, da democracia grega, bem como da economia de livre mercado, conforme argumentam os tributários do conservadorismo liberal a partir de uma leitura um tanto quanto etnocêntrica.

Além disso, é importante destacar que parte das novíssimas direitas têm sido formada não apenas por textos, mas também por vídeos produzidos e proferidos por Olavo de Carvalho e demais tributários dos conservadorismos e liberalismos brasileiros, conforme encontramos na série intitulada "Brasil Paralelo", que em seu primeiro vídeo teve mais de 4 milhões de visualizações8. Assim, além de construir uma narrativa alternativa e revisionista acerca da história do Brasil que reitera a racionalidade colonial ocidêntica, essa série de vídeos produzidos de forma independente e comercializados na internet tem sido divulgada tanto por Arthur do Val em seu canal do Youtube intitulado 'Mamãe falei'9 quanto pelo próprio MBL em seu canal no Facebook10.

Assim, ao considerarmos a influência de Ryan Holiday (2012) para as novíssimas direitas brasileiras, principalmente para o MBL, sobretudo, na produção e difusão de (pós)-verdades, é possível destacarmos que sua intenção não era apenas ajudar na criação de um sistema de mídia projetado para enganar, persuadir e roubar cada segundo do recurso mais precioso do mundo, o tempo das pessoas, como também sustentava que "o golpe é criar uma marca usando os outros. O que são roubados são sua atenção e sua ingenuidade" (Holiday, 2012, p. 13). Não obstante, se faz necessário destacar um trecho de seu livro em que ele mostra como desenvolvia suas atividades.

Normalmente, trata-se de um trabalho simples. Alguém me paga, eu produzo uma história para esse cliente e nós a colocamos no sistema - de um blog minúsculo ao Gawker, do site de um canal de televisão regional ao Huffington Post, aos grandes jornais e às redes de televisão, até que o irreal de torne real. Às vezes eu começo plantando uma história. Às vezes eu solto um comunicado de imprensa ou peço a um amigo para fazer um artigo em seu blog. Às vezes eu "vazo" um documento. Às vezes eu fabrico um documento e então o vazo. Sério, pode ser qualquer coisa, desde vandalizar uma página da Wikipédia a produzir um dispendioso vídeo viral. Não importa como a peça começa, o fim é o mesmo: a economia da internet é explorada para mudar a percepção do público - vender produtos. Eu não era um garoto ingênuo quando saí da faculdade para fazer esse tipo de RP em período integral. Eu já tinha visto o bastante nas guerras de edição da Wikipédia e na política dos poderosos usuários de mídia social para saber que algo de questionável acontecia nos bastidores. Parte de mim sabia disso tudo, mas outra parte continuava acreditando. Eu podia escolher os projetos e só trabalhei naqueles em que acreditava (e, sim, isso inclui American Apparel e Tucker Max). Mas fui sugado pelo submundo dos meios de comunicação, conseguindo picos de divulgação para meus clientes e propagando mais e mais mentiras para fazê-lo. Eu lutava para manter essas duas partes de mim mesmo separadas quando comecei a compreender o ambiente de mídia em que estava trabalhando e que havia algo um pouco mais que errado nele. Isso deu certo até que parou de funcionar para mim. Ainda que eu quisesse poder indicar o momento exato em que tudo veio abaixo, quando foi que percebi que a coisa toda era um golpe gigantesco, eu não consigo. Tudo que sei, é que, em certo momento, aconteceu. Estudei profundamente a economia e a ecologia da mídia online para fazer o meu trabalho bem-feito. Queria entender não apenas como, mas por que aquilo funciona - da tecnologia às personalidades das pessoas que a usam. Estando do lado de dentro eu vi coisas que acadêmicos, gurus e mesmo muitos jornalistas jamais verão. Os editores gostavam de conversar comigo porque eu controlava orçamentos multimilionários de propaganda online, e eles costumavam ser brutalmente honestos. Comecei a fazer ligações entre partes de informação e a ver padrões nessa história. Em livros esgotados há décadas eu li críticas sobre brechas nos meios de comunicação que se abriam novamente. Observava como preceitos psicológicos básicos eram violados ou ignorados por blogueiros quando davam as "notícias". Ao perceber que boa parte da estrutura de publicação online era baseada em suposições errôneas e uma lógica de autointeresse, aprendi que poderia tirar partido dela. Esse conhecimento me assustou e encorajou ao mesmo tempo. Confesso que usei esse conhecimento contra o interesse público para meu próprio ganho. (Holiday, 2012, pp. 09-10)

O relato apresentado por Holiday (2012) evidencia como a internet, com as plataformas digitais e seus planos de negócio, tem possibilitado a construção recorrente de discursos amparados em fatos que não correspondem com a verdade, mas, mesmo não sendo verdade enquanto fato, sua afirmação produz consequências que operam enquanto verdade, tendo, portanto, um efeito de verdade por mais falaciosa que seja a narrativa apresentada. Esse fenômeno pode muito bem ser encontrado tanto nas análises de pesquisadores como Robert Merton e sua noção de profecia auto-realizável, que argumenta que "tornamo-nos tais como nos descrevem" (Coulon, 1995, p. 125), quanto nas ponderações sustentadas por William Thomas acerca do chamado "teorema de Thomas", retomado posteriormente por Goffman (2012), que afirma que "se as pessoas definem as situações como reais, elas são reais em suas consequências". (Goffman, 2012, p. 23).

No entanto, também é importante mencionar a dimensão metodológica que envolve a investigação apresentada, tendo em vista que esse trabalho decorre da intersecção de duas pesquisas etnográficas realizadas a partir de encontros com membros do MBL que aconteceram em alguns eventos nos quais os autores estiveram presentes, tendo inclusive a oportunidade de entrevistar três de seus integrantes, além de posteriormente passarmos a trocar mensagem frequentes com a sua principal liderança. Ainda é necessário destacar que participamos de alguns eventos organizados pelo MBL, sendo que em alguns deles, apenas entrevistávamos os participantes, enquanto em outros passamos a dialogar com os seus principais integrantes.

Durante as entrevistas com os participantes desses eventos, estávamos munidos do nosso diário de campo, que nos permitiu resgatar alguns dos pontos essenciais a nossa análise, a exemplo da influência de Olavo de Carvalho acerca do diagnóstico sobre o Brasil desde o processo de redemocratização até mesmo a caricaturização feita sobre as esquerdas a partir da chave do globalismo. Também verificamos que esse público jovem mais assiste vídeos pelo Youtube sobre política do que de fato lêem os livros dos autores que mencionam, conforme nos foi relatado por vários de nossos entrevistados.

Assim, o artigo apresentado enfatizará mais os relatos de nossos interlocutores que atuam politicamente a partir do que estamos chamando de novíssimas direitas, do que em questões metodológicas ou mesmo conceituais, tendo em vista a limitação de páginas estabelecida pela revista. Desse modo, pedimos desculpas ao leitor por enfatizarmos os relatos e suas análises, em detrimento de um debate mais teórico ou mesmo metodológico, uma vez que esses elementos já estão presentes tanto na dissertação de mestrado defendida quanto no relatório de pós-doutorado que resultou na publicação de um livro justamente sobre essas questões.

 

O QUE SÃO E O QUE DIFERE AS NOVAS DAS NOVÍSSIMAS DIREITAS BRASILEIRAS?

Antes de tratarmos acerca das diferenças entre aquilo que Flávio Pierucci (2000) chamou de novas direitas e o que estamos chamando de novíssimas direitas, se faz necessário relatarmos que pós-verdade não é um instrumento político exclusivo das direitas, mas também passou a ser utilizado, ainda que discretamente, por parte dos novíssimos movimentos sociais, portanto, à esquerda. Inclusive do ponto de vista de seu uso político, é provável que quem iniciou esse processo de articulação através da internet, sobretudo, no caso brasileiro, tenha sido o Centro de Mídia Independente - CMI, nascido das mobilizações ocorridas em Seattle em 1999 em protesto contra diretrizes capitaneadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), resultando, inclusive, na articulação do Movimento Passe Livre - MPL, movimento esse amparado em uma perspectiva à esquerda e, portanto, altermundialista, mas que inicialmente escapava às suas articulações clássicas, tendo em vista que muitos dos integrantes destes grupos não buscavam uma ação política do ponto de vista institucional, embora parte deles estivesse vinculado a partidos políticos de esquerda, mas defendiam certa pauta amparada na defesa do transporte gratuito para estudantes11.

Entretanto, não estamos argumentando que o CMI e o MPL utilizavam de elementos daquilo que passamos a chamar de pós-verdade, ou narravam fatos mentirosos; ao contrário, ambos os movimentos visavam construir narrativas fundamentadas nos discursos proferidos por aqueles que participavam das manifestações e que, em decorrência disso, vivenciavam distintas formas de violência estatal advindas principalmente da truculência policial. Não obstante, naquele contexto, certamente era um tanto quanto improvável pensar que essa nova forma de articulação política produzida pelo ciberespaço pudesse ter como consequência a criação, manipulação, modulação e orientação de elementos da realidade construídas como pós-verdade.

Para tratarmos do que estamos chamando de novíssimas direitas se faz necessário ponderarmos acerca da passagem dos movimentos sociais clássicos, fundamentados principalmente na luta de classes, para os novos movimentos sociais, que passaram a trazer elementos advindos de outras lutas como, por exemplo, os feminismos, ambientalismos, movimentos negros, bem como de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros - LGBT, dentre outros analisados por Richard Day (2005) a partir de sua crítica tanto à tradição liberal quanto à tradição marxista e mais especificamente gramsciana, amparada na localização do conflito entre hegemonia e contra hegemonia, no questionamento acerca da importância dos partidos políticos, bem como do papel do intelectual orgânico.

Assim, embora tenha definido os novíssimos movimentos sociais a partir de desdobramentos resultantes de articulações políticas decorrentes da emergência da internet e de toda a sua possibilidade de alcance e organização, Day (2005) parece ter focalizado inicialmente suas análises com mais intensidade nos desdobramentos oriundos daqueles arranjos políticos situados no campo da esquerda, e mais especificamente através de desdobramentos advindos das tradições gramscianas, ainda que também trate de questões referentes às abordagens liberais e neoliberais, que podem escapar aos espaços institucionais encontrados na figura do Estado12.

Horizontalidade, autogestão, ausência de lideranças ou de intelectuais orgânicos, autonomia, transversalidade temática, foco na ampliação de liberdades e ampla utilização das redes sociais digitais, são algumas das novidades mais evidentes. Day (2005) sugere tratar-se de novíssimos movimentos sociais, que se configuram não necessariamente como anarquistas, mas anárquicos, no sentido da tática de ação. Claro que estamos diante de ampla multiplicidade de práticas coletivas, cada uma encontrando em sua singularidade mais proximidade ou distanciamento dos anarquistas. Interessante notar a tendência a intervenções na vida cotidiana, em hábitos e percepções sociais que extravasam demandas que possam ter relação com o Estado. Neles, a maneira como se luta é tão decisiva quanto pelo que se luta, recusando a clássica distinção do príncipe moderno entre meios e fins. (Augusto, Rosa, & Resende, 2016, p. 26)

Como estamos analisando outro contexto - que, embora seja muito próximo daquele examinado pelo autor, ainda não encontrávamos este tipo particular de articulação política amparada no que passou a ser chamado de pós-verdade -, pretendemos trazer a noção de novíssimos movimentos sociais, tendo em vista que o seu nascimento se deu, sobretudo, a partir da articulação, organização e difusão dos espaços de lutas sociais através das distintas formas possibilitadas pela internet.

Contudo, apesar de Day (2005) ter considerado que os novíssimos movimentos sociais não atuam necessariamente como anarquistas, mas a partir de estratégias anárquicas decorrentes de suas distintas táticas e formas de ação, consideraremos essa noção de maneira um pouco mais abrangente, já que situaremos as análises deste autor, sobretudo no campo das esquerdas, na medida em que verificamos como a internet possibilitou não apenas a pós-verdade, mas também a emergência de grupos de direita brasileiros que obtiveram uma maior repercussão midiática através de novos formatos de difusão de seus conteúdos.

Desse modo, essas novíssimas direitas - formadas a partir de distintas concepções extraídas de tradições conservadoras e liberais - se diferem daquilo que Pierucci (2000) chamou de novas direitas, tendo em vista que se caracterizam, sobretudo, por enfatizar mais a forma que o conteúdo, priorizando mais a emoção que o próprio fato, além de se articularem pela internet de uma maneira jamais vista, conforme podemos localizar nas estratégias utilizadas pelo MBL desde o seu surgimento em 201413.

Portanto, partiremos da premissa de que quando se refere aos novíssimos movimentos sociais, Day (2005) estava tratando de desdobramentos daquilo que poderíamos chamar de novíssimas esquerdas e novíssimas direitas. No entanto, propomos que deveríamos considerar as particularidades das direitas brasileiras capitaneadas por jovens em pleno século XXI, se fazendo necessário dissociar esses novíssimos movimentos sociais apresentados por Day (2005), tratando-os em nossa investigação como novíssimas direitas.

Embora tenha constatado que a nova direita nasceu na primeira década do processo de redemocratização do Brasil, ocorrido após a ditadura civil-militar, a partir da promulgação da Constituição de 1988, as análises trazidas a partir da pesquisa de Antônio Flávio Pierucci (2000) se mostram limitadas para tratar do contexto contemporâneo caracterizado pela pós-verdade e pelo que estamos chamando de novíssimas direitas. Isso não se deve pelas limitações de suas análises, ao contrário, elas são certeiras para tratar daquele contexto, permitindo-nos localizar alguns dos elementos que possibilitaram a emergência destes grupos políticos hodiernos. Todavia, fazemos uma singela ressalva acerca de suas ponderações, tendo em vista que encontramos algumas diferenças substanciais decorrentes das mudanças ocorridas nas distintas formas de produção, difusão e circulação de informações possibilitadas pela internet e suas redes sociais, sobretudo, a partir de canais como o Youtube, Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter, dentre outros que possibilitaram com que cada um de nós pudesse produzir o seu próprio canal e criasse estratégias de auto-empreendimento nestes ciberespaços.

São muitos os pontos de convergência entre as novas e as novíssimas direitas. No entanto, também encontramos diferenças principalmente no que se refere à intervenção do Estado na economia, sobretudo, na garantia de direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988. Embora tenhamos localizado a presença de um discurso mais liberal do ponto de vista econômico nas novíssimas direitas, também constatamos sua semelhança com as novas direitas no que se trata das pautas morais como a questão da legalização e/ou regulamentação das drogas, bem como do aborto.

Um ponto que merece ser enfatizado, diz respeito à relevância do contexto político e econômico para tratar das pautas destes movimentos de direita. Enquanto as novas direitas vivenciavam aquele momento pós-redemocratização e, portanto, viviam os efeitos ainda presentes das perseguições, censuras e demais formas de violência estatal experimentadas no contexto da ditadura civil-militar, as novíssimas direitas passaram a se articular em uma conjuntura de declínio do governo petista amparado na tentativa de conciliação do estado de bem-estar social com o livre mercado que acabou sendo alvo de uma investigação14, chamada de "operação lava-jato", que procedeu com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio "Lula" da Silva15 (PT), resultando em certo processo de desqualificação de políticos e partidos identificados com o comunismo, socialismo, social-democracia e trabalhismo, tendo em vista que sua administração passou a ser entendida como um governo de esquerda, o que levou a retomada de certa visão anti-comunista, algo que inexistia para as novas direitas, já que, segundo Pierucci (2000, p. 69), naquele momento era como "se o comunismo fosse um cachorro morto" que, como nem susto dá mais, acabou poupando certa agressividade por parte das direitas.

Contudo, se faz necessário não apenas apresentar os elementos constituintes das novas direitas brasileiras e suas principais características, conforme mostrou Pierucci (2000), mas também expor as particularidades das novíssimas direitas, bem como suas estratégias de organização, produção e difusão de suas pautas. Diferentemente das novas direitas apresentadas pelo autor, que ainda defendiam certas pautas intervencionistas por parte do Estado, as novíssimas direitas nascidas no contexto das jornadas de junho de 2013 que culminaram com o golpe/impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2013, recorrentemente associam quaisquer defesas de direitos sociais por parte das instituições estatais com práticas políticas das esquerdas, como se houvesse uma espécie de conspiração internacional de extraordinário alcance político da qual os governos petistas estariam articulados com demais Estados administrados por lideranças supostamente esquerdistas - o chamado Foro de São Paulo seria um exemplo disso16 - que teria como pretensão corroer todos os valores ocidentais através de uma revolução cultural orientada pelos escritos de Gramsci (2002) e que foi inicialmente implementada pelos autores da chamada escola de Frankfurt, conforme argumentou Olavo de Carvalho (2014) em seu livro intitulado A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci.

Assim, enquanto que as novas direitas reconheceriam a importância da intervenção estatal na economia visando garantir ao menos aqueles direitos sociais estabelecidos pela Constituição de 1988, como a saúde, educação, previdência, segurança etc.; os tributários das novíssimas direitas compreendem que qualquer tipo de intervenção estatal seria um problema por mais que visasse o bem-estar da população, inclusive chegam a colocar em xeque a própria legalidade da carta magna brasileira, uma vez que ela teria sido produzida supostamente por influência quase que exclusiva de tradições progressistas e, portanto, esquerdistas17. Não obstante, por meio das análises de Pierucci (2000), encontramos algumas das principais particularidades das novas direitas, caracterizadas pela recém saída da ditadura civil-militar brasileira.

O medo e a agressividade em relação aos outgroups, como se sabe não têm nada de novo como ingredientes de síndromes de extrema direita. Não têm nada de novo, é verdade, mas por outro lado conseguem orientar com segurança o diagnóstico do pesquisador quando aponta na direção da extremidade direita do leque político: estamos às voltas com indivíduos arregimentáveis para causas anti-igualitárias radicais e soluções autoritárias de direita. Estranhamente, porém, são favoráveis às greves dos trabalhadores e ao direito de greve, embora não façam greve e tenham cisma de que as greves degenerem bagunça. Defendem a reforma agrária e, deste modo, estão bem longe da bancada ruralista no Congresso Nacional; reprovam, claro, as invasões de terras e a ousadia do MST. Querem gastos públicos com a mesma veemência com que exigem as penas mais severas para o crime. Segurança policial e seguridade social são considerados direitos urgentes de todos os cidadãos decentes e homens de bem: querem sempre e sobretudo a ROTA, emblema das decisões de justiça. Mas querem, também, serviços públicos de saúde, mais escolas, creches, orfanatos, reformatórios, internatos, às vezes campos de concentração com trabalhos forçados, transporte coletivo estatizado, seguro desemprego e aposentadoria condigna, tudo isto e muito mais eles querem do Estado. A cantilena neoliberal anti-welfare compõe o ideário de uma outra direita, não é como eles. (Pierucci, 2000, pp. 59-60)

Enquanto essas novas direitas - nascidas no contexto da pós-redemocratização do Brasil a partir da promulgação da Constituição de 1988 - entram em declínio, emergem as novíssimas direitas que operam a partir de leituras ultraliberais, reconhecendo que os problemas sociais, políticos e econômicos do país resultariam da corrupção que ocorreu exclusivamente no contexto estatal gerenciado pelos governos petistas, tratados como exemplo das práticas institucionais supostamente esquerdistas, enquanto que na iniciativa privada essas práticas ilícitas não ocorreriam.

Portanto, se as novas direitas brasileiras apresentadas por Pierucci (2000) no final do século XX defendiam o direito à greve, a reforma agrária (mesmo que ainda questionassem as invasões do MST), além de gastos públicos com educação, saúde e, sobretudo, com segurança pública; as novíssimas direitas que nascem no século XXI partem de uma outra perspectiva, na medida em que sustentam que a única forma de garantir o bom funcionamento do Estado é através das privatizações de todas as empresas criadas para garantir o cumprimento dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição de 1988, mas que conforme sugere o MBL18 a imagem negativa desta prática só foi possível porque, "muita gente tem uma imagem negativa da privatização, isso porque os governos petistas gastaram rios de dinheiro para demonizar essa prática que como a gente vai ver só traz benefícios ao país."

Todavia, é possível localizar não somente nos vídeos, como também nas propostas produzidas e compartilhadas pelo MBL19 em suas redes sociais, toda a sua agenda privatista que perpassa desde a implementação de um sistema de vouchers para ensino básico, fundamental, médio e superior, com valor igual para todos os alunos de cada nível; militarização das escolas em áreas de risco; gestão privada de escolas públicas através de organizações sociais e parcerias público-privadas; promoção de competição entre escolas públicas usando métricas como o exame PISA, fazendo parcerias com a iniciativa privada para premiações; desburocratização do processo de abertura de escolas, cursos e do número de vagas em instituições de ensino privadas, assim como de operadoras de planos de saúde; adoção de um sistema de saúde similar ao alemão em substituição ao SUS: obrigatoriedade da contratação de um plano de saúde e fornecimento de plano gratuito para aqueles que não puderem pagar por um; incentivo tributário a empresas que ofereçam planos de saúde a seus funcionários e concessão de benefício tributário a empresas e indivíduos que auxiliem no custeio de hospitais, clínicas e laboratórios de análise; abertura de mercado hospitalar a empresas estrangeiras; privatização dos presídios; privatização de linhas de metrô e VLT e criação de novas linhas por meio de PPPs, dentre muitos outros exemplos.

A caricaturização do intervecionismo estatal, bem como dos governos comprometidos com a defesa e garantia de direitos sociais, passou a ser tratado pelo MBL como uma condição exclusiva das esquerdas, o que acabou por fundamentar uma espécie de simplificação de toda a complexidade política e econômica a partir de um receituário anti-Estadista, baseado nos preceitos de economistas como Ludwig von Mises (2009)20, que profetizam como a única solução para os problemas das democracias liberais a adesão ao livre mercado. Sob essa perspectiva, a única saída para o país, segundo os tributários das novíssimas direitas, não ocorreria por meio de propostas que visariam a garantia de direitos consolidados pela Constituição de 1988, mas, ao contrário, por meio da entrega da gestão econômica capitaneada pelo Estado nas mãos exclusivas da iniciativa privada e, portanto, aderindo à crença na mão invisível do mercado, que segundo essa vertente do liberalismo, teriam os consumidores como os soberanos nesta sociedade. Nesse sentido, deveríamos aderir inquestionavelmente a máxima proferida pelo candidato à presidência da república em 2018 pelo Partido Republicano Brasileiro - PRB, Flávio Rocha21, que sustenta que "O Estado grande leva a descrença na suprema sabedoria do livre mercado. O livre mercado é o juiz sábio que existe. É a mão de Deus intercedendo sempre a favor do mais competente, do mais eficiente, do mais talentoso".

Ao tratarmos desse contexto demarcado principalmente por aquilo que não apenas D'Ancona (2018), mas o próprio dicionário Oxford chamou de pós-verdade - tendo sido considerada por ele a palavra do ano em 2016 - é possível verificar que este termo se caracteriza, sobretudo, pela crença não necessariamente nos fatos, mas nas emoções que se potencializam com a facilidade na procura e no encontro de pessoas que compartilham uma mesma visão de mundo através do ciberespaço.

Contudo, se faz necessário destacar que a incerteza produzida pela ausência ou insuficiência de filtros que garantam precisamente as evidências necessárias para tratar da complexidade de um determinado assunto possibilitou não apenas que essa verdade líquida, potencialmente instável e efêmera, pudesse emergir, mas também que essas narrativas alternativas e imprecisas dos fatos apresentados tivessem validade na medida em que fossem difundidas através do marketing político instrumentalizado no ciberespaço, ao invés de verificar as fontes precisamente legítimas. Deste modo, deixamos de acreditar nas fontes e evidências legítimas e científicas na medida em que passamos a acreditar nos boatos que passaram a ser difundidos com veemência, já que as curtidas e compartilhamentos possibilitam que uma narrativa seja construída como verdade, embora isso não ocorra de fato.

Também é igualmente importante enfatizar que a forma com que o Centro de Mídia Independente - CMI e, posteriormente, o Movimento Passe Livre - MPL produziam, sistematizavam e difundiam os seus conteúdos e informações, assim como os modos pelos quais organizavam suas pautas e, principalmente, suas manifestações de rua, acabaram sendo capturados pelo Movimento Brasil Livre - MBL e diversos outros movimentos sociais representantes das novíssimas direitas, a exemplo do grupo revoltadosonlinebrasil22, na medida em que suas propostas políticas foram deslocadas de perspectivas da esquerda à direita, culminando com o com aquilo que Salsicha, integrante do MBL entrevistado por nós, chamou de dream team da zoeira.

 

A "ESTÉTICA DA ZOEIRA" COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA NA ERA DA PÓS-VERDADE

As jornadas inicialmente ocorridas em junho de 2013 no Brasil não foram necessariamente as abordagens pioneiras na utilização dos meios digitais para disseminar ideias políticas através da articulação de manifestações. Tognozzi (2014), evidenciou diversas mobilizações populares que contaram com a articulação em rede. Dentre elas, destaca-se: o evento ocorrido nas Filipinas em 2002, que foi organizado através de troca de mensagens de celular por um grupo de jovens que, após cinco dias de protesto, acabaram conseguindo articular a renúncia do presidente acusado de corrupção, Joseph Estrada. No que se refere aos episódios mais recentes, podemos destacar o caso da chamada Primavera Árabe, em 2010, quando iniciou-se uma onda de manifestações que se espalhou pelo mundo árabe, questionando não apenas o autoritarismo político, mas também a crise econômica. Outro movimento de enorme repercussão internacional foi o Occupy Wall Street, em 2011, que se manifestou contra as instituições financeiras em um momento de grave crise econômica. Desse modo, os protestos não só foram organizados pelas redes sociais, como também passaram a serem transmitidos para todo o planeta por meio de celulares e laptops.

As jornadas iniciadas em junho de 2013, bem como as tantas outras manifestações que ocorreram em diversas cidades brasileiras nos anos seguintes, acabaram por inaugurar uma transformação paradigmática no que se refere à circulação de informações e a capacidade de mobilização social através do ciberespaço, permitindo com que as novíssimas direitas emergissem impetuosamente. Inclusive, na época, 43% dos domicílios brasileiros já tinham acesso à internet23. E esse número foi subindo incessantemente nos anos seguintes, assim como a participação nas redes sociais também cresceu de uma forma jamais imaginada, conforme podemos verificar na pesquisa realizada pela Serasa Experian em junho de 2013 que mostrou que, dentre os brasileiros e brasileiras conectadas na internet, 68% destes estavam no Facebook, outros 18% no Youtube, 2% no Orkut e 1,6% no Twitter. E foi exatamente através do campeão de audiência, o Facebook, que os protestos e as convocações para os atos ocorreram com mais veemência, já que a pesquisa apresentada por Tognozzi (2014, p. 73) mostrou que 75% dos manifestantes convocaram outras pessoas para participar das manifestações através do Facebook e Twitter.

Para além dessas convocações, as redes sociais também foram usadas na divulgação de informações e debates sobre questões políticas, porém de uma maneira bastante distinta daquilo que estávamos habituados a ver nos veículos de comunicação tradicionais. Aliás, a forma passou a ser o centro da questão que trataremos doravante, já que recentemente passamos a encontrar no ciberespaço o aumento da circulação de memes24 - ou seja, de imagens ou frases com grande potencial de propagação rápida pelos meios digitais através de compartilhamentos -, além da difusão das chamadas fake news. Portanto, a forma-meme seria um exemplo nítido de como o formato influencia diretamente na disseminação de conteúdos na internet. Estratégia esta que foi e ainda é fortemente utilizada pelos clássicos, novos e, sobretudo, novíssimos movimentos sociais, dentre eles as novíssimas direitas, que emergem veementemente após 2013, caracterizados por ideias políticas anti-petistas e principalmente anti-esquerdistas, produzida inicialmente sob forte influência das aulas, cursos e livros de Olavo de Carvalho (2014) que passaram a serem instrumentalizados na construção de suas narrativas revisionistas acerca da história contemporânea do Brasil.

O Movimento Brasil Livre se destaca nas redes sociais justamente por priorizar a forma no lugar do conteúdo, procurando convencer o público sobre relevância de sua narrativa apresentada como verdade através do que chamaram de "estética da zoeira", conforme evidenciamos na entrevista por nós realizada com os seus membros Alexandre Santos, Kim Kataguiri e Arthur do Val Moledo. No entanto, nessa mesma sabatina, Alexandre Santos nos recordou que esse tipo de estratégia já era utilizada por grupos liberais e conservadores muito antes do início das Jornadas de Junho. Ao nos relatar sobre o trabalho que executou no comando da candidatura do deputado estadual em São Paulo, Paulo Batista (PRP/SP), que ficou conhecido por sua campanha que viralizou na internet25 por meio desta forma-meme, em que o candidato aparecia voando sob uma cidade enquanto soltava o "raio privatizador", Renan Starkey, irmão de Alexandre, explicam o conceito e a estratégia utilizada:

A candidatura do Paulo tornou-se maior que nosso grupo ou mesmo que o candidato. Paulo era agora representante de um espectro de pensamento político adormecido em nosso país, o candidato a deputado estadual que mais citações tinha na internet (ranking do site beonpop). Num momento em que cada vez mais se fala em "guerra cultural" por parte da esquerda, era de se admirar que através de seu raio, Paulo tivesse resignificado as famigeradas privatizações. Destruindo um trabalho de 20 anos dos estatólatras, pessoas faziam memes privatizando estradas, servidores públicos, políticos desastrados e amigos de escola. Através do raio privatizador, um objeto ou sujeito era convertido de sua versão precária para a versão evoluída. Um feito que faria Mises sorrir. (Starkey, 2014) 26

Apesar do candidato a deputado estadual pelo Estado de São Paulo, Paulo Batista (PRP/SP), não ter sido eleito, os responsáveis por sua campanha, a exemplo de Renan, acabaram considerando que o formato utilizado na divulgação das propostas através da forma-meme foi um enorme sucesso.

"a gente ganhou muita capilaridade na internet e ficou muito conceituado ali porque era a estética da zoeira como política discutindo um negócio que pra gente era muito caro porque as privatizações sempre foram muito demonizadas e a gente conseguiu inverter o polo. (Starkey, 2018) 27

Não obstante, foi após essa campanha que Alexandre e o seu irmão Renan, puderam se associar à Kim Kataguiri - jovem bastante articulado que apoiava outro candidato e que também já fazia uso das redes sociais por meio de estratégias semelhantes, visando constituir o que eles mesmos passaram a chamar de dream team da zoeira. Mas o que seria isso? O que seria essa estética da zoeira? Renan, que na época desta primeira campanha era membro do Movimento Renovação Liberal, reconheceu que a ideia surgiu do desafio de criar uma candidatura competitiva e polêmica nas eleições que estavam por vir. Assim, o uso da internet enquanto ferramenta da campanha já havia sido estabelecido como máquina técnica, porém a gramática a ser adotada acabou gerando inicialmente debates intensos dentro do próprio grupo.

Eu já havia abordado anteriormente, em minha palestra no I Curso de Formação Política do Renova Vinhedo, em agosto, a existência de uma "estética da zoeira" que permeava as ações de uma nova geração de liberais brasileiros. Tal estética, advinda de fóruns e "chans" de internet, mescla uma postura anárquica e iconoclasta com montagens toscas e grosseiras e profundas referências a cultura pop. É, enquanto linguagem, uma reação direta à baboseira lobotomizada do universo do politicamente correto. A crença na zoeira é a crença na célebre frase de Marshall McLuhan de que "O meio é a mensagem". Zoamos não apenas porquê a zoeira é cancerígena, mas também porquê nossa mensagem é anárquica, corrosiva e revolucionária. No país do paternalismo cordial, qualquer ativismo libertário é altamente subversivo. Zombar do sistema é sorrir para implodi-lo. (Starkey, 2014)28

Desde o princípio, a maior preocupação do MBL era justamente com a forma pela qual a mensagem era transmitida, muito mais do que com o conteúdo, conforme reconheceram esses jovens que paulatinamente passaram a se engajarem na política a partir de um viés à direita. A fórmula utilizada inicialmente foi duramente questionada, conforme afirma Renan Starkey: "mesmo colunistas liberais e conservadores na grande mídia torciam o nariz, afetados pela fórmula. Não havíamos pedido a benção com o rigor devido aos donos do movimento liberal no país. Em suma, cagamos e andamos para todos eles" (Starkey, 2014) 29. Todavia, ainda hoje, os integrantes do MBL reconhecem a enorme relevância em se pensar a forma no lugar do conteúdo, como eles mesmo afirmam, deixando a complexidade do debate como atribuição fundamental dos think thanks liberais, a exemplo do Instituto Ludwig Von Mises Brasil30.

Tati: O que vocês acham que é a causa dessa expansão toda nas redes sociais? Por que tem essa repercussão toda?

Kim: É o foco do nosso trabalho que a gente trabalha a forma e não só o conteúdo. A gente deixa a parte de conteúdo para os think thanks lá, dos institutos liberais, tipo Mises etc... e trabalha a melhor linguagem possível pra fazer não só com que as pessoas entendessem, mas também entendessem porque valia a pena sacrificar um pedaço da vida delas para lutar por aquilo.31

As técnicas de difusão de narrativas nas plataformas digitais desenvolvidas pelo MBL podem ser averiguadas ao analisarmos alguns dos discursos disponíveis nas suas redes sociais (Youtube, Instagram, Facebook etc.), que perpassam certa fusão que articula a insatisfação com o modelo político dominante nos últimos anos, a saber, o governo petista, com uma crítica radical aos distintos projetos das esquerdas através de uma abordagem veementemente anti-Estadista. Além disso, podemos adicionar pautas como a defesa da família, a proposição de soluções para acabar com a corrupção, recomendando uma suposta melhoraria no campo econômico do país através da redução paulatina das atribuições do Estado, até alcançar o Estado mínimo, dentre outras que se situam entre os liberalismos e conservadorismos. Assim, com a difusão dessas narrativas, temos um discurso inflamado, com apelos emotivos e uma pitada de humor ou mesmo ironia, através da articulação de uma linguagem jovem e de fácil entendimento para todos aqueles que os acompanham, já que "tudo é entretenimento", conforme afirmou Kim em entrevista32.

De fato, o MBL é um defensor astuto dos princípios morais, como manda a cartilha conservadora. Porém, a divulgação de fatos distorcidos de acordo com os seus interesses políticos nos mostra que não há o mesmo compromisso com a verdade. Talvez seja por isso que o Facebook, no dia 25 de julho de 2018, tenha tirado do ar 196 páginas e 87 contas supostamente ligadas ao MBL sob a justificativa da utilização de notícias falsas33. Em março deste ano, o Facebook também tirou do ar a página Ceticismo Político, também ligada a esse movimento, que difundiu notícias falsas sobre a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada no Rio de Janeiro34. Inicialmente a publicação foi compartilhada pelo MBL sob a justificativa de que a sua fonte primária era a jornalista da Folha de São Paulo, Mônica Bergamo, que a partir da difusão de um texto produzido e compartilhado pela desembargadora Marília Castro Neves (TJ/RJ) teria legitimidade para circular nas redes, independente de ser verdade ou não35, conforme perfez o site Ceticismo Político, que também foi tirado do ar em março de 201836.

O curioso é que nos meses seguintes verificou-se uma crítica veemente por parte do MBL às agências - também conhecida como fact checking37 - que visam verificar se de fato as notícias difundidas na internet deveriam ser apuradas no intuito de examinar se seriam verdadeiras ou falsas. No entanto, da mesma forma que este grupo publicou um vídeo com discurso proferido por Kim Kataguiri que pode muito bem ser situado enquanto fake news, intitulado "Agrotóxicos salvam vidas", levando a entender que todos aqueles que defendem alimentos orgânicos seriam esquerdistas38, o MBL também produziu um vídeo argumentando que as instituições que fariam as fact-checkings também estariam na mesma condição39.

Nesse modelo de comunicação onde a forma é mais importante, está incluído a atitude de quem fala. E o simples fato de ser contra o sistema vigente se torna uma forte justificativa para aceitar as ideias impostas. Não é à toa que o discurso do MBL se mostra carregado de um sentimento anti-esquerdista, anti-petista e, no limite, anti-estatal, a depender do assunto, mesmo que por vezes, tal menção seja desnecessária para transmitir a informação desejada. Dando a roupagem que desejam e fazendo a seleção de informação ao seu bel prazer, o grupo pratica o que já se convencionou chamar de autoverdade, ou seja, aquela suposta evidência que reitera certa verdade, independente de sua veracidade factual. Dessa forma, ganham a atenção e a aceitação do público que, assim como eles, valoriza a forma e os enxergam como "gente que fala o que pensa", "corajosos" e "revolucionários".

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerarmos que a política na era da pós-verdade se fundamenta, em seu estado mais puro, no "triunfo do visceral sobre o racional, do enganosamente simples sobre o honestamente complexo" (D'Ancona, 2018, p. 29), podemos constatar através desta cibercartografia política por nós desenvolvida, que o que passamos a chamar de novíssimas direitas emergiu justamente em um contexto do nascimento de uma verdade líquida, uma verdade que pode ser construída a partir do encontro de pessoas e grupos que, mesmo desconhecendo a complexidade dos fenômenos que atravessam os fatos narrados, procuram encontrar uma forma de tornar verossímil os seus argumentos por meio de apelos emocionais, independentes de seus efeitos.

Não obstante, é importante mencionar que o método que estamos chamando de cibercartografia política se fundamenta em uma abordagem de tradição pós-estruturalista que considera importante todas as possibilidades de obtenção de informações, independente dos formatos, métodos, técnicas, tecnologias e mecanismos de sua produção. Inclusive, foi desta forma que conseguimos obter relatos, narrativas e discursos que não seriam possíveis de serem encontrados de outra forma, tendo em vista que parte deles foram extraídos de redes e canais aonde são produzidos e difundidos os seus conteúdos.

Assim, embora reconheçamos que já exista outro método também chamado de cibercartográfico, apresentado inicialmente por Fraser Taylor (2014), mas que não se fundamenta necessariamente em uma perspectiva amparada nos escritos de Foucault, Deleuze, Guattari, Rolnik, dentre outros autores fundamentais para tratar da complexidade de informações produzidas que circulam pela internet, apostamos na busca pelas mais distintas formas de produção de análises e extração de informações, conforme sustentou Rolnik (2007), ao argumentar que

pouco importa as referências teóricas do cartógrafo. O que importa é que, para ele, teoria é sempre cartografia - e, sendo assim, ela faz juntamente com as paisagens cuja formação ele acompanha (inclusive a teoria aqui apresentada, evidentemente). Para isso o cartógrafo absorve matérias de qualquer procedência. Não tem o menor racismo de frequência, linguagem ou estilo. Tudo o que der língua para os movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido, para ele é bem vindo. Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas. Por isso o cartógrafo serve-se de fontes as mais variadas, incluindo fontes não só escritas e nem só teóricas. Seus operadores conceituais podem surgir tanto de um filme quando de uma conversa ou de um tratado de filosofia. O cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado. Está sempre buscando elementos para compor suas cartografias. Este é o critério de suas escolhas: descobrir que matérias de expressão, misturadas a quais outras, que composições de linguagem favorecem a passagem das intensidades que percorrem seu corpo no encontro com os corpos que pretende entender. Aliás, "entender", para o cartógrafo, não tem nada a ver com explicar e muito menos com revelar. Para ele não há nada em cima - céus da transcendência -, nem embaixo - brumas da essência. O que há em cima, embaixo e por todos os lados são intensidades buscando expressão. E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem. Vê-se que a linguagem, para o cartógrafo, não é um veículo de mensagens-e-salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos. (Rolnik, 2007, pp. 65-66, grifo nosso)

Todavia, apesar de utilizarmos o método cartográfico apresentado por Rolnik (2007) para produzir o que estamos chamando de cibercartografia política, ainda o situamos em um determinado lugar e com uma certa particularidade espacial, que só é possível de ser encontrada somente no ciberespaço. Por isso, que abordamos esse método no contexto das virtualidades promovidas pela internet e de seus desdobramentos no campo da política institucional e, sobretudo no que se refere aos valores orientados por movimentos sociais que estamos tratando como novíssimas direitas a partir daquilo que Day (2005) chamou de novíssimos movimentos sociais. No entanto, embora tenha escrito e um contexto precedente à emergência da pós-verdade estabelecido pelo Dicionário Oxford em 201640 , cremos que essa abordagem apresentada por Day (2005) tenha nos permitido distinguir o que Pierucci (2000) chamou de novas direitas ao tratar da primeira década pós-redemocratização no Brasil, portanto, a década de 1990, em relação ao que estamos chamando de novíssimas direitas, tendo em vista as distintas particularidades de ambas.

Todavia, é possível constatar que a forma de articulação mobilizada por meio das redes virtuais no ciberespaço, versada a partir daquilo que Day (2005) chamou de novíssimos movimentos sociais que, no caso brasileiro, se encontrava presente inicialmente nas práticas políticas de organização do MPL, grupo composto por militantes das mais distintas vertentes das esquerdas, sobretudo por alter-mundialistas foi capturado pelo MBL, tornando a sua difusão com um alcance muito maior, tendo em vista o contexto caracterizado pelo impeachment/golpe capitaneado por forças conservadoras e liberais contra a ex-presidente Dilma Roussef (PT) em 2016. Mas, mais ainda, porque o MBL, sob forte influência dos diagnósticos e das técnicas de utilização das plataformas digitais advindas de Olavo de Carvalho, estabeleceu um novíssimo formato para a ação política mimetizada a partir do que chamaram de "estética da zoeira", permitindo um maior alcance na difusão de seus conteúdos orientados principalmente para um público jovem que se rebelava contra o petismo e as esquerdas, de modo geral.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 19/8/2019
Revisão: 24/01/2021
Aprovado: 11/4/2021

 

 

1 http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,AA1306288-6174,00-CONHECA+A+HISTORIA+DO+SITE+DE+VIDEOS+YOUTUBE.html
2 O fact-checking é uma checagem de fatos, isto é, um confrontamento de histórias com dados, pesquisas e registros. Se um político jura que nunca foi acusado de corrupção, há registros judiciais que irão atestar se é verdade. Se o governo diz que a inflação diminuiu, é preciso checar nos índices se isso realmente ocorreu. E se uma corrente diz que há um projeto de lei para cancelar as eleições, é preciso conferir nas propostas em tramitação se essa informação é real. O fact-checking é uma forma de qualificar o debate público por meio da apuração jornalística. De checar qual é o grau de verdade das informações. https://apublica.org/2017/06/truco-o-que-e-fact-checking/
3 http://www.bbc.co.uk/news/education-38557838
4 http://eshoje.com.br/pre-candidato-a-presidencia-vem-a-vitoria-na-proxima-segunda-feira/
5 A entrevista contando com Kim Kataguiri quanto com Alexandre Santos e Arthur do Val ocorreu durante o chamado Simpósio Brasil 200, realizado no dia 23 de abril de 2018, nas dependências do Vitória Gran Hall, em Vitória/ES, tendo como mote a pré-candidatura do empresário Flávio Rocha à Presidência da República pelo Partido Republicano Brasileiro - PRB, partido hoje chamado de Republicanos.
6 https://www.youtube.com/watch?v=umjN6KNkfuQ
7 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1860269-negro-e-gay-vereador-mais-jovem-de-sao-paulo-critica-cotas-raciais.shtml
8 https://www.brasilparalelo.com.br/home/
9 https://www.youtube.com/watch?v=pGyRum3SNKQ
10 https://www.facebook.com/mblivre/posts/706303486160464?comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%22O%22%7D
11 https://www.brasildefato.com.br/node/13683/
12 Em seu livro intitulado De la hegemonía a la afinidad: Solidariedad y responsabilidad en los nuevos movimientos sociales, Day (2001a) procura mostrar como determinados aspectos dos movimentos sociais radicais contemporâneos estão inserindo a lógica da hegemonia a partir de escritos de autores das mais difundidas tendências liberais, neoliberais, marxistas e pós-marxistas.
13 https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/05/27/maquina-de-partidos-foi-utilizada-em-atos-pro-impeachment-diz-lider-do-mbl.htm
14 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml.
15 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/lula-se-entrega-a-pf-para-cumprir-pena-por-corrupcao-e-lavagem-de-dinheiro.ghtml.
16 https://www.youtube.com/watch?v=Gs4fj8h-XyA
17 https://www.youtube.com/watch?v=nY6FL5C9vzE
18 https://www.youtube.com/watch?v=7DrK88jnubA
19 http://mbl.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2017/05/propostas-mbl.pdf
20 https://www.youtube.com/watch?v=W1K9yaorlWg
21 http://mbl.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2017/05/propostas-mbl.pdf
22 https://www.facebook.com/revoltadosonlinebrasil/
23 http://cetic.br/pesquisa/domicilios/.
24 Segundo Richard Dawkins (2001b) "meme" seria uma espécie de elemento discursivo produzido na cultura humana perpassada por uma unidade de imitação, nascida da expressão "Mimeme", de raiz grega, operada, portanto, de maneira monossilábica e soando um pouco como "gene". Todavia, o autor ainda sugere que essa expressão poderia estar relacionada alternativamente a "memória", ou à palavra francesa même, localizada em exemplos como melodias, ideias, "slogans", modas do vestuário, maneiras de fazer potes ou de construir arcos.
25 https://www.youtube.com/watch?v=htD7wMjUuhI
26 https://renovavinhedo.wordpress.com/
27 Entrevista concedida à Tatiane Braga e Pablo Rosa, em 23 de abril de 2018.
28 https://renovavinhedo.wordpress.com/.
29 https://renovavinhedo.wordpress.com/.
30 https://mises.org.br/.
31 Entrevista concedida à Tatiane Braga e Pablo Rosa, em 23 de abril de 2018.
32 https://www.youtube.com/watch?v=FiSNvXJYmP4.
33 https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2018/07/25/facebook-retira-do-ar-rede-de-fake-news-ligada-ao-mbl-antes-das-eleicoes-dizem-fontes.ghtml.
34 https://exame.abril.com.br/brasil/facebook-retira-do-ar-pagina-com-fake-news-contra-marielle-franco/
35 https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/desembargadora-do-rj-que-postou-mentiras-sobre-marielle-e-ofensas-a-professora-e-deputado-pede-desculpas-em-carta.ghtml
36 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/03/facebook-remove-pagina-ligada-ao-mbl-que-divulgou-noticias-infundadas.shtml.
37 https://www.youtube.com/watch?v=_beA5gS4SaQ&feature=youtu.be
38 https://www.youtube.com/watch?v=-2kWYWzHM98.
39 https://www.youtube.com/watch?v=k2RWy-lCvm0.
40 https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/16/internacional/1479308638_931299.html

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