62 3Tecnologia e trabalho: sentidos produzidos no cotidiano do transporte coletivo 
Home Page  

  • (pdf)
  • SciELO Analytics


Arquivos Brasileiros de Psicologia

 ISSN 1809-5267

     

 

ARTIGOS

 

Validação da Versão Brasileira da Escala de Atitudes de Carreira Sem-Fronteiras

 

Validation of the Brazilian Version of the Boundaryless Career Attitudes Scale

 

 

Manoela Ziebell de OliveiraI; Cristian ZanonII; Iuri Silva da SilvaIII; Marcelle Matiazo PinhattiIV; William Barbosa GomesV; Gustavo GauerVI

I Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
II Doutorando. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
III Graduando. Curso de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
IV Graduanda. Curso de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
V Docente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
VI Docente. Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O conceito de carreira sem-fronteiras define a carreira de acordo com os diferentes graus de movimentações físicas e psicológicas que um indivíduo encara em sucessivas situações de emprego. O presente artigo propõe a adaptação e validação da Escala de Atitudes de Carreira Sem-fronteiras (EACSF) para o Brasil. Para tanto dividiu-se em três estudos: 1) piloto, 2) validação e 3) comparação de grupos com duas amostras independentes, que totalizaram 446 profissionais brasileiros. A versão final da EACSF apresentou 10 itens, KMO de 0,82 e variância explicada de 63,3%. Os índices de confiabilidade (alpha de Cronbach) da escala (0,77) e das subescalas de mobilidade psicológica (0,88) e mobilidade física (0,79) foram considerados bons. A EACSF é um instrumento de interesse para a avaliação e monitoramento de intervenções em orientação profissional e planejamento de carreira.

Palavras-chave: carreira sem-fronteiras; atitudes; planejamento de carreira; mobilidade; avaliação.


ABSTRACT

The concept of a boundaryless career refers to the different degrees of physical and psychological mobility an individual faces throughout successive employment situations. The present article aimed to explore the factorial structure of the BCAS in a Brazilian sample. It was composed by three studies conducted with two independent samples: 1) pilot, 2) validation and 3) group comparison. Participants were 446 Brazilian professionals divded into two independent samples. The final version of the scale was composed of 10 items, had KMO of 0.82, and the explained variance was 63.3%. The reliability (Cronbach´s alpha) of the general scale (0.77), of the psychological mobility subscale (0.88) and of the physical mobility subscale (0.79) were favorable. The Brazilian version of the BCAS is presented as a valuable tool in the assessment and monitoring of interventions in career counseling and career planning.

Keywords: boundaryless career; attitudes; career management; mobility; assessment.


 

 

Validação da Escala de Atitudes de Carreira Sem-fronteiras (EACSF)

Nos últimos anos, diversos estudos têm explorado as consequências que as rápidas mudanças no mundo do trabalho acarretam para o desenvolvimento de carreira. Diante de um panorama caracterizado pela aceleração dos avanços tecnológicos, intensificação da competitividade internacional e enxugamento de estruturas produtivas, a dinâmica das relações de trabalho foi significantemente alterada, assim como o entendimento do conceito de carreira. Tradicionalmente as carreiras eram definidas como uma sucessão de progressões lineares dentro de poucas empresas, contexto que oferecia maior estabilidade ao trabalhador. O sucesso profissional era definido pela organização e recompensado com promoções e aumentos de salário. Assim, o desenvolvimento de carreira era organizado de acordo com uma hierarquia funcional, com os trabalhadores se movimentando de maneira ordenada e em uma sequência previsível (KILIMNIK, CASTILHO e SAN’T ANNA, 2006; MCDONALD, BROWN e BRADLEY, 2005; WALSH e GORDON, 2008). Muitos autores apontam a existência simultânea desses padrões de carreira tradicionais e de padrões contemporâneos (BARUCH, 2006).

Os padrões contemporâneos de carreira se caracterizam por um contrato psicológico entre empregador e empregado que já não envolve a promessa de um emprego para a vida toda, ou de um desenvolvimento de carreira linear e seguro (Arthur & Rousseau, 1996). É esperado que o indivíduo – e não a organização – assuma cada vez mais responsabilidade pelas decisões de carreira e pela avaliação do sucesso delas (ARTHUR, KHAPOVA & WILDEROM, 2005; BRISCOE & HALL, 2006; HALL, 1996; 2004). Nesse contexto é evidente a demanda exercida sobre os profissionais e suas atitudes quanto ao desenvolvimento de sua carreira e do papel a ser assumido por eles no processo. Dentre os domínios de atitudes de carreira que refletem as tendências contemporâneas, destaca-se aquele referente à chamada carreira sem-fronteiras.

O termo Sem-fronteiras ganhou evidência quando Jack Welsh o utilizou para descrever publicamente a empresa General Electric, da qual era diretor geral. Ele justificou que a organização se diferenciava das concorrentes por apresentar um livre fluxo de informações, ideias e soluções em diferentes unidades da companhia. A metáfora cunhada por Welsh despertou o interesse de acadêmicos e “A organização sem-fronteiras” foi tema da conferência da Academy of Management, realizada em Atlanta, no ano de 1993. Um dos simpósios apresentados nesse evento, “A carreira sem-fronteiras”, foi transformado em uma edição especial do Journal of Organizational Behavior e, posteriormente, em um livro. Assim, o termo carreira sem-fronteiras foi proposto por DeFillippi e Arthur (1994) e cunhado como antítese à ortodoxia organizacional (ARTHUR & ROUSSEAU, 1996; INKSON, 2006) por Arthur e Rousseau (1996) no livro The Boundaryless Career. Os autores definiram o termo como “a independência de, ao invés da dependência dos, arranjos tradicionais das carreiras nas organizações” envolvendo “oportunidades que vão além de qualquer empregador individualmente” (DEFILLIPPI & ARTHUR, 1994, pp. 116). A fim de clarificar o conceito, Sullivan e Arthur (2006) sugeriram que uma carreira sem-fronteiras poderia ser definida de acordo com diferentes graus de movimentações físicas e psicológicas por sucessivas situações de emprego. No entanto, não informaram como tais movimentações poderiam ser observadas e medidas. Os autores apontaram, contudo, uma série de limitações ou obstáculos para o desenvolvimento de uma carreira sem-fronteiras, como a discriminação em relação ao gênero, as diferenças culturais e as competências pessoais. Enfatizaram ainda que, mesmo que a maioria dessas barreiras venha se tornando permeável, a facilidade para superá-las não é igual para todos os indivíduos.

Em 2006, Briscoe, Hall e DeMuth propuseram uma escala composta por 13 itens, distribuídos em duas subescalas, destinada a avaliar as dimensões de atitudes de carreira sem-fronteiras. A primeira subescala era constituída por oito itens e avaliava a atitude geral em relação ao trabalho para além das fronteiras organizacionais (mobilidade psicológica). A segunda trazia cinco itens e avaliava a intensidade do interesse em permanecer em uma única ou em múltiplas organizações (mobilidade física). No estudo de validação da escala (BRISCOE, HALL E DeMUTH, 2006) não foram encontradas relações entre a mobilidade física e a mobilidade psicológica. Esta, no entanto, apresentou correlações positivas e significativas com medidas de proatividade, autenticidade, abertura à experiência e orientação para os objetivos. Tal resultado sugere que a mobilidade física não deve ser entendida como a característica mais representativa das atitudes de carreira sem-fronteiras, mas sim a mobilidade psicológica.

Zeitz, Blau e Fertig (2009) analisaram a relação entre os recursos institucionais e as carreiras sem-fronteiras e criticaram uma perspectiva excessivamente individualista assumida por esse modelo. Segundo os autores, a teoria sobre as carreiras sem-fronteiras propõe que a carreira de sucesso seja determinada principalmente pela perspectiva do indivíduo. Os autores destacaram os recursos institucionais necessários para apoiar a carreira dos profissionais, apontando sete medidas capazes de promover uma carreira sem-fronteiras bem-sucedida. Dentre elas, destacam-se o aconselhamento de carreira, o suporte socioemocional e a assistência financeira. Por fim, os autores sugeriram metáforas mais adequadas para esse estilo de carreira, propondo a troca do termo “sem-fronteiras” por “passagem de fronteira” e “limite de convergência”.

O presente estudo teve como objetivo geral fornecer dados sobre os estilos de carreira contemporâneos em profissionais brasileiros, oferecendo uma solução metodológica adequada à avaliação da orientação de carreira sem-fronteiras (EACSF). Além disso, buscou obter evidências de validade e fidedignidade da versão brasileira da escala, bem como explorar diferenciais nos indicadores das dimensões de carreira sem-fronteiras, conforme medidas pela escala, entre profissionais de diferentes grupos demográficos. Para tanto, foi traduzida e adaptada para a realidade brasileira a Boundaryless Career Attitudes Scale (BCAS). Num estudo-piloto, a versão preliminar da Escala de Atitudes de Carreira Sem-fronteiras (EACSF) foi analisada em sua estrutura fatorial e consistência interna. Os resultados do estudo-piloto subsidiaram a decisão de excluir dois itens do instrumento, que foi implementada para um segundo estudo, de validação, em que se explorou a estrutura fatorial da escala. A forma com que os fatores da versão brasileira da EACSF se organizam poderia indicar especificidades daquela orientação entre trabalhadores brasileiros ou corroborar a universalidade do construto. Por fim, num terceiro estudo, os índices de duas dimensões da EACSF – mobilidade psicológica e mobilidade física – foram comparados por sexo, estado civil, ter ou não filhos, setor de atividade (serviço público ou iniciativa privada) e mudança de cidade em função do trabalho. Tais comparações buscaram eventuais diferenças que pudessem fornecer indicadores preliminares de sensibilidade dos construtos medidos pela escala a variáveis teoricamente implicadas por eles.

 

Método

Participantes

Os critérios de inclusão na amostra dos estudos de validação da escala foram possuir pelo menos o Ensino Médio ou o Ensino Técnico completo e estar empregado no momento da coleta de dados. Os critérios de exclusão foram: ser exclusivamente estudante (não estar trabalhando), ser aposentado, estar desempregado no momento da coleta de dados, ser profissional autônomo e trabalhar em locais como hospitais ou consultórios particulares. A escolha de tais critérios de exclusão está relacionada ao conteúdo de algumas das questões dos instrumentos originais, que dizem respeito à autonomia dada ao respondente pela organização para a qual trabalha, como “O meu ideal de carreira seria trabalhar para uma única organização” ou “Eu me sentiria muito desorientado/a se não pudesse trabalhar para a organização na qual trabalho atualmente”. Considerou-se que essas afirmativas não se aplicam ou se referem de maneira inadequada aos locais e à situação de trabalho que não foram incluídos nas análises.

A amostra para o estudo-piloto contou com 154 profissionais, sendo 57,1% homens e 42,9% mulheres. A idade variou de 18 a 60 anos, sendo a média de 30 anos, com desvio-padrão de 9,1 anos. A maior parte dos participantes, 61,7%, estava cursando o Ensino Superior, 31,2% havia concluído o Ensino Superior e 7,1% havia concluído o Ensino Médio ou Técnico.

A amostra do estudo de validação da EACP foi composta por 292 participantes, sendo 44,5% homens e 55,5% mulheres que participaram também das análises de comparação entre grupos. Suas idades variaram de 19 a 65 anos, sendo a média de 32 anos, com desvio-padrão de 9,6 anos. Mais da metade dos participantes (58,2%) eram solteiros, 35,6% eram casados, 5,1% separados ou divorciados e 1%, viúvos. A maioria (77%) não tinha filhos e aqueles com o maior número de filhos tinham três (3,1%). Em relação à escolaridade, foi possível verificar que 35,6% dos participantes haviam concluído o Ensino Superior, 18,5% não haviam concluído, 24,7% haviam feito alguma especialização, 13,7% fizeram mestrado ou doutorado e 3,1% haviam concluído apenas o Ensino Médio ou Técnico.

Os profissionais haviam começado a trabalhar, em média, aos 18 anos (dp = 3,01) e no momento da coleta de dados trabalhavam em cidades de 15 estados do Brasil: 70,2% no Rio Grande do Sul, 8,9% em São Paulo e 7,2% no Paraná (os 13,7% participantes restantes trabalhavam na Bahia, no Ceará, no Distrito Federal, no Espírito Santo, em Goiás, em Minas Gerais, no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte, em Santa Catarina e em Sergipe). Dentre aqueles que compuseram a amostra, 26,4% já haviam realizado alguma mudança de cidade relacionada ao trabalho e, destes, 55,8% eram homens. Em sua maioria esses profissionais (51%) não estavam casados e 7,0% deles tinham filhos. Entre as mulheres que já haviam realizado mudanças de cidade por motivos de trabalho, 50% não eram casadas e 20,6% tinham filhos. Nos últimos dez anos, os participantes trabalharam, em média, em duas ou três empresas. O ingresso na empresa em que trabalhavam no momento da coleta de dados variou de menos de um ano (27,7%) a mais de cinco anos (24%) e 33,9% estavam no mesmo local de um a três anos. Os demais (14,4%) trabalhavam entre três e cinco anos na empresa. Por fim, 92,5% afirmaram que, quando pensam no desenvolvimento de sua carreira profissional, consideram também outras possibilidades que o mercado oferece em sua área de atuação, e não apenas aquelas oportunidades oferecidas pela empresa.

 

Instrumentos

Para a coleta de dados do estudo-piloto utilizou-se um questionário sociodemográfico com questões sobre: sexo, idade, estado civil, número de filhos, curso de graduação realizado, cargo ocupado na empresa atual e área de atuação da empresa. Para a coleta de dados da amostra final foram acrescidas ao questionário questões sobre a idade com que o profissional começou a trabalhar, número de empresas nas quais trabalhou nos últimos anos, número de vezes que precisou mudar de cidade em função do trabalho, entre outras.

Utilizou-se ainda a Boundaryless Career Attitudes Scale desenvolvida por Briscoe, Hall e DeMuth (2006). Essa escala é composta por 13 itens que avaliam a tendência e a preferência pela mobilidade física (MF) e psicológica (MP). O instrumento deve ser respondido de acordo com uma escala Likert de cinco pontos, em que 1 significa “não me caracteriza” e 5, “me caracteriza totalmente”. Alguns exemplos de itens são: “Eu busco atividades de trabalho que me permitam aprender algo novo” e “Eu gostaria de trabalhar em projetos que envolvessem pessoas de várias organizações diferentes”. Os valores do alpha de Cronbach para as subescalas obtidos pelos autores foram de 0,87 para mobilidade psicológica e 0,74 para a mobilidade física.

 

Procedimento

Este estudo seguiu os quatro passos sugeridos por Geisinger (1994) para a adaptação de instrumentos psicológicos. Os itens das versões originais em inglês das escalas foram traduzidos para o português brasileiro pela autora do projeto e pelo professor orientador. As traduções buscaram adequar o conteúdo dos itens a aspectos sociolinguísticos do país. A qualidade da versão em português foi examinada em primeiro lugar por membros do grupo de pesquisa do professor orientador deste projeto e depois por juízes expert no assunto. Foram realizadas as alterações necessárias com base no passo anterior. Os itens em português foram analisados e traduzidos de volta para o inglês por um psicólogo norte-americano bilíngue (português e inglês). As duas versões em inglês foram comparadas pelo psicólogo norte-americano e pela pesquisadora e procederam-se os ajustes necessários. Realizou-se uma análise semântica do instrumento (PAAQUALI, 1999). Essa etapa incluiu uma aplicação do instrumento a um grupo de oito participantes, realizada em atmosfera de brainstorming. O objetivo desse procedimento foi verificar a compreensibilidade e a clareza dos itens e das instruções de preenchimento do instrumento. Itens pouco adequados foram reformulados com base nas indicações dos participantes. As versões finais das escalas foram impressas para a aplicação do estudo-piloto.

O estudo-piloto consistiu na aplicação da Escala de Atitudes de Carreira Proteanas e da Escala de Atitudes de Carreira Sem-fronteiras (BRISCOE, HALL E DeMUTH, 2006), da Escala de Reflexividade e do questionário sociodemográfico resumido a 154 participantes selecionados por conveniência em áreas públicas e salas de aula de faculdades e cursos de pós-graduação (Administração, Arquitetura, Psicologia e Engenharia) da cidade de Porto Alegre. Todos os participantes que foram convidados e concordaram com a participação na pesquisa assinaram um termo de consentimento informado, conforme as resoluções 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia e 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Após o estudo-piloto, uma versão ampliada do questionário sociodemográfico e todos os demais instrumentos foram disponibilizados online. Foram então enviados correios eletrônicos, com uma breve descrição dos objetivos da pesquisa, características do site e da amostra necessária para a realização do estudo, a diversos profissionais convidados a participar da pesquisa e a divulgá-la. Todos os participantes convidados e que aceitaram participar da pesquisa, o fizeram através de um termo de consentimento informado virtual. Este consistia no texto de consentimento, que era concluído pela frase “Tendo em vista as considerações acima apresentadas, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu interesse em participar da pesquisa”, e exigia que, para participar da pesquisa, o participante clicasse no botão em que se lia “concordo”. No mesmo endereço eletrônico no qual os participantes respondiam os instrumentos de pesquisa foi disponibilizada uma cópia do termo de consentimento informado que podia ser lida e impressa, realizando o download de um arquivo em formato pdf.

 

Resultados

Estudo-piloto de adaptação da EACSF

Antes de dar início às análises fatoriais do instrumento, optou-se por eliminar um item que apresentou dificuldades aos participantes, sendo considerado semanticamente problemático: “Eu gosto da previsibilidade decorrente do trabalho continuado para a mesma organização”. A seguir, os dados dos 154 participantes do estudo-piloto para a escala de atitudes de carreira proteana foram submetidos a uma Análise de Componentes Principais (ACP) com rotação Oblimin, seguindo o método de análise empregado pelos autores da escala original. Os resultados da análise inicial do presente estudo geraram três fatores com eigenvalues maiores do que um (total de variância explicada = 58,1%). O índice Kaiser-Meyer-Olkin observado foi de 0,79, resultado considerado satisfatório. O teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p < 0,001), também indicando adequação dos dados para a análise. As comunalidades observadas ficaram entre 0,21 e 0,74.

Como segundo passo da análise, os autores do instrumento original realizaram nova ACP restrita a dois fatores. O mesmo procedimento foi realizado no presente estudo. A nova solução bifatorial apresentou um total de variância explicada de 49,7%. O índice Kaiser-Meyer-Olkin observado na solução anterior se manteve, o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p < 0,001) e as comunalidades observadas ficaram entre 0,13 e 0,74. Por fim, o índice alpha de Cronbach da escala foi de 0,56, considerado inaceitável. No entanto, os índices de confiabilidade obtidos para a subescala de mobilidade física (alpha = 0,79) e para a subescala de mobilidade psicológica (alpha = 0,63) foram considerados respectivamente bom e satisfatório. Assim, optou-se por eliminar os itens 1 e 2 da escala: “Eu gostaria de trabalhar em projetos que envolvessem pessoas de várias organizações diferentes” e “Eu busco atividades de trabalho que me permitam aprender algo novo”. Esses itens tinham as menores cargas fatoriais e apresentavam os menores índices de comunalidade com os demais itens da escala (0,16 e 0,13, respectivamente).

Foi então realizada uma nova ACP com rotação Oblimin restrita a dois fatores. A nova solução fatorial apresentou o mesmo valor para o índice Kaiser-Meyer-Olkin (0,79) e o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p < 0,001). As comunalidades observadas ficaram entre 0,36 e 0,75. Os índices de confiabilidade da escala (alpha = 0,77) e das subescalas de mobilidade psicológica de carreira (alpha = 0,82) e mobilidade física (alpha = 0,79) foram considerados bons.

 

Estudo de validação da EACSF

As respostas dos 292 participantes do estudo final para a versão de dez itens da escala resultante do estudo-piloto foram submetidas a ACP com rotação Oblimin restrita a dois fatores. A solução fatorial apresentou um aumento no índice Kaiser-Meyer-Olkin (0,82) em relação ao estudo-piloto (0,79), o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p < 0,001) e o total de variância explicada foi de 62,5%. As comunalidades observadas ficaram entre 0,41 e 0,75. Os índices de confiabilidade da escala (alpha = 0,76) e das subescalas de mobilidade psicológica (alpha do estudo = 0,87 e alpha da escala original = 0,87) e mobilidade física (alpha do estudo = 0,79 e alpha da escala original = 0,74) foram considerados bons. Os resultados da análise de componentes principais da versão final da escala são exibidos na Tabela 1.


* Cargas fatoriais inferiores a 0,40 foram suprimidas

 

Estudo comparativo

O estudo comparativo foi realizado com os mesmos profissionais que participaram do estudo de validação da EACP. Uma vez concluída a análise da estrutura fatorial da Escala de Atitudes de Carreira Sem-fronteiras, foram realizadas análises de diferenças de médias entre grupos. Quando a comparação considerou a variável estado civil, não foram encontradas diferenças significativas entre as médias de profissionais casados e solteiros para mobilidade física e para mobilidade psicológica. O mesmo ocorreu quando foram comparados homens e mulheres, os grupos de profissionais com filhos e sem filhos e profissionais que haviam realizado mudanças de cidade em função de oportunidades de trabalho e os que não haviam feito.

Quando a comparação considerou o segmento de atuação da organização em que os participantes trabalhavam, verificou-se que aqueles que eram empregados por empresas privadas apresentaram médias mais altas (M = 4,06; dp = 0,73) do que os empregados por empresas públicas (M = 3,55; dp = 0,85) para mobilidade psicológica [t(78) = 2,88; p < 0,01; d = 0,6]. Não foram encontradas diferenças entre os dois grupos em relação à mobilidade física.

 

Discussão

Este estudo teve três objetivos principais, quais sejam: 1) adaptar a EACSF para que seja utilizada com profissionais brasileiros; 2) obter evidências de validade e fidedignidade da versão brasileira da escala; e 3) explorar diferenciais nos indicadores das dimensões de carreira sem-fronteiras, conforme medidas pela escala, entre profissionais de diferentes grupos demográficos. Pode-se considerar que os cuidados tomados na fase de tradução do instrumento, como o emprego de backtranslation e análise de juízes, conferem uma razoável segurança quanto à compatibilidade semântica entre os itens originais em inglês e os da versão em português da escala. Outro resultado altamente satisfatório observado foram os índices de consistência interna da EACSF e suas subescalas de mobilidade psicológica e mobilidade física.

É interessante notar ainda que a maior parte dos profissionais deste estudo apresentou índices de mobilidade física e mobilidade psicológica acima do ponto médio da escala Likert. Isso indica que os profissionais tendem a ter preferência por atividades de trabalho que apresentem inovações, contato com pessoas e contextos diferentes. Além disso, buscam ativamente oportunidades de trabalho que atendam tais características e consideram sair das organizações em que estão atualmente para alcançar esse objetivo. É importante salientar que tais resultados possam estar relacionados a especificidades da amostra investigada, especialmente em relação ao contexto cultural dos locais de procedência dos participantes.

Os objetivos da presente pesquisa referentes a adaptar a EACSF para o uso com profissionais brasileiros e colher evidências de validade e fidedignidade dessas escalas foram atingidos, estando o instrumento em condições de ser utilizado em novos estudos. É necessário, porém, pontuar algumas limitações desta pesquisa. Uma delas refere-se ao estudo-piloto da escala, que foi realizado unicamente com participantes adultos empregados por empresas públicas e privadas do estado do Rio Grande do Sul. A amostra do estudo final também foi selecionada por conveniência e, embora tenha havido participantes de diversos estados do país, não houve o controle em relação à representatividade da população. O estudo final da escala envolveu participantes de 15 estados do país, mas não houve cuidado em relação à representatividade da amostra; logo, não é possível afirmar que indivíduos com características diferentes das dos profissionais que participaram deste estudo compreendam e respondam as escalas da mesma forma.

Faz-se necessário, portanto, aplicar o instrumento a outros grupos a fim de testar suas características aplicadas a diferentes populações. Seria interessante ainda investigar as especificidades do trabalho de amostras de profissionais de empresas públicas e autônomos, combinando metodologias qualitativas e quantitativas a fim de verificar se é possível utilizar a escala de atitudes de carreira para estudar e compreender a realidade de trabalho das pessoas inseridas nesses contextos específicos.

Indicada a adequação da EACSF pelos estudos de validação, a comparação de médias de mobilidade física e mobilidade psicológica apontou resultados interessantes em relação a expectativas de relação teórica entre o construto e variáveis individuais e ambientais. Nenhuma dessas variáveis apresentou efeitos sobre atitudes sem-fronteiras.

Algumas das variáveis de comparação eram diferenças individuais (sexo, estado civil, ter ou não ter filhos) que influenciariam as atitudes de carreira como fatores. Por outro lado, dados referentes ao mundo do trabalho podem ser encarados como variáveis de critério: escolhas por segmentos profissionais público e privado e mudanças geográficas em função do trabalho poderiam ser resultado de efeitos das atitudes de carreira sem-fronteiras. A diferença mais consistente de atitudes, verificada em ambas as dimensões de carreira sem-fronteiras, foi encontrada entre trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada. Esse dado fortalece conceitualmente o construto de carreira sem-fronteiras como um conjunto de atitudes potencialmente influenciadoras de comportamento. O comportamento ocorre assim na forma de escolha entre um segmento, que – na percepção da população em geral – privilegia a estabilidade em detrimento da mobilidade (serviço público), e outro, que oferece menos segurança em troca de maiores possibilidades de autodeterminação, ascensão profissional e retorno financeiro (iniciativa privada). Diante dessa decisão, valores e atitudes mais sem-fronteiras favoreceriam a escolha pelo contexto capaz de apresentar maior diversidade e de proporcionar mais mobilidade, enquanto atitudes menos sem-fronteiras levariam à opção pela estabilidade e pela continuidade contextual. Os resultados sugerem ainda que os profissionais que trabalham em organizações públicas têm menos desejo e se percebem menos capazes de mudar de ocupação ou de empregador.

Quanto à mudança de cidade em função do trabalho, o estudo inicial de validação da BCAS (BRISCOE, HALL E DEMUTH, 2006) já não havia verificado relações entre as dimensões avaliadas pela escala e mudanças geográficas, resultado que se confirmou nesta pesquisa. Alguns fatores, específicos do contexto brasileiro, podem contribuir para uma compreensão preliminar do fenômeno. A ausência de diferenças pode ser mais em função de poucas oportunidades para mudança do que uma evidência de que atitudes sem-fronteiras não influenciam essas mudanças. No contexto brasileiro, os avanços de infraestrutura de transportes e comunicações são recentes ou incipientes, não tendo criado situações favoráveis à divulgação de oportunidades em nível nacional, nem ao trânsito economicamente viável de pessoas pelo país por motivos particulares (como visitas e férias em família). De qualquer modo, novos estudos podem vir a explicar a mobilidade de profissionais não só em função de fatores específicos do domínio profissional, como a própria EACSF, mas também levando em conta variáveis individuais, como fatores de personalidade, e indicadores econômicos que potencialmente favorecem ou desfavorecem a mobilidade.

Do ponto de vista da aplicação prática, a EACSF apresenta-se como um instrumento de interesse para a avaliação e monitoramento de intervenções em orientação profissional e planejamento de carreira. No campo da pesquisa em desenvolvimento de carreira, espera-se que a apresentação da versão em português da EACSF estimule novas pesquisas empíricas no campo do desenvolvimento de carreira na contemporaneidade no país. Comparações entre grupos, estudos longitudinais que acompanhem efetivamente as mudanças no desenvolvimento de carreira dos profissionais e correlações de atitudes de carreira com medidas de personalidade apresentam-se como promissoras direções para se explorar o que caracteriza as carreiras profissionais na contemporaneidade.

 

Referências

ARTHUR, M. B.; KHAPOVA, S. N.; WILDEROM, C. P. M. Career success in a boundaryless career world. Journal of Organizational Behavior, Hoboken, v. 26, n. 2, p. 177-202, 2005.         [ Links ]

ARTHUR, M. B.; ROUSSEAU, D. A new career lexicon for the 21st century. The Academy of Management Executive, New York,, v. 10, n. 4, p. 28-39, 1996.         [ Links ]

BARUCH, Y. Career development in organizations and beyond: Balancing traditional and contemporary viewpoints. Human Resource Management Review, Amsterdam, v. 16, n. 2, p. 125-138, 2006.         [ Links ]

BRISCOE, J. P.; HALL, D. T. Special section on boundaryless and protean careers: Next steps in conceptualizing and measuring boundaryless and protean careers. Journal of Vocational Behavior, Amsterdam, v. 69, n. 1, p. 1-3, 2006.         [ Links ]

BRISCOE, J. P.; HALL, D. T.; DEMUTH, R. L. Protean and boundaryless careers: an empirical exploration. Journal of Vocational Behavior, Amsterdam, v. 69, n. 1, p. 30-47, 2006.         [ Links ]

DEFILLIPPI, R. J.; ARTHUR, M. The boundaryless career: a competence based perspective. Journal of Vocational Behavior, Amsterdam, v. 15, n. 4, p. 307-24, 1994.         [ Links ]

GEISINGER, K. F. Cross-cultural normative assessment: translation and adaptation issues influencing the normative interpretation of assessment instruments. Psychological Assessment, Washington, v. 6, n. 4, p. 304-12, 1994.         [ Links ]

HALL, D. T. The career is dead-long live the career. San Francisco: Jossey-Bass, 1996.         [ Links ]

______. The protean career: a quarter-century journey. Journal of Vocational Behavior, Amsterdam, v. 65, n. 1, p. 1-13, 2004.         [ Links ]

INKSON, K. Protean and boundaryless careers as metaphors. Journal of Vocational Behavior, Amsterdam, v. 69, n. 1, p. 48-63, 2006.         [ Links ]

KILIMNIK, Z. M.; CASTILHO, I. V.; SANT’ANNA, A. S. Carreiras em transformação e seus paradoxais reflexos nos indivíduos: Metáforas de carreira e de competências. Comportamento Organizacional e Gestão, Lisboa, v. 12, n. 2, p. 257-80, 2006.         [ Links ]

MCDONALD, P., BROWN, K.; BRADLEY, L. Have traditional career paths given way to protean ones? Evidence from senior managers in the Australian public sector. Career Development International, Illinois, v. 10, n. 2, p. 109-29, 2005.         [ Links ]

PASQUALI, L. Instrumentos psicológicos: manual prático de elaboração. Brasília: LabPAM/IBAPP, 1999.         [ Links ]

SULLIVAN, S. E.; ARTHUR, M. B. The evolution of the boundaryless career concept: Examining physical and psychological mobility. Journal of Vocational Behavior, Amsterdam, v. 69, n. 1, p.19-29, 2006.         [ Links ]

TAMAYO, A.; MENDES, A. M.; PAZ, M. G. T. Inventário de valores organizacionais. Estudos de Psicologia, Natal, v. 5, n. 2, p. 289-315, 2000.         [ Links ]

WALSH, K.; GORDON, J. Creating individual work identity. Human Resource Management Review, Ohio, v. 18, n. 1, p. 46-61, 2008        [ Links ]

ZEITZ, G.; BLAU, G.; FERTIG, J. Boundaryless careers and institutional resources. International Journal of Human Resource Management, London, v. 20, n. 2, p. 372-98, 2009.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência

Manoela Ziebell de Oliveira
E-mail:manoelaziebell@yahoo.com.br

Cristian Zanon
E-mail:cristianzanon@yahoo.com.br

Iuri Silva da Silva
E-mail:coliuri@hotmail.com

Marcelle Matiazo Pinhatti
E-mail:marcellematiazo@ibest.com.br

William Barbosa Gomes
E-mail:wbgomes@gmail.com

Gustavo Gauer
E-mail:gustavo.gauer@ufrgs.br

 

 

Recebido em: 01/09/2010
Aprovado em: 09/12/2010
Revisado em: 08/12/2010

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License