Cadernos de Psicopedagogia
ISSN 1676-1049
Arte, Formação de Professores e Inclusão Escolar: Possibilidades de atuação do psicólogo em contextos educacionais
Art, Teacher's Formation and School Inclusion: possibilities for the Psychology in Educational Contexts
Juliene Madureira Ferreira1; Claudia Silva de Souza2; Rui Moreira Ribeiro Silva3; Claudia Dechichi4
Universidade Federal de Uberlândia
Universidade Paris X
RESUMO
O presente trabalho trata de um relato de experiência na psicologia escolar, cujo objetivo foi de discutir, de forma alternativa e diferenciada, com professores da educação infantil, aspectos relevantes sobre o desenvolvimento humano e aprendizagem de crianças com necessidades educacionais especiais em idade pré-escolar e o processo de inclusão de das mesmas nas escolas de ensino regular, enfatizando o papel do educador nesse processo de escolarização. Para tanto, reuniu-se nessa estratégia de intervenção, uma metodologia de atuação baseada nos modelos de oficinas e a utilização da arte como recurso lúdico de trabalho. A prática resultou em momentos de formação que uniu o saber específico e científico objetivado à construção de um saber conjunto advindo das experiências e conhecimentos dos participantes e, sobretudo, um momento de reflexão crítica acerca do papel do educador e do processo de Inclusão Escolar.
Palavras-chave: Arte; Formação de Professores e Inclusão Escolar.
ABSTRACT
The present paper brings a work experience in School Psychology that pretend to discuss, in a different and alternative way, with primary school´s teacher, aspects of human development and learning process of children with special educational needs, and the inclusion of this students in regular class, emphasizing the teacher´s importance in this process. For that, we gathered in this intervention strategy a methodology of action based in the model of therapeutical workshops and the use of art as an playful resource of work. The practice resulted in moments of formation that united the specific knowledge that was objective, the knowledge from the teacher´s practice and, above all, a moment of critical reflection about the importance of the teacher in process of pertaining to school inclusion.
Key words: Art; Teacher´s Formation and School Inclusion.
INTRODUÇÃO
O cenário educacional brasileiro atual traz como desafio aos educadores de todos os níveis escolares as propostas para uma educação Inclusiva. Os pressupostos da Inclusão Escolar vêm se solidificando desde 1994, com a Declaração de Salamanca e em 1996 com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) que estabelece regulamentações com vistas a garantir o oferecimento de um atendimento educacional ao aluno com necessidades educacionais especiais nos níveis de educação regular. A Lei 9394/96 aponta ainda, elementos que garantam a abertura de todas as escolas para o processo de ensino/aprendizagem desses alunos. (Brasil, 1994). Desde então, práticas pedagógicas e sociais vêm sendo construídas com o objetivo de contemplar essa proposta educacional.
Esses desafios perpassam não apenas as mudanças nas estruturas físicas das instituições educacionais, mas principalmente na adequação e preparação dos recursos humanos que estarão envolvidos com o atendimento educacional ao aluno deficiente. Dessa forma, a discussão do tema da Inclusão Escolar vem ganhando espaço nas instâncias acadêmicas e institucionais, fazendo-se presente também em cursos de Formação Continuada de professores como nos mostra Ortiz (2003).
Autores como Mazzota (2002), Omete (2003) e Ortiz (2003), apontam para a transformação da postura dos educadores envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais em contexto regular, como uma das principais ações rumo à consolidação da proposta inclusivista para a educação. Há a necessidade de se mudar o pensamento dos educadores quanto ao objetivo dessa proposta educacional, quanto a concepção de aluno, ou seja, a quem esses educadores vão ensinar e o porquê dessa educação, enfatizando na precisão de se investir em processos de formação desses educadores.
Tendo em vista as contradições sociais presentes no cotidiano escolar e as conseqüentes mudanças nas concepções de trabalho, cresce a necessidade do resgate do significado das ações do professor, visto que o trabalho possui um valor social e pessoal. As mudanças e os problemas enfrentados provocam nos professores, muitas vezes, sensações de impotência diante dos novos desafios. Por essa perspectiva, o educador pode ter todo o recurso técnico e apoio em sala de aula, pode dominar o conteúdo que pretende trabalhar com os alunos e pode até mesmo querer trabalhar com as crianças com necessidades educacionais especiais. Entretanto, se esse profissional não acreditar no valor e na importância de sua atuação, se ele não se sentir capaz de promover uma transformação, a menor que seja, a possibilidade dele realizar um atendimento educacional promotor de processos de ensino/aprendizagem será menor.
Considerando-se as diversas transformações ocorridas neste meio e os imperativos legais oriundos das propostas para uma educação inclusiva, que se revelam desafiadores para todos os profissionais que atuam diretamente com esta realidade no cotidiano das escolas, dentre as diversas atividades presentes na atuação do psicólogo escolar, a contribuição para a formação de professores e ou educadores tem sido apontada como fundamental no contexto educacional.
Assim, o psicólogo escolar pode oferecer sua contribuição de modo a intervir na escuta clínica e na ampliação de possibilidades de conscientização pelo professor dos processos inerentes ao “ser professor”, em suas vicissitudes e desafios, contribuindo para recuperar o sentido do seu trabalho. (Araújo e Almeida, 2006).
A formação de professores é entendida, neste trabalho, como um processo contínuo de desenvolvimento, ou seja, uma condição para a vida toda, uma carreira que se perpetua na existência do docente. (Reali & Mizukami, 1996). Todas as experiências que fazem parte da vida desses profissionais, de uma maneira ou de outra, também fazem parte de sua formação profissional, e, abarcam os desafios pertinentes de cada contexto e época. É impossível, por essa perspectiva, entender o profissional pelo pensamento mecanicista cartesiano, separando ou fragmentando conhecimentos.
O professor está em constante transformação através das interações que sua própria profissão lhe proporciona. Estar preparado para atender às modificações do meio e atuar com as ferramentas e técnicas pedagógicas mais apropriadas para as exigências das situações emergentes é uma tarefa árdua, e, pode ser encarada como um obstáculo intransponível para muitos profissionais, dependendo muito na qualidade de sua formação e até mesmo na experiência ou tempo de trabalho desse profissional nas instituições de ensino.
Para Mizukami et al (2003), a idéia de formação como um continuum supera a concepção tecnológica do trabalho (Pérez-Gómez, 1992, p.108.) – onde a formação caracteriza-se por um processo de preparação técnica, que permite compreender as funcionalidades das regras e das técnicas de uma sala de aula – e funciona no paradigma da racionalidade prática. A formação docente é, então, vista segundo um modelo reflexivo artístico, tendo por base a concepção construtivista da realidade com a qual o professor defronta-se, entendendo que ele constrói seu conhecimento profissional de forma processual, incorporando e transcendendo o conhecimento advindo da racionalidade técnica.
Assim sendo, para que de fato ocorra uma continuidade no processo de formação do professor como pressupõe a autora acima, é necessário o estabelecimento de um nexo condutor que permita a significação de novos e antigos elementos ao longo da vida do professor, garantindo uma ligação entre os vários níveis de aprendizado docente (formação inicial, continuada e não oficial). Essas inter-relações serão garantidas através de um processo também contínuo de reflexão. Esse processo de reflexão é determinado através de três campos de análise, que são: 1) reflexão técnica – análise das ações explícitas; 2) reflexão prática – planejamento e reflexão sobre o que vai se fazer e o que foi feito, destacando seu carácter didático; 3) reflexão crítica – considerações éticas, com uma análise política da própria prática e de suas repercussões contextuais. (Schon, 1992).
A prática constante da reflexão na vida do educador seria importante, não apenas para que esse fosse capaz de refletir sobre as práticas em sala de aula e assim compreender melhor o processo de ensino/aprendizagem em que é agente modificador, mas principalmente para que lhe confiasse uma maior capacidade de criticar e construir novos meios de estimular a aprendizagem, uma maneira de auxiliar o professor a enxergar de forma ativa e crítica os desafios por ele encontrados no cotidiano da sua prática profissional.
Para Caudau (1996), a formação continuada como é oferecida na maioria das propostas é pautada na perspectiva clássica que enfatiza a reciclagem desses profissionais, vista como uma atualização da formação recebida, uma estratégia que está ultrapassada. Essa concepção é dicotômica e promove pouca união entre prática e teoria, à medida que retira o professor do seu ambiente de atuação levando-o a uma sala de aula (cursos de aperfeiçoamento, pós-graduação, especialização entre outros) com outros contextos. Isso implica em também retirar do professor as suas atribuições, para relocá-lo em um ambiente e em um contexto onde o ele não é mais o agente transformador, e sim o agente que necessita ser transformado. Contrariamente a essa concepção clássica e reagindo a ela, Caudau (1996) afirma que “o lócus da formação a ser privilegiada é a própria escola, isto é, é preciso deslocar o lócus da formação continuada de professores da universidade”– centros de educação ou similares - para a própria escola e suas respectivas realidades. (Caudau, 1996, p.143). Tem-se que levar em conta e dar voz aos saberes e as experiências do docente, reconhecendo-o e valorizando-o.
Assim, compreendemos ser fundamental que o psicólogo escolar envolvido com a formação continuada de professores desenvolva conhecimentos e práticas que auxiliem os profissionais da educação a melhor lidarem com seus desafios cotidianos frente à temática da inclusão escolar, levando em consideração, entretanto, o desenvolvimento de práticas inovadoras para esse trabalho. Pois como podemos observar há a necessidade de se pensar em novas formas de contribuir para o contexto educacional, alternativas que renovem a concepção de formação de professores.
Segundo Andrada (2005), o psicólogo educacional/escolar precisa criar um espaço para escutar as demandas da escola, e a partir delas promover oportunidades de reflexão neste contexto, com todos os seus sujeitos. É necessário despir-se de quaisquer pré-julgamentos, inserindo-se com um olhar aberto de pesquisador, que seja capaz de pensar em uma intervenção transpondo as barreiras do que já é usual e cotidiano para esses educadores. Entender as características, os desafios e as expectativas que estão presentes na realidade desses professores é fundamental para o constante aperfeiçoamento da formação profissional, melhorando conseqüentemente o atendimento educacional oferecidos pelas Instituições de Ensino em que estes estarão inseridos, o que se caracteriza uma preocupação do psicólogo educacional.
Levando em consideração então a necessidades da discussão da temática da Inclusão Escolar junto a educadores e as possibilidades de atuação do psicólogo escolar, objetivou-se colocar em prática algumas idéias de trabalho que tivessem como inspiração a criação de novas formas de abordar o tema junto ao público em questão. Uma proposta embasada no desejo de participar desse movimento de transformação e conscientização, que através de formas alternativas de aproximação a esse público, que pudesse resultar em ambientes promotores de reflexão, buscando fomentar momentos e espaços diferenciados que estimulassem o diálogo e a construção de novos significados e conhecimentos acerca da Inclusão Escolar. E, dessa forma, contribuir para melhorar o atendimento educacional oferecido às crianças com necessidades educacionais especiais, bem como o desenvolvimento de um maior bem-estar profissional junto aos professores e funcionários envolvidos.
Considerou-se ainda, em relação ao público alvo, na realização dessa atuação/intervenção com educadores da Rede Pública de Ensino Infantil, visto que o trabalho com educadores de crianças em idade pré-escolar tem sido pouco visto nas produções científicas recentes. E foi, com o foco na criação de uma atividade inédita, que encontramos na arte e no modelo de oficinas terapêuticas uma possibilidade de intervenção junto a esses profissionais na busca pela discussão do tema da inclusão.
O uso da arte para essa atividade mostrou-se deveras pertinente, tendo em vista a relevância da arte nos domínios dos processos psíquicos. Silva (2005, p.31) aponta que a articulação entre Psicologia, Arte e Educação é possível, dentre vários motivos porque “o contato com conteúdos referentes à arte possibilita um outro olhar sobre si mesmo e sobre o mundo, podendo conduzir a novos processos mentais, ao provocar diferentes formas de pensar e de ver o cotidiano”. Assim, a arte pode contribui para a valorização da diferença e individualidade dos sujeitos envolvidos, auxiliando na promoção dos processos de aprendizagem humano.
“A arte introduz cada vez mais a ação da paixão, rompe o equilíbrio interno, modifica a vontade em um sentido novo, formula para a mente e revive para o sentimento aquelas emoções, paixões e vícios que sem ela teriam permanecido em estado indefinido e imóvel. Ela pronuncia a palavra que estávamos buscando, faz soar a corda que continuava esticada e muda.” (Vygotsky, 2001, p.316).
Desse modo, a Arte, por revelar a subjetividade e constituir-se num elemento mediador das funções psicológicas superiores, pode contribuir na formação social da consciência de si e do outro. Seja na forma de poesia, conto, música, artes plásticas, teatro, etc., ela pode ser um elemento reorganizador da subjetividade e socializador de saberes.
Ao discorrer sobre a arte e sua relação com o processo educativo, Vygotsky (2001) destaca o ato artístico como um ato criador e inconsciente, embora também tenha momentos conscientes. Diante disso, o educador pode inserir-se de modo a organizar os processos conscientes para que os mesmos suscitem processos inconscientes. O autor atribui à arte grande importância em seu aspecto educativo e formador dos seres humanos: "[...] a arte é a mais importante concentração de todos os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade, que é um meio de equilibrar o homem com o mundo nos momentos mais críticos e responsáveis da vida" (Vygotsky, 2001, p.328-329).
Desse modo, compreendendo que os processos de funcionamento mental do homem são constituídos na/ pela cultura, por meio da mediação simbólica, a arte configura-se em elemento mediador determinado e condicionado pelo psiquismo do homem social. Mas como trabalhar a arte de forma inovadora e promotora desse espaço de reflexão? Essa indagação nos levou em busca de uma metodologia de ação que se adequasse com os objetivos da proposta. Encontrou-se na adaptação do modelo de intervenção psicológica das Oficinas Terapêuticas (Rasera, 2004), a metodologia que se encaixou na perspectiva com a qual se objetivava trabalhar.
A metodologia de trabalho da oficina terapêutica (Rasera, 2004a) é dividida em quatro fases distintas: Aquecimento inespecífico (atividade de relaxamento e concentração dos participantes, para que os mesmos sintam-se a vontade no engajamento das atividades previstas. Essa fase busca quebrar barreiras ou tensões que podem atrapalhar o processo.); Aquecimento específico (atividade específica de preparação para a proposta de trabalho, ou tema do encontro. Essa atividade prepara de forma objetiva os participantes para o entrosamento necessário na atividade.); Desenvolvimento (atividade elaborada para trabalhar o tema do encontro propriamente dito. É neste momento que se desenvolve com os participantes, novas formas de significar conceitos e a apresentação de novos constructos.); Fechamento (encerramento da proposta de trabalho com os comentários, diálogos e discussões dos participantes. Neste momento pode-se observar quais foram as transformações ocorridas).
Evidentemente, que essa metodologia de atuação sofreu adequações importantes para que fosse pertinente o seu uso no contexto educacional com fins de discussão do tema da Inclusão Escolar, mas a essência metodológica de oficina foi mantida. Assim, foi elaborado um projeto de intervenção5, intitulado: “Projeto Compartilhando Experiências”, que se baseou na realização de mini-cursos de orientação e discussão de conteúdo. Foram encontros em formato de oficinas, visando levar à comunidade escola, através de seus educadores, a construção conjunta de novas perspectivas e reflexões sobre temática da Inclusão Escolar.
DESENVOLVIMENTO
O projeto foi pensado a partir da demanda e o interesse da Instituição – Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) – em abrir espaço para a discussão dessa temática junto aos seus educadores. A parceria Universidade Federal de Uberlândia – E.M.E.I foi consolidada mediante termos de compromisso de ambas as partes, respeitando todas as exigências documentais para desenvolvimento dessa ação por parte de ambas Instituições.
Inicialmente, como forma de conhecer a Instituição de ensino e a partir daí, propor um tema de discussão, foram realizadas entrevistas com os educadores da mesma. Solicitou-se dos entrevistados que falassem sobre seus principais desafios para a educação de crianças com necessidades educacionais especiais, e, suas opiniões acerca da contribuição da psicologia na discussão desse tema. Essas entrevistas nos orientaram durante toda organização dos encontros e serviram de referência para nosso processo criativo quanto à forma de aproximação junto às professoras.
O projeto foi estruturado e implementado prevendo a realização de três encontros de duas a três horas cada, na própria instituição (EMEI). Em todos os encontros a estrutura temática (discussão sobre a Inclusão Escolar) e os recursos lúdicos de trabalho (obras de arte) foram os mesmos. As datas e horários foram marcados de acordo com a conveniência da Escola e seus funcionários. Cada grupo de educadores participou espontaneamente de um dos encontros, respeitando o horário que mais lhe conviesse (as datas e horários dos encontros foram marcados e anunciados anteriormente a todos os educadores da instituição).
Seguindo a estrutura proposta por Rasera (2004a), como aquecimento inespecífico propôs-se uma rápida apresentação do grupo. Cada educador do grupo se apresentou falando sobre sua história profissional, suas expectativas futuras e seus sonhos. Em seguida, para o aquecimento específico, a atividade inicial e fundamental para o mini-curso, foi proposta ao grupo uma dinâmica lúdica: Apresentou-se alguns quadros de arte do espanhol Salvador Dali6, e pediu-se que cada participante escolhesse um quadro e o apresentasse ao restante do grupo como se fossem curadores da exposição do artista. Poderiam fazer essa apresentação como quisessem, utilizando a imaginação e habilidade verbal para mostrarem o que estavam vendo e convencer a todos de sua história e do valor da obra. Poderiam criar um nome para o quadro e inventar uma história para ele.
O objetivo maior da atividade era expor estes profissionais, de forma lúdica, a experiências que remontassem situações de desafio ou confronto com a diferença, com aquilo que nunca foi visto, falado ou experimentado por eles. Elegeu-se o referido pintor e escultor em virtude da complexidade e riqueza simbólica de suas obras e por se tratar de um artista desconhecido de todos os participantes7.
Inicialmente os educadores ficaram receosos, declararam nunca terem feito isso, e nunca terem visto ou trabalhado com pinturas daquela natureza. Mas com o decorrer da dinâmica, cada um, sem exceções, incorporou habilidades de curadores e apresentaram suas obras. Vez ou outra, até acertaram o nome real da pintura e detalharam minuciosamente suas características. Quando questionados em como conseguiram realizar a dinâmica, os participantes massivamente responderam que tiveram que esquecer um pouco o medo de errar e tentarem simplesmente associar suas práticas a aquele desafio. Assim, surgiram discussões fundamentais sobre sentimentos e crenças com relação ao diferente e ao inesperado, bem como à condição de exercer um cargo que é responsável pelo tal objeto.
Com uma postura mediacional8 durante todo percurso do encontro, foi possível, na etapa de desenvolvimento da oficina, transpor estas representações suscitadas na dinâmica para a prática do professor /educador do aluno com necessidades educacionais especiais e, ainda, trabalhar sub-temas como: A história da deficiência na humanidade; as diferenças em cada deficiência; as diferenças paradigmáticas entre Integração e Inclusão; o lugar e papel da escola no processo de Inclusão e; as possíveis formas de se trabalhar com a criança com necessidades educacionais especiais enquanto professor e educador de forma inclusivista.
Essa combinação dinâmica abriu espaço para a abordagem do tema da Inclusão Escolar de forma ímpar. Não apenas como algo que está fora (externo) ao alcance daquelas profissionais, mas, ao contrário, como elemento que se origina na percepção interna, na busca individual pela constante capacitação profissional e pessoal de todas as educadoras. Os participantes compartilharam idéias e práticas relacionadas ao trabalho com crianças com necessidades educacionais especiais, refletiram sobre suas vontades internas na busca por capacitação e motivaram um ao outro a estabelecerem novas metas profissionais junto à prática da Inclusão Escolar.
No fechamento do encontro enfocou-se no trabalho para o fortalecimento da auto-estima dessas profissionais frente a desafios de suas próprias práticas cotidianas, inseguranças que muitas vezes interferem diretamente na maneira como as educadoras se relacionam com seus próprios mecanismos motivacionais para a aprendizagem individual. Foi enfatizado e devolvido aos participantes em forma de feedback e reflexão, a importância da presença e atuação do educador na vida das crianças, de modo especial daquelas que tem uma necessidade educacional especial, seja em decorrência de um quadro de déficit intelectual, ou alguma deficiência sensorial.
Assim, consideramos dois os elementos centrais e diferenciais desse projeto: O formato do encontro em oficina, o que permitiu criar um clima mais descontraído e agradável abrindo espaço para uma abordagem prática e sensibilizada do tema; E, a postura mediacional dos organizadores dos encontros, que através de recursos lúdicos, como por exemplo, as obras de arte (em especial quadros de Salvador Dali), que possibilitaram fazer a transcendência entre o tema da Inclusão e a atuação profissional das educadoras, aumentando os sentimentos de auto-competência e segurança, ao mesmo tempo em que estimulava o interesse das participantes em aprofundarem-se teoricamente.
O formato dinâmico e atrativo de oficinas (Rasera, 2004), permitiu ainda uma ativa participação por parte das educadoras com seus pares, que se sentiram a vontade e confiantes para trocarem experiências e esclarecerem dúvidas. Os momentos de construção de conhecimento e promoção de reflexões também se fizeram presentes durante todo esse processo, não deixando de sustentar o objetivo do encontro.
CONCLUSÃO
Diante da experiência narrada, entendemos que uma das contribuições que este trabalho oferece ao campo de intervenção psicológica no contexto educacional é trazer à público uma possibilidade de trabalhar com o tema da Inclusão, com subsídio teórico, mas com uma abordagem sutil, agradável e atraente, que estimulou os participantes a pensarem de forma diferente. Uma experiência que oportunizou ainda, uma situação de troca e construção sobre as práticas profissionais dos participantes, abrindo caminho para um contínuo diálogo entre os mesmos.
Esse espaço de troca e construção, aliado a postura mediacional e descontraída que é permitido na oficina, permitiu que os profissionais se sentissem mais à vontade e mais confiantes nas suas falas e no reconhecimento de suas ações no cotidiano escolar. Durante todo o tempo os participantes davam exemplos de sua própria experiência, elementos que antes não tinham sido reconhecidos por eles mesmos como relevantes na educação de alunos deficientes. Dessa forma, foi mais fácil de conseguir no fechamento do encontro a relação entre a teoria e a prática docente no atendimento educacional ao aluno com deficiência.
Assim, valorizou-se o que os educadores fazem, reforçando seu papel na escola, na formação do aluno e na contribuição com o processo de inclusão. Houve, portanto, um momento de constituição do “eu educador” a partir do “outro educador”, o que deu um novo significado tanto para o papel do professor no processo de Inclusão, quanto para a relação entre os educadores que estavam ali presentes, fortalecendo os vínculos e laços institucionais.
O trabalho foi reconhecido e valorizado, o que ficou evidente com o feedback dos encontros por parte da escola e dos próprios educadores, que além de solicitarem novos encontros estão buscando novas formas de se atualizarem e capacitarem-se para o atendimento educacional a criança com necessidades educacionais especiais.
Dessa forma, entendemos que a contribuição da psicologia escolar na discussão do tema da Inclusão para os professores do ensino infantil nesta experiência, se apresentou não apenas na estrutura do encontro e na mediação do mesmo, mas, sobretudo, nos aspectos que se referem à construção de conhecimentos específicos do desenvolvimento humano e aprendizagem e a promoção de espaços para a reflexão crítica sobre a prática profissional e sobre a reflexão do tema da inclusão. E, ressaltar, que os encontros em formato de oficinas podem vir a ser um importante recurso disponível ao Psicólogo da Educação envolvido com a formação continuada de professores.
Entretanto, apesar do caráter interventivo da estratégia ter sido considerado durante o processo de elaboração dos encontros, é necessário ressaltar que este trabalho não teve como objetivo realizar um estudo sistematizado e conclusivo sobre as implicações e desdobramentos da utilização dessa estratégia. Para tanto, outros trabalhos devem ser realizados com o objetivo específico de investigar melhor esta estratégia e suas promissoras possibilidades de utilização.negativo da deficiência no positivo da compensação (Vygotsky, 1993).
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Juliene Madureira Ferreira
Rua Osmar Sales Monteiro 701, apt 204 E.
Bairro Presidente Roosevelt
e-mail: julienemf@yahoo.com.br
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Aplicada, Universidade Federal de Uberlândia
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Aplicada, Universidade Federal de Uberlândia
3 Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
4 Mestrando pela Universidade de Paris X
5 Entendendo o termo intervenção como uma ação organizada e estruturada com objetivos próprios de acordo com uma demanda local
6 As obras de arte foram impressas em banners de 90cm X 120cm, coloridos e sem a referência do pintor.
7 Informação coletada previamente. 8 Por postura mediacional entende-se a ação de um mediador humano entre o indivíduo e o objeto a ser apreendido, fazendo com que a aproximação dos mesmos seja possível, garantindo a transcendência de idéias e o sentido para o conteúdo a ser ensino/aprendido. (Cruz, 2001)