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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

        20--2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.80238 

DOSSIÊ PSICANÁLISE E POLÍTICA: A INSISTÊNCIA DO REAL

Hic Sunt Dracones: Algumas Considerações sobre a Psicanálise e a Obra de Frantz Fanon

Hic Sunt Dracones: Some Considerations on Psychoanalysis and the Work of Frantz Fanon

Hic Sunt Dracones: Algunas Consideraciones sobre el Psicoanálisis y la Obra de Frantz Fanon

Ismael Leonardi Salaberry* 

Psicólogo. Doutorando em Psicologia (PGPSI/UFMG). Mestre em Psicanálise (PPGCLIC/UFRGS). Especialista em atendimento clínico (UFRGS).


http://orcid.org/0000-0001-8685-6931

Marta Regina de Leão D'Agord** 

Professora titular da UFRGS. Possui Graduação em Psicologia, Mestrado em Filosofia (1994) e Doutorado em Psicologia pela UFRGS (2000).


http://orcid.org/0000-0003-0379-5323

*Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

**Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFGRS, Porto Alegre, RS, Brasil


RESUMO

Esse artigo tem como objetivo propor algumas reflexões sobre a psicanálise e a obra de Frantz Fanon, tomando como inquietação inicial um conjunto de cartas publicadas por psicanalistas na França sobre o tema da decolonialidade. Em um primeiro momento, detalhamos de forma breve o teor da discussão francesa, o conteúdo das cartas e alguns dos seus variados efeitos, assim como parte do contexto francês em que o debate se inicia. Partindo em seguida para um desenvolvimento sobre algumas das elaborações fanonianas sobre o tema da identidade, do humanismo e do universalismo - conceitos densamente presentes no debate francês. Na sequência, enfocamos alguns dos modos como a psicanálise aparece na obra desse autor, a fim de destacar algumas das questões que consideramos fundamentais de serem observadas em seus escritos, e em conjunto das discussões sobre decolonialidade e psicanálise. Dessa maneira, busca-se, a partir de nossa produção, tensionar e colaborar para o debate das possíveis contribuições da teoria de Fanon para o campo psicanalítico.

Palavras-chave: psicanálise; Frantz Fanon; identitarismo; branquitude.

ABSTRACT

This article aims to propose some reflections on psychoanalysis and the work of Frantz Fanon, starting with an initial concern regarding a set of letters published by psychoanalysts in France on the topic of decoloniality. In the first part, we briefly outline the content of the french discussion, the contents of the letters and some of their various effects, as well as part of the french context in which the debate begins. Moving on to a discussion of some of Fanon's elaborations on the themes of identity, humanism, and universalism - wich are concepts densely present in french debate. We then advance to examine some of the ways psychoanalysis appears in Fanon's work, aiming to highlight some of the issues we consider fundamental to be observed in his writings, in conjunction with discussions on decoloniality and psychoanalysis. Through our production, we seek to engage and contribute to the debate on the potential contributions of Fanon's theory to the field of psychoanalysis.

Keywords: psychoanalysis; Frantz Fanon; identity; whiteness.

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo proponer algunas reflexiones sobre el psicoanálisis y la obra de Frantz Fanon, partiendo de una preocupación inicial en torno a un conjunto de cartas publicadas por psicoanalistas en Francia sobre el tema de la descolonización. En la primera parte, delineamos brevemente el contenido de la discusión francesa, el contenido de las cartas y algunos de sus diversos efectos, así como parte del contexto francés en el que comienza el debate. Luego, pasamos a discutir algunas de las elaboraciones de Fanon sobre los temas de identidad, humanismo y universalismo, conceptos densamente presentes en el debate francés. Avanzamos luego para examinar algunas de las formas en que el psicoanálisis aparece en la obra de Fanon, con el objetivo de resaltar algunos de los problemas que consideramos fundamentales para ser observados en sus escritos, en conjunto con las discusiones sobre descolonización y psicoanálisis. A través de nuestra producción, buscamos participar y contribuir al debate sobre las posibles contribuciones de la teoría de Fanon al campo del psicoanálisis.

Palabras clave: psicoanálisis; Frantz Fanon; identidad; blanquitud.

Na cartografia medieval era comum que figuras mitológicas, como dragões ou serpentes gigantes, fossem representadas nas extremidades dos mapas do mundo. Elas eram um alerta sobre lugares sobre os quais não se tinha informações e que representariam perigos em potencial para o navegante que para lá se dirigisse. Eram lugares desconhecidos cujas únicas narrativas possíveis se davam a partir da imaginação e da construção de mitos.

A construção de monstros para representar o desconhecido não é exclusiva das épocas passadas e, apesar de não termos mais hidras nos nossos mapas geográficos, ainda as temos em outras cartografias cotidianas: quando o bicho-papão assume, por exemplo, um papel nas narrativas infantis; quando, no interior do país, fala-se em lobisomens para narrar acontecimentos sem explicações. Essas são situações em que, frente a questões oriundas de um elemento desconhecido, ininteligível, apresentamos desfigurações do humano como uma forma de interpretação e representação.

É preciso criar narrativas e a fantasia, a imaginação e o sonho são fontes preciosas para o encontro dessas. Contudo, não são exclusivas desses campos, pois mesmo a razão, muitas vezes, esconde por trás do discurso lógico alguns “monstros” e “desfigurações”. Quando se fala em epidemia trans 1, nos perigos da ideologia de gênero 2 ou dos lugares de fala 3, no declínio do pai como figura de autoridade 4 ou em qualquer frase de efeito sobre o fim dos tempos conhecidos, não estamos dizendo também hic sunt dracones?

Em uma tradução, a frase seria algo como: aqui há dragões. Frase que poderíamos transcrever para aqui há perigos. Perigos que se apresentam ao modo de não saber, como impossibilidade de dar nome e de falar sobre, de dar coordenadas, ou seja, perigos sobre os quais não temos ainda como dar bordas a não ser a partir de descrições míticas. Descrições que se apresentam como terroríficas, porque abalam aquilo que temos instituído seja sobre o mundo ou sobre nós mesmos, nossa identidade, nosso eu. Há, com isso, uma busca para erradicar todas as zonas do não-sabido e até mesmo para erradicar qualquer tipo de alteridade que ameace a integridade das existências tomadas como o padrão, aquelas brancas, cisgêneras, heteronormativas, masculinas etc. Uma erradicação que vai se dar até sobre os corpos: a partir da necropolítica (Mbembe, 2016), exterminam-se vidas; ao passo que, a partir da discursividade tecno-científica (Preciado, 2018), aprisionam-se outras. Tomando posse do destino de certos corpos e lhes dando forma com base em uma normopatia padrão, com "selo de garantia".

Um desses lugares que os psicanalistas marcam em seus mapas com exclamações de perigo é o embate teórico em relação ao que se configurou chamar de movimento decolonial 5, que não é único e uniforme, mas oriundo de um campo composto por vários outros movimentos como as teorias descoloniais, pós-coloniais etc. Uma cartografia de perigos feita por atos, como o acontecido em setembro de 2019, na publicação de uma carta aberta assinada por 80 psicanalistas no jornal Le Monde intitulada: “O ‘pensamento decolonial’ reforça o narcisismo de pequenas diferenças”. Em que denunciam a existência de um perigoso mal por trás do pensamento decolonial e das teorias pautadas em lógicas supostamente identitárias, principalmente, vinculadas às questões da raça e da religião.

Para traçar algumas considerações sobre essa carta, assim como a construção desses dragões contemporâneos, tomamos o seu texto, junto a algumas de suas repercussões e contrarrespostas. Com base nesse cenário, nos orientamos metodologicamente em uma revisão bibliográfica das elaborações desenvolvidas por Frantz Fanon, autor citado textualmente no material analisado e que aparece de forma sistemática nas discussões sobre esse tema. Lido como referência central na discussão sobre os atravessamentos da psicanálise e da colonização, seu pensamento sobre e em conjunto com a psicanálise é, além do mais, objeto de disputa direta.

No desenvolvimento desse artigo, em adição da revisão bibliográfica citada, também nos propomos a refletir sobre alguns dos modos como a psicanálise participa e é afetada pela colonização, assim como pelas narrativas realizadas sobre o mundo, buscando demonstrar os modos pelos quais certas categorias, como a universalidade e a humanidade, são apropriadas de modo a criar e sustentar certos tipos de realidades e indivíduos. Traçando, junto a essa discussão, possíveis contribuições da obra de Frantz Fanon ao debate psicanalítico em torno do tema da colonização e das lutas em torno de categorias identitárias.

O “Pensamento Decolonial” e a Psicanálise

O debate entre o campo psicanalítico e questões ligadas a colonização não é novo, esse assunto faz-se presente em obras clássicas como Pele Negra, Máscaras Brancas de Frantz Fanon (1952), como também em produções contemporâneas, como nos textos organizados por Guerra e Lima (2021) no livro A Psicanálise em Elipse Decolonial. Verifica-se, portanto, que não é um debate novo e nem alvo do desinteresse dos psicanalistas, mas que ainda é objeto de inúmeras dificuldades - tanto metodológicas e epistemológicas, como também políticas. A carta escrita pelos 80 psicanalistas, publicada em 2019, carrega consigo esses problemas e, ao seu modo, acaba, aos moldes do citado em nossa metáfora inicial, criando uma série de alertas de que aqui há dragões.

Afirmando a existência de um suposto identitarismo, ou seja, de uma obsessão de certos grupos com a própria identidade, os assinantes/signatários da carta vão alegar que, sob o pretexto de uma aparente luta antirracista e defesa de um mundo não colonizado, os identitaristas estariam, na verdade, impondo uma série de ideologias racistas ao campo do conhecimento e à sociedade de forma geral. Imposição que, segundo os autores/signatários, a partir da perversão da linguagem e do significado das palavras, estaria corrompendo o reconhecimento da alteridade e a defesa da universalidade.

Ideologias racistas causadas, por exemplo, pela reintrodução da raça como uma categoria social, o que estigmatizaria e culpabilizaria a população branca pela colonização e seus efeitos, e, também, vitimizaria as não brancas. Dessa forma, o pensamento proposto por esses grupos identitários, negaria a complexidade psíquica dos indivíduos, não ofertando o real reconhecimento da história não contada de certos povos e seus traumas que impediriam sua transmissão; como também estaria em afirmação de uma “ideologia com sugestões totalitárias”, difundida a partir de técnicas de propaganda. Movimento que, para os signatários da carta, causaria a negação do que faz a própria singularidade do indivíduo, negando o singular da subjetivação em prol de uma identidade sempre marcada pelo determinismo sociocultural, relegando a segundo plano (se não ignorando) a primazia da experiência pessoal. Sacrificando a lógica da identificação em prol da identidade única e radical, de uma essencialização do indivíduo, negando, então, o que seria a “especificidade do humano”, sua possível pluralidade, idiossincrasia.

Esses psicanalistas fazem em sua carta um apelo a “um esforço de memória e pensamento crítico a todos aqueles que não apoiam mais essas lógicas comunitaristas e discriminatórias”, lógicas de atribuição de identidades que, ao vincularem os indivíduos a categorias étnico-raciais ou religiosas, antes aprisionam que libertam, reiterando os mesmos processos que buscam confrontar. Finalizam sua carta com a defesa de uma psicanálise que se opõe às ideologias de homogeneização e massificação. Afirmando a psicanálise como um “universalismo” e um “humanismo” que não suportaria enriquecer os narcisismos das pequenas diferenças, na medida em que a psicanálise visa “uma palavra verdadeira em favor da singularidade do sujeito e de sua emancipação” (Guerra & Lima, 2021, n.p.). Isto é, trata-se da afirmação de uma psicanálise contra identitária.

Chegam a pontuar em determinado momento do texto que esses grupos identitários se desviam das próprias teorias das quais pretendem estar engajados. Como, por exemplo, a teoria de Frantz Fanon, que, ao contrário de tais grupos, supostamente, reconheceria a alteridade e defenderia a universalidade. Pode-se dizer que a carta aberta é uma tentativa, por parte desses autores, de defender um certo modo de entendimento sobre as coisas do homem, de funcionamento das relações interpessoais, de circulação do saber, de disputa teórica e até mesmo de luta política, assim como, de desacreditar uma série de movimentos políticos que hoje são realizados tanto na França, como mundo afora.

A questão da identidade é um debate sério e as lutas políticas em torno de tal tema podem, sim, apresentar armadilhas, como argumenta Asad Haider (2018). Contudo, ao generalizar e não apontar especificamente de que pessoas, eventos e discursos se está fazendo referência, cria-se a ideia, mesmo que implicitamente, de que todo movimento contra colonial carregaria consigo uma luta identitária racista. Pois, mesmo que exista um movimento como o que apontam, esse não seria o suficiente para tecer uma generalização sobre todos os movimentos que se assemelham pela questão da identidade.

Os comentários feitos pelos 80 psicanalistas não ficaram sem resposta, gerando uma série de discussões. Em outra carta aberta, publicada pelo jornal Libération em outubro de 2019, assinada por um grupo de mais 150 psis e intelectuais, esses vão afirmar, em resposta ao apresentado pelos 80 psicanalistas, que é papel da disciplina psicanalítica trabalhar para conhecer a diversidade do corpo social em que está inserida, buscando suas múltiplas determinações e narrativas ao invés de negá-las ou atacá-las. Pontuando que a psicanálise, como campo de saber, ao contrário do feito na carta anterior, deveria realizar um movimento em busca de diálogo e integração entre saberes que apresentem novas perspectivas críticas para os campos em contato; fazendo, com isso, que qualquer emergência de possíveis atribuições identitárias alienantes, que preocupam tanto os assinantes da carta anterior, acabassem frustradas. E, nesse sentido, é importante salientar que, para esses autores, não se tratará de frustrar somente uma possível teoria alienante oriunda das teorias decoloniais ou antirracistas, por exemplo, mas também frustrar lógicas alienantes situadas dentro da própria teoria psicanalítica. Os autores da carta dos 150 psis não deixam de denunciar um caráter também identitário na carta dos 80.

Ainda nessa resposta, os signatários apontam que o movimento dos 80 psicanalistas não se trata de algo novo, pois sua escrita teria como origem e ponto de apoio uma outra carta aberta, publicada pela revista Le Point em 2018, em que, também 80, mas dessa vez filósofos e intelectuais franceses, denunciavam uma hegemonia perigosa do decolonialismo nas instituições. Nessa carta, os 80 intelectuais, afirmavam, de modo similar aos psicanalistas, que embora certos grupos se apresentassem enquanto progressistas, antirracistas, feministas etc., na realidade estariam escondendo um trabalho de desvio das lutas pela emancipação e liberdade, em prol de objetivos contrários a esses, sendo eles o racialismo, diferencialismo, segregacionismo pela cor de pele, sexo, religião; objetivos que impediriam um suposto universal de se tornar realidade.

O argumento central desses 80 intelectuais era que o movimento decolonial, ao ser combativo às publicações e às pessoas que consideram, por algum motivo, racistas ou machistas etc., estaria impedindo o uso da liberdade de expressão, questão supostamente fundamental para a intelectualidade e o desenvolvimento próprio da academia. Contudo, apesar das semelhanças entre ambos os documentos de 80 assinaturas, se o de 2018 apresentava, principalmente, um tom crítico a um movimento intelectual e seus modos de funcionamento, o de 2019 não só critica, como também aciona os alarmes de defesa de uma suposta humanidade a qual devemos de alguma forma proteger como psicanalistas. Alarmes que soam, segundo os 150, por conta da revelação que se torna cada vez mais explícita na cena social, a saber, de um impensado pelos psicanalistas, isto é, de algo que contesta suas próprias narrativas - portanto, como defesa não da humanidade, mas de um tipo específico de humanidade.

Ao fazerem sua crítica à “enganosa ideologia identitária”, aquilo que os 80 psicanalistas supõem é a ideia de que, ao movimentar-se politicamente tendo como eixo a questão das identidades, as questões que dizem de um sujeito racializado, de um sujeito atribuído de um gênero, sexualidade e classe; estariam corrompendo uma suposta universalidade e um suposto humanismo. Como se a constatação dos efeitos de um tipo de racialização ou atribuição de gênero, por exemplo, causasse a alienação dos sujeitos de suas singularidades e potencialidades. Não pontuam, contudo, como a própria ideia de humanidade e universal que defendem faz parte de uma ideologia vigente.

Sobre isso, junto aos comentários desses 150 e também em uma contra resposta aos 80 psicanalistas, Thamy Ayouch, em um texto para o jornal Libération, em outubro de 2019, afirma que o paradoxo que os autores não querem abordar em sua carta aberta é que, apesar da raça não existir como conceito biológico, os seus efeitos políticos e sociais não são menos reais e importantes. O autor também argumenta que falar sobre raça, gênero, sexualidade e outras categorias de opressão é uma questão fundamental à psicanálise, afirmando que, se as minorias racializadas constituem grupos uniformes, é apenas pelos processos discriminatórios de que são objeto, já que não têm entre si qualquer homogeneidade identitária, com exceção daquela criada pela inferiorização e pelas atribuições negativas atribuídas pelos outros.

Longe de ser uma reintrodução da raça, falar em racialização, portanto, seria marcar a existência de um racismo estrutural na sociedade, que é independente do racismo intencional, psicológico ou mesmo ideológico de certos indivíduos ou instituições situadas em um determinado tempo. Racismo estrutural na sociedade que definirá, mesmo sem o auxílio ativo de membros da sociedade, ou seja, de sujeitos racistas, lugares e identidades diferenciadas para os diferentes indivíduos, posições que se dão distintamente na hierarquia social a partir do lugar de poder ocupado por certos grupos sociais. Como diz Ayouch (2022): “raça, diferenças Norte-Sul, desigualdades e discriminações na migração, no acesso ao trabalho, moradia, treinamento, promoção social, não desaparecem por um pensamento mágico” (p. 181).

Tal debate não se encerra aí, há outras respostas e, dessa forma, faz parte de um campo amplo de disputas envolvendo intelectuais e psicanalistas. No contexto francês em que essas cartas ganham forma, há uma participação ativa de psicanalistas nos debates públicos e uma divisão de longa data entre grupos que vão disputar sobre desde temas como a possibilidade da adoção de crianças por casais homoparentais, até a escolha do melhor presidente. Assim como a crítica ao suposto identitarismo e a recusa em considerar as críticas à colonialidade, há, entre os psicanalistas franceses, os mais variados tipos de conservadorismo, que vão recusar sistematicamente as mais variadas demandas políticas, sempre em defesa de um certo estado de coisas e de um tipo humano.

Nessa direção conservadora de pensamento é importante incluir a publicação, ainda em 2021, do livro Soi-même comme un roi por Élisabeth Roudinesco, traduzido em 2022 para o mercado brasileiro como O Eu Soberano. Nesse livro, a autora assume a fórmula da acusação identitária, denunciando os perigos de um suposto identitarismo cada vez mais presente nos mais variados campos do saber ou, como vai chamar e dar título ao seu livro, um desejo de certos indivíduos em verem a si mesmos como reis.

A historiadora francesa ratifica, portanto, a mesma premissa de que, ao falarmos sobre os temas da racialidade, do gênero, sexualidade etc., estaríamos corrompendo o universal, a humanidade e a própria potência de progresso da sociedade. Afirmando que teorias sobre o hibridismo, os estudos subalternos, pós-coloniais, etc., são apenas reconduções a categorias imutáveis, à psicologia dos povos e ao binarismo social; essas que tornando, segundo a autora, os “oprimidos desafortunados, mudos, fetichizados, petrificados num papel que não é o deles, tornam-se cobaias de uma teorização que os despoja do seu desejo de emancipação” (Roudinesco, 2022, p. 166), seriam a fundação de uma loucura identitária que teria como plano de fundo a construção de um reino identitário, comandado por uma realeza de híbridos e onde brancos e ocidentais estariam presos enquanto algozes, criminosos contra a humanidade.

Em uma entrevista de divulgação de seu livro, em 2021, Roudinesco, fazendo eco ao modo de pensar de alguns dos autores que citamos em nota na abertura desse artigo, vai ainda afirmar a existência de uma epidemia de pessoas trans acontecendo mundialmente. Falas da autora que tiveram como resposta de Preciado (2021) a acusação de fazerem parte de uma máquina neoliberal que tenta barrar o avanço incontornável dos processos contra coloniais e o fim do patriarcado. Preciado (2021) afirma: “não há muitas pessoas trans, mas sim muitos psicanalistas que são guardiões da norma” (tradução nossa, n.p.).

As elaborações de Roudinesco e a resposta de Preciado repetem sistematicamente a lógica presente nas cartas destacadas aqui: de um lado, uma psicanálise conservadora em defesa de uma certa humanidade; e, de outro lado, uma proposta de psicanálise em diálogo com os debates atuais.

A Identidade, o Humanismo e o Universalismo em Frantz Fanon

O nome do martinicano radicado na Argélia, Frantz Fanon, é figura visível na argumentação dos mais variados intelectuais contemporâneos sobre a questão do racismo, da identidade e dos mecanismos coloniais. Citado por diversos dos intelectuais e psicanalistas nas cartas aqui citadas, como parte de uma série de argumentos sobre a questão do identitarismo, do racismo e da psicanálise. O autor é usado como elemento tanto de densa argumentação, como também em diversos argumentos que o contradizem de forma direta. A disputa sobre a obra do autor, como Faustino (2015) nos mostra, é ampla e diversa, mas nas discussões que aqui introduzimos, aparece um certo paradoxo: se, por um lado, Fanon serve como argumento em prol de certo humanismo e universalismo; por outro, serve justamente como argumento em prol da falácia de tal humanidade e universalidade. Para os psicanalistas contra identitários, o autor seria a epítome de uma sociedade sem raças, universal e radicalmente humana. Contudo, tais argumentos se comprovam na leitura atenta de seus textos?

Frantz Fanon, em 1952, no livro Pele negra, máscaras brancas, faz um extenso desenvolvimento sobre o negro e sua construção a partir da colonialidade; e suas relações com o branco, construído também a partir dessa. Para Fanon (1952/2020a), há uma construção de mundo a partir da colonização que tece, para o negro, uma condição de existência em um regime de outridade ao branco - considerado o sujeito universal do discurso colonial. A partir de Sartre, o autor aponta que há um campo de não-ser que situa como “uma região extraordinariamente estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um autêntico ressurgimento pode acontecer (p. 26), ao qual é negado o acesso à maioria dos homens negros. Para estes, a única posição possível de ocupar é aquela do específico, a de ser um homem negro.

A partir da psicanálise freudiana e a ideia de individualidade, o autor martinicano vai apontar que a alienação do negro não é apenas uma questão individual, agregando a ela o conceito de sociogênese para além das noções biológicas de ontogênese e filogênese, presentes em Freud. Acréscimo importante, visto que, para a conceitualização de Fanon (1952/2020a), os modos como a sociedade se organiza, principalmente os modos coloniais, vão ser fonte de subjetivações e de sofrimentos específicos 6.

Foco incessante de sua atenção, a organização colonial da sociedade será um tema central de praticamente todos os seus textos. Segundo o Fanon (1952/2020a), junto a uma sociedade e a sua dita superioridade, é necessário que se institua também a inferioridade de outra. Para que haja civilização, é preciso que haja espaços colocados como primitivos. Para ele, “a inferiorização é o correlato nativo da superiorização europeia” (p. 90) e vai afirmar que “precisamos ter a coragem de dizer: é o racista que cria o inferiorizado” (p. 90). Ideia oriunda de uma aproximação à Sartre, de quem cita a frase: “É o antissemita que faz o judeu” (p. 90).

Esse ponto é importante para Fanon (1952/2020a), na medida em que é, a partir dessa relação entre superior e inferior, do negro com o outro - o branco -, que vão se estabelecer muitos de seus argumentos, já que é, na outridade ao branco e na alienação aos discursos do colonizador que incidirão muitas das questões a que irá se dedicar durante o livro. Alienação que fará parte de formas de sofrimento e de subjetivação específicas. Alienação que, para o autor, dar-se-á no próprio termo “negro” na medida em que tal designação não lhe diz de uma condição natural ou essencial, mas do próprio processo colonial que lhe situa em um lugar específico. Lugar marcado por uma série de situações que vão evidenciar para o negro que, por mais que ele se enquadre aos moldes europeus, jamais estará de fato como um igual dentre os brancos. No uso da linguagem, nas mais variadas situações, no apontar das pessoas sobre a sua cor, nas próprias telas de cinema e nas formas dadas sobre o negro na cultura, este vai encontrar incessantemente uma imagem distorcida sobre a sua negritude, uma imagem construída pelo branco.

Ponto que pode passar sem que nos atentemos mais densamente é que, para Fanon (1952/2020a), o próprio branco que distorce reiteradamente a imagem do negro é tão constituído pelo colonialismo quanto esse. O branco, afinal, só surge enquanto categoria ideal no momento em que há o negro a quem se projeta tudo que há de mal de si próprio. A condição da branquitude 7, da brancura como sinônimo de superioridade e avanço, depende da existência e permanência do negro no lugar que lhe é atribuído. Assim, a branquitude depende do corpo do negro para se efetivar em sua condição.

O negro, ou qualquer um que possa se apresentar enquanto diferencial, ocupa o lugar de bode expiatório, de duplo maligno do eu bom, para a sociedade civilizada. Assim, para o autor, o negro é quem acaba sofrendo mais em tal processo, por ser figurado enquanto representante do mal. É fundamental ainda lembrar que isso se dá pelo fato de que a materialidade de sua diferenciação estar em sua pele, portanto sempre visível 8.

Fanon (1952/2020a), ao narrar sobre a sua vivência de elaboração do seu próprio corpo, afirma que, para além de estabelecer um esquema de orientação corporal, acabou construindo junto a este um esquema histórico-racial. Diz ele: “os elementos que utilizei não me foram fornecidos pelos ‘resíduos de sensações e percepções de ordem sobretudo táctil, espacial, cinestésica e visual’, mas pelo outro, o branco, que os teceu para mim através de mil detalhes, anedotas, relato” (p. 105). Destacando o modo como era apontado como um preto, evidencia o modo como seu corpo não era somente uma entidade fisiológica, a qual cabe se dar ordem junto a uma unidade corporal, mas um corpo antropofágico, primitivo, símbolo do mal, mentalmente atrasado, fetichizado, sexualizado, escravizado, um corpo sobretudo de um y’a bon banania. Sentenças que dizem de imagos reproduzidas reiteradamente pelos discursos aos quais os próprios negros não ficavam imunes.

Sobre tais problemas, com a imago do corpo negro, Fanon (1952/2020a) aborda a questão do duplo narcisismo. Partindo da ideia de dupla consciência, conceito que encontra em Du Bois, afirma que o negro em uma sociedade racista passa a se ver pelo olhar distorcido do outro. O autor vai apontar que o negro, na tentativa de romper com a dupla consciência oriunda do colonialismo, investe sobre sua própria identidade de negro narcisicamente. Um investimento narcísico densamente criticado no decorrer do livro pelo autor, principalmente, por conta das fixações que este pode acarretar uma identidade que é, justamente, fruto da colonialidade. Contudo, não colocando esse investimento sobre si como mera solução narcísica, o autor destaca a importância desse processo libidinal como possibilidade de construção de uma real desalienação futura. Pois, rompendo com a imago fixa imposta pelo colonialismo, o negro pode se colocar num processo dialético que tem como horizonte o rompimento, não só, com a idealização branca, mas, também, com a própria negritude.

Há, em Fanon, uma aposta em um verdadeiro universal humano que deve ser colocado como perspectiva de todo processo de desalienação a fim de que esse não se torne somente um identitarismo ou que somente inverta as organizações sociais. Sobre tal processo dialético é importante ressaltar que, o autor, ao comentar sobre Hegel e a dialética entre o senhor e o escravo, aponta que o negro não chega a ocupar um lugar propriamente dentro desse processo. Para Fanon (1952/2020a), não há a possibilidade de um giro dialético no sentido hegeliano dentro da estrutura colonial, tendo em vista que o colonizado não é um servo para o senhor, mas apenas um instrumento substituível por qualquer outro que realize sua função.

Como salienta Faustino (2020), o colonialismo apontado por Fanon coloca o negro e o colonizado, de modo geral, abaixo do dominado pela burguesia nas sociedades europeias. O trabalhador, nos processos de alienação capitalista, não é em si a mercadoria, mas é a função de trabalho que este desempenha que o é, e o giro dialético aqui se realiza, pois, para além de vender seu trabalho, quem trabalha, precisa servir como consumidor - como sujeito do sistema capitalista. Ao passo que o colonizado não precisa participar de tal sistema capitalista para além de sua função de instrumento e máquina.

Contudo, é preciso entender ainda mais o que de fato significaria a aposta de Fanon em um real processo de desalienação e alcance do real humano e do real universal. Como fica evidente em sua obra, se o homem branco cria o negro, ele não só institui uma diferença racial pautada pela cor, mas também pela sexualidade, pelo esquema corporal, pelas potencialidades, capacidades e todas as coisas que puder usar para se diferenciar, inclusive a partir da própria ideia de humanidade e de universalidade.

Para Frantz Fanon, tal realização do homem terá efeitos tanto para o indivíduo alvo de sua desqualificação, quanto para o próprio branco, como já mencionado. A brutalização, como nos lembra Césaire (1955), afeta todos os envolvidos no processo de coisificação do homem. Sendo, portanto, necessário um trabalho que não somente olhe para um dos lados da equação ou se preocupe somente com um tipo de sujeito, aquele violado pelo regime colonial. Mas, também, um trabalho que também se preocupe com o violador e com a representação do que há de mais atroz dentro dessa sociedade.

Em 1955, no texto Antilhanos e Africanos, Fanon (1955/2021b) elabora densamente a questão da valorização do negro e aquilo que vê como um problema do uso da racialidade como horizonte de libertação. Sua perspectiva sobre a valorização do negro ocupa um espaço quase que dialético em sua obra, tendo uma dupla posição, em que tanto comenta sobre a importância do saber-se negro, como também realiza uma aposta rumo a uma outra humanidade, uma em que a raça - dispositivo colonial por excelência - deixe de existir.

A dualidade entre a valorização e a extinção da raça que, nesse texto (Fanon, 1955/2021b), será abordada pela mudança perceptiva racial entre os antilhanos. Fanon irá ampliar a questão ao destacar o fato de que, ao falar sobre um povo negro de modo amórfico, estariam, aqueles que o fazem, arruinando qualquer possibilidade de uma expressão individual dos assim identificados. Contudo, mesmo que possamos traçar um paralelo entre o que Fanon afirma e aquilo que é defendido por algumas das cartas que abrem nosso texto, precisamos estar atentos ao que de fato o autor irá desenvolver.

Para o autor (Fanon, 1955/2021b), quando se afirma a existência de um povo negro, também se presume a existência de um sistema de significados comuns, em que há tanto certo acordo sobre certas questões coletivas, como certa comunhão, que não condiz com a realidade entre aqueles reconhecidos como negros. Fanon por outro lado, tentará evidenciar a existência de uma africanidade comum, quando dirá “que haja um povo africano, nisso eu creio” (p. 55), reconhecendo, contudo, que se trata de uma ficção política e filosófica, mas é uma concessão ao pensamento que lhe é útil naquilo que tenta propor em sua obra. Para ele, a raça opera como uma superestrutura que dá uma cobertura ideológica a uma realidade econômica. É criação dessa realidade. Não sendo, portanto, uma categoria útil na luta contra o colonialismo.

Contudo, Fanon, ao contrário daqueles que fazem uso de argumentos semelhantes para desacreditar os movimentos negros, aproveita esse conflito para vislumbrar o que parece ser um futuro para além da categoria racial, algo que será uma provocação constante em seu trabalho. Esse mesmo conflito parece tomar lugar em várias partes de sua obra. Em Pele Negra (1952/2020a), como já comentamos, o autor irá dar um grande destaque para a insuficiência de uma ilusão que substitua aquela do colonizador. Contudo, não se trata de um simples repúdio à negritude ou aos movimentos emancipatórios, como vemos em uma série de falas feitas por brancos usando de citações deslocadas de seu contexto. Aquilo que o autor tenta demonstrar é a insuficiência de tal processo de racialização e não sua inutilidade ou insignificância. Reconhecer-se negro é parte de uma tomada de consciência e de movimento emancipatório, que, para o autor, não pode se limitar no investimento das categorias desvalorizadas pelo branco. Não bastando a criação de um duplo narcisismo negro, que, como já mencionado nessa revisão, é visto de forma negativa por Fanon. O reconhecimento de si enquanto sujeito racializado é parte, não o todo, daquilo que para Fanon será de fato o fim do colonialismo e das mentiras brancas. Sua crítica ao uso da negritude e de termos como o povo negro, volta-se, portando, à imobilidade que essas categorias podem causar, dependendo de seus usos, e não a sua existência.

Os usos dessas críticas são múltiplos. Há um movimento de autores brancos que irá usar a crítica ao duplo narcisismo e à negritude implementada por Fanon, para descaracterizar todos os movimentos políticos e sociais supostamente identitários na forma de meros processos alienantes. Esquecem, contudo, que, se Fanon abdica de uma aposta na negritude, ele não abdica de modo algum da crítica aos brancos ou aos processos coloniais. Se a categoria ‘negro’ não dá conta, para o autor, de toda a expressão do povo africano, não é para dizer que negros não existem, mas para ampliar a crítica que faz ao colonialismo. Até porque não irá em nenhum momento de seu texto deixar de tecer uma crítica veemente ao colonizador e a sua brancura colocada como ideal. Se Fanon critica o uso da categoria negritude é de forma situacional, dentro de um quadro de análise específico e não de forma genérica sobre qualquer tipo de valorização sobre a identidade do negro, ou qualquer outro tipo de identidade.

A Psicanálise na Obra de Frantz Fanon

A teoria de Fanon, portanto, não dá suporte a um humanismo ou universal meramente idealizado e sem racialidade. Se o autor aborda o universal ou alguma possível humanidade, essa só se dá no movimento revolucionário de total abandono das categorias coloniais e dos lugares construídos pelos brancos europeus. Além disso, podemos olhar para o próprio modo como Fanon aborda a psicanálise. O uso da psicanálise para trabalhar essas questões aparecerá do início ao fim de sua obra. Em 1952, ele irá dizer que:

Sim, o inconsciente, eis que chegamos a ele. Mas não devemos extrapolar. Quando um preto me conta o seguinte sonho: “Caminho há muito tempo, estou muito cansado, tenho a impressão de que algo me espera, ultrapasso as barreiras e os muros, chego a uma sala vazia, e atrás de uma porta ouço um barulho, hesito antes de entrar, enfim tomo uma decisão e entro; há nessa segunda sala alguns brancos, constato que eu também sou branco”; quando tento compreender este sonho, analisá-lo, sabendo que este amigo tem dificuldades em se desenvolver, concluo que este sonho realiza um desejo inconsciente. Mas, fora do meu laboratório de psicanalista, quando tiver de integrar minhas conclusões ao contexto do mundo, direi:

1. Meu paciente sofre de um complexo de inferioridade. Sua estrutura psíquica corre o risco de se desmantelar. É preciso protegê-lo e, pouco a pouco, libertá-lo desse desejo inconsciente. 2. Se ele se encontra a tal ponto submerso pelo desejo de ser branco, é que vive em uma sociedade que torna possível seu complexo de inferioridade, em uma sociedade cuja consistência depende da manutenção desse complexo, em uma sociedade que afirma a superioridade de uma raça; é na medida exata em que esta sociedade lhe causa dificuldades que ele é colocado em uma situação neurótica.

Surge, então, a necessidade de uma ação conjunta sobre o indivíduo e sobre o grupo. Enquanto psicanalista, devo ajudar meu cliente a conscientizar seu inconsciente, a não mais tentar um embranquecimento alucinatório, mas sim a agir no sentido de uma mudança das estruturas sociais. (Fanon, 1952/2020a, p. 95)

Nesse momento de sua trajetória intelectual, o autor não somente se colocará enquanto um psicanalista, como também dará uma direção que permanecerá até sua última obra. Nessa, irá fazer análises que juntam a psicanálise e as análises sociais como fonte de entendimento sobre os casos e as situações vividas pelos seus pacientes (Fanon, 1961/1997). Modelo de trabalho que dará a Fanon, durante sua obra, uma compreensão ainda mais radical sobre os sofrimentos em meio a colonização, não ignorando o papel sexual inerente à subjetividade e sem deixar de considerar os fatores sociogênicos. Ambos parecem, inclusive, entrelaçarem-se em diversos momentos.

Se há uma crítica à psicanálise em seus textos, essa se dará junto a uma produção que não deixa nenhuma instituição, prática clínica ou psiquiátrica livre do olhar atento e questionador (Fanon, 1952/2021a, 1956/2021c, 1959/1980; Fanon & Azoulay, 1954/2020b). Frantz Fanon colocava em questão uma postura que, longe de ser exclusiva dos psicanalistas, dizia de uma corrente muito mais ampla e densa de pensamento. Uma que sistematicamente criava lugares específicos a determinados homens, mesmo em seu sofrimento mental. Da prática médica cotidiana, aos modos de tratamento institucionalizados, passando pela filosofia, política e pela própria revolução, não haverá campo não interrogado pelo autor. Sua crítica, portanto, não o aliena do mundo, mas, na realidade, o coloca radicalmente nele, estando sua prática clínica e revolucionária pautada numa radicalidade: ou olhamos para os problemas do homem colonizado, ou viveremos para sempre colonizados, independente de quem somos ou o lugar que ocupamos.

Sobre a questão da psicanálise e até mesmo a questão da prática clínica adaptacionista na obra de Fanon, é interessante que olhemos também para algumas informações contidas na exploração de sua biblioteca pessoal, exploração contida no livro organizado por Jean Khalfa e Robert J. C. Young intitulado Alienação e Liberdade (2018), onde reúnem tanto os textos políticos e psiquiátricos de Fanon, como também suas obras para o teatro e outros achados. No Brasil o livro foi publicado em múltiplos volumes.

Um dos textos contidos na biblioteca de Fanon, Le psychanalyste sans magie, de Pasche (1949), trará alguns apontamentos do modo como o autor lia as considerações sobre a psicanálise de sua época. Pasche buscava demonstrar como, ao contrário de uma psicanálise supostamente adaptacionista e homogeneizante, haveria na clínica um processo de desadaptação e de tomada de consciência social, que daria um alcance de certo modo revolucionário para a obra de Freud. O autor (Pasche, 1949) tentava dar uma resposta à crítica de Lévi-Strauss à psicanálise, que, ao compará-la a uma prática de xamanismo, afirmava que o sucesso terapêutico da teoria se dava em vista de suas práticas de reintegração dos indivíduos aos grupos aos quais pertencem ou deveriam pertencer, e aos sistemas de crenças instituídos.

Em um trecho citado por Pasche e sublinhado por Fanon, Lévi-Strauss afirmava que: ao descrever enquanto desordem de origem familiar, algo que pode ser resultado de um conflito de classes, o psicanalista entrega o analisando aos próprios mitos que o alienam. Processo que levaria à cura via adaptação das subjetividades às sociedades das quais fazem parte, por mais insustentáveis que essas sociedades sejam na realidade. Processo que para o antropólogo se resumiria em “absolver o opressor objetivamente privilegiado e fazer com que o oprimido aceite seu jugo”. Fanon parece concordar com tal apontamento e vai fazer duas notas importantes em sua cópia do texto.

Em uma de suas notas, junto a outra citação de Lévi-Strauss, Fanon vai apontar a ambição da psicanálise oficial, que se daria não na evolução do caso clínico, mas em uma regressão do paciente a uma situação pior do que a que estava. Situação de regressão em que, ao invés de dar ao indivíduo as condições de estar afetado por sua condição e capaz de fazer algo sobre ela, o deixa adaptado, imóvel e incapaz de reagir à sociedade que o cerca. Para Strauss e ao que Fanon parece concordar: os transtornos estariam para os indivíduos não somente enquanto desordens, mas também como respostas possíveis a situações sociais inaceitáveis. Ainda no texto, em nota à conclusão ao texto de Pasche e às suas observações sobre uma psicanálise que carregaria consigo a possibilidade de emancipação, Fanon afirmará ter dúvidas sobre isso.

Notas que, junto às críticas aqui revistas sobre a psicanálise e sobre as práticas coloniais, parecem deixar ainda mais clara certa postura de Fanon frente àquilo que entende enquanto trabalho do psicanalista, do psiquiatra e de toda a equipe de um serviço de saúde mental. Poder-se-ia dizer que há um rompimento por parte do autor com a psicanálise, mas, assim como Sartre, aquilo que Fanon realiza é, na realidade, uma tentativa de distância daquilo chamado de psicanálise pelas instituições e pelo cânone, em prol de alcançar uma teoria psicanalítica realmente funcional à prática anticolonial. Seria preciso fazer algumas pesquisas mais aprofundadas sobre a própria influência de uma certa psicanálise sartreana na obra do autor, assim como, também uma revisão ampla dos textos psicanalíticos contidos na biblioteca de Fanon, para realmente ter claro algumas dessas questões.

Contudo, aquilo que a revisão de sua obra revela, é que longe de ser uma abordagem teórica inoperacional, a psicanálise é, para Fanon, uma fonte permanente da qual ele faz um uso sistemático. Se o autor se distancia de uma certa psicanálise oficializada e institucionalizada, que o pensemos como um psicanalista não oficial, alguém que, como Lacan e tantos outros psicanalistas, rompeu com certo pacto hegemônico dentro do campo institucional e teórico da psicanálise francesa e colonial.

A defesa de um certo universalismo ou de uma suposta humanidade abstrata está, portanto, completamente em dissonância com a obra de Fanon. Suas proposições só abrem espaço a uma visão de mundo sem implicação das questões raciais e sobre a colonização se forem completamente retiradas de seu contexto e da história de vida do próprio autor que não somente desempenhou um trabalho árduo de crítica institucional como médico psiquiatra, como também se tornou um guerrilheiro realmente implicado na luta revolucionária argelina.

O que nossa revisão demonstrou é que o autor deu passos significativos para pensarmos os processos de libertação humana, como também deu passos que são fundamentais nas teorias que utilizava em sua obra. Quando critica a psicanálise e introduz o papel da sociogênese na formação dos processos neuróticos, Fanon não realiza um rompimento, mas caminha junto com uma teoria que lhe possibilita fazer tal movimento. Quando o autor trabalha a partir dos sonhos, ou dos mais variados tipos de sofrimento, unindo a interpretação analítica aos dados que obtém a partir de seus sociodiagnósticos, longe de corromper ou desalinhar os processos psicanalíticos, oferece uma ampliação desses. Caminhar em conjunto como observamos em nossa revisão tem sentido junto da obra de Freud e de Lacan, sentido que não se perde por causa das possíveis diferenças e desencaixes entre eles, afinal aquilo que o próprio Lacan realiza com a obra Freudiana é de alguma forma muito semelhante ao que Fanon tenta fazer. Trata-se de avançar com a teoria ao invés de paralisá-la em uma metapsicologia ortopédica.

Haverá, certamente, uma série de especificidades em uma psicanálise influenciada por Fanon, como a importância da conscientização do inconsciente aliada à conscientização social, ou mesmo a própria importância do corpo que se dá em sua obra de forma permanente. Contudo, se podemos pensar a diversidade das práticas e teorias no campo psicanalítico influenciadas por autores como Ferenczi, Reich, Winnicott, Klein, Lacan, Bowlby, Bion, Laplanche, Green, Horney e tantos outros, por que Fanon não poderia compor essa lista? Estaria a psicanálise oficial ainda tão arraigada aos seus estilos e aos seus preconceitos que não consegue abrir seus horizontes a um pensador que propõe a verdadeira subversão do mundo? Ou estaria ela como nos informa Preciado (2019), de fato, aliançada aos modelos coloniais evitando ativamente a presença de Fanon em seu cânone como forma de preservação de certa lógica colonial intrínseca?

Conclusão

A recusa em ouvir a alteridade e a si mesmo se faz claramente presente nos argumentos usados pelos psicanalistas que citamos ao iniciar esse artigo. Dizem de algo que se dá no nível do obsceno, daquilo que sou impedido de ver por filtros de uma sociedade marcada pela branquitude e pelos modos de organização colonial. É necessário, como afirma Miriam Rosa (2018), nos livrarmos das paredes que tornam invisíveis certas lógicas de convivência, da invisibilidade que torna possível nossa vida diária que segue sem ver aquilo que há de sem sentido no mundo, aquilo que há de bestial e hediondo. Como a necropolítica, conceito desenvolvido por Mbembe (2016), que diz da morte perpetuada pelo desejo econômico de dominação e produção desenfreadas que origina e regula uma série de modos de exploração, escravidão e segregação ainda hoje no mundo.

Ao psicanalista hoje não cabe mais se ver somente como aquele que escutará seu paciente, mas também o seu entender-se enquanto um sujeito que participa de uma clínica altamente institucionalizada, marcada por lógicas coloniais dos mais variados tipos. Não somente a partir dos muros oriundos das sociedades psicanalíticas, mas como um campo do saber universitário e mesmo cultural. É necessário que nos dediquemos fortemente a uma proposta de psicanálise que se dê em aliança às teorias decoloniais, feministas, Queer, terceiro-mundistas etc. Não no sentido de transformar essa, necessariamente, em uma militância, mas com o intuito de poder pensar criticamente o que se constitui como um complexo campo teórico que não se encerra em si mesmo.

É preciso estar atento aos usos discursivos, aos efeitos das escolhas de palavras e principalmente ao tipo de teoria que se está construindo e perpetuando. Seria possível fazer um trabalho comparando as distorções das obras de Freud, Lacan e Frantz Fanon realizadas sistematicamente durante os debates citados e nos textos lidos para esse trabalho. Em muitas ocasiões, esses autores se transformam em profetas, suas palavras uma nova forma de verdade sobre a vida e a humanidade - uma certa leitura de suas palavras melhor dizendo.

Em nossa metáfora, falávamos sobre os dragões aqui, sobre as cartografias construídas na história e na contemporaneidade. Sobre isso é importante estarmos atentos a duas coisas, a primeira é o fato de que os mapas não se desenham sozinhos, e a segunda é o fato de que eles mudam constantemente. Não havia dragões, assim como não existem epidemias trans ou qualquer tipo de cancelamento total e pleno de indivíduos brancos. Entretanto, interessa a alguém que em certos mapas algumas diferenças sejam destacadas e que fronteiras ou muros sejam construídos.

Notas

1 Marco Antonio Coutinho Jorge e Natália Pereira Travassos, ambos psicanalistas, lançaram em 2017 a seguinte hipótese: “a mais significativa forma assumida pela histeria hoje é a epidemia de transexualidade, produzida no encontro com o discurso da ciência, dominante na cultura globalizada”.

2 Rejane Soares, psicanalista, publicou em 2015 um texto onde afirma: “é urgente o combate a ideologia de gênero que, com a noção de igualdade de gênero e o incentivo às relações homoparentais, coloca em risco as diferenças sexuais que possuem função estruturante no desenvolvimento psíquico da criança. O grande dano provocado pela ideologia de gênero consiste em subverter os papéis sociais atribuídos a cada sexo, que reafirmam e consolidam a identidade sexual. Esse dano vai muito além de um desvio dos desejos heterossexuais, de uma estética corporal ou até mesmo de uma revolução dos costumes. Ele chega, na verdade, às raias de uma confusão mental deliberada.”

3 Maria Rita Kehl, psicanalista, em seu texto, Lugar de “cale-se”!, aponta numa leitura sobre o conceito densamente publicizado por Djamila Ribeiro que a ideia de lugares de fala cria lugares de silenciamento, onde cada um de nós só é autorizado a se expressar em relação a temas concernentes à própria experiência pessoal. Em live da psicanalista com Christian Dunker, também psicanalista, em 28/08/2020, cujo título foi “Políticas identitárias e psicanálise” (https://www.youtube.com/watch?v=oGxKZF_sVXk&t=410s), ambos os autores se mostraram contrariados com a ideia de lugares de fala.

4 Sobre esse assunto, recomendamos a leitura do artigo de Vitor Hugo Couto Triska, publicado em 2020, “Pai: obstáculo epistemológico?” onde este faz uma revisão crítica sobre os comentários alarmantes de uma série de psicanalistas sobre o declínio da autoridade paterna.

5 O termo movimento decolonial tem como referência os movimentos militantes e intelectuais, que tem como suporte político-epistemológico os desenvolvimentos realizados no campo das teorias decoloniais, a partir de autores como Maldonado-Torres, Mignolo, etc; é preciso destacar, contudo, que esse termo tem, em muitos casos, aparecido em intervenções psicanalíticas de forma genérica, fazendo referência a todo e qualquer movimento contrário a práticas coloniais passadas e presentes. Uso que ignora a diversidade de movimentos e produções teóricas sobre o tema, assim como as inúmeras contradições presentes nesse campo de estudos.

6 Segundo Nogueira (2020): “Segundo a perspectiva sociogênica, o racismo integra um complexo sócio-histórico que está na base da formação da subjetividade, no núcleo da cisão colonial que determina quem está fora e quem está dentro. A colonização divide o mundo em duas partes: em uma, vive o colonizador, a régua, o cânone, a imagem da humanidade, o branco; em outra, o inverso, o negativo. Se Fanon nos fala da revolução e ficou bastante conhecido por esse discurso, ele ressalta que nenhuma revolução pode acontecer sem a descolonização do pensamento. Ele seria, pois, um precursor daquilo que hoje chamamos de desintoxicação das subjetividades colonizadas.”

7 É importante diferenciar esse conceito da ideia de sujeitos brancos, tendo em vista que a branquitude faz referência a um conjunto de significados dados à brancura e não é uma mera descrição dessa. O branco atravessado pela branquitude, pela ideologia do branqueamento e pelos ideais da supremacia branca tem sua racialização distorcida, contudo, assim como a pele negra não é mera descrição, a pele branca também não o é.

8 É importante ressaltar que há indivíduos brancos que também vivenciam o papel da colonização, contudo como afirma Nogueira (2020): “O branco colonizado pode escapar aos olhares do branco colonizador e, mediante uma “boa educação”, estabelecer um diálogo com a metrópole. O homem negro, por sua vez, não pode fingir; mesmo que use uma eficiente “máscara branca”, ele se denuncia à primeira vista. O racismo é “epidérmico” - essa “epidermização da inferioridade” que recai sobre as pessoas negras é um dos aspectos ressaltados por Fanon”.

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Recebido: 29 de Março de 2023; Revisado: 25 de Julho de 2023; Aceito: 22 de Agosto de 2023

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