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Stylus (Rio de Janeiro)

 ISSN 1676-157X

     

 

TRABALHO CRÍTICO COM CONCEITOS

 

Enlaces do grafo do desejo com os discursos, a partir do Seminário 16, de Jacques Lacan

 

Bonds of graph of desire with the discourses, from J. Lacan's Seminar 16

 

 

Samantha Abuleac Steinberg*

Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Brasil
Fórum do Campo Lacaniano-São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir do Seminário 16: de um Outro ao outro, de Lacan (1968-69), este artigo apresenta uma discussão em torno do grafo do desejo numa vertente pouco explorada: na sua relação com o Eu e com um certo "questionamento fundamental", necessário em qualquer trabalho analítico. Neste momento, Lacan se debruça sobre o conceito de sujeito na sua íntima relação com o gozo. O sujeito, aqui, é apresentado essencialmente como uma função, indissociável dos conceitos de dizer e real, podendo ser localizado no S() no grafo do desejo, como seu efeito. O artigo ainda mostra relações entre o grafo e os discursos, em plena construção nesse seminário.

Palavras-chave: Grafo do desejo, Seminário, livro 16, Discursos, Função sujeito, Eu (Je).


ABSTRACT

Stemming from Lacan's Seminar 16, From Another to the other (1968-69), this article brings a discussion about the graph of desire under a not so common perspective: in its relationship with the "I" (Je) and with a certain "fundamental questioning", required to all psychoanalytic work. At the time of the Seminar, Lacan was working on the concept of Subject within its intimate relationship with jouissance. The Subject here is presented essentially as a function, inseparable from the concepts of saying and real, which might be located at the graph of desire as its effect. In addition, the article also presents relationships between the graph and the discourses, in full construction in the Seminar

Keywords: Graph of desire, Seminar: book 16, Discourses, Function subject, I (Je).


 

 

Neste texto, trabalharei com o grafo com o qual me deparei no Seminário 16: De um Outro ao outro (LACAN, 1968-69): o grafo, como um grande interlocutor de Lacan, ao formalizar lugares e construir os quatro discursos, apresentados, formalmente, no seminário seguinte.

Lacan apresenta e constrói o grafo no decorrer do Seminário 5: As formações do inconsciente (1956-57/1999), e, arrisco dizer, "conversa" com ele em inúmeros momentos de seu ensino. Ele permite situar o desejo na cadeia significante e localizar uma série de lugares da complexa álgebra lacaniana. Além disso, é extremamente clínico: a direção de tratamento pode ser formalizada com e a partir dele.

Neste trabalho, compartilho uma face menos explorada desse inusitado "parceiro" de Lacan e algumas possibilidades de articulação com os discursos aqui postos.

Inicio com uma distinção que Lacan diz nunca ter realizado antes: afirma, na lição de 26 de março de 1969 (Ibid.), que a linha inferior do grafo é o simbólico e que devemos conceber a cadeia superior como "os efeitos do simbólico no real"; e continua: "Por isso, o sujeito, que é seu efeito primeiro e maior, só aparece no nível desta segunda cadeia" (Ibid., p. 244).

 

 

A linha superior no grafo é o discurso do inconsciente, é o discurso do Outro, articulado, mas não articulável, (LACAN, 1961-62/2003, p. 488). Articulado, se pensarmos na sua articulação primordial com a estrutura significante; o inconsciente estruturado como uma linguagem. E não articulável por ser o que escapa ao simbólico, o que se articula ao desejo na sua estrutura de para-além da demanda.

No entanto, o que Lacan está perseguindo no Seminário 16 (LACAN, 1968-69/2008)?

Ele quer formalizar o discurso do analista, na sua relação com os demais discursos e, para tal, se faz fundamental articular o objeto a ao mais-de-gozar, como resto, produto de um determinado discurso. Diz: "O que há de novo é existir um discurso que articula essa renúncia, e que faz evidenciar-se nela o que chamarei de função do mais-de-gozar. É essa a essência do discurso analítico" (Ibid., p. 17).

 

 

E diz logo a seguir: "Assim, o mais-de-gozar é aquilo que permite isolar a função do objeto a" (Ibid., p. 19). O discurso do analista, portanto, faz ver o que se produz no discurso do mestre para que este resto se torne "operável", passível de se fazer operar pelo analista.

Mas como articular este objeto a, articulado aos discursos, e o grafo? Lacan, nas lições de 11 de dezembro de 1968 e 15 de janeiro de 1969 (Ibid.), fará algumas construções nesse sentido. Diz, referindo-se a um radical questionamento do Eu: "O que será mostrado, o que esperamos, o que sabemos claramente, é que esse Eu é sempre impronunciável em toda a verdade" (Ibid., p. 79).

E apresenta o grafo definindo o campo da experiência analítica como um campo de enunciação totalmente diverso, alertando-nos de que a enunciação assume a forma da demanda na medida em que o Outro não é consistente.

Articula, então, a dupla questão que se coloca no vetor () para d (A): "Eu me pergunto o que desejas (o que te falta)" e "Eu te pergunto o que é Eu". (Ibid., p. 84).

Faz-se importante, porém, assinalar os vetores estruturais, pois haverá os convergentes e os divergentes.

 

 

Serão convergentes no nível do desejo do Outro. E não podemos esquecer que a demanda está intimamente articulada ao desejo do Outro, em uma ambiguidade completa que permite escrever: "Eu te pergunto o que eu quero já que meu desejo é o desejo do Outro" (Ibid., p. 100), e continua afirmando que:

O fiador do desejo do Outro, como seu suporte imaginário, é isto que tenho escrito desde sempre sob a forma de (), isto é, a fantasia, onde reside, embora encoberta, a função do Eu. Ao contrário do ponto de convergência chamado de desejo do Outro, é de maneira divergente que o Eu oculto no () se dirige, sob a forma que chamei no começo do verdadeiro questionamento, do questionamento radical, para os dois pontos em que situam os elementos da resposta (Ibid., p. 100).

Na linha de cima está S(), significando que o A é barrado, e que é precisamente o que tive o trabalho e também lhes dei o trabalho de tomar como suporte para conceber o que enuncio aqui, ou seja, que o campo do Outro não garante, não garante em nenhuma medida, a consistência do discurso que se articula nele, em nenhum caso, inclusive no aparentemente mais seguro (Ibid., p. 100).

Na linha inferior s(A), uma significação como tal é fundamentalmente alienada, Lacan nos elucida que "E é aqui que é preciso vocês se aperceberem do sentido de minha entrada neste ano pela definição de mais-de-gozar e de sua relação com tudo o que podemos chamar, no sentido mais radical, de meios de produção" (Ibid., p. 100).

Há, portanto, uma disjunção a partir do lugar do Eu, lugar da fantasia, que pode se dirigir para dois pontos diversos: ao S(), lugar de a-causa, que Lacan articula ao "Eu não existe" (Ibid., p. 117) ou ao s(A), lugar em que uma significação se fecha, "Eu existe" (Ibid., p. 117).

Visualizamos, neste trecho, Lacan pensando com o grafo para formalizar o discurso que nos compete, o discurso do analista, na sua função de histericizar os demais discursos, atribuindo ao objeto a um lugar de causa.

Como o analista responde deste lugar, diante da demanda analisante? O analisante vem nos perguntar "Quem sou Eu?", ao que respondemos "Quem é Eu?", uma recusa articulada à própria estrutura S(), a uma necessidade lógica.

E ainda acrescenta: o que nós, analistas, procuramos é aquilo que suspende o que se articula a partir do Outro, e que está fora do Outro como tal – o S2 como fora do campo.

Qual é seu sujeito? Eis a questão. E, se esse sujeito não pode, de forma alguma, ser captado pelo discurso, qual é a articulação correta do que lhe pode servir de substituto? (Ibid., p. 88).

Para que possamos nos dar conta da complexidade desta última formulação de Lacan, vamos a algumas elaborações acerca do "Outro" e do "sujeito", neste mesmo seminário, não sem o grafo.

Comecemos pelo Outro, que é profundamente interrogado nesta visada.

Podemos dizer que a formulação base do seu ensino "o significante representa o sujeito para um outro significante" é colocada à prova pela lógica dos conjuntos, com um efeito bastante relevante para a teorização lacaniana. O segundo significante da sentença passa a ser articulado logicamente ao saber, a um lugar de impossibilidade lógica, pois o primeiro significante não pode alcançar o segundo por estrutura. Há uma inapreensibilidade e uma inacessibilidade em jogo neste ponto que podemos relacionar ao Urverdrängung, " um núcleo já fora do alcance do sujeito, embora seja saber" (Ibid., p. 54).

O S2 passa a ser localizado neste lugar falho da própria estrutura, S(), "espaço em que o lugar da verdade é um lugar vazado" (Ibid., p. 58). Não há como não associar esta posição ao lugar da verdade no discurso do analista, ocupado pelo S2.

O Outro e o S2 passam, portanto, a ocupar posições diferentes neste momento, com consequências importantes para a formulação dos discursos e para seu ensino.

Mas o que ocorre com o sujeito neste movimento, se ele deve estar fora do campo do Outro? Um sujeito articulado a este saber fora de alcance?

Volto à primeira distinção das duas cadeias do grafo, realçada no início do texto. Lacan precisa que é só na cadeia superior que podemos encontrar o sujeito, sempre como um efeito de enunciação, efeito de S().

O Outro fornece apenas a textura do sujeito, ou seja, sua topologia, aquilo mediante o qual o sujeito introduz uma subversão, sem dúvida, mas que não é apenas a dele. […] Mas a subversão de que se trata aqui é a que o sujeito certamente introduz, mas da qual se serve o real, que, nesta perspectiva, define-se como o impossível. Ora, no ponto exato que nos interessa só existe sujeito de um dizer (Ibid., p. 64).

Só existe sujeito de um dizer, e deste dizer o sujeito é o efeito. Extremamente complexa esta problemática: o sujeito deve necessariamente se articular ao dizer e ao real, a partir dessa afirmação. No Seminário 16 (1968-69), ele passa a ser pensado essencialmente como uma função. Dessa maneira, Lacan (1968-69) adverte que é preciso fazer girar a função do sujeito para que se apreenda sua falha e nos diz a seguir:

Seja qual for o uso que vocês deem posteriormente a uma enunciação, e mesmo supondo que seja um uso da demanda, será por haverem assinalado o que ela demonstra de falha, como simples dizer, que vocês poderão delimitar mais corretamente, na enunciação da demanda, o que acontece com a falha do desejo (Ibid., p.73).

Como estas elaborações podem orientar nossa prática? Repito: "o que da enunciação se demonstra de falha"; "um discurso que faz girar a função do sujeito para apreender sua falha". Leio que o discurso do analista é o que faz girar o discurso do mestre para o discurso da histérica, ao operar com a função do sujeito, a partir dos vetores convergentes e divergentes visualizados no grafo e já abordados acima.

 

 

Mas retomo à questão apontada acima: qual é a articulação correta do que lhe pode servir de substituto, substituto do sujeito que não se pode alcançar S2? Entendo que Lacan enveredará para o campo do gozo nesta trilha. Diz que "nosso acesso ao gozo é sempre comandado pela topologia do sujeito" (Ibid., p. 112) e ainda: "O sujeito cria a estrutura do gozo, mas tudo que podemos esperar disso, até nova ordem, são práticas de recuperação. Isso quer dizer que aquilo que o sujeito recupera nada tem a ver com o gozo, mas com sua perda" (Ibid., p. 113).

Termino aqui, deixando uma questão para elaboração, uma questão que tenho me deparado nos últimos estudos. Como poderíamos articular um pouco melhor este rumo tomado por Lacan neste momento do seu ensino: da problemática do sujeito ao campo do gozo?

 

Referências

LACAN, J. (1999). Seminário, livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.         [ Links ]

__________. (1966). Escritos: A subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.         [ Links ]

__________. (1958-59). Seminário, livro 6: O desejo e sua interpretação. (Publicação para circulação interna). Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 2002.         [ Links ]

__________. (1961-62). Seminário, livro 9: A Identificação. (Publicação para circulação interna). Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2003.         [ Links ]

__________. (1968-69). Seminário, livro 16: De um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.         [ Links ]

__________. (1969-70). Seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Groenlândia, 197, Jardim Paulista
São Paulo – SP – CEP: 01434-000
E-mail: sasteinberg09@gmail.com

Recebido: 09/02/2016
Aprovado: 16/04/2016

 

 

* Psicóloga e psicanalista. Membro da EPFCL-Brasil e do FCL- SP.

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