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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.21 no.spe Rio de Janeiro  2021

https://doi.org/10.12957/epp.2021.64028 

Estudos e Pesquisas em Psicologia
2021, Vol. spe. doi:10.12957/epp.2021.64028
ISSN 1808-4281 (online version)

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

Recursos de Carreira em Universitários: Evidências Psicométricas do CRQ-S e Correlatos Psicossociais

 

Muryan Passamani da Rocha*, I; Alexsandro Luiz De Andrade**, I; Manoela Ziebell de Oliveira***, II
I Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Vitória, ES, Brasil
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS, Porto Alegre, RS, Brasil
Endereço para correspondência

 

RESUMO

Os recursos de carreira são características individuais para enfrentamento de demandas de desenvolvimento profissional. O objetivo deste estudo foi adaptar o Questionário de Recursos de Carreira para Estudantes (CRQ-S) para o contexto brasileiro, bem como levantar evidências iniciais da sua validade (estrutura interna e convergente), além da análise da invariância configural, métrica e escalar por sexo. Participaram 463 graduandos, dos quais 237 (51,2%) declararam-se do sexo feminino. A média de idade dos participantes foi de 23,5 anos (DP = 6,20 anos). A versão adaptada do CRQ-S dividiu 12 recursos de carreira em quatro dimensões e apresentou indicadores de validade e confiabilidade favoráveis ao seu uso (Recursos de capital humano, ω = 0,82; Recursos contextuais de carreira, ω = 0,79; Recursos motivacionais, ω = 0,88; e Comportamentos de gestão da carreira, ω = 0,89). Dimensões do questionário foram convergentes com adaptabilidade de carreira e capital psicológico. Discutem-se implicações para a teoria e a prática de orientação profissional e desenvolvimento de carreira.

Palavras-chave: desenvolvimento profissional, psicometria, estudantes de graduação.


 

Career Resources in University Students: Psychometrics Evidences of CRQ-S and Psychosocial Correlates

 

ABSTRACT

Career resources are individual characteristics that help to face the demands of professional development. The objective of this study was to adapt the Career Resource Questionnaire for Students (CRQ-S) for the Brazilian context and provide initial evidence of validity (internal structure and convergent), in addition to the analysis of configural, metric and scalar invariance by sex. The study was carried out with a sample of 463 undergraduates, of whom 237 (51.2%) described themselves as being female. The average age of the participants was 23.5 years (SD = 6.20 years). The adapted version of the CRQ-S divided 12 career resources into four dimensions and presented validity and reliability indicators favorable to its use (Human capital resources, ω = 0,82; Environmental career resources, ω = 0,79; Motivational career resources, ω = 0,88; and Career management behaviors, ω = 0,89). Dimensions of the questionnaire were convergent with career adaptability and psychological capital. Implications for theory and the practice of professional guidance and career development are discussed, as well as directions for future research.

Keywords: professional development, psychometry, undergraduate students.


 

Recursos Profesionales en Estudiantes Universitarios: Evidencias Psicométricas CRQ-S y Correlatos Psicosociales

 

RESUMEN

Los recursos profesionales son características individuales que ayudan a enfrentar las demandas de desarrollo profesional. El objetivo de este estudio fue adaptar el Career Resource Questionnaire for Students (CRQ-S) para el contexto brasileño y proporcionar evidencia inicial de validez (estructura interna y convergente), además del análisis de invariancia configuracional, métrica y escalar por sexo. El estudio se realizó con una muestra de 463 estudiantes universitarios, de los cuales 237 (51,2%) se autodeclararon del sexo femenino. La edad promedio de los participantes fue de 23.5 años (DE = 6.20 años). La versión adaptada del CRQ-S dividió 12 recursos profesionales en cuatro dimensiones y presentó indicadores de validez y confiabilidad favorables para su utilizacion (Recursos de capital humano, ω = 0,82; Recursos profesionales ambientales, ω = 0,79; Recursos profesionales motivacionales, ω = 0,88; y Comportamientos de gestión de carrera, ω = 0,89). Se discuten las implicaciones para la teoría y para la práctica de la orientación profesional y el desarrollo profesional, así como las instrucciones para futuras investigaciones.

Palabras clave: desarrollo profesional, psicometría, estudiantes de pregrado.


 

 

A teoria da conservação de recursos (conservation of resources - COR), desenvolvida por Hobfoll (1989), é um modelo teórico proposto para entender o estresse e o comportamento em situações estressantes, a partir de recursos do indivíduo e sua interação com o contexto. Segundo esse modelo, as pessoas se esforçam para proteger, reter e agregar recursos, além de se sentirem ameaçadas pela perspectiva de perdê-los ou por sua perda real (Hobfoll, 1989). Assim, os recursos são utilizados para entender o estresse psicológico resultante das seguintes situações: (a) ameaça de perda de recursos; (b) perda real de recursos; ou (c) quando indivíduos não obtêm recursos suficientes após investirem parte de seus recursos (Hobfoll, 2001).

A teoria COR tem sido utilizada na literatura organizacional, por exemplo, para explicar e predizer estresse ocupacional e burnout (Khamisa, Oldenburg, Peltzer, & Ilic, 2015; Prapanjaroensin, Patrician, & Vance, 2017), ou explicar a tensão e o estresse no campo de conflito trabalho-família (Halbesleben, Harvey, & Bolino, 2009; Hobfoll, Vinokur, Pierce, & Lewandowski-Romps, 2012), além da dinâmica de recursos no enriquecimento trabalho-família (Chen, Powell, & Cui, 2014). No campo da psicologia organizacional positiva, o modelo tem sido utilizado na perspectiva de entender recursos psicológicos relacionados ao desenvolvimento positivo em vários domínios da vida, incluindo o campo vocacional e de carreira (Hirschi, 2014). Entre os temas investigados a partir desse modelo estão a resiliência no trabalho (Bardoel, Pettit, De Cieri, & McMillan, 2014) e recursos preditores de sucesso na carreira (Hirschi, Nagy, Baumeler, Johnston, & Spurk, 2018).

Hirschi (2012) propôs uma aplicação diferente da teoria de conservação de recursos, direcionada mais especificamente ao universo de pesquisas sobre carreira, sugerindo uma interface entre os recursos e os construtos pertencentes ao domínio das carreiras autogeridas. De acordo com o autor, os recursos de carreira oferecem um quadro teórico mais geral capaz de centralizar e integrar o corpo disperso de conceitos de carreira como adaptabilidade, empregabilidade, motivação de carreira, autogestão de carreira, competências de carreira, entre outros (Hirschi, 2012). Em sua proposta de integração, surge um modelo composto por quatro categorias de recursos críticos: recursos de capital humano, recursos sociais, recursos psicológicos e recursos de identidade.

Os recursos de capital humano incluem educação, experiência, treinamento, habilidades cognitivas e os requisitos necessários para atender as expectativas de desempenho de uma dada ocupação. Comportam dimensões da empregabilidade e das competências de carreira (Hirschi, 2012). Por sua vez, os recursos sociais são externos ao indivíduo e dependem das relações sociais por ele desenvolvidas, suas redes e a solidariedade estendida a ele. Recursos psicológicos são traços e estados psicológicos. Estão fortemente ligados a dimensões dos construtos de adaptabilidade de carreira, empregabilidade, competências de carreira e motivação de carreira, sendo exemplos desses recursos otimismo, resiliência e autoeficácia. Por fim, recursos de identidade estão relacionados à autoconsciência de um indivíduo em termos de valores, objetivos, interesses ocupacionais e importância do trabalho.

Questionário de Recursos de Carreira (QRC)

Esse instrumento foi desenvolvido para avaliação de recursos de carreira (Hirschi et al., 2018). Nele, o domínio de recursos psicológicos foi combinado ao de recursos de identidade, resultando no domínio recursos motivacionais de carreira. Os outros domínios existentes foram elaborados a partir de diferentes modelos teóricos de carreira, resultando em uma medida que avalia: recursos de capital humano de carreira, recursos contextuais de carreira, comportamentos de gestão de carreira e os já mencionados recursos motivacionais de carreira (Hirschi et al., 2018).

O instrumento, denominado Questionário de Recurso de Carreira, apresenta duas versões: para estudantes e para trabalhadores. A versão para estudantes (CRQ-S) possui 38 itens distribuídos entre 12 fatores avaliados por meio de escalas do tipo Likert de cinco intervalos (discordo fortemente a concordo fortemente). A avaliação das propriedades psicométricas da medida foi feita com amostras de estudantes matriculados no ensino superior estadunidense, de diversas áreas de formação. As idades dos respondentes variaram entre 16 e 30 anos. Aproximadamente metade da amostra se declarou caucasiana e a outra metade dividiu-se entre afroamericanos, hispânicos e asiáticos. Para o procedimento de seleção dos itens que formaram a versão final do instrumento foram conduzidas análises fatoriais confirmatórias e estimador de máxima verossimilhança com desvios-padrão robustos, que retornaram índices satisfatórios confirmando o ajuste do modelo de 12 fatores (Hirschi et al., 2018).

Até o momento da realização deste estudo não foi encontrado nenhum trabalho com a proposta de adaptação da CRQ-S para o contexto brasileiro. Tendo em vista a relevância de investigar os recursos de carreira para compreender como os indivíduos gerenciam suas carreiras em um contexto de mudanças cada vez mais rápidas e frequentes na natureza do trabalho e nas organizações, além da ausência de consenso na literatura sobre o que constitui a capacidade de realizar tal gestão (Hirschi, 2012), o presente artigo propõe-se a contribuir com o debate acerca do tema. Mais especificamente, teve como objetivos apresentar: 1) as etapas metodológicas de tradução, adaptação e levantamentos de validade da CRQ-S, 2) o teste e comparação entre modelos de primeira e segunda ordem do construto e 3) o teste de invariância do instrumento por sexo. Serão apresentados ainda os indicadores de precisão e evidência de validade convergente com aspectos de adaptabilidade de carreira (Audibert & Teixeira, 2015) e capital psicológico (Siqueira, Martins, & Souza, 2014).

 

Método

Participantes

Os participantes que integram a amostra utilizada por este estudo foram recrutados e selecionados de forma não randômica, por meio de amostragem por conveniência, e atenderam os critérios de inclusão aqui estabelecidos: (a) ter idade igual ou superior a 18 anos e (b) ser estudante matriculado em algum curso de formação de nível superior. O total de participantes com questionários válidos preenchidos foi de 463 estudantes, dos quais 237 (51,2%) declararam-se do sexo feminino e 225 (48,6%) do sexo masculino. A média de idade dos participantes foi de 23,5 anos (DP = 6,2 anos).

Quanto ao estado civil, 368 (79,5%) declararam-se solteiros e apenas 71 (15,3%) afirmaram estarem casados ou em união estável. Dentre os estudantes, 229 (49,5%) disseram que cursavam o ensino superior em instituições públicas e 217 (46,9%) em instituições privadas de ensino. Em relação à renda familiar mensal, 161 (34,8%) recebiam entre um e três salários mínimos, 143 (30,9%) entre três e seis salários e 89 (19,2%) entre seis e 10, enquanto 15 (3,2%) afirmaram possuir renda inferior a um salário mínimo e 41 (9,7%) renda superior a 10 salários mínimos. Entre os cursos em que estavam matriculados no momento do estudo, constavam: Administração com 167 (36%), Direito com 58 (12,5%), Psicologia com 39 (8,4%) e Engenharia da computação com 29 (6,3%) e 174 (36,8%) indivíduos em outros cursos com representação inferior a 5% da amostra.

Procedimentos de Adaptação Transcultural do Instrumento

O Questionário de Recursos de Carreira para Estudantes (Hirschi et al., 2018) foi adaptado neste estudo para o português a partir da escala que tem como nome original Career Resources Questionnaire (CRQ), desenvolvida com amostras de universitários estadunidenses para avaliar recursos de carreira. O instrumento original possui quatro dimensões distintas, cada uma delas composta por três subfatores ou recursos específicos de carreira, que por sua vez são avaliados por três ou quatro itens. As dimensões compreendem construtos de ordem maior, formados por recursos específicos de carreira, seguindo a estrutura: 1) recursos de capital humano de carreira avalia a expertise ocupacional, conhecimento do mercado de trabalho, habilidades e competências (exemplo de item: "Possuo conhecimento profundo dentro da ocupação que desejo"; índice de consistência interna α = 0.85 a 0,92); 2) recursos contextuais de carreira avalia suporte organizacional à carreira, desafio no trabalho ou estudo e suporte social à carreira (exemplo de item: "Minha universidade/faculdade dá suporte à carreira que desejo"; índice de consistência interna α = 0.78 a 0,94); 3) recursos motivacionais de carreira avalia o envolvimento com a carreira, confiança na carreira e clareza de carreira (exemplo de item: "Meus estudos são parte central da minha identidade"; índice de consistência interna α = 0.85 a 0,92); e 4) comportamentos de gestão da carreira avalia o networking, a exploração de carreira e o aprendizado (exemplo de item: "Regularmente busco informações sobre oportunidades de carreira"; índice de consistência interna α = 0.81 a 0,92).

O instrumento foi adaptado seguindo as atuais diretrizes metodológicas e técnicas da International Teste Comission (ITC, 2017). Primeiramente fez-se contato e solicitou-se autorização do autor principal do instrumento original para realizar o estudo de adaptação cultural e validação do instrumento, e a operacionalização do processo dividiu-se em três etapas. Na primeira, de Equivalência semântica, realizou-se a tradução dos itens do instrumento por especialistas independentes dos autores (dois professores inglês) de forma a conservar o significado nos diferentes idiomas. Após a tradução do inglês para o português, procedeu-se com a formulação de uma versão síntese pelos autores deste artigo a partir da comparação entre as versões, bem como a sua retrotradução da versão em português para o inglês. Sequencialmente foi realizada a comparação às cegas das formas do instrumento pelo autor da versão original do instrumento em língua inglesa, que identificou a correspondência entre os itens originais e traduzidos.

Concluída esta etapa, buscou-se a equivalência conceitual, que consiste em realizar a análise da correspondência do conteúdo dos itens entre a cultura na qual foi desenvolvido e a cultura para qual será adaptado. Para isso, procedeu-se levantamento bibliográfico sobre o tema com produção de ambos os países em questão. Adicionalmente, os itens foram revisados por juízes com produção na área de carreira, para garantir que cobriam e correspondiam aos domínios do construto, e que a terminologia utilizada era adequada ao vocabulário da população alvo.

Finalmente, buscou-se a equivalência operacional, que correspondeu à análise das características operacionais do instrumento em relação ao tempo necessário para completá-lo, à clareza das instruções fornecidas aos respondentes, e à adequação semântica e sintática dos itens. Para isso, foi desenvolvido um estudo-piloto com 10 participantes que atendiam os critérios para inclusão na amostra. Não havendo necessidade de alteração dos itens, foi concluído o processo e o instrumento foi aplicado a estudantes cursando o ensino superior para levantamento de evidências psicométricas.

Instrumentos

Os participantes da pesquisa responderam um questionário contendo questões para caracterização da amostra, além de instrumentos psicológicos. Cada um deles, encontra-se descrito a seguir: a) Caracterização sociodemográfica. Foi feita por meio de um questionário desenvolvido para avaliar características demográficas e socioeconômicas dos participantes que pudessem ser relevantes para a análise, como sexo, idade, renda familiar e curso de formação. b) Inventário de Capital Psicológico no Trabalho (ICPT-12). Foi utilizada a versão contendo 12 itens do ICPT-12, desenvolvida por Siqueira, Martins e Souza, (2014) para medir o construto capital psicológico. O instrumento avalia crenças de autoeficácia (exemplo de item: "Sou capaz de dominar a tecnologia do meu trabalho"; índice de consistência interna α = 0,87), de otimismo (exemplo de item: "Eu acredito que dias melhores virão no meu trabalho"; índice de consistência interna α = 0,87), de esperança (exemplo de item: "Espero ter conhecimento suficiente para crescer no trabalho"; índice de consistência interna α = 0,79) e de resiliência (exemplo de item: "Fico mais forte após enfrentar perdas no trabalho"; índice de consistência interna α = 0,87). Os itens foram respondidos por escala tipo Likert com cinco pontos (discordo totalmente a concordo totalmente). c) Escala de Adaptabilidade de Carreira. Adaptado para uso no Brasil por Audibert e Teixeira (2015), o instrumento avalia a adaptabilidade de carreira por meio do questionamento sobre o quanto o indivíduo desenvolveu 24 habilidades, que são distribuídas em quatro dimensões: preocupação (exemplo de item: Perceber que meu futuro depende das escolhas de hoje"; índice de consistência interna α = 0,77); controle (exemplo de item: "Tomar decisões por mim mesmo(a)"; índice de consistência interna α = 0,76), curiosidade (exemplo de item: "Estar atento(a) às diferentes maneiras de fazer as coisas"; índice de consistência interna α = 0,81); e confiança (exemplo de item: "Realizar tarefas de forma eficiente"; índice de consistência interna α = 0,82. Os itens são respondidos por uma escala de cinco pontos ("Desenvolvi pouco ou nada" a "Desenvolvi extremamente bem"). d) Versão adaptada neste estudo do Questionário de Recursos de Carreira para Estudantes.

Procedimentos de Coleta de Dados

Inicialmente o estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, obtendo aprovação e autorização para coleta de dados (CAAE n. 93459218.8.0000.5542). O processo de recrutamento de participantes foi iniciado a partir de contato telefônico e e-mail com coordenadores de curso de graduação. Após autorização do responsável institucional, o pesquisador visitava turmas, em momento de aula, e explicava os objetivos do estudo. Todos os participantes da presente pesquisa manifestaram concordância e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, entregue pelo pesquisador previamente ao preenchimento do questionário. A tabulação dos dados coletados foi feita manualmente.

Procedimentos da Análise dos Dados

As análises foram realizadas com auxílio dos softwares R e Mplus. O banco de dados foi preliminarmente inspecionado e os dados omissos foram tratados. A partir disso, foram realizados testes de normalidade por medidas de assimetria e curtose. Para avaliar a adequação da estrutura proposta pela medida original da escala, o modelo foi examinado por meio de análise fatorial confirmatória (AFC), com método de estimação WLSMV (Weighted Least Squares Mean and Variance). Os indicadores de ajuste utilizados na análise da adequação dos modelos foram: χ2/gl, com valores menores que 5,0 representando melhor ajuste ao modelo (Byrne, 2016), Comparative fitness index (CFI), e Tucker-Lewis Index (TLI) com valores superiores a 0,90 (Kline, 2015); valores de Root mean-square error of approximation (RMSEA) inferiores a 0,80. Realizou-se também teste da invariância configural, métrica e escalar da medida entre o sexo dos participantes (homens e mulheres), a partir da análise fatorial multigrupo (Damásio, 2013). Tendo em vista que o CRQ-S foi desenvolvido com o intuito de avaliar recursos de carreira que não estivessem relacionados a traços relativamente fixos ou sociodemográficos (Hirshi et al., 2018), esperava-se que não houvesse variância da medida em relação ao sexo do respondente. Considerou-se aceitáveis as diferenças mínimas de até 0,01 nos valores de ∆CFI e ∆RMSEA para indicação de invariância dos parâmetros entre as categorias dos modelos testados (Cheung & Rensvold, 2002). Devido à natureza ordinal dos dados, recorreu-se aos coeficientes alfa de Cronbach ordinal e Ômega para avaliação da consistência interna das dimensões propostas da escala resultante (Trizano-Hermosilla, & Alvarado, 2016). Finalmente, os escores médios de todos os construtos foram computados e suas correlações com outras medidas foram testadas por meio do coeficiente correlação r de Pearson, visando ao levantamento de evidências convergentes do CRQ-S.

 

Resultados

Análise Fatorial Confirmatória

Foram testados três modelos com o CRQ-S. O primeiro modelo (M1) ou Modelo Original, apresentou 12 fatores ou recursos de carreira correlacionados entre si. Testou-se o Modelo 2 (M2), o qual pressupõe quatro fatores de segunda ordem correlacionados entre si (capital humano, recursos socais, recursos psicológicos e identidade) e seus respectivos subfatores (recursos de capital humano de carreira [expertise ocupacional, conhecimento do mercado de trabalho, competências e habilidades]; recursos contextuais de carreira [suporte organizacional à carreira, desafio no trabalho e suporte social à carreira]; recursos motivacionais de carreira [envolvimento com a carreira, confiança na carreira e clareza de carreira]; e comportamentos de gestão da carreira [networking, exploração de carreira e aprendizado]. Por fim, testou-se o Modelo 3 (M3), com 12 fatores ou recursos de carreira avaliados a partir um fator hierárquico geral de segunda ordem. Adicionalmente procedeu-se a análise da invariância configural, métrica e escalar do questionário por sexo (homens e mulheres) com o modelo original (M1). Os indicadores de ajuste dos modelos são apresentados na Tabela 1.

 

 

Todos os modelos testados apresentam indicadores aceitáveis de ajuste. Entre eles, constata-se que M1 e M2 apresentaram indicadores mais adequados e favoráveis da ferramenta na amostra brasileira. Já M3, apresentou indicadores positivos e um índice de ajuste RMSEA mais elevado que os dois outros modelos. Adicionalmente, destaca-se a natureza de invariância do modelo original (M1) em relação à variável sexo (homens e mulheres) nos aspectos configural, métrico e escalar. Na Tabela 2 é possível verificar as estatísticas descritivas e os indicadores de precisão do tipo Ômega (ω) para as estruturas testadas em M1 e M2.

 

 

Como observado na Tabela 2, os coeficientes alfa de Cronbach ordinal e Ômega de McDonald foram estimados para as 12 subescalas representando os recursos de carreira separadamente (por exemplo, envolvimento com a carreira), e para as quatro subescalas que agrupam esses fatores, representando as dimensões de segunda ordem (por exemplo, recursos de capital humano). Entre os 12 fatores, os valores de ω variaram entre 0,78 e 0,90, sendo considerados bons e ótimos, com exceção do fator denominado Desafio (ω = 0,49). Para as quatro dimensões, os valores foram entre 0,78 e 0,89. Cabe destacar ainda que os valores α de Cronbach ordinal mostraram-se similares aos do coeficiente Ômega de McDonald.

Evidências Convergentes da CRQ-S

Aspectos de evidências convergentes do CRQ-S foram explorados a partir do Modelo 2, contendo as dimensões hierárquicas de recursos de carreira (recursos de capital humano de carreira; recursos contextuais de carreira; recursos motivacionais de carreira e comportamentos de gestão da carreira). As dimensões do questionário de recursos foram correlacionadas com variáveis de capital psicológico, e adaptabilidade de carreira. A Tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação de Pearson entre os construtos.

 

 

Na Tabela 3, observam-se correlações convergentes entre as diferentes dimensões do questionário de recursos de carreira e aspectos de adaptabilidade e capital psicológico. Em destaque, verifica-se que recursos de capital humano se associam de maneira fraca (r < 0,30) com todas as dimensões de adaptabilidade de carreira e com dimensões do capital psicológico, à exceção da autoeficácia, com a qual apresentou correlação moderada (r = 0,40). Não foi observada correlação com a dimensão esperança deste construto.

Os recursos contextuais de carreira relacionaram-se de maneira fraca com dimensões de adaptabilidade (0,19 s 0,29) e com as quatro dimensões de capital psicológico (0,16 a 0,19), à exceção da dimensão controle da adaptabilidade de carreira. Recursos motivacionais se associaram de maneira moderada à fraca com todos os aspectos de adaptabilidade (0,50 a 0,40) e capital psicológico (0,40 a 0,27). Por fim, recursos de Comportamentos de Gestão de Carreira, se associaram de maneira fraca a moderada com dimensões de adaptabilidade (0,25 a 0,42) e de maneira fraca com aspectos de capital psicológico (r < 0,38).

 

Discussão

Os resultados apresentados neste estudo oferecem, de forma geral, evidências positivas de validade, tanto de construto quanto de convergência com construtos importantes para área de desenvolvimento profissional e de carreira, bem como indicadores de precisão que suportam a adequação da versão em português do Brasil do CRQ-S.

No processo metodológico de tradução e adaptação dos itens, destacaram-se etapas tradicionais recomendadas na literatura (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012; International Test Comission, 2017), além da avaliação da qualidade final do processo de tradução reversa pelo autor principal do instrumento original (Hirschi et al., 2018), aspecto nem sempre observado ou possível na adaptação de instrumentos psicológicos entre culturas. Ainda, do ponto de vista psicométrico e estrutural do instrumento, destaca-se a manutenção do número original de doze dimensões e trinta e oito itens na versão para o português brasileiro e a invariância em relação à variável sexo. Os três modelos apresentados obtiveram índices de ajuste aceitáveis.

No que concerne à propriedade da precisão, as dimensões gerais (recursos de capital humano, recursos contextuais, recursos motivacionais e comportamentos de gestão de carreira) e praticamente todas subdimensões (expertise ocupacional, conhecimento do mercado de trabalho, competências e habilidades, suporte organizacional, desafio no trabalho, suporte social, envolvimento com a carreira, confiança na carreira, clareza na carreira, networking, exploração na carreira e aprendizado) do CRQ-S obtiveram bons índices de confiabilidade, tanto pelo coeficiente alfa de Cronbach ordinal, quanto pelo Ômega (Trizano-Hermosilla & Alvarado, 2016). A exceção foi a subdimensão de desafio de carreira, a qual obteve indicador de precisão regular (α = 0,65; ω = 0,65), aspecto possivelmente associado ao reduzido número de itens da dimensão (apenas três) e também à própria natureza deste fator, o qual também obteve menores indicadores de precisão no estudo de construção original (Hirschi et al., 2018).

Outro aspecto importante verificado no processo de adaptação para o contexto brasileiro da CRQ-S foi a natureza de invariância nos aspectos configurais, métricos e escalares do instrumento. De acordo com Damásio (2013), o teste de invariância é um "refinamento de instrumentos psicométricos" que possibilita comparações sem distinção para variáveis invariantes, no caso deste estudo, recursos individuais de carreira entre homens e mulheres. Tal aspecto é um norteador importante para futuros estudo que desejem compreender variações de recursos individuais de carreira e preditores de sucesso de carreira entre gêneros. No que tange às intervenções, sugere que, quando tiverem como foco o desenvolvimento dos recursos de carreira avaliados, o uso do CRQ-S para acompanhar com evidências positivas avaliações entre homens e mulheres, sendo até o momento deste estudo o único instrumento disponível com tais características.

Os recursos avaliados pelo questionário estão associados a diversos temas de interesse da psicologia vocacional. Considerando as dimensões de recursos de capital humano (que engloba autoeficácia profissional) e recursos de exploração na carreira e clareza na carreira, o CRQ-S pode ser utilizado como ferramenta para estudar o processo de decisão na carreira (Teixeira & Gomes, 2005), além de comportamentos de busca por emprego e inserção profissional (Magalhães & Teixeira, 2013).

Os comportamentos de gestão de carreira são, por sua vez, um parâmetro para análise de engajamento com a carreira em universitários no processo de transição universidade-trabalho (Assumpção & Oliveira, 2018), assim como podem contribuir para explorar as relações de antecedência de crenças de carreira sobre a transição do ensino superior para o trabalho (Barros, 2018) a partir de recursos de carreira. Nesta direção o QRC-S pode servir como ferramenta diagnóstica dos recursos de carreira que os indivíduos percebem ter para lidar com fenômenos relacionados ao processo de orientação e planejamento de carreira.

As pesquisas que tomam como base a teoria de recursos de carreira podem apresentar contribuições às discussões sobre a importância da formação no ensino superior, além de permitir identificar as competências associadas ao desenvolvimento das habilidades dentro de diferentes áreas de formação (Marinho-Araújo & Almeida, 2016), bem como fundamentar intervenções focadas na construção de competências necessárias inserção profissional dentro dos atuais contextos do mundo do trabalho.

Quanto à natureza dos modelos estruturais testados, os melhores modelos adaptados ao estudo, M1 (modelo correlacional de doze dimensões) e M2 (modelo hierárquico de quatro traços latentes e doze dimensões), obtiveram resultados semelhantes ao obtidos no estudo de construção da CRQ-S (Hirschi et al., 2018). De uma perspectiva compreensiva, M1 viabiliza a análise por características mais ideográficas dos recursos individuais em termos das doze dimensões constituintes, podendo ser um indicador importante para avaliações específicas sobre os níveis de recursos associados ao processo de desenvolvimento de carreira. Permitiria, por exemplo, explorar os conteúdos contemplados por cada subescala a fim de promover reflexão e ações específicas a fim de contribuir para o desenvolvimento de habilidades necessárias à compreensão, inserção e manutenção de um indivíduo no mercado de trabalho.

Por sua vez, o modelo hierárquico de quatro dimensões (M2) (recursos de capital humano, recursos contextuais, recursos motivacionais e comportamentos de gestão de carreira) viabiliza uma análise mais parcimoniosa e com um número menor de dimensões de recursos individuais de carreira, mostrando-se mais interessante para análise em conjunto com variáveis de outros modelos teóricos, em contextos de investigação científica, como o teste procedido com variáveis externas (ex. adaptabilidade, capital psicológico).

Por sua vez, o modelo hierárquico geral (um fator latente e doze subdimensões), mesmo com indicadores menos favoráveis que M1 e M2, obteve bons resultados, não sendo explorado neste estudo em profundidade, mas estando aberto para futuras pesquisas como uma possível direção para elaboração de um modelo unidimensional e/ou uma medida reduzida de recursos individuais de carreira.

As evidências convergentes encontradas entre as dimensões de recursos de carreira, adaptabilidade de carreira e capital psicológico sinalizam a importância dos recursos investigados tanto para área de psicologia organizacional e do trabalho quanto para a de orientação profissional e desenvolvimento de carreira. No primeiro caso, o uso do CRQ, na versão destinada a profissionais, pode ser indicado para avaliação das mesmas dimensões e subdimensões, com itens específicos do contexto profissional (Hirschi et al., 2018). Os resultados obtidos podem contribuir para auxiliar profissionais que se preparam para ou enfrentam transições de carreira, bem como para desenvolver ações capazes de promover maior protagonismo entre os trabalhadores. Em ambos os casos, o instrumento permite identificar pontos fortes e fracos em relação a diferentes recursos que podem ajudar as pessoas a alcançarem seus objetivos e, portanto, o sucesso em sua carreira. A partir disso, é possível elaborar intervenções específicas para aprimorar recursos com os quais os indivíduos já possuam ou que precisem desenvolver (Hirschi et al., 2018).

O CRQ-S pode ser usado ainda para avaliar a eficácia das intervenções de desenvolvimento de carreira realizadas individualmente e com grupos de profissionais. Quando empregado antes e depois de uma intervenção, este instrumento permite identificar quais os recursos foram, de fato, incrementados e quais foram menos afetados para cada indivíduo (Hirschi et al., 2018).

Embora as relações observadas com adaptabilidade de carreira e com capital psicológico não tenham sido fortes, sugerem que desenvolver os 12 recursos investigados pode contribuir para a característica de prontidão para enfrentamentos de transições profissionais (Ambiel, 2014; Ladeira, Oliveira, Melo-Silva, & Taveira, 2019), bem como para a gestão de carreira na atualidade (Audibert & Teixeira, 2015). As relações encontradas entre essa variável e todas as dimensões do CRQ-S, especialmente motivação e gestão de carreira, apontam a importância dos aspectos de envolvimento, confiança, clareza, networking, exploração e aprendizado na carreira com a prontidão para enfrentamento dos diferentes desafios da transição da universidade para o mercado de trabalho.

As relações encontradas entre as dimensões do CRQ-S O e o capital psicológico, por sua vez, evidencia que a natureza dos recursos avaliados neste estudo é diferente e indica a participação de um núcleo cognitivo, comportamental e afetivo otimizado por recursos individuais, relativos aos aspectos de esperança, eficácia, otimismo e resiliência (Salessi & Omar, 2017). Mais especificamente, apontam a relação existente entre recursos individuais avaliados e os domínios de carreira e trabalho, bem como suportam a perspectiva de medir, em algum nível, fenômenos com uma natureza comum. De acordo com Silva e De Andrade (2019), o capital psicológico, assim como a adaptabilidade de carreira, é preditor de variáveis relativas aos domínios de vida de trabalho e não-trabalho (sucesso de carreira, empregabilidade e satisfação com a vida). Sendo assim, a existência e o desenvolvimento de recursos de carreira podem favorecer percepções e expectativas positivas em relação a estes domínios nos universitários, sendo aspecto a ser considerado em intervenções de carreira destinadas a estes grupos.

As principais limitações desta pesquisa estão relacionadas à dificuldade de dispor e agrupar medidas suficientes em língua portuguesa que forneçam mais evidências convergentes e divergentes de construto. A não representatividade da amostra também impediu a comparação de como fatores de recursos de carreira variam para diferentes grupos (ex. classe social, etnia e área de formação).

Pesquisas futuras podem se debruçar sobre essas questões e levantar mais evidências que confirmem ou questionem a validade do questionário. Podem ainda avaliar se, em estudantes, os recursos de carreira predizem construtos associados a resultados como sucesso de carreira, empregabilidade, equilíbrio trabalho-família, burnout, adição ao trabalho e outras dimensões da carreira relacionadas ou não ao trabalho. Pesquisas longitudinais podem oferecer insights sobre o desenvolvimento e os processos de perda e ganho de recursos no tempo.

Em uma análise geral, o presente estudo apresenta um novo modelo teórico (recursos individuais de carreira) e uma medida (CRQ-S) que podem colaborar grandemente para a área de pesquisa e para a orientação profissional e de carreira de universitários. A proposição inicial de Hirschi (2012), com base no modelo de conservação de recursos (Hobfoll, 1989), defende que os recursos individuais são diferentes entre indivíduos e evidencia sua capacidade para predizer o sucesso objetivo e subjetivo de carreira.

 

Considerações Finais

O presente artigo teve como objetivo principal adaptar para o contexto brasileiro o Questionário de Recursos de Carreira para Estudantes (CRQ-S) desenvolvido por Hirschi et. al (2018), além de levantar evidências iniciais de validade e precisão, bem como realizar o teste de invariância configural, métrica e escalar do construto entre homens e mulheres. Os resultados permitiram observar que a estrutura para avaliar tais recursos se mantém no contexto brasileiro. Apresentaram ainda evidências sobre suas relações com o capital psicológico e, principalmente, com a adaptabilidade de carreira. Esse conjunto de achados sugere que futuras investigações com o modelo de recursos individuais de carreira podem avançar para perspectivas de investigação de relacionadas à adaptação à vida universitária, promoção de saúde e desfechos positivos.

Por fim, é importante destacar que o modelo apresentado oferece um quadro de recursos relacionados a diversos aspectos do desenvolvimento da carreira, e capazes de contribuir para sua compreensão e desenvolvimento. Sendo assim, o Questionário de Recursos de Carreira pode se mostrar uma ferramenta útil para fomentar modelos de intervenção, aprendizagem e aquisição de recursos, ou ainda, orientarem prática e políticas de gestão de carreira no contexto universitário.

 

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Recebido em: 06/04/2020
Reformulado em: 27/07/2020
Aceito em: 23/08/2020

 

 

Notas

* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (2013). É mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES.
** Coordena o Laboratório de Avaliação e Mensuração Psicológica-LABAMP e Projeto Carreira na UFES. Vice-presidente da ABOP.
*** Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia, responsável pelo Grupo de Estudos em Desenvolvimento de Carreira da PUCRS. Presidente da ABOP.

 

Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa pela bolsa de produtividade em pesquisa do segundo autor (CNPq No. Processo (308323/2018-1). Com apoio parcial do edital Universal FAPES 2019 (37362.587.18641.14092018).

 

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