Arquivos Brasileiros de Psicologia
ISSN 1809-5267
ARTIGOS
Comportamento alimentar inadequado: comparações em função do comprometimento ao exercício
Inappropriate eating behavior: comparisons according to commitment to exercise
Inapropiado comportamiento alimentario: las comparaciones debido al compromiso con el ejercicio
Leonardo de Sousa FortesI; Maria Elisa Caputo FerreiraII
IDoutorando. Programa de Pós Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora. Minas Gerais. Brasil
IIDocente. Programa de Pós Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora. Minas Gerais. Brasil
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi comparar atributos dos comportamentos alimentares inadequados (CAI) em função do grau de comprometimento psicológico ao exercício (GCPE) entre atletas de ambos os sexos. Participaram 580 indivíduos, com idades entre 10 e 19 anos. Utilizaram-se as subescalas do Eating Attitudes Test (EAT-26) e a Escala de Dedicação ao Exercício para avaliar atributos dos CAI e do GCPE, respectivamente. Os resultados evidenciaram diferenças na subescala "Dieta" segundo o GCPE para ambos os sexos (p < 0,05). No entanto, somente entre os participantes do sexo masculino (faixa etária de 10 a 19 anos) o post hoc de Bonferroni demonstrou diferença na subescala Bulimia e Preocupação com Alimentos entre os grupos de GCPE (p < 0,05). Por fim, não foram identificadas diferenças estatísticas para a subescala Autocontrole Oral em ambos os sexos. Concluiu-se que a restrição alimentar patológica foi mais frequente em atletas com elevado GCPE para ambos os sexos, o que não se refletiu nos demais atributos dos CAI.
Palavras-chave: Transtornos alimentares; Atletas; Adolescentes; Esporte.
ABSTRACT
The aim of this study was to compare attributes of inappropriate eating behaviors (IEB) according to the degree of psychological commitment to exercise (DPCE) between athletes of both sexes 580 subjects aged between 10 and 19 years were participants. We used the subscales of the Eating Attitudes Test (EAT-26) and Commitment Exercise Scale (CES) to assess the attributes IEB and DPCE, respectively. The results showed differences in the subscale "Diet" DPCE second both sexes (p<0,05). However, only among boys the post hoc Bonferroni test showed a difference in the subscale "Bulimia and Preoccupation with Food" DPCE between the groups (p<0,05). Finally, there were no statistically significant differences for the subscale "Self Control Oral", both for females and males. It was concluded that the pathological food restriction was more common in athletes with high DPCE for both sexes, which was not reflected in the other attributes of the IEB.
Keywords: Eating disorders; Athletes; Adolescents; Sport.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio fue comparar los atributos de conductas de alimentación inapropiada (CAI) dependiendo del grado de compromiso psicológico para el ejercicio (GCPE) entre los atletas de ambos sexos. Participaron 580 personas de edades comprendidas entre los 10 y 19 años. Se utilizaron las sub escalas del Eating Attitudes Test (EAT-26) y la Escala de Dedicación al Ejercicio para evaluar atributos de CAI y GCPE respectivamente. Los resultados mostraron diferencias en la sub escala "Dieta" de acuerdo al GCPE para ambos sexos (p<0,05). Sin embargo, sólo entre los participantes del sexo masculino con edades entre 10 y 19 años, el test post hoc de Bonferroni mostró una diferencia en la sub escala "La bulimia y preocupación por los alimentos" entre los grupos GCPE (p<0,05). Por último, no hubo diferencias estadísticamente significativas en la sub escala "Autocontrol Oral", tanto para las mujeres, como para los hombres. Se concluyó que la restricción alimentaria patológica fue más frecuente en los atletas con GCPE altos para ambos sexos, que no se reflejan en los otros atributos de los CAI.
Palabras clave: Conducta alimentaria; Los deportistas; Adolescentes; Deporte.
Introdução
Os comportamentos alimentares inadequados dizem respeito a atitudes patogênicas voltadas para a manutenção ou alteração do peso corporal (Holm-Denoma, Scaringi, Gordon, Van Orden, & Joiner, 2009). Alguns exemplos desses comportamentos são a autoindução de vômitos, a restrição alimentar patológica, o uso de diuréticos/laxativos para a redução de peso, a utilização de esteroides anabólicos para o ganho de massa magra, entre outros (Fortes & Ferreira, 2011; Torstveit, Rosenvinge, & Sundgot-Borgen, 2008). Evidências sugerem elevada prevalência dessas atitudes em atletas (Brito et al., 2012; Rosendahl, Bormann, Aschenbrenner, Aschenbrenner, & Strauss, 2009), principalmente nos que competem em esportes em que a beleza e a forma física são mais exigidas (De Bruin, Oudejans, & Bakker, 2007; Torstveit et al., 2008).
Os comportamentos alimentares inadequados em atletas, segundo Fortes e Ferreira (2011), podem ser desencadeados por conta das peculiaridades do ambiente no qual estão inseridos. Pesquisadores salientam que o âmbito esportivo competitivo é repleto de cobranças e exigências a respeito da otimização do desempenho atlético (Fortes, Paes, Amaral, & Ferreira, 2012b; Michou & Costarelli, 2011). Deste modo, os atletas podem buscar nos hábitos alimentares inapropriados alternativas para tentar atingir a morfologia considerada ideal para a sua respectiva modalidade esportiva, com o intuito de acentuar sua performance esportiva. Contudo, parece que a população geral do sexo feminino é mais vulnerável para tais hábitos quando comparada ao masculino (Durme, Goosens, & Braet, 2012; Rosendhal et al., 2009).
Uma das explicações para essa tendência é justificada pela diferença das características morfológicas encontradas entre os sexos, visto que evidências indicam maior percentual de gordura e menor massa muscular no sexo feminino em relação aos seus pares do sexo masculino (Brito et al., 2012; Fortes & Ferreira, 2011). Todavia, a cultura ocidental costuma valorizar a magreza para o sexo feminino e a musculosidade para o masculino, fazendo com que as mulheres desenvolvam métodos patogênicos para perda/controle de peso corporal (De Bruin et al., 2007). Outras investigações encontraram diferenças de frequências de comportamentos alimentares inadequados em função da faixa etária (Miranda, Conti, Bastos, & Ferreira, 2011) e adiposidade corporal (Scherer, Martins, Pelegrini, Matheus, & Petroski, 2010). Sendo assim, autores recomendam que tais fatores sejam utilizados como covariáveis quando se comparam variáveis comportamentais entre grupos (Fortes & Ferreira, 2011; Fortes, Miranda, Amaral, & Ferreira, 2011).
Outra variável que pode interferir nas condutas alimentares relaciona-se ao grau de comprometimento psicológico ao exercício (GCPE). Este se refere à manutenção do exercício em face de condições adversas e ao grau de interferência que a atividade física tem na vida social do indivíduo (Teixeira, Hearst, Matsudo, Cordás, & Conti, 2011). Estudos apontam a existência de atletas que se comprometem excessivamente ao treinamento físico, independentemente de seu perfil antropométrico, com o propósito de aperfeiçoamento do rendimento esportivo ou apenas emagrecimento (Fortes, Almeida, Laus, & Ferreira, 2012a). No entanto, não foi encontrada nenhuma investigação que tenha comparado atributos do comportamento alimentar inadequado em função do GCPE na população de jovens atletas brasileiros. Dessa maneira, a presente pesquisa caracteriza-se como a primeira a identificar possíveis diferenças de construtos dos comportamentos alimentares inadequados segundo o GCPE em esportistas.
Conhecer os fatores que se relacionam de alguma forma aos comportamentos alimentares inadequados em atletas torna-se uma investigação de importância central para os profissionais da área da saúde, em especial para o técnico esportivo. Este profissional poderia ficar atento às atitudes de seus atletas em treinamentos e competições, podendo propor estratégias de intervenção mediante a observação de alguma atitude de risco ao comportamento alimentar inadequado ou ao GCPE. Ademais, incluir atletas do sexo masculino na investigação poderia preencher possíveis "lacunas" na literatura dessa área, proporcionando a esse público um atendimento mais adequado às suas reais necessidades. Diante dos apontamentos acima, o objetivo do presente estudo foi comparar os atributos do comportamento alimentar inadequado em função do GCPE entre atletas de ambos os sexos.
Métodos
Amostra
Trata-se de uma análise transversal realizada no ano de 2011 com jovens atletas brasileiros, pertencentes a clubes localizados nas cidades do Rio de Janeiro/RJ, Três Rios/RJ, Belo Horizonte/MG, Juiz de Fora/MG e Barbacena/MG. Somente foram incluídos na pesquisa sujeitos que apresentavam rotina de treinamento físico sistematizado, com frequência e duração mínimas de três vezes na semana e 1h/dia, respectivamente. Em adição, os atletas deveriam ter participado de competições oficiais. Desse modo, foram incluídos no estudo 620 atletas, com idades entre 10 e 19 anos, de ambos os sexos, com tempo médio de treinamento de 3,19 (±1,08) anos, de acordo com o seu esporte praticado (atletismo, basquete, esgrima, futebol, ginástica artística, handebol, judô, natação, nado sincronizado, polo aquático, saltos ornamentais, tae-kwon-do, triatlo e voleibol). No entanto, 40 desses sujeitos foram excluídos da amostra por não responderem aos questionários em sua totalidade ou por apresentarem dados antropométricos com variância de medida maior que 10%, avaliada pelo método do "Erro Técnico de Medida" (ETM), obtido pela seguinte fórmula: ETM = √∑d2/2n (d = diferença entre as medidas e n = quantidade de medidas em um mesmo local).
Para os menores de 18 anos, seus responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, que explicava os objetivos e procedimentos do estudo, autorizando a participação voluntária de seu(ua) filho(a) na pesquisa. Foi garantido o anonimato de todos os sujeitos da investigação. Além disso, este estudo somente foi desenvolvido após receber o número do parecer do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (232/2010), de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Instrumentos
Eating Attitudes Test (EAT)
Foi utilizado o questionário EAT-26, composto por 26 questões. Os itens estão distribuídos em três subescalas, cada uma correspondendo a um atributo do comportamento alimentar de risco para os transtornos alimentares, a saber: a) dieta - diz respeito à recusa patológica a alimentos com alto teor calórico e preocupação com a aparência física; b) bulimia e preocupação com os alimentos - refere-se a episódios de compulsão alimentar, seguidos por comportamentos purgativos para perda/controle de peso corporal; e c) autocontrole oral - reflete o autocontrole em relação à comida e avalia forças ambientais e sociais estimulantes à ingestão alimentar. O EAT-26 aplicado em adolescentes do sexo feminino foi validado por Bighetti, Santos, Santos e Ribeiro (2004), apresentando consistência interna de 0,82, avaliada pelo alfa de Cronbach. Para jovens do sexo masculino foi utilizado o EAT-26 validado para adolescentes brasileiros por Fortes, Ferreira, Amaral, Conti e Cordás (no prelo), cujo valor de consistência interna foi de 0,87, e não se constatou diferença no teste-reteste, apresentando então boa fidedignidade e reprodutibilidade desse questionário. Para a amostra do presente estudo, o alfa de Cronbach foi calculado identificando-se valores de 0,89 e 0,92 para atletas do sexo feminino e masculino, respectivamente. Além disso, encontraram-se valores acima de 0,70 para a consistência interna de todas as subescalas do EAT-26, em ambos os sexos. A pontuação do EAT-26 é obtida pela soma dos seus itens. Escore igual ou maior que 20 representa indivíduo com comportamento alimentar de risco para transtornos alimentares (EAT+). Existem seis opções de resposta, que variam de 0 a 3 pontos (sempre = 3, muitas vezes = 2, frequentemente = 1, poucas vezes = 0, quase nunca = 0 e nunca = 0). A única questão que apresenta pontuação em ordem invertida é a 25 (sempre = 0, muitas vezes = 0, frequentemente = 0, poucas vezes = 1, quase nunca = 2 e nunca = 3).
Commitment Exercise Scale (CES)
Para determinar o grau de comprometimento psicológico que um indivíduo possa ter com o hábito de se exercitar, aplicou-se a CES. O instrumento foi traduzido, adaptado e validado para a língua portuguesa por Teixeira et al. (2011), sendo denominado Escala de Dedicação ao Exercício (EDE), que apresentou alfa de Cronbach de 0,79. A EDE avalia o grau com que sensações de bem-estar são moduladas pelo exercício, a manutenção do exercício em face de condições adversas e o grau de interferência que a atividade física tem em compromissos sociais do indivíduo. Trata-se de uma escala analógica visual, composta por oito questões, que variam de 0 a 155 mm e, portanto, com uma pontuação máxima de 1.240 mm. Calculou-se a consistência interna para a presente amostra, identificando-se alfa de Cronbach de 0,85 para os participantes do sexo feminino e 0,88 para os do sexo masculino. Seguindo recomendações de Gapin e Petruzzello (2011), utilizou-se a mediana da EDE para classificar grupos segundo o GCPE. Desse modo, atletas que apresentaram escores iguais ou maiores que 678 e 724 para o sexo feminino e masculino, respectivamente, foram incluídos no grupo com elevado GCPE (EDE+).
Avaliação antropométrica
O percentual de gordura foi estimado pelo método duplamente indireto, mensurando-se as dobras cutâneas triciptal e subescapular. Utilizou-se o protocolo de Slaughter et al. (1988) para executar tal estimativa. Essas medidas foram realizadas de forma rotacional e coletadas três vezes, considerando-se a média dos valores. Elas foram realizadas pelo mesmo avaliador para aumentar a fidedignidade da avaliação, e realizou-se o cálculo do ETM proposto por Perini, Oliveira G. L., Ornellas e Oliveira F. P. (2005), excluindo dados com variância maior que 10%.
Dados demográficos
Aplicou-se um questionário qualitativo a fim de se avaliarem dados demográficos como: idade, sexo, tipo de esporte e regime de treinamento (frequência semanal e duração da sessão de treino).
Procedimentos
A coleta de dados ocorreu durante os meses de março a junho de 2011, em salas disponibilizadas pelos clubes participantes da pesquisa. Uma semana antes da aplicação dos questionários e aferições antropométricas, foram distribuídos os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para que os pais dos esportistas autorizassem a coleta de dados.
Por conseguinte, a pesquisa foi dividida em dois momentos. No primeiro, os jovens responderam aos instrumentos (EAT-26 e EDE), acrescido de um questionário qualitativo para identificação de dados demográficos (idade, sexo, tipo de esporte e regime de treinamento). Essa etapa foi realizada em grupo, por um único pesquisador, que padronizou as explicações verbais, evitando assim interferências intra-avaliadores. O tempo médio de preenchimento dos questionários foi de 35 minutos.
Em seguida, os participantes foram conduzidos para outra sala, trajando o mínimo de roupas. Nesse segundo momento foram mensuradas dobras cutâneas de forma individual, não sendo permitida a entrada de mais de um atleta ao mesmo tempo.
Análise estatística
Utilizaram-se medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão e frequência relativa) para descrever as variáveis do estudo. Conduziu-se análise multivariada de covariância (MANOVA), utilizando a idade e o percentual de gordura como covariáveis para comparar escores das subescalas do EAT-26, em função dos grupos de GCPE (EDE+ e EDE-), segundo o sexo. O post hoc de Bonferroni foi utilizado para identificar tais diferenças. Além disso, recorreu-se à regressão logística binária para calcular a razão de chances ("oddsratio") do GCPE sobre os comportamentos alimentares de risco para os transtornos alimentares. Todos os dados foram tratados no software SPSS 17.0, adotando-se nível de significância de 5%.
Resultados
Os resultados evidenciaram a participação de 580 jovens atletas (116 do sexo feminino e 464 do sexo masculino), com médias de 19,35 (±7,29) para o percentual de gordura, 14,95 (±2,00) anos para a idade e 3,19 (±1,08) horas/treino para o regime de treinamento diário. A descrição (média e desvio padrão) das variáveis EAT-26, EDE, percentual de gordura, idade e regime de treino diário segundo o sexo pode ser observada na Tabela 2. Acrescentando, os escores do EAT-26 apontaram prevalências de 18,1% e 14,4% de comportamentos alimentares de risco para transtornos alimentares em jovens atletas do sexo feminino e masculino, respectivamente.
A respeito da comparação das subescalas do EAT-26 de acordo com o grupo de GCPE, o post hoc de Bonferroni demonstrou diferenças estatisticamente significativas para o atributo Dieta no sexo feminino (F(2) = 4,23; p = 0,036). Deste modo, os achados apontam que atletas do sexo feminino com GCPE elevado (EDE+) recusavam alimentos com alto teor calórico em maior frequência, além de apresentarem maior descontentamento com a aparência física quando comparadas às esportistas com GCPE reduzido (EDE-). Contudo, a análise multivariada de covariância não evidenciou diferença estatística das subescalas Bulimia e Preocupação com Alimentos (F(2) = 1,23; p = 0,27) e Autocontrole Oral (F(2) = 1,26; p = 0,18), de acordo com os grupos de GCPE, conforme ilustrado na Tabela 3. Os resultados apontaram ainda que a idade esteve relacionada somente com os escores das subescalas Dieta (F(1) = 15,32; p = 0,001) e Bulimia e Preocupação com Alimentos (F(1) = 11,45; p = 0,01). No entanto, os achados não demonstraram relação do percentual de gordura com as subescalas do EAT-26 no sexo feminino. Salienta-se que o propósito da MANOVA é inibir os efeitos de uma covariável, neste caso a idade e o percentual de gordura, sobre a variável critério (subescalas do EAT-26).
Em relação às comparações das subescalas do EAT-26 em função do GCPE, os resultados apresentaram diferenças estatisticamente significativas nos fatores Dieta (F(2) = 3,77; p = 0,021) e Bulimia e Preocupação com Alimentos (F(2) = 2,14; p = 0,046) no sexo masculino (Tabela 4). Sendo assim, os achados indicam que atletas do sexo masculino com escores iguais ou superiores a 724 na EDE (EDE+) recusavam com maior frequência ingerir alimentos com altos teores calóricos, além de demonstrarem mais hábitos cotidianos para episódios de compulsão alimentar, seguidos de métodos patogênicos para o controle de peso, quando comparados aos esportistas do grupo EDE-. Ademais, a MANOVA apontou que a idade esteve relacionada com os escores das subescalas Dieta (F(1) = 9,55; p = 0,01), Bulimia e Preocupação com Alimentos (F(1) = 14,97; p = 0,001) e Autocontrole Oral (F(1) = 8,21; p = 0,02). Por fim, os achados demonstraram relação do percentual de gordura apenas com a subescala Dieta (F(1) = 17,74; p = 0,001) para o sexo masculino.
No que tange à razão de chances para os comportamentos alimentares de risco para os transtornos alimentares, a regressão logística binária demonstrou achados estatisticamente significativos (p < 0,05). Desta maneira, identificou-se que atletas do sexo feminino com elevado GCPE (EDE+) apresentaram 143,3% de chances a mais para aderirem aos comportamentos alimentares inadequados em relação àquelas com baixo GCPE (EDE-) (Wald = 12,6; p = 0,028). Além disso, assim como no sexo feminino, evidenciaram-se maiores chances (108%) para os comportamentos alimentares de risco para os transtornos alimentares em atletas do sexo masculino do grupo EDE+ (Wald = 28,93; p = 0,001), como pode ser observado na Tabela 5.
Discussão
O estudo teve como objetivo comparar atributos do comportamento alimentar em função do GCPE entre atletas de ambos os sexos. Os principais achados da presente pesquisa foram identificar diferenças nas subescalas do EAT-26 entre atletas com alto (EDE+) e baixo (EDE-) GCPE em ambos os sexos e evidenciar maior chance para o comportamento alimentar de risco para transtornos alimentares em jovens esportistas que se comprometiam demasiadamente com o treinamento físico.
Pesquisadores têm salientado que atletas do sexo feminino com alimentação transtornada costumam praticar exercícios além do necessário (De Bruin, Oudejans, Bakker, & Woertman, 2011; Durme et al., 2012; Gonçalves & Gomes, 2012). Brito et al. (2012) ressaltam ainda que esportistas do sexo feminino com elevado GCPE parecem estar propensas a recusar alimentos por longos períodos. Sendo assim, os resultados da presente pesquisa estão de acordo com o que a literatura expõe, pois foram encontrados maiores escores do atributo Dieta em atletas do grupo EDE+. Talvez a restrição à ingestão de alimentos com alto teor calórico e a preocupação com a aparência física sejam mediadores para o aumento do tempo de prática de treinamento físico diário. Resultados de algumas investigações parecem corroborar essa suposição (Gonçalves & Gomes, 2012; Michou & Costarelli, 2011).
Outros estudos têm demonstrado que a compulsão alimentar pode estar associada ao comprometimento psicológico ao exercício físico (Brito et al., 2012; Gonçalves & Gomes, 2012). No entanto, essa relação parece não ser clara entre as atletas. Os sintomas de bulimia estão vinculados ao desejo de emagrecimento (Fortes & Ferreira, 2011; Fortes et al., 2012b), enquanto o aumento da frequência/tempo para a prática de exercício físico tem sido descrito como consequência da ambição para o ganho de massa muscular (Fortes et al., 2012a). Deve-se ressaltar que o treinamento físico excessivo é considerado um dos métodos compensatórios para o controle de peso corporal (De Bruin et al., 2007; Rosendahl et al., 2009). Deste modo, é possível que atletas com sintomas de bulimia e preocupação exagerada com os alimentos despendam grande parte do tempo praticando atividades físicas com o intuito de queimar calorias. Entretanto, não se encontrou diferença de frequência de compulsão alimentar e preocupação com alimentos entre atletas do sexo feminino com GCPEs distintos.
Acrescentando, a literatura científica tem preconizado o papel que o ambiente (mídia, amigos e familiares) pode exercer sobre os comportamentos alimentares de jovens (Fortes et al., 2012b; De Bruin et al., 2007; Rosendahl et al., 2009). Parece que a magreza no sexo feminino está associada à aceitação social (De Bruin et al., 2011). Desta forma, a idealização de corpo magro e às pressões realizadas por amigas e familiares a respeito do emagrecimento são considerados fatores determinantes para o desencadeamento dos comportamentos alimentares transtornados (Bighetti et al., 2004; Michou & Costarelli, 2011). Contudo, autores argumentam que o GCPE não está agremiado às forças ambientais que impulsionam a ingestão/recusa alimentar (Fortes et al., 2012a). Sendo assim, os resultados do presente estudo corroboram a tendência supracitada.
No que concerne às comparações do atributo Dieta no sexo masculino, o post hoc de Bonferroni evidenciou que atletas com elevado GCPE (EDE+) demonstraram maior frequência de recusa patológica alimentar e preocupação com a aparência física, quando comparados aos esportistas com menor GCPE (EDE-). Do mesmo modo como foi dito para o sexo feminino, talvez a restrição patológica para a ingestão de comida e o descontentamento com a aparência corporal sejam intermediários para acentuação do tempo de prática de atividade física diária. Portanto, estima-se que os atletas praticantes de modalidades esportivas estéticas (saltos ornamentais, ginástica artística), com divisão por classe de peso (judô, tae-kwon-do, esgrima) ou de resistência (triatlo) estejam mais vulneráveis à dependência psicológica ao treinamento esportivo, pois evidências indicam elevadas frequências de comportamentos de restrição alimentar em competidores desses esportes (Brito et al., 2012; Durme et al., 2012; Gapin & Petruzzello, 2011).
Por outro lado, pesquisadores afirmam que os comportamentos purgativos para o controle de peso não estão relacionados ao tipo de esporte (Fortes & Ferreira, 2011; Fortes et al., 2012b). No entanto, evidências sugerem que, quando a prática de exercício físico costuma interferir no âmbito social do esportista, pode-se considerar então um evento patológico (Brito et al., 2012; Fortes et al., 2012a). Deste modo, atletas que apresentem métodos patológicos para manutenção de peso como hábitos cotidianos e sejam extremamente comprometidos com a prática de exercício físico, além do essencial, podem ter os riscos aumentados para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Os achados do presente estudo para o sexo masculino apontaram o grupo EDE+ com maiores frequências de comportamentos purgativos e preocupação com alimentos. No entanto, esse resultado não quer dizer que tais atletas tenham diagnóstico para transtornos alimentares, pois, apesar da diferença estatística encontrada para o grupo EDE-, a média e o desvio padrão para a subescala Bulimia e Preocupação com Alimentos do EAT-26 foram semelhantes em relação a outras investigações (Michou & Costarelli, 2011; Rosendahl et al., 2009).
A respeito das comparações do atributo Autocontrole Oral entre os atletas do sexo masculino, os resultados da presente pesquisa não indicaram diferenças para os grupos de GCPE. Sendo assim, parece que os comportamentos alimentares deletérios à saúde modulados por determinantes ambientais não diferem em função do GCPE. Em contrapartida, autores salientam que o ambiente de treinamento, caso tenha um número elevado de atletas que sejam altamente comprometidos com o exercício físico, pode predispor os demais esportistas a adquirirem hábitos semelhantes, como é o caso do aumento do tempo despendido com o treinamento físico (Fortes et al., 2012a; Gapin & Petruzzello, 2011). Em adição, existem evidências que apontam o esporte competitivo como ambiente repleto de cobranças no que tange à otimização do desempenho atlético (De Bruin et al., 2011). Neste sentido, o atleta pode ficar mais vulnerável para o desenvolvimento de atitudes inadequadas, as quais acredita maximizarem sua performance esportiva, tais como: restrição alimentar, prática extenuante de atividade física, autoindução de vômitos, entre outras (Brito et al., 2012; Fortes & Ferreira, 2011).
Por fim, o modelo de regressão logística evidenciou maior risco para os comportamentos alimentares inadequados em atletas com elevado GCPE (EDE+), demonstrando 14,33 e 10,80 vezes mais chances para o sexo feminino e masculino, respectivamente, quando comparado ao grupo EDE-. Talvez atletas que se comprometam de forma patológica ao exercício físico também utilizem concomitantemente hábitos como restrição alimentar, autoindução de vômitos, uso de laxativos/diuréticos ou esteroides para perda/manutenção/ganho de peso corporal, independentemente do sexo.
O presente estudo procurou preencher uma lacuna do conhecimento. Entretanto, apresentou limitações que merecem ser destacadas. A primeira foi utilizar ferramentas autorreportadas como instrumentos norteadores de pesquisa. Alguns autores argumentam que os participantes podem não responder com fidedignidade aos questionários, por permitirem respostas subjetivas (Torstveit et al., 2008). Por outro lado, vários pesquisadores recomendam a sua utilização em investigações com grandes amostras, pois constam de método de fácil aplicabilidade, além de baixo custo financeiro (Fortes & Ferreira, 2011; Fortes et al., 2012b). A segunda limitação foi ter avaliado a adiposidade corporal por intermédio do método duplamente indireto (dobras cutâneas). Alguns pesquisadores recomendam utilizar métodos como a densitometria radiológica de dupla energia ou a impedância bioelétrica para avaliar composição corporal em atletas (Fortes et al., 2011). Todavia, salienta-se o alto dispêndio financeiro na utilização dos equipamentos necessários. Deste modo, De Bruin et al. (2007) e Fortes et al. (2012b) recomendam avaliar o perfil de gordura corporal de atletas com método bi-compartimentado, como é o caso das dobras cutâneas. Acredita-se que esta investigação acrescente importantes lacunas do conhecimento sobre variáveis comportamentais em atletas brasileiros, que até então haviam sido pouco exploradas.
Conclusão
Os resultados permitiram concluir que os atributos do comportamento alimentar diferiram em função do GCPE, tanto para o sexo feminino quanto para o masculino. Destaca-se ainda que a restrição alimentar patológica foi característica mais frequente em atletas com elevado GCPE, para ambos os sexos.
Recomenda-se acompanhamento nutricional e psicológico para jovens atletas, com o propósito de reduzir a assiduidade de atitudes alimentares deletérias à saúde, bem como diminuir o acentuado comprometimento psicológico ao treinamento físico. Ressalte-se ainda a importância de se implementarem programas de treinamento para os técnicos esportivos, no intuito de instruí-los para identificarem comportamentos alimentares prejudiciais à saúde no âmbito esportivo.
Finalmente, sugere-se que sejam realizados estudos comparando fatores dos comportamentos alimentares em razão dos níveis competitivos e do regime de treinamento de esportistas jovens brasileiros.
Referências
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Endereço para correspondência:
Leonardo de Sousa Fortes
leodesousafortes@hotmail.com
Maria Elisa Caputo Ferreira
caputoferreira@terra.com.br
Submetido em: 11/11/2012
Revisto em: 15/07/2013
Aceito em: 16/07/2013