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Escritos sobre Educação
versão impressa ISSN 1677-9843
Escritos educ. v.4 n.2 Ibirité dez. 2005
RESENHA
Aprendizagem da leitura nos novos tempos
Geraldina Porto Witter1
Universidade de São Paulo
Michèle Anstey tem uma longa carreira tendo atuado em cargos administrativos, na graduação e na pós-graduação na University of Southern Queensland. Depois de concluída sua carreira universitária continuou a ser consultora educacional tanto para o sistema educacional público como privado, continuando a colaborar com sociedades científicas e a pesquisar na área da leitura. Geoff Bull já participou com Anstey em outros livros. Como ela, atuou na University of Southern Queensland, recebeu várias homenagens como pesquisador, atua em vários projetos e tem uma produção notável no que concerne à aquisição da leitura, especialmente ao uso da literatura infantil na escola.
Como se referem no Prefácio, o objetivo dos autores foi trabalhar tendo por referencial o conceito de alfabetização múltipla, usado amplamente pelo New London Group (1996) e posteriormente detalhado por Cope e Kalantzis (2000). O conceito surgiu das necessidades decorrentes de mudanças sociais, culturais e econômicas, bem como de avanços científicos. Buscam transpor as questões teóricas para a sala de aula mediante sugestões que equilibram teoria e prática.
A obra foi estruturada em seis capítulos e um índice de autores e conteúdo que facilita a consulta a aspectos específicos. A bibliografia referida é relativamente recente, mas periódicos e livros ocorrem com similaridade. A literatura infantil referida ao longo do discurso aparece em destaque no final, acompanhada de outras fontes sobre o tema: lite-ratura pós-moderna e histórias que se apresentam em muitas versões.
O primeiro capítulo trata do que se tornou uma constante no meio educacional - mudanças. Elas requerem novas formas de se prover a aquisição de competência em leitura. Não se pode ignorar, na referida aprendizagem, as influências sociais, tecnológicas e econômicas que pedem mudanças nas práticas de sala de aula, especialmente quando esta é constituída por crianças de segmentos sociais, etnias, raças, religiões e outras variáveis que as diferenciam. Além disso, o fenômeno da globalização também pede mudanças. Faz uma linha de tempo retomando o que se fazia nos anos setenta e oitenta (muito não chegou a ser estabelecido no Brasil como prática comum nas salas de aula). Sugestões de exercícios e práticas para se pensar a matéria são oferecidos como forma de interação do leitor com o texto. Fechando o capítulo, um resumo com as implicações das mudanças para a leitura e a formação do leitor. Espera-se que as mudanças constantes sejam cuidadas em sala de aula.
O capítulo seguinte consiste de um esforço para definir alfabetização múltipla. O leitor é conceituado como uma pessoa flexível, capaz de reformular o conhecimento corrente e aprender novas práticas (estratégias) de leitura, tem um repertório de práticas (conhecimento, habilidades e estratégias) que sabe usar textos tradicionais e recorre aos textos das novas tecnologias. Este capítulo apresenta ainda aspectos a serem avaliados, implicações para uma pedagogia da leitura e sugere exercícios práticos que precisam ser testados cientificamente para serem usados em outros contextos. Também oferecem bases para o leitor repensar a aplicação em sala de aula usando textos bimodais, interativos, lineares e não lineares, com destaque para a leitura crítica. Uma proposta de alfabetização múltipla é a do Modelo de Quatro Recursos que viabiliza mudanças, formação de alfabetizandos decodificadores, atribuidores de significados, usuários de textos e analistas de textos. Fazem sugestões para planejamento. Como no capítulo anterior, fechando o texto, o leitor encontra uma síntese do exposto.
O Capítulo 3 trata do desenvolvimento da pedagogia para possibilitar a alfabetização múltipla. Um currículo preocupado com a referida alfabetização parte do que um leitor precisa ser. Estabelece a ligação entre as características esperadas do leitor para que seja multialfabetizado. O currículo precisará incluir: consumo, produção e transformação do conhecimento sobre alfabetização e suas práticas; pesquisa de como a alfabetização e suas práticas operam em uma variedade de contextos; desenvolvimento e compreensão de como as práticas de alfabetização se relacionam com os aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e ideológicos; os textos podem usar um ou vários sistemas semióticos combinados (papel, eletrônicos, vivos). É preciso pesquisar a pedagogia de forma sistemática e confiável. Novamente, um resumo facilita o trabalho para o leitor, com ênfase na pedagogia dinâmica.
Tendo a literatura infantil como suporte para a ação pedagógica, no capítulo seguinte, as novas alfabetizações são apresentadas com exemplos muito claros. Os livros infantis ilustrados merecem destaque. Lembram que os textos devem: ser cons-cientemente estruturados - tendo propósitos sociais, culturais, políticos e econômicos; incorporar uma ampla gama de regras gramaticais e sistemas semióticos; o leitor precisa dominar uma variedade de regras; mudanças na sociedade e na tecnologia continuarão a ocorrer e a afetar os textos; há muitas formas de ler e ver um texto e é preciso considerar seus possíveis significados, como ele forma o leitor e seu mundo. Enfoca a ilustração dos livros modernos e pós-modernos como e xemplos que requerem estratégias pedagógicas diferentes oferecendo experiências novas aos leitores em formação. O resumo do capítulo que aparece no final é muito sucinto para cobrir a complexidade do tema tratado.
O Capítulo 5 trata do consumo e da produção de texto. Começa pela definição. Lembra que texto pode ser definido como unidades de significado, escritas manualmente, impressas ou apresentadas oralmente, mas esta é apenas uma parte da questão. Tendo por referencial a semiótica, lembra aspectos básicos que requerem codificação e decodificação de sons, compreensão de estrutura e sintaxe. Acrescente-se que com as inovações tecnológicas do século 20 houve necessidade de ampliar o conceito para abranger as novas formas. Há hoje uma ampla possibilidade de consumo e de formas para produção de textos como, por exemplo, visuais e multi modais. Dá atenção especial ao sistema semiótico de imagens (cor, textura, linha, espaço, forma) que se combinam via convenções diversas para fornecer significados, tanto para imagens fixas como em movimento. No sumário destaca que a pedagogia das alfabetizações múltiplas deve considerar os seguintes aspectos: ensinar a ler imagens fixas e em movimento; não se preocupar tanto com a terminologia e sim com o que os alunos estão vendo e produzindo, e encontrar a forma mais apropriada para ensinar cada aluno.
O último capítulo trata do planejamento para alfabetizações múltiplas, destacando a importância de se manter um equilíbrio. Trata da necessidade de contar com auditoria constante para acompanhar o planejamento, e verificar se estão sendo alcançados os objetivos pretendidos. São oferecidas sugestões instrumentais e de atuação. É importante enriquecer a aprendizagem e integrar o currículo. É fundamental dispor de dados objetivos para redefinir e reintegrar o currículo, tendo por eixo as relações humanas, a criatividade e a solução de problemas, e a própria alfabetização múltipla. É preciso cuidadosa avaliação de alunos, professores, escola, currículo, da pedagogia usada e das próprias formas de avaliação empregadas.
A proposta vem sendo usada e pesquisada, mas, embora mencione "a mente, o corpo e o espírito" isto é feito muito rapidamente e são ignorados os avanços da psicologia, da neurofisiologia, da filosofia, da antropologia da leitura, entre outras áreas que podem contribuir para uma completa e real alfabetização múltipla. A obra é muito rica e pode trazer muitas possibilidades para uma alfabe-tização mais efetiva e ampla, mas, os exemplos apresentados ainda estão muito presos ao texto literário. Poderiam ampliar o livro para incluir textos que viabilizassem a alfabetização científica, a alfabetização matemática entre outras variedades. Sem um alerta aos docentes e aos pesquisadores estas alfabetizações podem continuar a sofrer o processo de exclusão no sistema educacional.
Endereço para correspondência
Geraldina Porto Witter
Av. Pedroso de Moraes, 144, apto 302, Pinheiros - 05.420-000 - São Paulo/SP
E-mail: witter@uol.com.br
1 Psicóloga, Doutora em Ciências (USP), Livre Docente em Psicologia Escolar (USP), professora Emérita pela UFBP e professora Emérita pelo UNIPÊ.
Atualmente coordena a implantação da Pós-Graduação, "Strictu-Sensu", na Universidade Castelo Branco - UNICASTELO.