Arquivos Brasileiros de Psicologia
ISSN 1809-5267
ARTIGOS
Uso de redes sociais e solidão: evidências psicométricas de escalas
Use of social networks and loneliness: psychometric evidence of scales
Uso de redes sociales y soledad: evidencias psicométricas de escalas
Patrícia Nunes da FonsêcaI; Ricardo Neves CoutoII; Carolina Cândido do Vale MeloIII; Luize Anny Guimarães AmorimIV; Viviany Silva Araújo PessoaV
IDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IIDoutorando. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IIIMestranda. Programa de Pós-Graduação em Neurociência Cognitiva e Comportamento. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
IVDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
VDocente. Departamento de Psicopedagogia. Universidade Federal da Paraíba (UFPb). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil
RESUMO
Objetivou-se apresentar evidências de validade e precisão do Cuestionário de Adicción a Redes Sociales (CARS) e Revised UCLA Loneliness Scale (UCLA) e verificar a relação da dependência das redes sociais com a percepção de solidão. Contou-se com 234 universitários de João Pessoa (PB), com idade média de 23,94 anos (DP = 6,67), a maioria do sexo feminino (58,0%) e solteiro (82,6%). Responderam a CARS, UCLA, Scale of Problematic Internet, Sigle Item Self-Esteem Scale e questões sociodemográficas. Os resultados das análises fatoriais exploratórias apontaram um único fator para o CARS e a UCLA, os quais demonstraram evidências de precisão igualmente favoráveis, ambos com alfa de Cronbach igual a 0,93. Verificou-se relação positiva entre uso das redes sociais e percepção de solidão e relação negativa dessa última variável com autoestima. Logo, asseguram-se as qualidades psicométricas dos instrumentos e verifica-se que os contatos virtuais não suprem a necessidade do convívio presencial.
Palavras-chave: Redes sociais; Solidão; Autoestima; Convívio social.
ABSTRACT
The objective of this study was to gather evidence of validity and accuracy of the Cuestionário de Adicción a Redes Sociales (CARS) and Revised UCLA Loneliness Scale and to know the relationship between social network dependence and the perception of loneliness. 234 university students from the city of João Pessoa (PB) participated, with an average age of 23.94 years (SD = 6.67), most of them were female (58%) and single (82.6%). They responded to CARS, UCLA, Scale of Problematic Internet, Sigle Item Self-Esteem Scale and sociodemographic issues. The results of the exploratory factorial analysis indicated a single factor for the CARS and UCLA, which demonstrated equally favorable evidence of precision, both with Cronbach's alpha equal to 0.93. There was a positive relationship between the use of social networks and the perception of loneliness and a negative relation of this last variable with self-esteem. Therefore, the psychometric qualities of the instruments are ensured and it is verified that the virtual contacts do not supply the need of face-to-face contact.
Keywords: Social networks; Loneliness; Self-esteem; Social interaction.
RESUMEN
Se objetivó reunir evidencias de validez y precisión del Cuestionario de Adicción a Redes Sociales (CARS) y Revised UCLA Loneliness Scale y conocer la relación de la dependencia de las redes sociales con la percepción de soledad. Se contó con 234 universitarios de João Pessoa (PB), con edad promedio de 23,94 años (DP = 6,67), la mayoría del sexo femenino (58%) y soltero (82,6%). Respondieron al CARS, UCLA, Scale of Problematic Internet, Sigle Item Self-Esteem Scale y cuestiones sociodemográficas. Los resultados de los análisis factoriales exploratorios apuntaron un único factor para el CARS y la UCLA, los cuales demostraron evidencias de precisión igualmente favorables, ambos con alfa de Cronbach igual a 0,93. Se verificó una relación positiva entre el uso de las redes sociales y percepción de la soledad y la relación negativa de esta última variable con autoestima. Luego, se aseguran las cualidades psicométricas de los instrumentos y se verifica que los contactos virtuales no suplen la necesidad de la convivencia presencial.
Palabras clave:Redes sociales; Soledad; Autoestima; Convivencia social.
Introdução
Nas duas últimas décadas, o uso da internet tem crescido de modo acelerado, atraindo uma expressiva parcela da população mundial, aproximadamente 3,7 bilhões de usuários no início de 2017. Especificamente, nos países desenvolvidos, a maioria das pessoas que utilizam a internet (94%) estão na faixa de idade entre 15 a 24 anos (International Telecommunications Union - ITU, 2017). No Brasil, de acordo com o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br, 2016), há 107,9 milhões de usuários que utilizam cotidianamente os serviços online.
Tal crescimento pode ser reflexo dos benefícios que a tecnologia traz, como a rapidez da informação, a aproximação de pessoas, a redução nos custos dos aparelhos móveis e o acesso a conteúdo de pesquisas. Esse contexto também favorece o aumento no número de acessos às redes sociais, independentemente de classe social ou condição cultural (Batista & Barcelos, 2013).
Apesar da rápida popularização da tecnologia e de seus inegáveis benefícios, constatam-se alguns problemas associados, dentre eles: o uso problemático da internet, o vício em tecnologia ou dependência de celular e internet. À vista disso, o uso exagerado da internet pode ocorrer porque o indivíduo está acessando com muita frequência as redes sociais para diversos fins, por exemplo, comunicar com os amigos, realizar trabalho, interagir com familiares distantes do seu convívio (Boubeta, Salgado, Folgar, Gallego, & Mallou, 2015).
Em relação às redes sociais, Recuero (2007) afirma que são interações sociais complexas promovidas por tecnologias digitais de comunicação. Elas podem influenciar a maneira como as pessoas se organizam na vida cotidiana e se configuram em uma díade de elementos básicos, a saber: os atores (pessoas, instituição ou grupos) e suas interações. Esses espaços virtuais são ferramentas de socialização, interação e comunicação que interligam diversos usuários e proporcionam união entre eles.
Além dos benefícios enfocados anteriormente, o uso das redes sociais também pode oferecer riscos à saúde mental das pessoas, os quais dependerão da forma como elas são utilizadas. Sobre isso Mayate e Blas (2014) afirmam que é um verdadeiro paradoxo, pois se por um lado as redes sociais auxiliam e aceleram a comunicação entre as pessoas, por outro elas impedem o contato presencial, em que ocorrem as trocas reais de afetos e interação.
Um dos sites de rede social mais popular é o Facebook, dentre as pessoas que utilizam a internet, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo o WhatsApp (58%) e o Youtube (17%) as mais utilizadas depois do Facebook. Essas são acessadas por diversos motivos, como interagir com amigos e familiares, buscar alguém para se relacionar, realizar atividades profissionais e divulgar produtos e empresas (Portal Brasil, 2017).
Apesar dos vários benefícios que as redes sociais promovem, como estreitar as fronteiras e facilitar a vida das pessoas, é importante destacar que o uso excessivo pode trazer prejuízos. Nessa linha, de acordo com Picon et al. (2015), a possibilidade de se comunicar em redes online pelos celulares, permite uma maior facilidade de acesso ao indivíduo, já que para isso, basta apenas ter o aparelho móvel e internet. Todavia tal comportamento pode atrapalhar o cotidiano das relações pessoais, especialmente o convívio com seus pares (por exemplo, familiares, amigos, colegas de trabalho/universidade), já que o indivíduo, mesmo na companhia de pessoas, pode permanecer conectado às redes sociais e negligenciar os momentos compartilhados.
Observa-se que a opção de permanecer muito tempo conectado apresenta evidentes interferências negativas na rotina do indivíduo, pois não desfrutam da presença física de outras pessoas de modo adequado, e ainda se colocam em uma condição de vulnerabilidade frente aos problemas de saúde (por exemplo, depressão, ansiedade, solidão). Tais condições, por sua vez, podem ser observadas em grupos de crianças, adolescentes e adultos com as mais diversas características sociodemográficas, embora estudos apontem os universitários como grupo de risco (Mayate & Blás, 2014; Méa, Biffe, & Ferreira, 2016).
Neste sentido, ainda com relação aos riscos do uso excessivo de redes sociais, Israelashvili, Kim e Bukobza (2012) encontraram que o nível de utilização da internet e redes sociais se relaciona negativamente com o autoconhecimento e a autoestima. Appel, Schreiner, Weber, Mara e Gnambs (2016) propuseram um estudo que procurou reunir evidências referentes à relação entre a intensidade de conexão no Facebook (rede social) com o autoconceito. Os resultados mostraram que a intensidade do uso do Facebook foi um preditor negativo importante do modo como os participantes se imaginavam em relações presenciais, os jovens preferiram manter amizades virtuais, por terem uma autopercepção negativa.
A fim de investigar sobre esses aspectos, Mayate e Blas (2014) basearam-se em critérios similares da dependência de substâncias e criaram o Cuestionario de Adicción a Redes Sociales (CARS), em versão preliminar de 31 itens, aplicado em universitários no contexto da língua espanhola, em Lima, Peru. Nas análises preliminares, sete itens foram excluídos por não atenderem ao critério de assimetria e curtose, em seguida, os 24 itens que compuseram a escala, após análises fatoriais exploratórias e confirmatórias, definiram uma estrutura composta por três fatores, a saber: (1) Obsessão por redes sociais; (2) Falta de controle pessoal e (3) Uso excessivo. A confiabilidade, usando o alfa de Cronbach das escalas, variou de 0,88 até 0,92.
Robles (2016) utilizou a CARS em uma amostra de universitários na cidade do Peru e verificou que a escala é uma excelente ferramenta para investigar os problemas que afetam a saúde e as relações sociais. Além disso, a CARS apresentou índices psicométricos satisfatórios e os itens cobriram aspectos relevantes para a investigação, tais como: preocupação constante no que acontece nas redes, sentimento de ansiedade quando não é possível ficar conectado, incapacidade de regular o próprio tempo e continuar conectado durante um longo período, sem negligenciar outras tarefas importantes (Mayate & Blas, 2014).
Os aspectos cobertos pela CARS indicam a necessidade de a pessoa estar conectada, gerando ansiedade, caso isso não ocorra. Tal comportamento associa-se diretamente ao isolamento social, que por sua vez pode proporcionar sentimento de solidão (Silva & Silva, 2017). Assim, compreende-se a importância do estudo da solidão neste contexto, pois a dependência da internet ou, consequentemente, das redes sociais, pode ser um meio de fuga utilizada pelo indivíduo para lidar com o sentimento de solidão, advindos do formato da sociedade atual, com contatos presenciais cada vez mais raros (Fortim & Araújo, 2013).
Embora não haja consenso entre os estudiosos quanto à definição da solidão, tendo em vista que pode se manifestar de diferentes maneiras, dependendo da faixa etária (Liepins & Cline, 2011), há uma linha comum entre elas. Todas as definições reportam a uma deficiência nas relações sociais; referem-se à solidão como algo subjetivo e não objetivo, como o isolamento social; e aludem a uma insatisfação com os relacionamentos sociais experienciados pelas pessoas, percebendo-os como insuficientes ou inadequados, produzindo uma reação afetiva, representada por um sentimento que inclui tristeza e vazio (Hawkley & Cacioppo, 2010).
De acordo com Kamiya, Doyle, Henretta, e Virmonen (2014), o surgimento da solidão pode ter várias fontes, como problemas de saúde, rejeição social e baixa autoestima. A solidão pode ser avaliada de acordo com uma perspectiva unidimensional ou multifacetada. Na primeira, a solidão é entendida como um fenômeno unitário que varia em termos de frequência e intensidade. Já a perspectiva multidimensional trata da impossibilidade de considerar esse construto como uma medida global, distinguindo qualitativamente experiências de solidão em diferentes situações (DiTommaso & Spinner, 1993). Nessa oportunidade, é apreendida de um modo unidimensional, na qual o que sofre alteração é a intensidade com que é experienciada.
Essa linha teórica define a interpretação da Escala de Solidão conhecida como Revised UCLA Loneliness Scale (Russel, Peplau, & Ferguson, 1978), a qual encara a solidão como um estado psicológico, ou seja, as pessoas podem apresentar sentimento de solidão ao longo de diversos percursos de tempo e diferentes situações da vida. Utilizada no presente estudo, foi originalmente elaborada por Russel et al. (1978) e demonstra consistência interna satisfatória, com um alfa de Cronbach igual a 0,78. Tem como finalidade avaliar a solidão indiretamente, além de ser uma das escalas mais empregadas na literatura para a avaliação da solidão e dos construtos associados (Correia, 2012).
No Brasil, a escala teve seus itens adaptados para o português por Barroso, Andrade, Midgett, e Carvalho (2016), comportando-se em uma estrutura bifatorial. Porém, os critérios psicométricos considerados foram confusos quanto a decisão da estrutura e o pertencimento de cada item nas dimensões. Ademais, sendo a única evidência encontrada, faz-se necessário avançar e reunir parâmetros psicométricos com amostras diferentes no contexto brasileiro.
Russel et al. (1980) revisaram a escala e encontraram correlação positiva com depressão e ansiedade, e negativa com autoestima. Estima-se a partir disso que, quanto mais o indivíduo se reconhece em situação de solidão, menor sua autoestima e, portanto, mais inibido em situações sociais, o que pode levar a tomada de decisão de não procurar contatos com outras pessoas. A relação entre o sentimento de solidão e a autoestima tem sido comprovada com fortes evidências empíricas por alguns estudos (Kamiya et al., 2014; Kwiatkowska, Kwiatkowska, & Rogoza, 2016).
Ademais, a solidão é vivenciada por pessoas nas diferentes faixas de idade, sendo mais comum entre jovens e idosos (Azeredo & Afonso, 2016). Utilizando a Escala de Solidão da Revised UCLA Loneliness Scale (UCLA), Felix Neto (2001) contaram com uma amostra de 105 adolescentes, 116 adultos e 104 idosos e corroboraram a afirmativa supracitada, indicando um maior índice de solidão entre idosos e adolescentes, independente do sexo.
Partindo de uma amostra de 201 portugueses, com idade superior a 18 anos, e utilizando a Escala de Solidão da UCLA, Reis, Leite, Amorim e Souto (2016) encontraram maiores níveis de solidão em pessoas que dedicam mais tempo à utilização das redes sociais. Além disso, Ceyhan e Ceyhan (2008) concluíram que a percepção de solidão é um construto significativo, no estudo do uso problemático das redes sociais por estudantes universitários, ainda mais forte do que a depressão. Dessa forma, é possível verificar a relevância dos estudos com jovens que abordam o uso das redes sociais e sua relação com o sentimento de solidão e as consequências psicológicas, além de prejuízos ao rendimento acadêmico, profissional e desinteresse por outras atividades (Braga & Dell'Aglio, 2013; Rangel & Miranda, 2016).
Neste sentido, o presente estudo tem como objetivo geral apresentar evidências de validade e precisão do CARS e UCLA. Além disso, busca apresentar evidências de validade externa com níveis de autoestima e, ainda, conhecer a relação da dependência das redes sociais com a percepção de solidão em universitários.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 234 universitários da cidade de João Pessoa (PB), com idade média de 23,94 anos (amplitude de 19 a 56 anos; DP = 6,67). A maioria era do sexo feminino (58,0%), solteira (82,6%), oriunda de instituições públicas (54,0%) e com renda familiar variando de R$ 2.700,00 a R$ 5.600,00 (25,6%). Afirmaram ficar conectados em média 5,79 horas por dia (DP = 4,34; variando de uma hora até 18 horas).
Para participar do presente estudo foram adotados os seguintes critérios de inclusão: o indivíduo ter acesso às redes sociais, independentemente do meio utilizado, ser universitário e ter a idade mínima de 18 anos.
Instrumentos
Os participantes responderam aos seguintes instrumentos:
CARS: desenvolvido por Mayaute e Blas (2014) no idioma espanhol, composto por 24 itens respondidos em uma escala tipo Likert de cinco pontos, que representam a frequência de comportamentos relacionados ao uso dependente de celulares e redes sociais, variando entre 1 = Nunca e 4 = Sempre. A estrutura fatorial é composta por três fatores: obsessão por redes sociais (α = 0,91); falta de controle pessoal no uso das redes sociais (α = 0,88) e uso excessivo das redes sociais (α = 0,92) e apresenta índice de precisão geral considerado satisfatório (α = 0,95).
UCLA: construída por Russel, Peplau e Ferguson (1978), revisada por Russel et al. (1980) e adaptada para o português brasileiro por Barroso et al. (2016). É utilizada para avaliar o construto solidão, solicitando que os participantes relatem a sua percepção com relação ao seu sentimento. É composta por 20 itens a serem respondidos em uma escala tipo Likert, com quatro pontos, que variam de 1 = Nunca até 4 = Muitas vezes. Apresenta uma estrutura unifatorial e consistência interna satisfatória (alfa de Cronbach = 0,94; Russel et al., 1978).
Scale of Problematic Internet (SPI): elaborada no idioma espanhol por Salgado, Boubeta, Tobío, Malou e Couto (2014) e adaptada e validada para o contexto brasileiro por Fonsêca, Couto, Melo, Machado e Souza Filho (2018). É uma medida de rastreamento sobre o uso problemático da internet, composto por oito itens (por exemplo, item 8. Tenho deixado de fazer coisas importantes para poder ficar conectado; e item 2. Em algumas ocasiões tenho perdido horas de sono por usar a internet), respondidos em uma escala tipo Likert com cinco opções de respostas, variando de 0 - Discordo totalmente a 4 - Concordo totalmente. Na versão adaptada, utilizada no presente estudo, foi comprovada a estrutura unifatorial com bons índices de ajustes e consistência interna (CFI = 0,99, TLI = 0,99, RMSEA = 0,03 (IC 90% = 0,00-0,07) e Pclose = 0,72, além de um alfa de Cronbach de 0,82).
Sigle Item Self-Esteem Scale (SISES): construída e validada nos Estados Unidos por Robins, Hendin e Trzesniewski (2001), é uma escala utilizada para avaliar a autoestima. Foi adaptada e validada para o contexto brasileiro por Pimentel et al. (2018), apresentando satisfatórias evidências de validade convergente. É composta por apenas um item: "eu tenho autoestima elevada" respondido em uma escala tipo Likert de 7 pontos, variando de 1 = Não muito frequente em mim a 7 = Muito frequente em mim.
Questionário sociodemográfico: é um conjunto de perguntas que visam caracterizar os participantes e saber sobre o uso das redes sociais (idade, sexo, estado civil, natureza da instituição universitária, renda familiar e horas de acesso diária).
Procedimento
A fim de contar com a versão brasileira do CARS realizou-se a sua tradução por meio da técnica de backtranslation (Sousa & Rojjanasrirat, 2010), auxiliada por profissionais bilíngues (Português-Espanhol). A medida foi traduzida e, posteriormente, retraduzida para o espanhol por dois profissionais mestres e doutores especialistas na área. Em seguida, as traduções foram comparadas a fim de se verificar o quanto havia de equivalência. Após a comprovação de correspondência entre as traduções, constatou-se que a versão em português refletia igualmente o texto em espanhol.
Posteriormente, procedeu-se a etapa de validação semântica, conforme proposto por Pasquali (2010). Para tanto, a escala foi aplicada em 20 participantes oriundos da população alvo do estudo (ou seja, 10 universitários do sexo masculino e 10 do feminino, divididos proporcionalmente entre os primeiros e últimos períodos do curso superior) para se verificar se havia alguma dificuldade de leitura e/ou interpretação dos itens. Ao final, não se verificou qualquer problema e, então, tratou-se de aplicá-la junto aos demais instrumentos à amostra de universitários.
Ressalta-se que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde (CCSA/UFPB) e obteve parecer favorável (Prot. n°689/16. CAAE: 61341516.5.0000.5188). A aplicação ocorreu nas dependências das universidades públicas e privadas após a Carta de Anuência (CA) das instituições e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por parte dos participantes. Na ocasião, foram garantidos o anonimato do respondente e o sigilo das informações, conforme determina as Resoluções no 466/12 e no 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Em média, os participantes levaram 20 minutos para responder os instrumentos.
Análise de dados
Com o software Factor 9.2 (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2013), investigou-se a dimensionalidade das medidas, através do método Hull Comparative Fit Index (CFI; Lorenzo-Seva, Timmerman, & Kiers, 2011), por esse ser um dos métodos mais acurados em retenção de fatores (Lorenzo-Seva et al., 2011) a partir de análises fatoriais exploratórias categóricas Unweighted Least Squares (ULS) com correlações policóricas. Foram, ainda, calculados o alfa de Cronbach com base nas correlações policóricas e o ômega de McDonald com o objetivo de averiguar a consistência interna dos instrumentos. No programa R foram realizadas as estatísticas descritivas para caracterizar a amostra e as análises de correlações dos escores totais das medidas utilizadas.
Resultados
Evidências de validade e precisão do CRAS e UCLA
Inicialmente, a busca de evidências de validade do CARS através da análise fatorial exploratória ordinal ULS mostrou-se adequada, apresentando os índices Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,92 e o teste de esfericidade de Bartlett = 3018,9 (276); p < 0,001. A estrutura fatorial revelou-se unidimensional pelo método Hull, resultando em índice de ajuste Global Fit Index (GFI) = 0,98 e um valor próprio de 9,09. O fator retido explicou 40,33% da variância total dos itens que, juntamente com os índices de consistência interna, tem suas cargas fatoriais detalhadas na Tabela 1.
Em síntese, todos os 24 itens tiveram saturações superiores a 0,30 no fator denominado Uso dependente das redes sociais, variando de 0,45 (item 02) a 0,81 (item 04). Pode-se observar que, com base em correlações policóricas, este fator apresentou alfa de Cronbach de 0,93 e ômega de McDonald de 0,93. Logo, percebe-se que a CARS reuniu evidências satisfatórias de validade e precisão.
Ademais, decidiu-se realizar uma análise fatorial no conjunto dos itens da UCLA por não ter sua estrutura fatorial definida no contexto brasileiro. A adequação foi constatada através do KMO = 0,92 e do Teste de Esfericidade de Bartlett, χ2 (190) = 2516,7, p < 0,001. Assim, seguiu-se com uma análise fatorial exploratória ULS com base policórica, na qual o método Hull sugeriu a unidimensionalidade da medida. O único fator (valor próprio = 9,48; variância explicada = 47,01) reuniu 19 itens e apresentou evidências de precisão igualmente favoráveis. Esses resultados são descritos na Tabela 2.
Validação convergente e correlatos entre uso das redes sociais, solidão e autoestima
A partir dos resultados obtidos, foi possível calcular o escore geral do CARS e da UCLA e proceder com análises de correlações a fim de reunir evidências de validade externa e conhecer o padrão de relacionamento entre o uso dependente das redes sociais, sentimento de solidão e autoestima. Os resultados descritivos e a matriz de correlação são descritos na Tabela 3.
Pode-se verificar que o CARS apresentou uma correlação positiva e significativa com a SPI (r = 0,80; p < 0,001). Isso revela a validade convergente do instrumento, uma vez que demonstrou uma alta correlação com o instrumento que mensura o uso dependente da internet.
Ademais, os resultados sugerem que quanto maiores são os níveis de dependência de uso das redes sociais, maiores sentimentos de solidão (r = 0,17; p < 0,001), entretanto não apontou relação entre dependência das redes sociais e autoestima (r = -0,07; p > 0,05). Por fim, pôde-se observar que o sentimento de solidão se correlacionou negativamente com autoestima (r = -0,34; p < 0,001). Tal resultado sugere que uma pessoa com uma imagem mais positiva de si experiencia menor sentimento de solidão.
Discussão
No presente estudo foi possível verificar a estrutura fatorial de duas medidas (CARS e UCLA) no contexto brasileiro, a fim de conhecer o padrão de relação entre uso dependente das redes sociais e sentimento de solidão, além de relacioná-los com autoestima. Assim, os objetivos propostos foram alcançados com êxito. Destaca-se que foi utilizado um número amostral suficiente e adequado para as análises propostas, com resultados relevantes, discutidos a seguir.
No que diz respeito às análises fatoriais realizadas nas duas medidas, pode-se reunir evidências de validade interna e externa, nas quais todos os itens, exceto o item 2 da escala UCLA [Eu não tolero ficar tão sozinho(a)], saturaram no mínimo 0,30, no fator correspondente, ou seja, acima do ponto de corte indicado pela literatura (Pasquali, 2010). Ademais, ambas medidas apresentaram índices psicométricos excelentes no que diz respeito a consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach e ômega de McDonald, superando o valor mínimo adequado de 0,70 (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014; Nunnally, 1978).
A estrutura unifatorial encontrada na CARS diverge da trifatorial encontrada no estudo original (Mayate & Blas, 2014). No contexto brasileiro considerado reconheceu-se a existência de um único fator latente responsável por todos os itens na versão final, tenha-se em conta que o método Hull utilizado é conservador, no entanto, em estudos, comprova-se ser um dos métodos mais acurados em retenção de fatores (Lorenzo-Seva et al., 2011). Quanto a estrutura da Escala de Solidão da UCLA, o modelo unifatorial é convergente com o original (Russel et al., 1980) e o estudo de Correia (2012), os quais tiveram o mesmo objetivo de investigar o número de dimensões da escala.
Ampliando evidências de validade de construto da CARS, buscou-se comprovar sua validade convergente. Segundo Pasquali (2010), um instrumento apresenta validade convergente quando se correlaciona com outro que mensura um construto teoricamente relacionado. Para tanto, utilizou-se a SPI, medida que mensura o uso problemático da internet. A partir do resultado, verificou-se forte correlação (r = 0,80; p < 0,001) entre as escalas, portanto existe um índice satisfatório e uma esperada relação (Urbina, 2007).
Acrescentando parâmetros psicométricos das escalas consideradas, foi possível verificar que quanto maiores os níveis de dependência de uso das redes sociais, maior a percepção de solidão. Os resultados aqui encontrados corroboram com Reis et al. (2016) e Picon et al., (2015), ampliam a problemática, pois a preferência por estar conectado em redes online pode tornar-se compulsiva e interferir negativamente no cotidiano dos jovens, podendo ocasionar também déficits no rendimento acadêmico e profissional (Braga & Dell'Aglio, 2013; Rangel & Miranda, 2016).
A decisão de usar o celular e ficar conectado às redes sociais, combinada com o desinteresse por outras atividades do dia-a-dia (incluindo o contato social) é contraditória, e tal problemática merece atenção, uma vez que as redes sociais que poderiam ser encaradas como facilitadoras das relações, devido a sua fácil acessibilidade e rapidez, muitas vezes afastam as pessoas, limitando-as a contatos puramente virtuais (Mayate & Blas, 2014). Como pode ser observado pelas evidências empíricas aqui encontradas, isso não é suficiente para suprir as necessidades pessoais e, muitas vezes, a ausência do contato social é acompanhado por sentimento de solidão.
Ainda com relação à dependência das redes sociais, os achados do presente estudo apontam que não existem associações com autoestima. Tais resultados vão de encontro a pesquisas recentes sobre a mesma temática, as quais identificaram associações negativas entre o uso abusivo de redes sociais e a autoestima (Appel et al., 2016; Davis, 2013; Israelashvili et al., 2012). Ou seja, quanto maior a dependência das redes sociais, menor é a avaliação que o indivíduo faz de si mesmo. Esse resultado inesperado carece de investigações futuras com outros estratos amostrais a fim de verificar se esta é uma característica dessa amostra específica.
Corroborando a afirmação de Braga e Dell'Aglio (2013), de que a convivência em grupos pode ser determinante para autoestima, os achados desse estudo apontaram relações significativas entre a solidão e a autoestima. Esse dado é corroborado por outras pesquisas acerca da temática (Kamiya et al., 2014; Kwiatkowska et al., 2016), os quais afirmam que a baixa autoestima está na base da percepção de solidão. Tais resultados corroboram o estudo original da UCLA Revisada, quando Russel, Peplau e Cutona (1980) apresentam dados de validade discriminante com a autoestima (r = -0,49), sugerindo que a solidão pode influenciar em como as pessoas avaliam a si mesmas. Ou seja, quanto maiores os momentos isolados do convívio social, menor será a forma como as pessoas se autoavaliam (autoestima baixa).
Os resultados demonstram um avanço no estudo e produção científica das temáticas, no entanto, encontram-se algumas limitações. O delineamento correlacional da pesquisa não permite afirmar relação de causa e efeito, sendo restrito às pesquisas experimentais (Breakwell, Hammond, Fife-Schaw, & Smith, 2010). Não foi controlado o viés desejabilidade social, comumente presente nas pesquisas de autorrelato, quando o participante busca uma promoção pessoal e/ou distorce as respostas (Gouveia, Guerra, Souza, Santos, & Costa, 2009). Ademais, não contou com uma amostra probabilística, representativa, a partir da qual fosse possível generalizar os resultados, restringindo-os para a amostra aqui considerada (Cozby, 2003), não obstante, enfatiza-se que não foi o objetivo ultrapassar o contexto abordado.
A partir disso, recomenda-se considerar em estudos futuros amostras randômicas e heterogeneas, com participantes de diferentes faixas etárias e diferentes regiões do Brasil. Seria interessante, também, promover um estudo experimental e conseguir inferir causalidade entre o nível de solidão e uso das redes sociais a fim de esclarecer melhor a relação. Sugere-se, ainda, acrescentar demais construtos (por exemplo, personalidade, valores humanos, habilidades sociais, bem-estar subjetivo, procrastinação, ansiedade) na investigação e construir um modelo explicativo que facilite a interpretação e o entendimento da influência do uso das redes sociais e o sentimento de solidão em diferentes contextos da vida do indivíduo.
Dado o exposto, pode-se afirmar que é relevante o papel do uso das redes sociais na vida das pessoas, sobretudo na dos jovens, que frequentemente conectam-se a redes sociais (Ceyhan & Ceyhan, 2008). Logo, julga-se importante contar com as versões das escalas (CARS e UCLA) adaptadas e com parâmetros psicométricos adequados no contexto brasileiro no trabalho de avaliação e pesquisas futuras.
Incentiva-se o uso desses instrumentos para ampliar o debate e proporcionar aos jovens momentos de ressignificação quanto ao uso das redes sociais e superar o paradoxo que acompanha o seu uso inconsequente (Mayate & Blas, 2014). Especialmente julgar a necessidade do convívio com pessoas próximas (por exemplo, familiares, amigos, colegas de trabalho/universidade) e não negligenciar atividades profissionais/acadêmicas, promovendo uma conscientização de que as redes sociais não devem substituir o encontro, mas ser alinhada à interação e manutenção de relações sociais, minimizando os impactos negativos na saúde física e psicológica das pessoas.
Referências
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Endereço para correspondência:
Patrícia Nunes da Fonsêca
pnfonseca.ufpb@gmail.com
Ricardo Neves Couto
r.nevescouto@gmail.com
Carolina Cândilo do Vale Melo
caah.melo@hotmail.com
Luize Anny Cardoso Guimarães
acgluize@gmail.com
Viviany Silva Araújo Pessoa
viviany.pessoa@gmail.com
Submetido em: 02/03/2018
Revisto em: 21/05/2018
Aceito em: 24/05/2018