Arquivos Brasileiros de Psicologia
ISSN 1809-5267
ARTIGOS
Habilidades sociais educativas de cuidadores de crianças institucionalizadas
Educative social skills of caregivers of institutionalized children
Habilidades sociales educativas de cuidadores de niños institucionalizados
Lívia Lira GuerraI; Zilda Pereira Del PretteII
IMestre e Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos. Estado de São Paulo. Brasil
IIDocente do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, Brasil. Vinculada ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia: Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Bolsista CNPq Pq1A (306002/2017-5)
RESUMO
Este estudo analisou possíveis relações entre o repertório de habilidades sociais educativas dos cuidadores e as habilidades sociais e problemas de comportamento de crianças em situação de acolhimento institucional. Participaram 36 crianças, de 6 a 12 anos, bem como 19 cuidadores responsáveis, que responderam sobre as crianças no Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS-BR) e sobre si no Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette) e o Inventário de Habilidades Sociais Educativas (IHSE-Del-Prette). A amostra de crianças apresentou escores abaixo da norma para habilidades sociais e acima para problemas de comportamento; a de cuidadores apresentou escores normativos para habilidades sociais e abaixo da norma para habilidades sociais educativas. São discutidas possíveis implicações práticas e de pesquisa das habilidades sociais educativas de cuidadores sobre o desenvolvimento socioemocional de crianças institucionalizadas.
Palavras-chave: Habilidades sociais; Acolhimento institucional; Habilidades sociais educativas; Cuidadores.
ABSTRACT
This study analyzed issues related to the repertoire of educative social skills of caregivers and the social skills and behavioral problems of institutionalized children. Participants included 36 children aged 6 to 12 years, as well as 19 responsible caregivers, who evaluated children with the Social Skills Rating System (SSRS-BR) and their own repertoire with the Social Skills Inventory (IHS-Del-Prette) and with the Educative Social Skills Inventory (IHSE -Del-Prette). Children scored below the norm for social skills and above for behavior problems. Caregivers achieved normative scores for social skills, but scored below the norm for educative social skills. Discussion focuses on possible practical and research implications of the educative social skills of caregivers on the socioemotional development of institutionalized children.
Keywords: Social skills; Institutional care; Educative social skills; Caregivers.
RESUMEN
Este estudio analizó posibles relaciones entre el repertorio de habilidades sociales educativas de los cuidadores y las habilidades sociales y problemas de comportamiento de los niños en situación de acogida institucional. En el Inventario de Habilidades Sociales (IHS-Del-Prette) y en el Inventario de Habilidades Sociales (IHS-Del-Prette) y en el Inventario de Habilidades Sociales (IHS-Del-Prette), participaron 36 niños, de 6 a 12 años, así como 19 cuidadores responsables, que respondieron sobre los niños en el Sistema de Evaluación de Habilidades Sociales (SSRS-BR) Inventario de Habilidades Sociales Educativas (IHSE-Del-Prette). La muestra de niños presentó escores por debajo de la norma para habilidades sociales y para los problemas de comportamiento; la de cuidadores presentó escores normativos para habilidades sociales y por debajo de la norma para habilidades sociales educativas. Se discuten posibles implicaciones prácticas y de investigación de las habilidades sociales educativas de cuidadores sobre el desarrollo socioemocional de niños institucionalizados.
Palabras clave: Habilidades sociales; Acogida institucional; Habilidades sociales educativas; Cuidadores.
Introdução
O acolhimento institucional1 é uma medida de proteção temporária prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aplicada a crianças e adolescentes2 cujos direitos foram desrespeitados pela exposição à violência doméstica, dependência química dos pais, abandono, pobreza material, vivência de rua, orfandade e outros (Lei Nº 8.069, 1990). Os órgãos de Justiça determinam a suspensão, não a perda, do poder familiar e concedem a guarda temporária do menor ao responsável pela instituição de acolhimento. Os menores devem permanecer afastados da família biológica até que as condições adequadas de convivência se reestabeleçam ou que as crianças sejam adotadas (em último caso).
Além da exposição aos fatores relacionados ao contexto familiar anterior ao acolhimento, que acarretam atrasos no desenvolvimento físico, cognitivo e socioemocional das crianças (Chaves, Lima, Mendonça, Custódio, & Matias, 2013; Souza, & Carvalho, 2012), a literatura aponta que o ambiente institucional geralmente não oferece condições propícias para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes (Bakermans-Kranenburg, IJzendoorn, & Juffer, 2008). Dentre os principais motivos estão o elevado número de crianças por cuidador e alta rotatividade deles, a baixa estimulação para o desenvolvimento socioemocional nesses ambientes, superpopulação nos abrigos e a consequente redução na qualidade do cuidado e no estabelecimento de laços afetivos (Bakermans-Kranenburg et al., 2008).
Desta maneira, a institucionalização, em si mesma, pode constituir campo propício aos fatores de risco (Yunes, Miranda, & Cuello, 2004). No entanto, de acordo com Sigal, Perry, Rossignol e Ouimet (2003), estudos revisados evidenciam que certas características podem agravar ou minimizar os efeitos da institucionalização no desenvolvimento, tais como: o temperamento, a idade e o modo como ocorreu a institucionalização, o tempo de permanência na instituição, a qualidade do cuidado institucional, o ambiente após a saída da instituição. A instituição de acolhimento, portanto, constitui um microssistema que, a depender de suas características, poderia conter fatores de risco ou constituir um espaço alternativo de desenvolvimento dessas crianças.
Um amplo repertório de habilidades sociais (HS), por sua vez, tem sido apontado como fator de proteção a problemas de comportamento (PC) no curso do desenvolvimento infantil (Cecconelo, & Koller, 2000), inclusive para crianças em situação de vulnerabilidade. As HS são as "classes de comportamentos sociais do indivíduo, que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas" (Del Prette, & Del Prette, 2005, p. 31) e, na infância, são preditoras dos PC (Casali-Robalinho, Del Prette, & Del Prette, 2015). Já as Habilidades Sociais Educativas (HSE) são "aquelas intencionalmente voltadas para a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem do outro, em situação formal ou informal" (Del Prette, & Del Prette, 2013a, p. 95) e são chamadas de educativas em função dos efeitos que produzem ou da probabilidade de gerarem mudanças no repertório comportamental das crianças (filhos ou alunos, por exemplo).
A reconhecida influência dos fatores ambientais no desenvolvimento das HS é aliada a estudos específicos sobre a predisposição genética para algumas delas, como a empatia (Gaspar, 2014; Justo, Carvalho, & Kristensen, 2014). No entanto, mesmo que exista uma tendência filogenética para a empatia, o seu desenvolvimento está associado à interação entre diversas variáveis, tais como o temperamento, o desenvolvimento cognitivo, os estilos parentais e o relacionamento entre pais e filhos (Justo et al., 2014). Por isso, quando as primeiras experiências, ou seja, as condições ambientais, antes referidas, não são favoráveis ao processo de aprendizagem da empatia e do repertório geral de HS, podem ocorrer os déficits nesse repertório. Os déficits em HS, durante a infância, estão associados a PC de aprendizagem e diferentes transtornos psicológicos em fases posteriores do desenvolvimento (Del Prette, & Del Prette, 2005).
Na perspectiva teórica adotada no presente trabalho, os PC são excessos ou déficits comportamentais que dificultam o acesso da criança a novas contingências de reforçamento e por isso, competem ou interferem na aprendizagem ou no desempenho das HS (Del Prette, & Del Prette, 2005). Conforme detalhado por Del Prette e Del Prette (2005), eles podem ser caracterizados como externalizantes, quando se apresentam basicamente em relação a outras pessoas e envolvem impulsividade, agitação, provocações e comportamento desafiador excessivo, agressão física ou verbal, baixo controle de humor; ou como internalizantes, quando expressam-se predominantemente em relação ao próprio indivíduo, envolvendo tristeza, retraimento, timidez, insegurança, medos, inibição excessiva e são indicativos de ansiedade, depressão, baixa autoestima, isolamento social etc.
No contexto das instituições de acolhimento, o cuidador é o adulto de referência para as crianças e sua atuação pode estabelecer ou restringir condições favoráveis ao desenvolvimento socioemocional das crianças sob seus cuidados. Tal atuação pode ser ou não sustentada por HSE dos cuidadores. No que diz respeito às HSE, em revisão sistemática realizada por Vieira-Santos, Del Prette e Del Prette (2018) sobre a produção brasileira nessa temática, os autores constataram que a maioria dos estudos empíricos estava voltada para a relação pais-filhos. Pouquíssimos estudos focalizaram outros tipos de agentes educativos, não obstante se reconheça a importância do papel dos cuidadores e os desdobramentos possíveis, em geral negativos, de uma atuação desses agentes quando não comprometidos com o desenvolvimento dessas crianças. O presente estudo, portanto, teve o objetivo geral de caracterizar o repertório de HS e HSE dos cuidadores responsáveis por crianças em situação de acolhimento institucional e suas possíveis relações com o repertório social dessas crianças, especificamente HS e PC.
Método
O estudo foi conduzido de acordo com as normas éticas da Pesquisa com Seres Humanos e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (Protocolo no 474.260). Além da autorização de cada instituição para a pesquisa e a participação das crianças, foi pedido aos cuidadores e às crianças a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), respectivamente.
Participantes
Participaram deste estudo 36 crianças (52,8% meninos e 47, 2% meninas), na faixa etária dos 6 aos 12 anos e que cursavam do 1º ao 6º ano do Ensino Fundamental (todos em escolas públicas). Participaram ainda 19 cuidadores, entre 23 e 62 anos de idade, com escolaridade variando do Ensino Fundamental Completo até o Ensino Superior Completo, como sujeitos e como informantes em relação às crianças. Para as crianças, o critério de inclusão foi o tempo de acolhimento superior a um mês e o de exclusão foi a presença de transtorno grave do desenvolvimento. Para os cuidadores, o critério de inclusão foi o tempo de trabalho na instituição superior a um mês, supondo que esse é um tempo mínimo suficiente para conhecerem as crianças. A idade média das crianças, no momento em que começaram a participar da pesquisa, foi de 9,08 anos (dp = 1,88) e a amostra apresentou uma distribuição equilibrada entre as faixas etária de 6, 7, 8 e 9 anos (n = 18; 50%) e 10, 11 e 12 anos (n = 18; 50%). Os anos escolares predominantes foram o 4º, 5º e 6º (n = 23; 63,9%). O motivo do acolhimento mais frequente foi a dependência química dos pais, seguido da negligência e violência doméstica. O tempo médio de institucionalização foi de 15,69 meses (dp = 19,17), sendo a faixa de institucionalização de 1 a 20 meses a mais frequente (75%).
Os dados sociodemográficos da amostra de cuidadores permitem verificar a quase totalidade do sexo feminino entre os participantes. A média da idade, no início da pesquisa era de 37,79 anos (dp = 9,87). O nível de escolaridade de maior representação foi o Ensino Médio, seguido do Ensino Fundamental Completo. Conforme Critério Brasil (2015)3, o nível socioeconômico variou de B1 a DE, com maior concentração em B2 e C1. O tempo médio de trabalho na instituição foi de 29,53 meses (dp = 33,022), no entanto, a faixa de tempo dos 2 aos 8 meses teve a maior representação (n = 7; 36,8). O estudo foi realizado com participantes de quatro instituições de acolhimento, mantidas com verbas municipais e filantrópicas, localizadas em três cidades de médio porte do interior de São Paulo. As coletas ocorreram nas salas utilizadas como bibliotecas, das respectivas instituições. Todas elas são configuradas como abrigo de pequeno porte de atendimento integral, uma delas possui também quatro unidades da modalidade Casa-Lar.
Instrumentos
Inventário de Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento e Competência Acadêmica para Crianças - SSRS (Gresham, & Elliot, 2016)
Trata-se de adaptação de instrumento desenvolvido nos Estados Unidos (Social Skills Rating System) e adaptado no Brasil pela equipe da segunda autora deste estudo. No presente estudo, foram utilizadas as versões de autoavaliação da criança e a versão de avaliação das crianças pelos pais (HS e PC) que foi preenchida pelos cuidadores. Para isso, foram feitas algumas adaptações de conteúdo dos itens do instrumento original, mantendo-se, porém, a caracterização das classes de HS e PC do instrumento original.
Inventário de Habilidades Sociais - IHS-Del-Prette (Braz, Fontaine, Del Prette, & Del Prette, 20164)
Trata-se de um instrumento de autorrelato para avaliação de HS com normas preliminares para adultos até 60 anos. Os itens produzem um escore total (α = 0,838) e cinco fatores: F1 - Conversação e desenvoltura social (α = 0,825); F2 - Expressão de sentimento positivo (α = 0,741); F3 - Assertividade de autodefesa (α = 0,663); F4 - Assertividade de autoexposição social (α = 0,664) e F5 - Assertividade afetivo-sexual (α = 0,654). O valor do Alpha de Cronbach na presente amostra foi 0,65.
Inventário de Habilidades Sociais Educativas para Pais - IHSE-Pais (Del Prette, & Del Prette, 2013b5)
Trata-se de um inventário de autorrelato com 60 itens que descrevem comportamentos sociais apresentados na relação com os filhos, respondidos e avaliados pelos pais em uma escala Likert. Também foram feitas algumas alterações na redação dos itens do instrumento original, para adaptá-los à situação de cuidado institucional, respeitando-se, no entanto, as classes de HSE. O Alpha de Cronbach foi de 0,74.
Questionário de Habilidades Sociais Educativas do Cuidador- em versão criança (QHSEC)
Conjunto de 15 itens que descrevem comportamentos sociais apresentados pelo cuidador na relação com a criança, elaborados com base nos itens dos cinco fatores do IHSE-Pais, elaborado especialmente para este estudo, mas considerando as evidências psicométricas do IHSE-Pais (Del Prette, & Del Prette, 2013b). As crianças respondem em uma escala tipo Likert de três pontos: 0 (nunca), 1 (às vezes), 2 (quase sempre/sempre). São exemplos destes itens: Ele(a) conversa comigo sobre meus planos e atividades; Ele(a) sabe quando eu estou triste; Ele(a) faz jogos e brincadeiras comigo. A tabulação dos dados produz, conforme o IHSE-Pais, um escore geral (α = 0,78) que está sendo tomado como um indicador de HSE do cuidador, utilizado para comparação de dados, ainda que em caráter exploratório do presente trabalho.
Fichas de Caracterização, da criança e do cuidador
Conjunto de itens elaborados para registrar o nome e as características sociodemográficas das crianças e dos cuidadores (idade, gênero, naturalidade, escolaridade, motivo do acolhimento, estado civil e tempo de trabalho na instituição).
Procedimento
O contato com as instituições se deu inicialmente junto aos coordenadores dos respectivos abrigos, explicando as características e os objetivos do trabalho e obtendo-se a autorização para a realização da pesquisa. A coleta de dados com cada criança e cuidador foi individualizada. Em todas as instituições, exceto uma, os cuidadores de referência avaliaram as crianças sob sua responsabilidade. Nesta exceção, o cuidador que avaliou cada criança foi indicado pela coordenação, considerando o que tinha mais conhecimento sobre a criança. Assim, do total de 19 cuidadores, 9 avaliaram uma criança, cinco avaliaram duas crianças, três avaliaram três crianças e apenas duas avaliaram quatro crianças.
Tratamento dos dados
As respostas aos inventários foram organizadas em planilhas do software estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0, e convertidas em escores com base nas orientações dos respectivos manuais. A distribuição das variáveis contínuas foi examinada com medidas descritivas (simetria, curtose, média, desvio-padrão, mediana, valores mínimos e máximos), representadas em histogramas e submetidas ao teste de Kolmogorov-Smirnov6 para verificar a sua normalidade. De acordo com tais critérios, assumiu-se que os dados foram provenientes de uma população normal e, portanto, poderiam ser analisados com testes paramétricos (Dancey, & Reidy, 2013). Em seguida, procedeu-se às análises descritivas e inferenciais pertinentes a cada um dos objetivos da pesquisa, adotando-se um nível de significância de 5% (p ≤ 0,05). Também foram efetuadas análises de consistência interna das escalas utilizadas, por meio do Alpha de Cronbach.
Os dados normativos do IHS-Del Prette (na versão 18-60 anos de Braz et al., 2016) foram utilizados para realizar a análise descritiva das respostas dos cuidadores ao instrumento. No caso do IHSE-cuidador, que foi uma adaptação da versão de pais, foi utilizada a estrutura fatorial e as normas do IHSE-pais, convertendo-se os escores em percentis, classificados da seguinte maneira: repertório deficitário, percentil < 30; médio inferior, percentil ≥ 30 e < 50; médio superior, percentil ≥ 50 e > 70; repertório elaborado, percentil ≥ 70.
Não se dispondo de normas, os dados provenientes do Questionário de Habilidades Sociais Educativas do Cuidador (QHSEC), avaliadas pela criança, foram convertidos em escore geral e calculadas as medidas descritivas (média, mediana, dentre outras). A partir da variação possível do escore bruto (0 a 30), foram efetuadas classificações com base em quartis assim considerados: repertório deficitário (escore < 7,5); médio inferior (escore ≥ 7,5 e < 15); médio superior (escore ≥ 15 e < 22,5) e repertório elaborado (percentil ≥ 22,5). Posteriormente, foram determinadas as frequências absoluta e relativa de cuidadores em cada um dos quartis.
Foram analisadas correlações entre o repertório de HS e PC das crianças em relação ao repertório deHS) e HSE e, para não "inflar" o dado do cuidador, formando-se díades por sorteio para definir qual das crianças por ele avaliadas comporia sua díade. Em seguida, de acordo com o caráter exploratório do presente estudo, foi planejada uma matriz de correlações composta por todas as variáveis contínuas referentes às duas amostras de participantes (19 crianças e 19 cuidadores) e executada por meio do software estatístico SPSS.
Resultados
Dois tipos de resultados serão apresentados: os referentes à caracterização da amostra de cuidadores e as relações entre o repertório de HS e PC das crianças e as HSE dos cuidadores. Quanto à caracterização das HSE da amostra de cuidadores, considerando a variação possível do escore geral 0 a 100 (M = 67,26; MED = 68; DP = 8,58; MIN = 47; MAX = 78), verificou-se uma distribuição aproximadamente normal, com a maioria da amostra (n = 16; 84,2%) situando-se na faixa de repertório médio em HS, igualmente representados pelos escores médio inferior e médio superior. Uma minoria (em torno de 5 a 10%) se situou nos extremos, com repertório elaborado e deficitário.
Especificamente em relação aos fatores, F1 - Conversação assertiva reuniu mais de 80% de participantes com repertório deficitário e médio inferior (n = 16; 83,2%), portanto acima do esperado na amostra normativa. No fator F5 - Abordagem Afetivo-Sexual também a maioria se situou nos repertórios deficitário e médio inferior (n = 15; 78,9%). Na direção oposta, o fator F3 - Autoafirmação e enfrentamento reuniu um grupo maior de participantes nos repertórios médio superior e elaborado (n = 12; 79%) e menor nos repertórios deficitário e médio inferior (n = 4; 21%). Resultados semelhantes, ou seja, com a maior parte da amostra nos repertórios médio superior e elaborado, foram observados nos fatores F2 - Expressão de Sentimento Positivo (n = 12; 63,1%) e F4 - Autoexposição Social (n = 12; 63,1%).
A análise específica de cada um dos itens do IHS-Del-Prette mostrou que, segundo o autorrelato dos cuidadores, o item mais frequente foi: Quando um de meus familiares (filhos, pais, irmãos, cônjuge) consegue alguma coisa importante pela qual se empenhou muito, eu o elogio pelo seu sucesso (M = 3,84; DP = 0,37). A maioria dos cuidadores diz apresentar essa habilidade sempre ou quase sempre (n = 16, 84,2%) e 15,8% (n = 3) muito frequentemente. Não houve respostas com as demais alternativas de frequência. Por outro lado, a habilidade menos frequente foi: Se estou interessado(a) em uma pessoa para relacionamento sexual, consigo abordá-la para iniciar conversação (M = 0,37; DP = 1,01). Conforme as análises, 84, 2% dos cuidadores declararam que nunca emitem esse comportamento (n = 16), 15,8% (n = 3) sempre ou quase sempre o fazem, enquanto que apenas 5,3% (n = 1) fazem isso muito frequentemente, com regular frequência 5,3% (n = 1) e com pouca frequência 5,3% (n = 1).
A Tabela 1 mostra os dados descritivos, em frequência absoluta e relativa, dos cuidadores que apresentaram repertórios deficitário, médio inferior, médio superior e elaborado em HSE.
Como é possível verificar na Tabela 1, o escore geral de HSE (M = 178,16; MED = 181; DP = 31,99; MIN = 104; MAX = 236), tal como relatado pela maior parte dos cuidadores, situou-se como médio inferior (n = 8; 42,1%), sendo este resultado ainda mais expressivo quando somado ao grupo com repertório deficitário (n = 14; 73,7%). Em relação aos fatores, observa-se que F3 - Conversar/Dialogar reuniu mais de 80% de participantes com repertório deficitário e médio inferior (n = 16; 84,3%). Além disso, esse fator apresentou a menor frequência de participantes com repertório médio superior e elaborado (n = 3; 15,8%). O fator F2 - Demonstrar afeto e atenção também apresentou a maioria da amostra nos repertórios deficitário e médio inferior (n = 13; 68,4%). Por outro lado, o fator F4 - Induzir disciplina reuniu a maioria dos participantes nos repertórios médio superior e elaborado (n = 11; 57,9%). Os fatores F1 - Estabelecer limites, corrigir, controlar e F5 - Organizar condições educativas apresentaram resultados semelhantes, ou seja, com uma distribuição aproximadamente equilibrada de participantes entre os fatores.
A análise específica de cada item mostrou que a habilidade mais frequente, na autoavaliação dos cuidadores, foi: Percebo quando a criança está feliz e satisfeita (M = 3,78; DP = 0,41). A maioria delas relatou fazer isso sempre (n = 15; 78,9%), enquanto 21,1% (n = 4) quase sempre. Não houve respostas nas demais categorias de frequência. Contrariamente, o item Uso conteúdo de estórias, poesias, filmes para ensinar comportamentos sociais à criança foi o menos relatado pelos cuidadores (M = 1,73; DP = 1,28). Embora os cuidadores relatem apresentar essa habilidade quase sempre (31,6%; n = 6), muitas vezes (15,8%; n = 3) e sempre (5,3%; n = 1), boa parte delas, raramente (26,6%; n = 5) e nunca (21,1%; n = 4), a apresentam.
A classificação do escore geral de HSE do cuidador, na versão criança (variação possível de 0 a 30) foi mais favorável (M = 20,79; MED = 21; DP = 6,01; MIN = 7; MAX = 28), com muito mais cuidadores no terceiro quartil do que no primeiro (Q1 = 15; Q3 = 26). Ela se situou quase metade da amostra no quartil classificado como repertório elaborado (n = 8; 42,1%), sendo mais de 70% com repertório elaborado e médio superior (n = 14; 73,6%) e 26,4% com repertório deficitário e médio inferior (n = 1; 2,8% - n = 4; 21,1%, respectivamente).
Uma análise específica de cada um dos itens do QHSEC permitiu observar que, segundo a avaliação das crianças, o item Ele (a) te elogia algumas vezes? (M = 1,81; DP = 0,52) foi mais vezes respondido com a frequência máxima (quase sempre/sempre). De acordo com os dados, 86,1% das crianças (n = 31) relataram que seus respectivos cuidadores de referência emitem esse comportamento, 8,3% algumas vezes (n = 3) e apenas 5,6% (n = 2) relataram que os cuidadores nunca emitem. Por outro lado, Ele (a) faz jogos e brincadeiras com você? (M = 0,97; DP = 0,91) foi o item mais vezes respondido pelas crianças com a frequência mínima (nunca). Vale ressaltar que, muito embora 41,7% das crianças (n = 15) tenham relatado que seus cuidadores nunca apresentem esse comportamento, 19,4% (n = 7) relataram que eles exibem algumas vezes e 38,9%, (n = 14), que eles quase sempre/sempre apresentam esse comportamento.
Os resultados referentes às relações entre os dados das crianças e do cuidador são apresentados na Tabela 2, incluindo coeficientes de correlação (r de Pearson) e significância estatística.
Como pode ser visto na Tabela 2, algumas correlações significativas foram moderadas (0,4 a 0,6) e outras foram fortes (0,7 a 0,9) conforme classificação de Dancey e Reidy (2013), podendo-se destacar: (a) correlação negativa entre o escore de autoavaliação da criança em HS e o escore de PC avaliado pelo cuidador; (b) o escore de HS e PC das crianças, ambos na avaliação do cuidador, (c) o escore de HS da criança, na autoavaliação e a avaliação da criança sobre as HSE do cuidador.
Discussão
O presente estudo mostrou que o escore geral de HS da maioria dos cuidadores (mais de 80%) foi classificado como médio inferior e médio superior, com apenas alguns participantes nos extremos (deficitário e elaborado). Embora o fator F2 - Expressão de sentimento positivo - tenha sido aquele com escores mais distribuídos nos quartis, ele ainda apresentou maior proporção de participantes com repertório médio superior e elaborado. Esse aspecto sugere que os cuidadores possuem recursos comportamentais nesta classe de habilidades, o que é importante na sua atuação em uma instituição de acolhimento, especialmente se o dado de relato corresponder ao desempenho efetivamente apresentado.
A habilidade de elogiar, que obteve média mais alta no relato dos cuidadores e está associada ao fator de Expressão de Sentimento Positivo é particularmente importante na monitoria positiva, conforme classificação das HSE de Del Prette e Del Prette (2013a). De acordo com Gomide (2003), a monitoria positiva inclui comportamentos de atenção, adequado estabelecimento de regras, distribuição contínua e segura de afeto, acompanhamento e supervisão de atividade, constituindo fatores de proteção para PC. Por isso mesmo, um amplo repertório de HSE pode também ser incluído entre os fatores de proteção (Garcia-Serpa, Meyer, & Del Prette, 2003). Por outro lado, o item menos frequente, do agrupamento abordagem afetivo sexual, está de acordo com o estudo de Teixeira (2015), ao avaliar habilidades assertivas de mulheres inseridas no mercado de trabalho. Quanto às HSEs, na autoavaliação, a maior parte dos cuidadores relatou um repertório classificado como médio inferior e deficitário. Em relação aos fatores, o F4 - Induzir disciplina foi o que reuniu a maioria dos participantes nos repertórios médio superior e elaborado. Composto por itens como estabelecer regras, normas ou valores, é uma classe bastante utilizada por agentes educativos, tanto pais quanto professores (Del Prette, & Del Prette, 2008), podendo-se considerar importante também no caso dos cuidadores (Del Prette, & Del Prette, 2013a). Nessa direção, é possível que as instituições de acolhimento já possuam regras e rotinas bem estabelecidas pelos diretores, que as repassam aos cuidadores e estes, por sua vez, utilizam com as crianças. Já o fator F3 - Conversar/Dialogar reuniu mais de 80% de participantes com repertório deficitário e médio inferior, com maioria também no fator F2 - Demonstrar afeto e atenção. Conforme Del Prette e Del Prette (2013a), o F3 reúne comportamentos como: (a) ser procurado pela criança para ouvir sobre seu no dia a dia; (b) conversar sobre o que assiste na TV, internet e demais meios de comunicação; (c) ajudar a criança a encontrar alternativas de solução quando com problema pessoal; enquanto que o F2 reúne itens como: (a) retribuir atenção ou gentileza recebida; (b) demonstrar carinho e troca afetiva; (c) valorizar/elogiar comportamentos desejáveis do filho; (d) perceber quando está feliz e satisfeito, relevantes para a classe de monitoria positiva. Em relação a esses itens, cabe destacar que, em programa de treinamento de HSE para mães, Rocha, Del Prette e Del Prette (2013) relataram ganhos significativos na classe Monitorar Positivamente, especialmente nas subclasses de elogiar, promover autoavaliação e expressar discordância e reprovação. Dessa maneira, novos programas de treinamento em HSE podem ser planejados visando tais classes e subclasses do repertório de cuidadores. Já a avaliação da criança, sobre as HS educativas do cuidador, mais positiva, situou mais de 70% da amostra de cuidadores com repertório médio superior e elaborado. É possível que as crianças, devido às experiências anteriores, tenham baixas expectativas sobre padrões de atenção, afeto e diálogo, superestimando, assim, as HSE dos cuidadores.
A análise específica de cada item mostrou que a habilidade com maior ocorrência na autoavaliação dos cuidadores foi: Percebo quando a criança está feliz e satisfeita, do fator F2 - Demonstrar atenção e afeto. Em concordância com esse dado, o segundo item com a maior frequência de emissão, sobre as HSE dos cuidadores na avaliação das crianças, foi: Você acha que ele (a) sabe quando você está feliz? elaborado com base no fator F2. Um importante dado a ser destacado é que ocorreu o mesmo no estudo de Brasil (2014), na autoavaliação dos pais (n = 40) sobre suas HSE, em que eles relataram a maior ocorrência do item: Percebo quando o meu filho está feliz e satisfeito. Possivelmente, tanto os pais quanto os cuidadores percebam mais facilmente quando a criança está feliz, em detrimento de quando está triste, por exemplo, devido à característica externalizante dos comportamentos que compõem a expressão da felicidade. Na amostra de referência do IHSE-Pais, o item com a maior ocorrência foi: Quando meu filho me demonstra carinho ou gentileza, eu retribuo, igualmente do fator F2 - Demonstrar atenção e afeto. Esses resultados indicam coerência entre as duas escalas e possíveis semelhanças na tarefa de cuidadores e pais.
Contrariamente, o item Uso conteúdo de estórias, poesias, filmes para ensinar comportamentos sociais à criança, do fator F5 - Organizar condições educativas, foi a habilidade menos relatada pelos cuidadores. Já o item Seleciono, para leitura de meus filhos, livros de histórias, poesias ou romances com conteúdo educativo, também do F5, foi o menos relatado na amostra de referência do IHSE-Pais (Del Prette, & Del Prette, 2013b), o que também ocorreu no IHSE-cuidador. No estudo de Comodo, Del Prette e Del Prette (2017) sobre a intergeracionalidade das HS entre pais e filhos adolescentes, os resultados apontam a "transmissão" de assertividade, empatia, abordagem afetiva e desenvoltura social, variando em função do sexo dos genitores e dos filhos, assim como da idade dos filhos, mas com influência reconhecida dos pares e professores. No caso específico do fator F5, pode-se considerar que as HSE estão aliadas ao nível de escolaridade e intencionalidade do educador/cuidador, para utilizar recursos formais potencialmente educativos, como os livros, por exemplo. No Questionário de HSE do Cuidador, o item Ele (a) te elogia algumas vezes? foi avaliado pelas crianças como o mais frequente e corresponde, aproximadamente, ao item do IHS-Del-Prette Quando um de meus familiares (filhos, pais, irmãos, cônjuge) consegue alguma coisa importante pela qual se empenhou muito, eu o elogio pelo seu sucesso, que obteve a maior frequência, no relato dos cuidadores. Del Prette e Del Prette (2013a) destacam que as HSE são classes de desempenho social que também envolvem a combinação de muitas HS e que estas constituem condição necessária, mas não suficiente para um bom repertório de HSE. Por outro lado, o item Ele (a) faz jogos e brincadeiras com você? foi o item com menor frequência na avaliação das crianças, 15 de 36, menos da metade relatou que seus cuidadores nunca apresentem esse comportamento, cerca de 20% que apresentam algumas vezes e somente cerca de 40% relataram que quase sempre/sempre apresentam esse comportamento. Essa porcentagem sugere que a prática lúdica não é usual nessas instituições. Certamente não se pode ignorar que a rotina dos cuidadores é bastante sobrecarregada com atividades de cuidados básicos (alimentação, banho, vestimenta, tarefas escolares). No entanto, trata-se de mais uma limitação desse ambiente em termos de estimulação para o desenvolvimento socioemocional, conforme sugerido por Yunes et al. (2004).
No que se refere às correlações entre o repertório da criança (HS e PC) e do cuidador (HS e HSE), o escore global de HS das crianças se correlacionou negativamente com o escore global de PC, tanto na autoavaliação quanto na avaliação do cuidador, sendo moderada e forte, respectivamente. Esses dados são coerentes com a literatura, que aponta um repertório elaborado de HS como fator de proteção para PC (Gresham, 2013; Bolsoni-Silva, Loureiro, & Marturano, 2011). Na avaliação do cuidador, devido ao resultado extremamente alto, as crianças estariam no ápice da condição desfavorável: de um lado, o máximo dos fatores de risco para PC e de outro, o mínimo de proteção (HS) para um bom desenvolvimento socioemocional.
Ao utilizar a escala do SSRS de avaliação da importância das HS, Brasil (2014) encontrou que as habilidades de cooperação, autocontrole e civilidade foram as mais valorizadas pelos pais. Na amostra de crianças institucionalizadas foi justamente nestas três classes que se verificou os maiores déficits, conforme a avaliação do cuidador, assim como os maiores coeficientes de correlação com os PC. Esse dado aponta para um repertório que precisaria ser objeto de maior atenção em termos de investimento em programas de intervenção junto a crianças institucionalizadas.
Contrariamente à literatura da área, mostrando que crianças com PC tendem a se autoavaliar de maneira superestimada positivamente (Gresham, & Elliot, 2016), a amostra do estudo se autoavaliou de maneira bastante negativa, o que pode refletir falhas na percepção, mas também problemas relacionados à autoestima. A respeito da falta de correlação entre as avaliações de HS da criança, uma explicação é o fato das escalas possuírem demandas diferentes: enquanto o SSRS-pais (adaptado para SSRS-cuidador) inclui itens relacionados principalmente ao âmbito familiar, o SSRS-criança avalia principalmente o desempenho diante de demandas do ambiente escolar.
Da mesma maneira, na autoavaliação não foi encontrada relação entre HS e HSE do cuidador. Este resultado mostra a especificidade situacional das HS, conforme amplamente referidas por Del Prette e Del Prette (2013a). Os comportamentos utilizados para educar uma criança não são os mesmos para lidar com as demandas do cotidiano, como conversar com colegas, por exemplo. Se a função é educar, promover o desenvolvimento do outro ou criar condições de aprendizagem, um repertório de HSE (Del Prette, & Del Prette, 2008) é necessário. Além disso, as HS, que atendem às demandas cotidianas, não são automaticamente transpostas para o contexto educativo. A falta de relação entre as HSE dos cuidadores e das HS das crianças, relação que seria esperada no caso de pais (Brasil, 2014) e professores (Bolsoni-Silva, & Mariano, 2014), pode refletir diferenças entre os contextos institucional e familiar. O contexto institucional, extrafamiliar e não normativo, carece do potencial benefício de crenças e normas socioculturais que favoreçam interações pautadas em relações empáticas e que, no geral, levam os pais a zelarem pelo desenvolvimento dos seus filhos.
No ambiente familiar é esperado também que os pais modifiquem o seu repertório de HSE de acordo com a idade de seus filhos, na medida em que esses últimos se tornem mais velhos (Ribeiro & Del Prette, 20147). No estudo de validação do IHSE-Pais, de um modo geral, pais de crianças mais velhas de 11 a 18 anos demonstram menos afeto e atenção aos filhos, correspondente ao Fator 2 do instrumento (F2), e organizam condições educativas (F5) com menor frequência do que pais de crianças mais novas de 2 a 10 anos (Ribeiro, & Del Prette, 2014). Esse padrão talvez não aconteça nas instituições com os cuidadores, nem mesmo com crianças menores, devido à ausência de histórico de relacionamento afetivo durante o início da vida da criança e falta de perspectiva de futuro envolvimento com a criança, depois do período de institucionalização, além de um elevado número de crianças por cuidador e alta rotatividade desses profissionais.
Os contextos familiar e institucional são semelhantes quanto à responsabilidade dos cuidadores e dos pais, respectivamente, em atender às necessidades da criança. Estes são e devem atuar como agentes educativos, tal como esse termo é definido por Del Prette e Del Prette (2008). Por isso, é importante identificar formas de superar problemas ou discrepâncias nos cuidados institucionais em comparação com os familiares e uma das formas de reduzir essas discrepâncias seria garantir melhores HSE dos cuidadores visando ao desenvolvimento socioemocionais das crianças, tal como ocorre no contexto familiar (Brasil, 2014; Ribeiro, & Del Prette, 2014). Entende-se que as instituições de abrigo devem se configurar como ambiente favorável ao desenvolvimento socioemocional, garantindo relações recíprocas e de afeto que são características do microssistema familiar (Leme, Del Prette, Koller, & Del Prette, 2016).
Além disso, podem promover o repertório de HS das crianças de modo a evitar ou superar suas dificuldades interpessoais (Del Prette, & Del Prette, 2005). No entanto, a amostra de cuidadores do presente estudo apresentou déficits de HSE importantes que, em estudos com pais, apresentam altos escores e estão positivamente correlacionadas com o repertório de HS dos filhos (Brasil, 2014), além de estarem presentes no repertório de pais com filhos mais socialmente habilidosos (Bolsoni-Silva, & Marturano, 2008). Entende-se que é altamente justificada a necessidade de orientar e valorizar o repertório dos cuidadores em habilidades de expressão de atenção e afeto para com as crianças no ambiente institucional. E de modo mais amplo, é importante promover o repertório de HSE dos cuidadores e de HS das crianças para favorecer o estabelecimento do vínculo cuidador-criança. Esse investimento pode se reverter em um fator de proteção contra PC, além de certamente facilitar atividades lúdicas e recíprocas de forma regular nesse contexto (Yunes et al., 2004) e de tornar o cuidador uma figura de referência (Sigal et al., 2003) para o desenvolvimento socioemocional das crianças em situação de acolhimento institucional.
Considerações finais
Os resultados no presente trabalho trazem evidências adicionais sobre as condições de desenvolvimento socioemocional das crianças em situação de acolhimento. Tais achados poderiam ser considerados na contratação de cuidadores bem como no planejamento de intervenções visando à preparação dos cuidadores para uma atuação mais efetiva nessa direção. O desafio, para coordenadores e equipe técnica das instituições, seria o de levar esses cuidadores a exercerem uma influência positiva mais direta na promoção do desenvolvimento das crianças, inclusive daquelas com repertório de comportamentos que dificulta os esforços de interação. Isso significa investir em melhores condições de abrigamento institucional enquanto medida de promoção de saúde e de desenvolvimento socioemocional das crianças.
Não obstante as contribuições deste estudo, são reconhecidas suas limitações, particularmente pelo uso de amostragem não probabilística, que restringe sua generalização para outros contextos institucionais e também pelo uso exclusivo de instrumentos de relato Assim, pesquisas futuras sobre essa temática poderiam buscar superar esses problemas com o uso de instrumentos mais diversificados de coleta de dados e com análises mais abrangentes em diferentes pontos do país, eventualmente identificando-se instituições que apresentem um padrão de atendimento a ser tomado como modelo em termos de promoção do desenvolvimento das crianças. De todo modo, os dados sugerem a importância de promover programas de HSE aos cuidadores que apresentem repertório deficitário de HSE, especialmente sob um delineamento experimental que permita avaliar de forma mais rigorosa os resultados diretos sobre os participantes e indiretos sobre as crianças, bem como desdobramentos mais gerais sobre a instituição.
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Endereço para correspondência:
Lívia Lira Guerra
psicologa@livialira.com.br
Zilda Pereira Del Prette
zdprette@ufscar.br
Submetido em: 04/03/2018
Revisto em: 13/06/2018
Aceito em: 29/06/2018
1 Ao longo deste estudo serão utilizadas as expressões "crianças em situação de acolhimento" e "crianças institucionalizadas".
2 O ECA, Lei n 8.069 de 1990, considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos incompletos.
3 Conjunto de itens que, com base no potencial de consumo das famílias brasileiras, classifica a população desde a mais baixa D-E até a mais alta A1, com instruções e procedimento de aplicação e aferição disponíveis em: http://www.abep.org/new/criterioBrasil.aspx.
4 Braz, A. C., Fontaine, A. M. V. G., Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2016). IHS-Del-Prette: Análise fatorial exploratória e confirmatória para 18 a 60 anos. Relatório disponível com os autores.
5 Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2013b). Inventário de habilidades sociais educativas - versão Pais (IHSE-Pais): Dados psicométricos preliminares. Relatório não publicado disponível com os autores.
6 Esses dados não foram incluídos no texto do presente trabalho.
7 Ribeiro, G. W, Del Prette, Z. A. P. (2014). Habilidades sociais educativas de pais: Associação com sexo e idade dos filhos. Relatório disponível com os autores.